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segunda-feira, dezembro 18, 2006

A simulação no novo Código Civil

Fonte:





Marcelo Barbosa Sacramone
advogado em Jundiaí (SP), mestrando em direito comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo





Sumário:1. Introdução. 2. Conceito. 3. Interpretação do negócio jurídico. 4. Relação entre a vontade e a declaração na simulação. 5. Simulação absoluta e simulação relativa. 6. Simulação maliciosa e simulação inocente. 7. Efeitos da simulação no Código Civil de 1916. 8. Efeitos da simulação no Novo Código Civil. 9. Conclusão. 10. Bibliografia.


1.Introdução

O Novo Código Civil logrou unificar a matéria obrigacional no direito brasileiro, o que, longe de constituir uma inovação no direito pátrio, já era tentado sem sucesso desde 1859 com o Esboço de Código Civil de Teixeira de Freitas.

Os princípios que regem o tratamento a ser dispensado às relações comerciais e às relações civis não se apresentam, contudo, de maneira uniforme, o que dificulta a unificação. A prática reiterada de negócios jurídicos de maneira organizada e estável pelo empresário cria em torno desta atividade negocial uma lógica diversa da pautada à realização de um negócio isolado, típico das relações civis.

Dentre esses princípios, a segurança e a previsibilidade alcançam extrema relevância ao desenvolvimento das transações empresariais, em virtude da "habitualidade, continuidade finalística e coordenação sistemática" [01], como características que as revestem. A tutela da aparência do negócio jurídico, assim, emerge como o principal ponto de regulamentação do direito obrigacional pelo Código Civil de 2002, pondo em relevância, desta maneira, duas figuras intrinsecamente ligadas: a interpretação e a simulação dos negócios jurídicos.


2.Conceito

O termo simulação tem origem no latim simulatio, que significa fingimento, artifício [02]. Na definição vernacular, simulação significa ato ou efeito de fingir o que não é; disfarce; fingimento [03].

Juridicamente, pode-se definir simulação como a aparência de um negócio jurídico contrário à realidade, destinado a provocar uma ilusão no público, seja por não existir negócio de fato, seja por existir um negócio diferente daquele que se aparenta [04]

Quanto à sua natureza jurídica, as teorias que procuraram conceituar a simulação podem ser agrupadas em dois grupos principais: a teoria tradicional e a teoria objetiva.

A primeira teoria, cujos postulados são dominantes tanto no Brasil quanto alhures, preconiza uma discordância entre a vontade real e a declaração; as partes convencionariam uma vontade real desejada, mas emitiriam uma declaração não conforme a esta, com o intuito de iludir terceiros.

Nesta acepção se enquadra Beviláqua, para o qual há simulação "quando o ato existe apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar nas relações da vida. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado" [05].

No mesmo sentido se manifesta Ferrara determinando que "aquilo que é mais característico no negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração. A vontade interna e a declaração externa estão conscientemente em oposição" [06].

As partes emitem, em suma, de comum acordo, com o intuito de enganar terceiros, uma declaração divergente da vontade real.

A teoria objetiva, sustentada mormente por Kohler, por outro lado, preconiza a existência, no fenômeno simulatório, de duas declarações que se anulam reciprocamente. Para esta teoria, é inconcebível apregoar a divergência entre a vontade real e a declaração.

Segundo esta teoria, não há na simulação qualquer desarmonia entre a ação e a vontade; a suposta divergência aparente decorre da separação de somente uma parte do todo da declaração, parte que é levada a conhecimento de terceiros. Mas esta divergência não existe; o que existe são duas declarações, uma declaração e uma contra-declaração no mesmo negócio jurídico, as quais se anulariam reciprocamente [07].

Para a teoria objetiva, sobre a mesma intenção, duas declarações são emitidas. Uma é destinada a terceiros, criando a aparência de determinado negócio jurídico e determinados efeitos típicos que este geraria; a outra fica na esfera exclusiva de conhecimento dos contratantes, regulando de maneira real os efeitos estabelecidos pelas partes [08].

A despeito das particularidades de cada teoria depreende-se que a o pactuado entre as partes não é o que é manifestado perante terceiros, criando uma aparência de negócio que não se coaduna com a vontade real de produção de efeitos dos sujeitos. A regulação sobre o instituto concentra-se assim em saber, tanto na relação com terceiros quanto entre as partes, qual dos elementos da simulação deve prevalecer, quais sejam a vontade ou a declaração aparente [09].


3.Interpretação do negócio jurídico

A interpretação acerca do fenômeno simulatório, debruçando-se sobre a prevalência da vontade interna ou da declaração exteriorizada, guarda referência com a própria evolução do conceito de negócio jurídico.

Savigny, ao conceituar negócio jurídico, preconiza uma concepção subjetiva em que o negócio jurídico apresenta-se como uma declaração de vontade com o fim imediato de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Sua essência reside na vontade; a declaração apresenta-se como mero meio necessário de exteriorização desta. Nesse sentido, na divergência entre a vontade e a declaração, prevaleceria a vontade [10].

No Brasil, a teoria subjetiva consagrou-se no Código Civil de 1916 que determinava, em seu artigo 85, que "nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem".

Contrapondo-se à corrente subjetivista, a teoria objetiva procura sanar a desconfiança e imprevisibilidade que comprometem a própria fluência das relações, mormente das relações comerciais, em decorrência do direito tutelar um elemento interno ao sujeito, sua vontade, em contraposição ao externalizado no meio social – a declaração.

Sob essa perspectiva, conceitua Betti que o negócio jurídico transparece como o "ato de autonomia privada a que o direito liga o nascimento, a modificação e a extinção das relações jurídicas entre particulares". Para o autor, a vontade "pertence unicamente ao foro interno da consciência individual. Somente na medida em que se torna reconhecível no ambiente social, seja como declaração, seja como comportamento, ela se torna um fato social, suscetível de interpretação e de avaliação pelas partes. Somente declarações ou comportamentos são entidades socialmente reconhecíveis e, portanto, próprias para constituir objeto de interpretação ou instrumento de autonomia privada (...) Objeto de interpretação não pode ser senão um dado objetivo, uma entidade reconhecível precisamente no ambiente social" [11].

Dessa opinião perfilha Azevedo, para quem "a vontade não é elemento do negócio jurídico; o negócio é somente a declaração de vontade" [12]. Para o autor, "a declaração, uma vez feita, se desprende do iter volitivo; adquire autonomia, como a obra se solta de seu autor. É da declaração, e não da vontade, que surgem os efeitos. Tanto é assim que, mesmo quando uma das partes, em um contrato, muda de idéia, persistem os efeitos deste" [13].

O Código Comercial de 1850 consagrava a corrente objetiva em seus artigos 130 e 131. Para o normativo, a interpretação dos contratos e convenções mercantis deveria ser realizada através dos costumes, da boa fé e do "verdadeiro espírito e natureza do contrato".

A boa fé nesse contexto apareceria na sua vertente objetiva, relacionada a padrões de comportamento dos contratantes de uma determinada localidade e de um certo tempo, contrapondo-se à boa fé subjetiva, que recairia sobre os aspectos psicológicos e éticos do indivíduo, algo interior, psíquico do agente. A boa fé objetiva, por outro lado, seria ligada aos usos e costumes, à regra de conduta desenvolvida normalmente pelo homem, o que acaba por permitir a previsibilidade e certeza do comportamento esperado do contratante, garantindo a fluência das transações no mercado.

O Novo Código Civil, unificando o direito obrigacional, consagra, em sua Parte Geral, a boa fé objetiva, conforme a dicção do artigo 113, que determina que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". A adoção da teoria objetiva do negócio jurídico, no entanto, não pode ser sustentada em virtude da reprodução quase literal do artigo 85 do Código Civil de 1916 no Novo Código. Nesse sentido, o artigo 112 do novo normativo estabelece que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".

Pela dicção do dispositivo, salta aos olhos a prevalência da vontade real à sua manifestação; a declaração torna-se mero instrumento para se buscar a real intenção das partes, a qual estaria naquela consubstanciada. Consagra-se assim a teoria subjetiva, apesar da menção à boa-fé objetiva, voltando-se o intérprete à "manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum, correspondente à natureza do negócio" [14].

A adoção da teoria subjetiva na interpretação dos negócios jurídicos, a qual, entretanto, é temperada pela consideração da boa-fé objetiva, não desconsiderando totalmente a declaração manifestada pelas partes em virtude da confiança e previsibilidade a ser gerada no mercado, foi nestes mesmos moldes implantada pelo Novo Código Civil ao tratar da simulação.


4.Relação entre a vontade e a declaração na simulação

Ao analisar o conceito de simulação verificou-se como ponto comum entre as teorias que procuraram definir sua natureza a manifestação de um negócio jurídico a terceiros que não se coaduna com a verdadeira vontade das partes, com a real intenção dos sujeitos de produzirem determinados efeitos entre si.

Como requisito da simulação figura assim um acordo das partes contratantes em declarar para terceiros um negócio jurídico aparente, simulado, cujos efeitos não são desejados pelas partes. Além disso, o propósito do negócio aparente é o de enganar a coletividade, seja não visando a causar nenhum dano, seja objetivando prejuízos a terceiros, ou fugir ao imperativo da lei [15].

Ambas as partes devem manifestar uma não conformidade entre o negócio jurídico aparente e a real vontade de produção de efeitos com o ato. Se o desacordo entre a vontade e o negócio jurídico convencionado for de apenas um dos sujeitos, ou seja, não houver a cooperação na criação do negócio jurídico aparente, o instituto não é o da simulação, mas sim o da reserva mental, como predominantemente sustentado pela doutrina [16].

Da necessidade de combinação das vontades das partes para estabelecer o negócio jurídico simulado, surge a figura do acordo simulatório. É por meio deste que as partes convencionam a criação de uma relação jurídica aparente a terceiros (negócio simulado) e regulam seus reais interesses mediante uma relação jurídica efetiva a produzir efeitos entre si (negócio dissimulado). Nas palavras de Miranda, "as partes não celebram dois negócios distintos – o simulado e o dissimulado – mas um só – o simulado – que encobre também, nas simulações relativas, a relação jurídica dissimulada" [17].

