Anúncios


Mostrando postagens com marcador Direito Autoral. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Direito Autoral. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, janeiro 19, 2011

Direito de autor ou de empresário? Indústrias culturais e direito autoral na contemporaneidade

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Em razão da poderosa influência que as indústrias culturais exercem nesse campo, o direito autoral não vem servindo como estímulo à criatividade humana.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------



Resumo: desde o advento da Revolução Francesa, o objetivo do direito autoral: fomento à cultura, vem sendo repetido à exaustão. O direito autoral, nesta visão, serviria assim como um estímulo à criatividade humana. O autor, por determinado período, gozaria da possibilidade de explorar economicamente de forma exclusiva sua obra e, em contrapartida, após este lapso de tempo, a coletividade poderia utilizar livremente a criação intelectual. Entretanto, a realidade atual, sobretudo em razão da poderosa influência que as indústrias culturais exercem nesse campo, oferece motivos de sobra para duvidarmos que esse objetivo esteja sendo cumprido. Examinar criticamente a realização desse propósito pelo direito autoral é, em suma, a proposta deste artigo.



Palavras-chave: Direito Autoral.Indústrias culturais. Produtos culturais.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Artigos Relacionados:

-----------------------------------

Para pensar: Vídeo sobre os Direitos Autorais no Mundo, um protesto contra o uso dos direitos de autor com a finalidade de obstruir a cultura!



Em: http://estudandoodireito.blogspot.com/2010/06/para-pensar-video-sobre-os-direitos.html

-----------------------------------

Compreendendo o documentário “RIP! A Remix Manifesto” e o Direito Autoral no Brasil



Em: http://estudandoodireito.blogspot.com/2010/07/compreendendo-o-documentario-rip-remix.html

-----------------------------------

Principais mudanças propostas na modernização da legislação autoral



Em: http://estudandoodireito.blogspot.com/2010/06/principais-mudancas-propostas-na.html

-----------------------------------

Profissão: herdeiro - Norma Couri e as limitações à cultura pelos herdeiros!



Em: http://estudandoodireito.blogspot.com/2010/07/profissao-herdeiro.html

------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Amplify’d from jus.uol.com.br

Direito de autor ou de empresário?


Jus Navigandi


Jus Navigandi


http://jus.uol.com.br


Indústrias culturais e direito autoral na contemporaneidade

http://jus.uol.com.br/revista/texto/18293

Publicado em 01/2011

Em razão da poderosa influência que as indústrias culturais exercem nesse campo, o direito autoral não vem servindo como estímulo à criatividade humana.

Resumo: desde o advento da Revolução Francesa, o
objetivo do direito autoral: fomento à cultura, vem sendo repetido à
exaustão. O direito autoral, nesta visão, serviria assim como um estímulo à
criatividade humana. O autor, por determinado período, gozaria da possibilidade
de explorar economicamente de forma exclusiva sua obra e, em contrapartida,
após este lapso de tempo, a coletividade poderia utilizar livremente a
criação intelectual. Entretanto, a realidade atual, sobretudo em razão da
poderosa influência que as indústrias culturais exercem nesse campo, oferece
motivos de sobra para duvidarmos que esse objetivo esteja sendo cumprido.
Examinar criticamente a realização desse propósito pelo direito autoral é,
em suma, a proposta deste artigo.

Palavras-chave: Direito Autoral.Indústrias
culturais. Produtos culturais.

1. Breve desenvolvimento dos direitos intelectuais

O conceito jurídico de propriedade, desenvolvido a partir do
Direito Romano (753 A. C.) e aperfeiçoado ao longo do tempo, consiste em uma
relação entre o indivíduo (o dono) e a coletividade, em virtude da qual são
assegurados àquele direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um
bem (FIUZA, 2002, p. 748).


Tradicionalmente fala-se em propriedade sobre bens tangíveis,
corpóreos, materiais
, como uma casa, um carro ou qualquer outro objeto
(SALINAS, 2005, p. 19). Porém, ao longo da história, mais nitidamente a partir
do século XV com a invenção da imprensa por Gutenberg (inovação
tecnológica que possibilitou a reprodução de textos e obras literárias em
mais de um exemplar), começou a tornar-se mais evidente a noção de
propriedade sobre bens imateriais, intangíveis, incorpóreos, ou seja, sobre os
frutos do gênio humano (ASCENSÃO, 1997, p. 4; BITTAR, 2005, p. 12; PATTERSON,
1968, p. 4; SALINAS, 2005, p. 19). De acordo com Abrão (2002, p. 27):


O surgimento da máquina de escrever, da máquina de imprimir
com tipos móveis, em 1450, a uma velocidade dezenas de vezes maior que o
registro manual, foi o ponto de virada no surgimento desse direito [propriedade
intelectual] em virtude da infinita capacidade de reprodução de um mesmo
texto, pela máquina, dispensando novas interferências dos autores.