É o acordo simulatório que possibilita o surgimento do negócio simulado, mediante a estipulação pelas partes de um objetivo dissimulado. Acordo simulatório é o meio convencionado pelas partes para obterem aquilo que se dissimulou.

O §1o do artigo 167 do Novo Código Civil, à semelhança do artigo 102 do revogado Código Civil de 1916, estabelece que haverá simulação nos negócios jurídicos quando: "I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados".


5.Simulação absoluta e simulação relativa

O acordo simulatório pode regular que a vontade das partes, ao convencionarem o negócio jurídico aparente, era não produzir com o ato simulado nenhum efeito jurídico, ou produzir efeitos diferente dos efeitos típicos do negócio determinado. Pode-se distinguir a simulação, conforme esses efeitos regulados no acordo simulatório, em simulação absoluta e simulação relativa.

Na simulação absoluta, a declaração aparente de vontade não visa a produzir qualquer efeito jurídico. Através do acordo simulatório, as partes convencionam um negócio jurídico aparente, mas que também não desejam produzir qualquer efeito com esse ato.

As partes procuram transmitir a terceiros uma situação enganosa de que teriam convencionado determinado negócio jurídico (aparente), mas na realidade não quiseram, de comum acordo, produzir qualquer resultado. Há a mera aparência, pois as partes não desejam produzir nenhum efeito jurídico com o negócio que se apresenta a terceiros.

Na simulação relativa, por outro lado, visa-se com o negócio simulado produzir efeitos diferentes dos típicos do negócio. O negócio aparente, na simulação relativa, "não passa de um meio de realização do ato dissimulado, ou realmente querido" [18].

A simulação relativa difere da simulação absoluta pois as partes têm a intenção de gerar efeitos jurídicos, de produzir com o negócio jurídico aparente um resultado. Os efeitos buscados pelas partes, contudo, não são os efeitos normalmente gerados pelo negócio aparente. O resultado buscado é o da relação jurídica dissimulada, a qual fica encoberta pelo negócio jurídico aparente.


6.Simulação maliciosa e simulação inocente

Como anteriormente visto, o outro requisito da simulação é o propósito, através do negócio aparente, de enganar a coletividade. Nesse sentido, pode-se contrapor a simulação maliciosa à simulação inocente, tendo em vista a boa ou má-fé das partes envolvidas.

Na simulação inocente, o intuito de enganar a terceiros não visa a prejudicar qualquer desses ou violar determinação legal. Os simuladores desejam com o negócio jurídico simplesmente ocultar de terceiros a verdadeira natureza do negócio, sem, no entanto, causar dano a interesses de qualquer pessoa.

Na simulação maliciosa, por outro lado, as partes visam prejudicar terceiros ou violar disposição legal. É, portanto, a finalidade do agente que irá determinar a consideração do negócio como malicioso ou inocente. Segundo Pereira, assim, "o mesmo ato ou a mesma declaração de vontade pode constituir simulação inocente ou maliciosa, conforme seja desacompanhada ou revestida de um propósito danoso: um marido que disfarça sob a forma de compra e venda um donativo a um parente, para que não o apoquente a mulher, faz uma simulação inocente, mas o mesmo processo será simulação maliciosa se o propósito é desfalcar o patrimônio conjugal e prejudicá-la" [19].


7.Efeitos da simulação no Código Civil de 1916

A simulação no Código Civil de 1916 era caracterizada como vício social e tida tradicionalmente, de maneira correlata aos vícios de vontade, tais como o erro, o dolo e a coação, como causa de anulabilidade do negócio jurídico, desde que praticada com a intenção de prejudicar terceiros, ou de burlar a lei.

Como pode-se depreender do exposto, os efeitos da simulação variavam conforme a espécie de simulação tratada.

Na simulação absoluta, o negócio jurídico era tido como inexistente pois o intuito das partes era criar uma mera aparência de negócio jurídico, não resultando nenhum efeito jurídico. A caracterização de sua inexistência decorria da interpretação a contrario sensu do artigo 81 do antigo Código, que determinava que "todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico" [20].

Nesse sentido, o negócio jurídico aparente – ato jurídico, na dicção do antigo Código Civil [21] -, como destinado pelas partes a não promover qualquer efeito jurídico entre si, não possui o elemento de fato necessário à sua concepção, qual seja a vontade das partes de se vincularem, sendo considerado como inexistente [22].

O referido se harmoniza à definição de ato inexistente de Gomes, para quem "somente dois requisitos gerais podem ser considerados elementos de fato que, faltando inteiramente, não permitem sua formação. Esses elementos são: a) a vontade; b) o objeto (...) Quando falte, pois, um desses dois elementos, negócio jurídico não se forma. Uma vez que é juridicamente inexistente, desnecessário declarar sua invalidade, visto que não pode produzir qualquer conseqüência jurídica. Não se convalida, não se converte em outro negócio válido, não pode ter eficácia como putativo" [23].

Não poderia um terceiro eventualmente prejudicado por confiar na aparência do negócio absolutamente simulado alegar a existência deste para pleitear direitos, mas simplesmente fundamentar pedido indenizatório no artigo 159, que estabelecia que todo "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano" [24].

Na simulação relativa inocente, as partes estabelecem um negócio jurídico aparente para encobrir uma relação jurídica dissimulada. Esta simulação, apesar de visar enganar a coletividade, como pressuposto da própria figura da simulação, não objetiva causar prejuízo a terceiro ou violar norma legal não sendo portanto causa de anulabilidade do negócio jurídico, que permaneceria válido.

Com relação a esta, dispunha o artigo 103 do Código Civil de 1916 que "a simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei".

Para Pontes de Miranda a regra adviria do artigo 525 do Esboço de Teixeira de Freitas que determinava que "se a simulação for relativa e também não tiver havido intenção de prejudicar a terceiro, ou de violar disposição de lei, os atos não valerão com o caráter aparente que tiverem, mas com o seu caráter verdadeiro, se como tais pudessem valer". Para o autor, o negócio jurídico aparente é inexistente. O ato simulado é como regra fático, e não jurídico, "somente se puder sobrevir prejuízo a terceiro, ou violação à lei, o sistema jurídico fá-lo entrar no mundo jurídico" [25]

Nesse sentido, na simulação relativa inocente prevaleceria o negócio jurídico dissimulado, verdadeira intenção de realização pelas partes. A essa conclusão se pode chegar pela interpretação a contrario sensu do artigo 104, que veda a alegação de simulação pelas partes somente na simulação maliciosa. "Sendo inocente a simulação relativa, qualquer dos simulantes pode pedir a que se declare a relação jurídica dissimulada, prevalecendo, então, o que foi querido, em vez do que se aparentou querer" [26].

Se houver a intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei, a simulação era considerada defeito social, causa de anulabilidade de todo o negócio jurídico. O artigo 105 do Código Civil de 1916 estabelecia, desta forma, que "poderão demandar a nulidade dos atos simulados os terceiros lesados pela simulação, ou os representantes do poder público, a bem da lei, ou da Fazenda".

Às partes, entretanto, não foi atribuída esta faculdade em decorrência do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, pelo qual o direito não protegeria a alegação da própria má-fé. O princípio foi consagrado no artigo 104, que dispunha que "tendo havido intuito de prejudicar a terceiros ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros".

Desta forma, se os terceiros interessados não demandarem a anulabilidade do ato, às partes não era permitido se desvincularem da obrigação imposta, ainda que acometida como causa de anulabilidade.

Pode-se depreender, do exposto com referência à caracterização da simulação no Código Civil de 1916, que a regulação privilegia a vontade real das partes seja declarando o negócio jurídico na simulação absoluta como inexistente, o prevalecimento do negócio dissimulado na simulação relativa inocente, seja anulando o negócio jurídico aparente na simulação maliciosa, cujo intuito era prejudicar terceiros ou violar disposição de lei.

O negócio jurídico simulado prevalecerá somente na hipótese excepcional de simulação maliciosa em que terceiros interessados ou os representantes do poder público legitimados não demandem sua anulação, sendo esta demanda impossibilitada às partes em decorrência de regra expressa.

Logo, o tratamento dispensado à simulação no Código Civil de 1916 harmoniza-se com a corrente subjetiva já adotada por este normativo ao tratar da interpretação do negócio jurídico.


8.Efeitos da Simulação no Novo Código Civil

O Novo Código Civil não mais trata a simulação maliciosa como defeito do negócio jurídico e sim como causa de nulidade deste. Rompe assim com a tradição do direito pátrio que a considerava como defeito ligado ao interesse particular das partes.

Desta forma, estabelece o artigo 167 do novo normativo que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".

Assim como o Código Civil de 1916, percebe-se que os efeitos do negócio jurídico simulado variam conforme o tipo de simulação em análise.

Na simulação absoluta, considerava a doutrina tratar-se de negócio jurídico inexistente, como já anteriormente apontado. Todavia, a afirmação não mais parece procedente em relação ao Novo Código Civil, que vislumbra no §2o do artigo 167 que são ressalvados "os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado".

Nesse sentido, útil faz-se a análise da distinção feita por Gomes dos atos inexistentes e dos atos nulos. Segundo o autor, "a utilidade da distinção entre inexistência e nulidade está na circunstância de que o negócio mesmo nulo pode, às vezes, produzir algum efeito (...) enquanto o negócio inexistente se apresenta como o nada jurídico, sem aptidão alguma a produzir qualquer efeito jurídico" [27].

Assim, embora as partes não tenham a vontade real de criar efeitos, como elemento de fato necessário a formação do negócio jurídico, como apontado pela doutrina ao analisar o dispositivo frente ao Código Civil de 1916, a celebração de um negócio ainda que meramente aparente poderia criar direitos a terceiros de boa-fé que nesta aparência acreditaram.

O negócio jurídico na simulação absoluta apareceria, portanto, como nulo, embora excepcionalmente possa gerar direitos quanto a terceiros de boa-fé.

Na simulação relativa o negócio jurídico não é causa de nulidade se a simulação for inocente, ou seja, se o negócio aparente não tiver sido realizado para ocultar uma relação jurídica que causaria prejuízos a terceiros ou contrariaria imperativo legal.

Pela dicção do artigo 167 do Novo Código Civil, não se considera a relação jurídica aparente, que as partes quiseram transparecer à coletividade, mas subsistiria a relação jurídica dissimulada desde que esta fosse inocente, ou seja, "válida na substância e na forma".

Sobre esta espécie de simulação, o Código de 2002 acaba por reproduzir as conclusões da análise a respeito do Código de 1916: debruça-se sobre o negócio dissimulado, prevalecendo a vontade real das partes em contraste ao declarado à coletividade, o negócio aparente.

Ao contrário da simulação inocente, a simulação maliciosa implica na nulidade do negócio jurídico, afetando tanto sua relação simulada quanto sua relação dissimulada.

O artigo 168 estabelece que qualquer interessado e o Ministério Público podem alegar a nulidade do negócio jurídico, devendo mesmo o juiz pronunciá-la ex officio, ainda que contra o requerimento das partes. Mas não reproduziu o Novo Código Civil o artigo 104 do Código de 1916 que proibia às partes, em litígio entre si ou contra terceiro, pleitear a nulidade do negócio jurídico quando simulado de maneira maliciosa.

Na opinião de Pereira, ainda que a disposição não tenha sido reproduzida, as partes não poderiam argüir o próprio vício para tornar nulo o negócio porque o direito não protegeria a má-fé do próprio requerente. Para o autor, o argumento seria reforçado ainda pelo §2º do artigo 167, que garante que somente os terceiros de boa-fé terão seus direitos ressalvados em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, excluindo da hipótese a proteção dada aos terceiros quando de má-fé. [28].

Compartilha da mesma opinião Monteiro, para quem "os simuladores não têm qualidade para argüir a simulação, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiro; só os próprios prejudicados serão partes legítimas para deduzi-la em juízo; mas a lei igualmente confere aos representantes do poder público, a bem da lei, ou da fazenda, legitimação processual para pleitear a decretação da nulidade" [29].

A posição supracitada, no entanto, parece ser afastada pela consideração pelo ordenamento jurídico vigente da simulação não mais como causa de anulabilidade do negócio jurídico, mas sim como causa de nulidade.

Definindo-se a simulação maliciosa como causa de nulidade, o Código Civil de 2002 não mais a regulou com o intuito de proteger os interesses particulares dos sujeitos envolvidos, voltando-se à tutela da própria ordem pública. Determina-se, desta forma, que o negócio jurídico celebrado para simular uma relação que cause prejuízo a terceiros ou que afronte a lei, mesmo que os interessados mantenham-se inertes, não pode subsistir e continuar a gerar efeitos no ordenamento jurídico. Sob este aspecto, mesmo o juiz deve decretá-la quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos, ainda que em demanda cujo pedido não verse sobre sua declaração, como rege o artigo 168.

Desta maneira, não caberia retirar dos contratantes o direito de alegar a nulidade do negócio porque, mais que o interesse particular na questão, tutelariam o respeito à ordem pública [30].

Por outro lado, embora a declaração de nulidade do negócio jurídico na simulação maliciosa produza efeitos ex tunc, invalidando-o desde a sua concepção, alguns efeitos do negócio excepcionalmente podem ser preservados.

Com o intuito de proteger a própria fluência das transações no mercado e a confiança imprescindível entre os agentes, a ordem jurídica ressalva os direitos de terceiros de boa-fé que acreditaram e fundamentaram suas ações na aparência do negócio jurídico a eles apresentado. Declara-se a nulidade do negócio simulado maliciosamente, preservando-se, contudo, os efeitos gerados pelo negócio aparente em relação a terceiros que desconheciam a divergência entre a vontade real e a declaração dos contratantes.


9.Conclusão

Apesar das relações empresariais regerem-se por princípios próprios, o Novo Código Civil, ao unificar a matéria obrigacional, manteve na simulação a prevalência da vontade real à sua manifestação, seja declarando a nulidade do negócio maliciosamente simulado, seja a subsistência do negócio jurídico dissimulado na simulação relativa inocente.

A ressalva dos direitos de terceiros de boa-fé que confiaram no negócio jurídico aparente, apesar de gerar um temperamento da teoria adotada, não atenua a insegurança e a imprevisibilidade que seriam causadas pela consideração do subjetivismo em relação à validade das relações contratadas de maneira simulada, o que acabaria por comprometer, se não interpretada de maneira restrita, as próprias transações no mercado.


Notas

01 L. G. P. B. Leães, A Disciplina do Direito de Empresa no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no128, Rio de Janeiro, Malheiros, 2002, pp. 12.

02 A. M. Pauperio, Simulação, in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, pp. 78-79.

03 A B. H. Ferreira, Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a ed., Rio de Janeiro, Gama, termos simulação e simular.

04 F. Ferrara, Della Simulazione dei Negozi Giuridici, 5a ed., Roma, Athenaeum, 1926, p. 36.

05 C. Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, 2a ed., Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, p. 225.

06 F. Ferrara, op. cit., p. 37.

07 F. Ferrara, op. cit., p. 43.

08 C. P. U. Miranda, Simulação (Direito Civil), in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, p. 86.

09 T. Ascarelli, O Negócio Indireto, in Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, 1a ed., Campinas, Bookseller, 1999., p. 179.

10 C. P. U. Miranda, Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, São Paulo, RT, 1989., p. 27 ss.

11 E. Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico (trad. Fernando Miranda), t. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1969, p. 98.

12 A. J. Azevedo, Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, São Paulo, 1974, p. 96.

13 A. J. Azevedo, op. cit., pp. 99-100.

14 P. Forgioni, A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no130, Rio de Janeiro, Malheiros, 2003, p. 32.

15 M. M. Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, v. 1, 6a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988, p. 402.

16 Neste sentido se manifesta Ferrara, para o qual "o ponto comum dos dois institutos é que em ambos se declara uma coisa que não se deseja com o objetivo de enganar. Mas uma se distingue da outra por causa que a reserva se desenvolver no segredo da mente de um só dos contratantes, enquanto a simulação resulta do acordo de todas as partes" (F. ferrara, op. cit., p. 48).

A reserva mental foi regulada pelo Novo Código Civil no artigo 110, o qual dispõe que "a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento".

Como pode-se apreender do dispositivo supracitado, a reserva mental constitui verdadeira exceção à regra da prevalência da vontade sobre a declaração nos negócios jurídicos, como apregoada pelo Novo Código Civil.

17 C. P. U. Miranda, op. cit., p. 86.

18 M. M. Serpa Lopes, op. cit., p. 402.

19 C. M. S. Pereira, Instituições de Direito Civil, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 638.

20 C. P. U. Miranda, op. cit., p. 95.

21O conceito de ato jurídico adotado no Código Civil de 1916 era tido de maneira restrita a significar o ato que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, conforme redação do artigo 81. No Novo Código Civil essa denominação é ampliada para compreender toda e qualquer manifestação de vontade, "seja individual ou coletiva, seja dos órgãos jurisdicionais ou do Poder Legislativo, seja das autoridades administrativas ou do particular, constituindo gênero, do qual a declaração de vontade do particular, dirigida no sentido da obtenção de um resultado, seria espécie, denominada de negócio jurídico" (L. G. P. B. Leães, op. cit., p. 11).

22 C. P. U. Miranda , op. cit., p. 95; F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. IV, 4a ed., São Paulo, RT, pp. 376 – 377. A inexistência do negócio jurídico absolutamente simulado era expressa já no Esboço de Teixeira de Freitas, que determinava em seu artigo 524 que "se a simulação for absoluta, sem que tenha havido intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposições da lei, e assim se provar a requerimentos de algum dos contraentes, julgar-se-á que nenhum ato existira".

23 O. Gomes, Introdução ao Direito Civil, 18a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 470.

24 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., pp. 383-384.

25 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 394.

26 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 400. No mesmo sentido manifesta-se Venosa: "se a simulação for inocente, inexistindo prejuízo ou violação de direito de terceiro, prevalecerá o ato dissimulado, desde que não ilida disposição legal, bem como reúna os elementos necessários para ter vida jurídica" (S. S. Venosa, Direito Civil – Parte Feral, v. 1, 3a ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 481).

Em sentido contrário se manifesta Miranda, pois como partes de um todo nem a relação jurídica simulada, nem a dissimulada seriam consideradas viciadas; o negócio aparente não poderia ser anulado por terceiros, assim como o dissimulado não poderia ser anulado pelas partes (C. P. U. Miranda,op. cit., p. 96).

27 O. Gomes, op. cit., p. 471.

28 C. M. S. Pereira, op. cit., pp. 638-639.

29 W. B. Monteiro, Curso de Direito Civil – Parte Geral, 39a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 253.

30 No mesmo sentido Venosa, para quem "não havendo a restrição do art. 104 do Código Antigo, mormente porque se trata de caso de nulidade, os simuladores podem alegar a simulação um contra o outro, ainda porque a nulidade pode ser declarada de ofício. (S. S. Venosa, op. cit., p. 486).

A ciência do Direito

Fonte:




Ronaldo Sérgio Moreira da Silva
juiz de Direito em São Paulo, mestrando em Direito Processual Penal na PUC/SP





Constitui este trabalho um breve estudo acerca da Ciência do Direito. Qual motivo o inspira ? Unicamente o desiderato de apreender o conhecimento em torno da temática. Imprescindível estudar para conhecer precisamente um determinado objeto. [01]

A Ciência do Direito [02], classificada entre as disciplinas jurídicas fundamentais [03], constitui um conjunto ordenado e sistemático [04] de princípios e regras que tem por tarefa definir e sistematizar o ordenamento jurídico (Direito positivo ou direito posto [05], vale dizer, produzido pelo Estado) que o Estado impõe à sociedade e apontar solução para os problemas ligados à sua interpretação e aplicação. [06]

Seu objeto [07] é o Direito positivo (ou direito posto), mas considerado o Direito positivo de um Estado determinado, num dado momento histórico-cultural, ou como direito em certo ponto do espaço-tempo, com suas peculiaridades histórico-sócio-culturais. [08]

O Direito-objeto, além de estudado e descrito pela ciência, énormativo. Já a ciência que o estuda e descreve, no entanto, não é normativa, porém descritiva, como ensina o preclaro jurista Eros Roberto Grau. [09]- [10]- [11]Dir-se-á, com o eminente jusfilósofo Miguel Reale, que a "Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias". [12]A Ciência do Direito preocupa-se com o estudo da norma jurídica positiva. Contudo, divide-se em duas partes: a regra jurídica não é somente objeto do conhecimento teórico, mas também do saber essencialmente prático ou técnico, do qual emergem os problemas relativos à sua aplicação. Denomina-se a parte teórica de sistemática jurídica, enquanto à prática empresta-se a denominação de técnica jurídica. [13]Importa anotar a advertência de Daniel Coelho de Souza no sentido de que a Ciência do Direito, como sistemática jurídica, tem caráter dogmático, a justificar uma de suas denominações como dogmática jurídica, consistindo em que a realização da atividade estritamente científica pelo jurista importa aceitação da regra jurídica como dogma, devendo, pois, aceitá-la e interpretá-la. [14]Aliás, como bem preleciona Wilson de Souza Campos Batalha, o "cientista do Direito, estritamente como cientista do Direito, aceita o ordenamento jurídico como um "dado" que elabora, com vistas à sistematização, mas que não pode alterar e que admite com sua indiscutível imperatividade. Daí a denominação de Dogmática Jurídica atribuída à Ciência do Direito". [15]

Essa aceitação, no entanto, não significa que o jurista não possa empreender esforços com vistas a alcançar a revogação da lei. Mas não é este o escopo próprio daquele profissional no campo científico, máxime porque toda atividade científica é neutra, de mera sensibilidade voltada para o real, e não há de ser afetada por juízos críticos com comprometimento da pureza ascética da ação avalorativa. De qualquer modo, a aceitação de que se trata assenta-se na imprescindibilidade de que o jurista reconheça como ponto de partida os dogmas estabelecidos pela escola jurídica, tais como valores, modelos e regras preexistentes. [16]

Bem por isso, explicita Legaz y Lacambra que o jurista tem uma função valoradora que é imprescindível, tem a faculdade de criticar o dogma, de valorá-lo sob diversos pontos de vista, assinalando suas injustiças, suas imperfeições técnicas, sua inadequação às necessidades sociais, sua falta de vinculação aos antecedentes históricos [17], sempre com o escopo de aprimorá-la e adequá-la aos mais puros anseios da sociedade.

Sob o enfoque ainda do dogmatismo, convém lembrar a observação do preclaro jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no sentido de que "os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes parece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos juridicamente possíveis". [18]Caracteriza-se a Ciência do Direito pelo aspecto reprodutivo, pois não cria as normas, que são o seu objeto [19]- [20], mas apenas cuida de reproduzi-las. Essa reprodução evidentemente não se fará com base num plano abstrato. Porém, acontecerá tendo em mira os valores eleitos pela comunidade e, pois, a expressão de modelos sociais de comportamento. [21]Cabe ressaltar que a Ciência do Direito adota vários métodos [22], em especial devido à sua natureza investigativa, como o analítico, o sintético, o analógico, para alcançar os seus fins consistentes em construir um sistema jurídico adequado à realidade atual, não correspondente ao momento histórico em que foram construídas as suas partes, como enfatiza Paulo Dourado de Gusmão. [23] A essa tríade, Miguel Reale acrescenta os métodos indutivo e dedutivo, que de há muito já eram defendidos por Enrico Ferri [24], os quais se completam na tarefa científica, lembrando que nossa época caracteriza-se pelo pluralismo metodológico. [25]

Diferencia-se da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito. Com relação à primeira, dela se distingue por ser a Ciência do Direito eminentemente valorativa. Ademais, a Filosofia do Direito erige-se à condição de crítica do Direito positivo, enquanto que a Ciência do Direito o analisa e descreve. E à Filosofia do Direito cumpre analisar e criticar os pressupostos da Ciência do Direito, ao passo que esta considera indiscutíveis aqueles pressupostos. Também o método desta é indicado por aquela.

Enquanto a Ciência do Direito tem em mira o estudo do sistema de Direito positivo de um determinado Estado, num dado momento histórico-cultural - como o Direito romano, o Direito brasileiro, o Direito francês etc. -, a Teoria Geral do Direito dedica-se ao estudo dos Direitos positivos existentes, atuais ou passados, com vistas a identificar as suas semelhanças e, pelo método de indução, generalizar princípios fundamentais, de caráter lógico, válidos para todos eles. [26]- [27] Oportuno registrar, também, que não existe apenas uma Ciência do Direito, mas, sim, uma gama de Ciências do Direito, dentro de cujo contexto encontram-se a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito, a História do Direito, a Sociologia do Direito, a Dogmática Jurídica etc., todas elas dotadas de linguagens próprias que se denominam metalinguagens. [28]

Convém observar que o que o homem busca e anseia com o Direito repousa na paz e na segurança sociais. O Direito representa instrumento que visa a assegurar a coexistência pacífica na sociedade. [29] Isso deixa evidente que o Direito, longe de constituir-se num fim, erige-se inequivocamente à condição de meio, como corretamente emerge do pensamento kelseniano. Para Kelsen, a função do Direito está na realização de fins sociais inatingíveis senão através dessa forma de controle social, fins esses que variam de sociedade para sociedade, de época para época. [30]Nada obstante cuidar-se de um ramo do conhecimento humano dotado de objeto, sistematização e metodologia próprios, a Ciência do Direito é contestada por alguns que não a reconhecem como ciência. Expressão desse posicionamento é o alemão Julius Herman von Kirchmann [31], que se vale para tanto de célebre frase: "bastariam três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se transformariam em papel sem valor". [32]

Olvidou, contudo, o jurista tedesco que a revogação de uma norma juridica não significa necessariamente a profligação dos princípios jurídicos que a fundamentaram ou informaram. É válido anotar que as transformações em um sistema jurídico opera-se de maneira paulatina, como observa Ángel Latorre. [33] Cabe acrescentar, também, um dado importante consitente na "persistência duma tradição doutrinal, de métodos, sistemas e conceitos, que se mantêm atráves dos tempos", sobrevivendo às leis e condicionando o legislador. [34]

Isto mostra, à saciedade, como o argumento impugnativo da cientificidade do Direito peca pela base, partindo de premissa caracterizada pela falta de compromisso com a verdade (portanto, premissa falsa). E, aliás, a verdade é o valor supremo que a ciência sempre teve em mira. Tudo isso, sem contar que tal jurista cometeu o desatino de considerar o Direito Positivo como se fora o Direito na sua mais ampla abrangência e significação gnosiológica, esquecendo-se de que o Direito Positivo não significa senão um dos múltiplos aspectos da Ciência do Direito ou, como preconiza o eminente Ministro Eros Roberto Grau, o Direito produzido pelo Estado. [35] Assim, sem razão Kirchmann.

Por isso mesmo, merece referência o escólio de Machado Neto, para quem, contrário à postura doutrinária de Kirchmann, "o certo é que a subseqüente história do pensamento jurídico não confirmou sua desenganada negação da ciência jurídica, embora o jurista contemporâneo ainda persevere na atitude de má consciência acima aludida". [36]

Não bastasse isso, a Ciência do Direito ou Jurisprudência possui caráter científico, sob rigorosa perspectiva epistemológica, notadamente por ser um conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração dos demais fenômenos. E mais, nela avulta a sistematicidade como argumento eloqüente para afirmar a cientificidade do conhecimento jurídico. [37]


Bibliografia:

1. Azevedo, Plauto Faraco – Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, 5ª reimpressão.

2. Batalha, Wilson de Souza Campos - Introdução ao Estudo do Direito - Os Fundamentos e a visão histórica, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 2ª edição, 1986.

3. Diniz, Maria Helena - A Ciência Jurídica, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1995.

4. Diniz, Maria Helena - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1991.

5. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990.

6. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - A Ciência do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 2ª edição/11ª tiragem, 1980.

7. Ferri, Enrico - Princípios de Direito Criminal, Campinas, Bookseller Ed. e Dist., 2ª edição, 1999, p. 90.

8. Grau, Eros Roberto - O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Editora Malheiros, 5ª edição, 2003.

9. Guimarães, Ylves José de Miranda - Direito Natural - Visão Metafísica e Antropológica, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1a. edição, 1991, p. 197-198).

10. Gusmão, Paulo Dourado - Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 5ª edição, 1972.

11. Gusmão, Paulo Dourado - Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1ª edição, 1984.

12. Hessen, Johannes - Teoria do Conhecimento, Armenio Amado Editor, Coimbra/Portugal, Tradução de António Correia, 7ª edição, 1980.

13. Machado Neto, A.L. - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 6ª edição, 1988.

14. Machado, Hugo de Brito – Uma Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Dialética, 2000.

15. Nader, Paulo - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 24a. edição, 2004.

16. Nunes, Luiz Antonio Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a edição, 2000.

17. Paupério, A. Machado, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 3a edição, 1993.18. Poletti, Ronaldo - Introdução ao Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 1991.

19. Reale, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990.

20. Soares, Orlando - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1ª edição, 1991.

21. Souza, Daniel Coelho de - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988.


Notas

01 Importante anotar que o conhecimento, sob o vértice do objeto, consiste na transferência das propriedades do objeto para o sujeito. Aliás, a função do sujeito está em apreender oobjeto e a deste ser apreendido por aquele (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Armenio Amado Editor, Coimbra/Portugal, Tradução de António Correia, 7ª edição, 1980, p. 26-27).

02 A expressão "Ciência do Direito" não teve nascimento em tempos primevos, mas foi criada pelos alemães da Escola Histórica, no século XIX, no afã de conceder tratamento científico a seus estudos jurídicos (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A ciência do direito, São Paulo, Atlas, 1980, p. 18; Ronaldo Poletti, Introdução ao Direito, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 64). É bom lembrar, no entanto, que a ciência jurídica durante muito tempo teve a denominação de Jurisprudência, que lhe foi emprestada pelos romanos, para cujos jurisconsultos tratava-se do "conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto (divinarum et humanarum rerum notitia, justi, justi atque injusti scientia) (cf. Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Saraiva, 3ª edição, 1991, p. 198). Contudo, há quem atribua a esse saber científico a denominação de Ciência Dogmática do Direito, por ter como dogma as fontes formais do direito, tais como Código, leis, regulamentos, precedentes judiciais, tratados etc. (Paulo Dourado de Gusmão, Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1ª edição, 1985, p. 20).

03 Em sua Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 24ª edição, 2004, p. 9, Paulo Nader explica que as disciplinas jurídicas se dividem em fundamentais (Ciência do Direito, Filosofia do Direito e Sociologia do Direito) e auxiliares (História do Direito, Direito Comparado, entre outras), ao passo que Ronaldo Poletti, em sua Introdução ao Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 1991, p. 46-47, considera como disciplinas básicas e, portanto, fundamentais do direito apenas a Ciência do Direito e a Filosofia do Direito, situando a Sociologia do Direito entre as auxiliares. .

04 Cabe considerar, com Maria Helena Diniz, que a sistematicidade constitui o principal argumento para afirmar a cientificidade de um saber ou conhecimento, incluído aí o jurídico (Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1991, p. 16 e 31).

05 Eros Roberto Grau prefere referir-se ao direito positivo como direito posto, é dizer, direito produzido pelo Estado (O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003).

06 Nader, Paulo - Introdução... cit., p. 10.

07 Alguns doutrinadores, como Miguel Reale, Ronaldo Poletti e Tércio Sampaio Ferraz Jr., usam a expressão "fenômeno jurídico" para designar o objeto da Ciência do Direito (Lições cit., p. 16; Introdução cit., p. 63; Introdução cit., p. 44, respectivamente). Já Carlos Cossio explica ser objeto do Direito a "conduta humana em interferência intersubjetiva", cujo esquema interpretativo repousa na norma (apud Wilson de Souza Campos Batalha, Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, 1986, p. 172-173).

08 Reale, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990, p. 17.

09 O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003, p. 36-37.

10 Tércio Sampaio Ferraz Júnior, depois de defender o caráter científico do Direito - cientificidade essa negada de maneira confusa e desordenada por Kirchmann -, salienta que se trata de ciência interpretativa e, ainda, normativa, possibilidade essa assaz discutida pela Filosofia da Ciência (A Ciência do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 2ª edição, 1980, p. 15-16).

11 Também a profª Maria Helena Diniz, após exaustivo e profundo estudo, classifica a Ciência do Direito do ciência normativa, mas chama a atenção para as três acepções dessa expressão: a) "ciência que estabelece normas (Wundt)"; b) ciência que estuda normas (Kelsen)"; c) ciência que conhece a conduta através de normas (Cossio)" (A Ciência Jurídica, Editora Saraiva, 3ª edição, 1995, p. 159).

12 Lições Preliminares de Direito, Editora Saraiva, São Paulo, 17ª edição, 1990, p. 17.

13 Preleciona Paulo Dourado de Gusmão consistir a técnica jurídica na "arte de construir, com elementos fornecidos pela ciência jurídica, a regra de direito, integrando-a com as demais regras e princípios jurídicos, concentrando-os e sistematizando-os de modo a criar um corpo orgânico de normas". E acrescenta que a técnica jurídica divide-se em: a) técnica de formulação do direito; b) técnica da Ciência do Direito; c) técnica de aplicação do direito (Introdução à Ciência do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Editora Forense, 5ª edição, 1972, p. 13).

14 Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 88.

15 Introdução ao Estudo do Direito - Os Fundamentos e a visão histórica, Forense, 2ª edição, 1986, p. 233.

16 Nunes, Luiz Antonio Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a edição, 2000, p. 43-45, para cujo professor, aliás, o "saber jurídico aponta, assim, para amplo controle social, no qual se instrumentaliza o próprio cientista jurídico, que passa a ser um técnico, cujo acesso ao Direito se faz somente pelo manejo de ferramentas – regras de intepretação – sem as quais não tem como realizar seu trabalho, que desempenha depois de aceitar os pontos de partida (dogmas) estabelecidos pela escola jurídica" (p. 43).

17 Filosofia del Derecho, p. 69.

18 Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990, p. 49.

19 Vale enfatizar, com Eros Roberto Grau, a distinção consistente em que a Ciência do Direito não é normativa, mas o seu objeto, sim, o é, consoante, aliás, salientado alhures (O direito posto... cit., p. 36-37).

20 Carlos Cossio discorda do entendimento de que as normas são o objeto do Direito, explicando que a conduta humana é que é o objeto da Ciência Jurídica (apud Ylves José de Miranda Guimarães, Direito Natural - Visão Metafísica e Antropológica, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1ª edição, 1991, p. 197-198; Wilson de Souza Campos Batalha, Introdução ao Estudo do Direito - Os fundamentos e a visão histórica, Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, 1986, p. 172-173; A.L. Machado Neto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, 1988, p. 50-59).

21 Souza, Daniel Coelho - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 88.

22 Significativa é a importância do método para a ciência, máxime porque "possibilita fundamentar a certeza e a validade desse saber, por demonstrar que os enunciados científicos são verdadeiros", consoante emerge da ensinança de Maria Helena Diniz (Compêndio... cit., p. 17).

23 Gusmão, Paulo Dourado - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Editora Forense, 5ª edição, 1972, p. 12.

24 Princípios de Direito Criminal, Campinas, Bookseller Ed. e Dist., 2ª edição, 1999, p. 90.

25 Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Saraiva, 17ª edição, 1990, p. 83-86.

26 Souza, Daniel Coelho de - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 89.

27 Miguel Reale bem explica que a Ciência Jurídica "estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo", enquanto que a Teoria Geral do Direito constitui a parte geral do Direito, "na qual se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica" (Lições... cit., p. 17 e 18).

28 Grau, Eros Roberto - O direito posto... cit., p. 37.

29 Paupério, A. Machado, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 3a edição, 1993, p. 37.

30 Grau, Eros Roberto - O direito posto... cit., p. 105.

31 Segundo Orlando Soares, Kirchmann opôs o mais vigoroso ataque à Ciência do Direito, em conferência realizada em 1847, quando era procurador do rei da Prússia, insurgindo-se precipuamente contra o caráter mutável do Direito e a atuação da Justiça (Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1ª edição, 1991, p. 100-101).

32 Apud Diniz, Maria Helena, em seu Compêndio...cit., p. 30, nota 61; Ferraz Jr., Tércio Sampaio, em su''A ciência do direito cit., p. 16.

33 Apud Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 5ª reimpressão, 1989, p. 32-33.

34 Apud Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica cit., p. cits.

35 Eros Roberto Grau prefere referir-se ao direito positivo como direito posto, é dizer, direito produzido pelo Estado (O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003).

36 Machado Neto, A.L-Compêndio de Introdução à Ciência do Direito cit., p. 15.

37 Diniz, Maria Helena- Compêndio...cit., p. 30-31; Ferraz Jr., Tércio Sampaio - A ciência do direito cit., p. 63.

Breve introdução ao direito internacional dos direitos humanos

Fonte:





Alci Marcus Ribeiro Borges
advogado em Teresina (PI), especialista em Educação em Direitos Humanos pela UFPI/ESAPI, especialista em Infância e Violência pela USP, professor de Direitos Humanos do Instituto Camillo Filho, professor de Direito da Criança e do Adolescente da Escola Superior de Magistratura do Piauí





RESUMO: O presente texto faz considerações sobre a consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos como disciplina jurídica autônoma, apresentando seus antecedentes históricos, suas bases fundantes, conceito e finalidades. Tece considerações ainda sobre seu conteúdo e composição normativa, destacando especialmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os grandes Pactos Internacionais e as Convenções Internacionais de Direitos Humanos.

PALAVRAS-CHAVES: Direito Internacional dos Direitos Humanos, antecedentes históricos, conceito, finalidades e composição.


Antecedentes históricos.

O processo de internacionalização dos direitos humanos tem diversas fontes históricas, sendo as principais o Direito Humanitário, aLiga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho. [01]

O Direito Humanitário, porque elevou ao status internacional a proteção humanitária em casos de guerra, regulamentando juridicamente, em âmbito internacional, o emprego da violência nos conflitos armados, impondo limites, nestes casos, à liberdade e à autonomia dos Estados conflitantes, indicando, assim, o caminho por onde os direitos humanos, mais tarde, também deveriam trilhar, alcançando amplitude universal.

A Liga das Nações, porque, além de buscar a promoção da paz e da cooperação internacionais, também expressou, ainda que de forma genérica, disposições referentes aos direitos humanos, reforçando, nestes termos, a necessidade de relativizar a soberania dos Estados, nesta direção.

A OIT – Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, criada logo após a Primeira Guerra Mundial com o objetivo, dentre outros, de regular as condições de trabalho no âmbito internacional, também constitui fonte histórica importante do processo de internacionalização dos direitos humanos, eis que, desde sua fundação, em 1919, promulgou centenas de convenções internacionais objetivando a promoção e proteção da dignidade da pessoa humana no mundo do trabalho, em âmbito mundial. [02]

Assim, pode-se afirmar que o processo de internacionalização dos direitos humanos foi marcado, indelevelmente, pela influência significativa dessas três fontes históricas, as quais demarcaram o início do fim da soberania estatal absoluta e intocável, onde os Estados eram considerados os únicos sujeitos de direito internacional público, fazendo surgir os primeiros delineamentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos. [03]


O surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sua base fundante, seu conceito e finalidade.

A Segunda Guerra Mundial foi o fato histórico impulsionador decisivo do surgimento e da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Neste sentido, PIOVESAN leciona que "a internacionalização dos direitos humanos constitui, assim, um movimento extremamente recente na história, que surgiu a partir do pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo". [04]

PIOVESAN destaca ainda que

Nesse contexto, desenha-se o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós-guerra deveria significar sua reconstrução.

(...)

A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos humanos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional.

(...)

O processo de internacionalização dos direitos humanos – que, por sua vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal – passa, assim, a ser uma importante resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do repúdio internacional às atrocidades cometidas no holocausto. [05]

Todavia, não bastou apenas o fim da Segunda Guerra Mundial para consolidar o surgimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, sendo esta sua matriz histórica. Os direitos humanos passam mesmo a ser importantes na agenda internacional com o advento da Carta das Nações Unidas, em 1945, bem como com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, pelas quais os direitos humanos passaram a ter atenção central na pauta internacional.

Neste sentido, TRINDADE afirma:

O processo de generalização da proteção dos direitos humanos desencadeou-se no plano internacional a partir da adoção em 1948 das Declarações Universal e Americana dos Direitos Humanos. Era preocupação corrente, na época, a restauração do direito internacional em que viesse a ser reconhecida a capacidade processual dos indivíduos e grupos sociais no plano internacional. Para isto contribuíram de modo decisivo as duras lições legadas pelo holocausto da segunda guerra mundial. [06]

A Segunda Guerra Mundial e todos os horrores nela praticados atestaram o fracasso da humanidade (especialmente das nações ditas poderosas) em promover e proteger os direitos humanos, mas, igualmente, fez surgir, embora dolorosamente, as bases desse novo Direito, fundadas, principalmente e essencialmente, nas urgentes e necessárias promoção e proteção da dignidade da pessoa humana em âmbito universal.

SCHAFRANSKI enfatiza:

Ao emergir da segunda guerra mundial, após três lustros de massacres e atrocidades, iniciado com o fortalecimento do totalitarismo estatal dos anos 30, a humanidade compreendeu, mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da dignidade humana. O sofrimento como matriz da compreensão do mundo e dos homens, segundo a lição luminosa da sabedoria grega, veio aprofundar a afirmação histórica dos direitos humanos. [07]

HIDAKA, também em exame daquele cenário histórico, afirma:

Entendeu-se com o fim da Segunda Guerra Mundial que, se houvesse um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos, capaz de responsabilizar os Estados pelas violações por eles cometidas, ou ocorridas em seus territórios, talvez o mundo não tivesse tido que vivenciar os horrores perpetrados pelos nazistas, ao menos em tão grande escala. [08]

E BILDER assevera:

O movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos é baseado na concepção de que toda nação tem a obrigação de respeitar os direitos humanos de seus cidadãos e de que todas as nações e a comunidade internacional têm o direito e a responsabilidade de protestar, se um Estado não cumprir suas obrigações. [09]

Assim, apresentados os antecedentes históricos, as fontes de surgimento e suas bases fundantes, pode-se, então, conceituar o Direito Internacional dos Direitos Humanos como sendo o complexo das normas que regulam a promoção e a proteção universais da dignidade da pessoa humana.

Neste sentido, ABRANCHES conceituou o Direito Internacional dos Direitos Humanos como sendo

o conjunto de normas subjetivas e adjetivas do Direito Internacional que tem por finalidade assegurar ao indivíduo, de qualquer nacionalidade, inclusive apátrida, e independente da jurisdição em que se encontre, os meios de defesa contra as abusos e desvios de poder praticados por qualquer Estado e a correspondente reparação quando não for possível prevenir a lesão. [10]

BILDER, por sua vez, considera que o Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em "um sistema de normas, procedimentos e instituições internacionais desenvolvidos para implementar esta concepção e promover o respeito dos direitos humanos em todos os países, no âmbito mundial". [11]

De tais conceitos pode-se extrair que o Direito Internacional dos Direitos Humanos tem como principal finalidade a promoção e a proteção efetivas da dignidade de toda pessoa humana, numa perspectiva internacional/universal, conforme afirma MORAES:

A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais (dignidade, vida, segurança, liberdade, honra, moral, entre outros) e previsões de instrumentos políticos e jurídicos de implementação dos mesmos. [12]

Assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos resta efetivamente consolidado como disciplina jurídica autônoma, universalmente reconhecida, promovendo, com seu surgimento, a responsabilização dos Estados por violações de direitos humanos, relativizando, pois, a soberania (antes absoluta) dos Estados, e consolidando o reconhecimento definitivo de que a pessoa humana ésujeito de direito em âmbito internacional.


O corpus júris do Direito Internacional dos Direitos Humanos.

O complexo de normas que integra o Direito internacional dos Direitos Humanos é composto, principalmente, pela Carta das Nações Unidas (ou Carta da ONU / Carta de São Francisco), pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, bem como por diversas convenções internacionais.


A Carta das Nações Unidas.

Assinada em São Francisco, em 26 de junho de 1945 – ratificada pelo Brasil em 21 de setembro de 1945 – a Carta das Nações Unidas ou Carta da ONU, pois foi o documento fundante da Organização das Nações Unidas – ONU, constitui-se no primeiro instrumento normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos. [13]

PINHEIRO, neste sentido, afirma:

Desde meados do século XIX, os direitos humanos passaram a ter proteção do Direito Internacional; foi, porém, a Carta das Nações Unidas que iniciou o processo da proteção universal desses direitos, ao dispor em seu art. 55 que a ONU "promoverá o respeito universal aos direitos humanos e às liberdades fundamentais de todos, sem fazer distinção por motivos de raça, sexo, idioma ou religião, e a efetividade de tais direitos e liberdades". [14]

BUERGENTHAL confirma:

A Carta das Nações Unidas internacionalizou os direitos humanos. Ao aderir à Carta, que é um tratado multilateral, os Estados-partes reconhecem que os direitos humanos, a que ela faz menção, são objeto de legítima preocupação internacional e, nesta medida, não mais de sua exclusiva jurisdição doméstica. [15]

E, embora a Carta não tenha definido objetivamente o sentido dos direitos humanos aos quais fez menção, provocou nos Estados-partes o reconhecimento de que a proteção e a promoção dos direitos humanos deixaram de ser questão de exclusivo interesse interno, mas, desde então, pauta que interessa a toda a comunidade internacional.


A Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Indicar expressamente o sentido dos direitos humanos referidos na Carta das Nações Unidas foi o passo seguinte. Assim, o Conselho Econômico e Social da ONU, logo em 1946, criou a Comissão de Direitos Humanos com o objetivo primeiro de elaborar uma Carta Internacional de Direitos Humanos. A idéia inicial era organizar um documento integrado por uma declaração de direitos, por uma ou mais convenções que vinculassem os Estados-partes e por um conjunto de dispositivos de implementação e controle do cumprimento das obrigações assumidas.

TRINDADE descreve esse cenário:

A Declaração Universal resultou de uma série de decisões tomadas no biênio 1947-1948, a partir da primeira sessão regular da Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas em fevereiro de 1947.

[...]

O plano geral era de uma Carta Internacional de Direitos Humanos, do qual a Declaração seria apenas a primeira parte, a ser complementada por uma Convenção ou convenções – posteriormente denominadas Pactos – e medidas de implementação. [16]

Todavia, em face de dificuldades diversas [17], tais como a divergência acerca da inclusão ou não dos direitos sociais, econômicos e culturais, a vinculação jurídica a ser imposta aos Estados signatários, as intrincadas relações entre as diferenças históricas, culturais e sociais das nações, dentre outras, decidiu-se, então, por apresentar apenas a declaração de direitos, naquele contexto.

Assim, em 10 de dezembro de 1948, em sessão realizada em Paris, a Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 217 A (III), com o voto favorável de 48 países (inclusive o Brasil), nenhum voto contrário e oito abstenções [18], adotou e proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pretendendo, pois, dentre outros grandes objetivos, esclarecer e indicar o sentido da expressão direitos humanos referida na Carta da ONU. Mais do que isso: a Declaração consagrou-se como o mais importante documento ético-axiológico-normativo-histórico dos direitos humanos, até hoje. A Declaração apresenta-se como um fato novo e inovador na história, proclamando a universalidade, a inalienabilidade, a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos.

BOBBIO, neste sentido, confirma que:

Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado. (...) Somente depois da Declaração Universal é que podemos ter a certeza histórica de que a humanidade – toda a humanidade – partilha alguns valores comuns; e podemos, finalmente, crer na universalidade dos valores, no único sentido em que tal crença é historicamente legítima, ou seja, no sentido em que universal significa não algo dado objetivamente, mas subjetivamente acolhido pelo universo dos homens. [19]

E descreve a nova fase inaugurada pela Declaração Universal:

Com a Declaração de 1948, tem início a uma terceira e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva: universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão ser não mais apenas proclamados ou idealmente reconhecidos, porém efetivamente protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. [20]

CASSIN, considerado um dos pais da Declaração, assim se manifesta acerca da amplitude e da universalidade da mesma:

Esta Declaração se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude. Compreende um conjunto de direitos e faculdades sem as quais o ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. Sua segunda característica é a universalidade: é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. Ao finalizar os trabalhos, a Assembléia Geral, graças à minha proposição, proclamou a Declaração Universal, tendo em vista que, até então, ao longo dos trabalhos, era denominada Declaração internacional. Ao fazê-lo, conscientemente, a comunidade internacional reconheceu que o indivíduo é membro direto da sociedade humana, na condição de sujeito direto do Direito das Gentes. Naturalmente, é cidadão de seu país, mas também é cidadão do mundo, pelo fato mesmo da proteção internacional que lhe é assegurada. Tais são as características centrais da Declaração. [21]

Outra característica fundamental da Declaração Universal, além da amplitude e da universalidade dos direitos humanos, é a de que estes sãoindivisíveis, ou seja, os direitos humanos civis e políticos, herdados das Declarações de Direitos de forte inspiração liberal como a Declaração Americana de 1776 e a Declaração Francesa de 1789, estão agora, na Declaração Universal, combinados e integrados com os direitos humanos sociais, econômicos e culturais, estes herdados das Declarações e Constituições concebidas sob forte influência socialista, tais como a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado da URSS, de 1918 e as Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar, de 1919 [22]. Assim, a partir da Declaração Universal, todos esses direitos (civis, políticos, sociais, econômicos e culturais) passam a compor um todo unitário, uma unidade indivisível e ao mesmo tempo interdependente, em permanente interação, sem a supremacia de uns sobre os outros, superando a velha dicotomia entre tais direitos. A Declaração, portanto, implementa uma inovadora concepção dos direitos humanos, consagrando-os como universais, indivisíveis e interdependentes, o que mais tarde, em 1993, foi confirmado e cristalizado pela Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, realizada em Viena:

Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase. As particularidades nacionais e regionais devem ser levadas em consideração, assim como os diversos contextos históricos, culturais e religiosos, mas é dever dos Estados promover e proteger todos os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais. [23]

No seu conteúdo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos compõe-se de um preâmbulo, no qual se afirma a dignidade da pessoa humana como matriz axiológica fundamental, e de 30 (trinta) artigos, cujos direitos, inalienáveis e irrenunciáveis, estão assim organizados, segundo ALVES [24]:

1.Primeiro: os direitos pessoais (à igualdade, à vida, à liberdade, à segurança) contidos nos artigos 3º ao 11;

2.Segundo: os direitos referentes à pessoa humana em suas relações com os grupos sociais nos quais ela participa (direito à privacidade da vida familiar; direito ao casamento; direito à liberdade de movimento no âmbito nacional ou fora dele; direito à nacionalidade; direito ao asilo; direito de propriedade) contidos nos artigos 12 ao 17;

3.Terceiro: os direitos referentes às liberdades civis e aos direitos políticos, exercidos no sentido de contribuir para a formação de processos decisórios políticos e institucionais (liberdade de consciência, pensamento e expressão; liberdade de associação, reunião e assembléia; direito de votar e ser votado; direito de acesso ao governo e à administração pública) – artigos 18 a 21;

4.Quarto: os direitos econômicos, sociais e culturais ( direito às condições dignas de trabalho; direito à assistência social; direito à educação; direito à saúde; direito à sindicalização; direito de participar livremente da vida cultural e científica da comunidade) – artigos 22 a 27;

5.Quinto: direito à uma comunidade internacional em que os direitos humanos possam ser material e plenamente concretizados – artigos 28 e 29.

No plano técnico-normativo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui-se numa recomendação, expressa por Resolução, que a Assembléia Geral da ONU fez (e ainda faz) aos Estados-membros, não sendo, pois, um tratado, nem um acordo internacional, razão pela qual há resistências em reconhecer-lhe força jurídica vinculante.

Todavia, para muito(a)s estudioso(a)s dessa temática, sendo a Declaração Universal, seus princípios e dispositivos, considerada interpretação autorizada da expressão "direitos humanos" contida na Carta das Nações Unidas e, tendo esta, natureza de tratado multilateral; e considerando ainda que os princípios da Declaração Universal sejam hoje igualmente considerados princípios gerais do Direito, quanto à temática, integrando, inclusive, o direito internacional costumeiro, invocados em diversas ocasiões por tribunais nacionais e internacionais, resta, pois, reconhecer sua força jurídica vinculante, dotada, então de jus cogens.

Registre-se ainda, por importante e oportuno, que o conjunto normativo inscrito na Declaração Universal não exaure o rol dos direitos humanos, mas alimenta e impulsiona a construção de outros instrumentos normativos que promoveram sua ampliação, atualização e aperfeiçoamento.

BOBBIO, neste rumo, afirma:

A Declaração Universal representa a consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram gravadas de uma vez para sempre.

Quero dizer, com isso, que a comunidade internacional se encontra hoje em diante não só do problema de fornecer garantias válidas parta aqueles direitos, mas também de aperfeiçoar continuamente o conteúdo da Declaração, articulando-o, especificando-o, atualizando-o, de modo a não deixá-lo cristalizar-se e enrijecer-se em fórmulas tanto mais solenes quanto mais vazias Esse problema foi enfrentado pelos organismos internacionais nos últimos anos, mediante uma série de atos que mostram quanto é grande, por parte desses organismos, a consciência da historicidade do documento inicial e da necessidade de mantê-lo vivo fazendo-o crescer a partir de si mesmo. Trata-se de um verdadeiro desenvolvimento ( ou talvez, mesmo, de um gradual amadurecimento) da Declaração Universal, que gerou e está para gerar outros documentos interpretativos, ou mesmo complementares, do documento inicial. [25]

ALVES apresenta, talvez, a mais feliz síntese do papel da Declaração Universal, por ocasião de seu cinqüentenário:

No curso de seu meio século de existência, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pelas Nações Unidas em 1948, cumpriu um papel extraordinário na história da humanidade. Codificou as esperanças de todos os oprimidos, fornecendo linguagem autorizada à semântica de suas reivindicações. Proporcionou base legislativa às lutas políticas pela liberdade e inspirou a maioria das Constituições nacionais na positivação dos direitos da cidadania. Modificou o sistema "westfaliano" das relações internacionais, que tinha como atores exclusivos os Estados soberanos, conferindo à pessoa física a qualidade de sujeito do Direito além das jurisdições domésticas. Lançou os alicerces de uma nova e profusa disciplina jurídica, o Direito Internacional dos Direitos Humanos, descartando o critério da reciprocidade em favor das obrigações erga omnes. Estabeleceu parâmetros para aferição da legitimidade de qualquer governo, substituindo a eficácia da força pela força da ética. Mobilizou consciências e agências, governamentais e não-governamentais, para atuações solidárias, esboçando uma sociedade civil transcultural como possível embrião de uma verdadeira comunidade internacional. [26]

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, fundada nos princípio da liberdade, da igualdade e da fraternidade, além de enunciar a todos os povos e nações a primazia da dignidade da pessoa humana, como centro e fonte de todos os valores, consolidou-se, efetivamente, desde então, como o mais importante documento, matriz inspiradora, dos direitos humanos.


Os Grandes Pactos Internacionais.

A proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos impulsionou a elaboração de novos instrumentos normativos que, dotados de maior grau de especificidade e cogência, implementassem, efetivamente, os dispositivos nela inscritos. Assim, em 1966, após um longo processo de elaboração, a ONU aprovou dois grandes pactos internacionais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.


O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos - PIDCP reforça, consolida, complementa, especifica, detalha, aperfeiçoa e amplia o rol dos direitos civis e políticos inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O PIDCP, quanto à organização dos dispositivos, é composto por um preâmbulo e 47 (quarenta e sete) artigos, divididos estes em cinco partes.

Em seu Preâmbulo o Pacto reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, sendo estes decorrentes da dignidade inerente à pessoa humana.

Na Parte I (art. 1º), o Pacto dispõe sobre o direito à autodeterminação dos povos, os quais, em virtude desse direito, podem determinar livremente seu estatuto político e assegurarem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Na Parte II (arts. 2º ao 5º), o Pacto impõe aos Estados-partes o compromisso de respeito e garantia a todas as pessoas que se achem em seu território e que estejam sujeitos à sua jurisdição, os direitos reconhecidos no Pacto, sem qualquer tipo de discriminação; assegura a igualdade de direitos entre homens e mulheres; a hipótese excepcional de suspensão temporária do exercício de direitos; o impedimento de agir-se contra os direitos humanos e o princípio da prevalência da norma mais favorável.

Na Parte III (arts. 6º ao 27), o Pacto explicita o direito à vida, proíbe a tortura e as penas cruéis, desumanas e degradantes; proíbe a escravidão, a servidão e o tráfico de escravos; estabelece o direito à liberdade e à segurança pessoais; estabelece garantias às pessoas presas/acusadas; consolida o direito de toda pessoa à sua personalidade jurídica; reforça o direito à intimidade e à vida privada; protege as liberdades de consciência, pensamento, religião, opinião, reunião e expressão; proíbe qualquer propaganda em favor da guerra e qualquer apologia do ódio nacional, racial ou religioso; reforça a família como elemento natural e fundamental da sociedade; especifica direitos e garantias às crianças; explicita os direitos políticos; estabelece garantias antidiscriminatórias.

Na Parte IV (arts. 28 ao 45), o Pacto institui e constitui o Comitê de Direitos Humanos, órgão de supervisão, monitoramento e fiscalização da implementação dos dispositivos nele contidos, bem como regulamenta todo o processo de apuração de eventuais denúncias de violações.

Na Parte V (arts. 46 e 47), o Pacto indica os critérios de interpretação.

Registre-se ainda que ao Pacto vem adicionado o Protocolo Facultativo, o qual estabelece um sistema de petições individuais, habilitando o Comitê a receber petições encaminhadas por indivíduos, eventualmente vítimas de violações de direitos enunciados pelo Pacto, bem como um Segundo Protocolo, estabelecendo medidas necessárias à abolição da pena de morte.

Os direitos consignados no PIDCP constituem-se, historicamente, em instrumentos de proteção e defesa contra eventuais abusos de poder dos Estados, sendo, pois, direitos auto-aplicáveis e passíveis de exigibilidade imediata.

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos entrou em vigor em 1976, quando atingido o número mínimo de adesões – 35 Estados. No Brasil, o Pacto foi ratificado, entrando em vigor em 1992.


O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - PIDESC, por sua vez, reforça, consolida, complementa, especifica, detalha, aperfeiçoa e amplia o rol dos direitos econômicos, sociais e culturais inscritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O PIDESC é composto por um preâmbulo e 25 (vinte e cinco) artigos, divididos estes em quatro partes.

Em seu Preâmbulo o Pacto igualmente reconhece a universalidade, a inalienabilidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, estes decorrentes da dignidade inerente a todos os membros da família humana, tal qual o fez o PIDCP.

Na Parte I (art. 1º), o PIDESC também reitera o direito à autodeterminação dos povos, nos mesmos termos do PIDCP.

Na Parte II (arts. 2º ao 5º), o PIDESC impõe aos Estados-partes o compromisso de adotarem medidas, principalmente econômicas e técnicas, com o objetivo de assegurar, progressivamente, a todas as pessoas, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no Pacto, sem qualquer tipo de discriminação; assegura também a igualdade de direitos econômicos, sociais e culturais entre homens e mulheres; a hipótese excepcional de limitação temporária do exercício de direitos declarados no Pacto e o impedimento de restrições ou suspensões de tais direitos.

Na Parte III (arts. 6º ao 15), o Pacto inclui especificações referentes ao direito ao trabalho; à sindicalização; à greve; à previdência social; à proteção à família; à maternidade; à alimentação; à moradia; à vestimenta; à saúde; à educação; à participação da vida cultural e ao progresso científico.

Na Parte IV (arts. 16 ao 25), o Pacto disciplina acerca dos instrumentos de monitoramento e supervisão estabelecidos para assegurar a observância dos direitos reconhecidos (um sistema de relatórios a serem encaminhados pelos Estados-partes). O PIDESC não inclui em seu conteúdo a criação de um Comitê próprio, o que somente foi estabelecido posteriormente.

Vale destacar, por oportuno, que, enquanto os direitos civis e políticos são auto-aplicáveis, o PIDESC concebe os direitos econômicos, sociais e culturais como programáticos, de aplicação progressiva, já que demandam um mínimo de recursos econômicos disponíveis para sua efetivação.

Todavia, o vínculo de reciprocidade de causa e efeito dos diferentes grupos de direitos humanos, caracterizadores da indivisibilidade e interdependência de todo o conjunto de direitos, impõe a obrigação de protegê-los, respeitá-los, garanti-los, implementá-los, igualmente.

O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais também entrou em vigor em 1976, quando atingido o mesmo número mínimo de adesões do PIDCP. No Brasil, o PIDESC entrou em vigor em 1992.


As Convenções Internacionais.

Além da Declaração Universal dos Direitos Humanos, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Direito Internacional dos Direitos Humanos alimenta-se, normativamente, de diversas convenções internacionais.

As convenções internacionais são tratados multilaterais de direitos humanos de proteção especial, dotados, pois, de força normativa vinculante. São elaboradas com a vocação normativa de promover a proteção não da pessoa humana de forma genérica, abstrata, como a Declaração Universal e os grandes Pactos, mas de determinadas pessoas ou grupos de pessoas,sujeitos historicamente situados, concretos e em situação de especial vulnerabilidade.

Para exemplificar, apresenta-se, a seguir, uma lista com as principais Convenções Internacionais de Direitos Humanos:

1.Convenção contra o Genocídio, de 09 de dezembro de 1948;

2.As Convenções de Genebra sobre a Proteção das Vítimas de Conflitos Bélicos, de 12 de agosto de 1949;

3.Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 28 de julho de 1951;

4.Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, de 21 de dezembro de 1965;

5.Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa Humanidade, de 26 de novembro de 1968;

6.Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de São José da Costa Rica, de 22 de novembro de 1969;

7.Convenção Internacional sobre a Repressão e o castigo ao Crime de Apartheid, de 30 de novembro de 1973;

8.Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, de 18 de dezembro de 1979;

9.Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 10 de dezembro de 1984;

10.Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, de 09 de dezembro de 1985;

11.Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989;

12.Convenção sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migratórios e de seus Familiares, de 18 de dezembro de 1990;

13.Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 05 de junho de 1992.

Como se vê, as Convenções Internacionais são instrumentos de expansão e enriquecimento dos direitos humanos, além de estabelecerem novos mecanismos específicos de supervisão, conforme enfatiza TRINDADE:

Os tratados e instrumentos internacionais de direitos humanos vieram a mostrar-se dotados, no plano substantivo, de fundamentos e princípios básicos próprios, assim como de um conjunto de normas a requerer uma interpretação e aplicação de modo a lograr a realização do objeto e propósito dos instrumentos de proteção. E, no plano operacional, passaram a contar com uma série de mecanismos próprios de supervisão. Esse corpus júris em expansão veio enfim a configurar-se, ao final de cinco décadas, como uma nova disciplina da ciência jurídica contemporânea, dotada de autonomia, o Direito Internacional dos Direitos Humanos.

(...)

Nos últimos anos, o corpus júris normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos se enriqueceu com a incorporação de "novos" direitos, como, por exemplo, o direito ao desenvolvimento como um direito humano e o direito a um meio ambiente sadio. (...)

O direito ao desenvolvimento encontra-se hoje consagrado tanto na Declaração das Nações Unidas sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986, que situa a pessoa humana como "sujeito central do desenvolvimento", como na Carta Africana sobre Direitos Humanos e dos Povos de 1981. E o direito a um meio ambiente sadio recebeu reconhecimento expresso tanto na referida Carta Africana (artigo 24) como no I Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1988 (artigo 11). Um e outro ingressaram, assim, no Direito Internacional convencional dos Direitos Humanos.

(...)

Os tratados de direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído a espinha dorsal do sistema universal de proteção dos direitos humanos, devendo ser abordados não de forma isolada ou compartimentalizada, mas relacionados uns aos outros. [27]

O Brasil aderiu a quase todas as Convenções Internacionais supramencionadas, as quais, após a devida ratificação, passam a receber tratamento jurídico equivalente às normas constitucionais, nos termos do art. 5º, parágrafos 2º e 3º (EC nº. 45) de nossa Constituição Federal.

Todavia, ainda carecemos de uma cultura jurídico-política que promova adequada efetividade aos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil, apesar dos compromissos internacionais assumidos com a comunidade internacional.


Conclusões.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos tem como principais antecedentes históricos o Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos surgiu após a Segunda Guerra Mundial, em 1945, tendo como sua base fundante a Carta das Nações Unidas, em especial, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, e consiste em um complexo das normas que regulam a promoção e a proteção universais da dignidade da pessoa humana.

O Direito Internacional dos Direitos Humanos promoveu, com seu surgimento, a responsabilização dos Estados por violações de direitos humanos, relativizando, pois, a soberania (antes absoluta) dos Estados, e consolidando o reconhecimento definitivo de que a pessoa humana é sujeito de direito em âmbito internacional.

O Direito internacional dos Direitos Humanos é composto, principalmente, pela Carta das Nações Unidas (ou Carta da ONU / Carta de São Francisco), pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais, bem como por diversas convenções internacionais.

Assim, o Direito Internacional dos Direitos Humanos resta efetivamente consolidado como disciplina jurídica autônoma, universalmente reconhecida, encontrando-se em progressiva expansão e aperfeiçoamento, sempre em busca permanente de promover e proteger a dignidade da pessoa humana e os direitos humanos, em todos os países, no âmbito mundial.


NOTAS

01 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva 2006. p. 109;

2 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 110/111;

3 SCHAFRANSKI, Silvia Maria Derbli. Direitos Humanos & seu processo de universalização. Análise da convenção americana. Curitiba: Juruá Editora, 2003. p. 39;

4 PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.116;

5 Idem. p. 117;

6 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 2000. p. 23;

7 SCHAFRANSKI, Silvia Maria Derbli. Direitos Humanos & seu processo de universalização. Análise da convenção americana. Curitiba:Juruá Editora, 2003. p. 40;

8 LIMA JÚNIOR, Jaime Benvenuto (org). Manual de Direitos Humanos Internacionais. Acesso aos Sistemas Global e Regional de Proteção dos Direitos Humanos. HIDAKA, Leonardo Jun Ferreira. In Introdução ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo:Edições Loyola, 2002. p. 24/25;

9 BILDER, Richard apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.06;.

10 ABRANCHES, Dunshee apud ANNONI, Danielle. Direitos Humanos & acesso à justiça no direito internacional. Curitiba: Juruá, 2004. p. 25/26;

11 BILDER, Richard apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.06;

12 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 35;

13 ALMEIDA, Guilherme Assis de. Direitos humanos e não-violência. São Paulo: Atlas, 2001. p. 57;

14 PINHEIRO, Carla. Direito internacional e direitos fundamentais. São Paulo: Atlas, 2001. p. 56;

15 BUERGENTHAL apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p.129;

16 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A proteção internacional dos direitos humanos e o Brasil (1948-1997): as primeiras cinco décadas. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2ª edição, 2000. pp.29-30;

17 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. 1. ed. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1996. pp.35-36;

18 Os oito países que se abstiveram foram: Bielorússia, Tchecoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, União Soviética, África do Sul e Iugoslávia. Posteriormente, os países comunistas da Europa aderiram à Declaração Universal dos Direitos Humanos;

19 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 28;

20 BOBBIO, Norberto. Op. cit. p. 30;

21 CASSIN, René apud PIOVESAN, Flávia. Op. cit. p. 130;

22 PIOVESAN, Flávia. Op.cit. p. 131/132;

23 Art. 5º, da Declaração de Viena;

24 ALVES, José Augusto Lindgren. A arquitetura internacional dos direitos humanos. São Paulo: FTD, 1997. p. 29;

25 BOBBIO, Norberto. Op.cit. p. 34;

26 BOUCALT, Carlos Eduardo de Abreu & ARAÚJO, Nádia (organizadores). Os direitos humanos e o direito internacional. ALVES, José Augusto Lindgren. In A declaração dos direitos humanos na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 139/140;

27 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Op. cit. p. 26, 26, 97, 98, 149.

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