O invento de Gutenberg impulsionou os primeiros privilégios
outorgados pela realeza aos editores (impressores) de livros (SALINAS, 2005, p.
22). Ressalte-se que nesse período eram conferidos pelo poder real aos editores
(e não aos próprios criadores, vale destacar) o monopólio de reprodução (cópia)
da obra intelectual. De acordo com Salinas (2005, p. 22), este contexto
representa uma espécie de panorama antecessor do sistema de propriedade
intelectual (ou direitos intelectuais).


Essa noção sobre a propriedade de bens intangíveis foi se
aprimorando e aprofundando à medida que o invento de Gutenberg se tornava mais
popular e difundido. Tamanha foi a difusão dessa tecnologia que,
inevitavelmente, formou-se uma indústria de impressão, consistente na
reprodução e comercialização de livros. Com o decurso do tempo e o natural
aumento de complexidade das relações envolvendo o mercado de livros, sentiu-se
a necessidade de melhor regular essa nova indústria, surgindo, assim, o
Ato da Rainha Ana (Statute of Anne – Inglaterra, 1709), um diploma
legal considerado por muitos estudiosos (BITTAR, 2005, p. 12; PATTERSON, 1968,
p. 143; SALINAS, 2005, p. 23) como um relevante marco na linha evolutiva
histórica da propriedade intelectual. Conforme expõe Patterson (1968, p. 143),
apesar de não ter tido como objetivo precípuo beneficiar a figura do criador
intelectual, o Ato da Rainha Ana revela-se importante uma vez que limitou os
privilégios dos editores de livros. Dentre essas limitações, cabe destacar
que o privilégio de cópia dos editores, que antes era perpétuo, passa a ser
limitado a 21 anos (Op. cit., 1968, p. 143). Esta imposição de limitação de
tempo fundou o domínio público na literatura (ABRÃO, 2002, p. 29). Ou seja,
terminado o prazo do impressor, o livro passaria a integrar o domínio público,
significando isso que, não só o livro poderia ser reproduzido por outras
pessoas, como os indivíduos poderiam usar livre e gratuitamente a obra
literária. Percebe-se com esse cenário que, cada vez mais ia se formando um
feixe de direitos voltado à proteção das criações do espírito humano
(SALINAS, 2005, p. 20).


No entanto, consoante apontam Abrão (2002, p. 28), Ascensão
(1997, 2004, p. 5, 4), Bittar (2005, p. 8) e Salinas (2005, p. 23), foi a
Revolução Francesa (século XVIII), com seus ideais libertários, que,
definitivamente, impulsionou os contornos fundamentais do direito de propriedade
intelectual tal qual o conhecemos na atualidade. Este episódio histórico teve
grande impacto na formação do sistema contemporâneo de propriedade
intelectual. Dentre as inovações que a Revolução Francesa trouxe à seara
dos direitos intelectuais, algumas merecem destaque especial. A primeira
novidade constituiu na extinção dos privilégios (monopólios) dos editores
(ASCENSÃO, 2004, p. 4). Ao mesmo tempo em que os privilégios foram suprimidos,
o autor foi colocado no centro das relações jurídicas envolvendo
criações intelectuais. Não se falava mais em privilégio ou monopólio, mas
agora já se falava em um direito do autor (le droit d’auteur),
já se dizia numa propriedade do autor sobre a obra intelectual (ABRÃO,
2002, p. 30; ASCENSÃO, 2004, p. 4). Isto, segundo Ascensão (1997, 2004, p. 5,
4), configura uma relevante mudança estratégica no pensamento em torno das
relações jurídicas que envolviam as criações intelectuais. Passava-se de privilégios
de editores para direitos de autores.

2. A Revolução Francesa e o delineamento do objetivo do
direito autoral

Dentre os impactos proporcionados pela Revolução Francesa
na propriedade intelectual, há um aspecto que reputamos de suma relevância
para os fins do presente trabalho. Tal aspecto é o fato de que o contexto da
Revolução Francesa tornou mais inteligível a função dos direitos
intelectuais: fomento à difusão da cultura (ASCENSÃO, 2005, p. 15).
Mais nitidamente do que em outros episódios históricos, estabeleceu-se a
razão de ser da propriedade intelectual, qual seja, a de estimular a
propagação da cultura
. Esta foi a característica marcante deste feixe de
direitos que, despontada nos anos da Revolução, impregnou o sistema de
propriedade intelectual de tal maneira que subsistiu até os dias atuais. Assim,
deve ficar claro que o propósito dos direitos intelectuais é o de proporcionar
o aumento da bagagem cultural humana (ABRÃO, 2002, p. 36; ASCENSÃO, 2005, p.
15; LEMOS, 2005, p. 65, 66; LESSIG, 2004, p. 131, 296; POST, 2002, p. 113;
VAIDHYANATHAN, p. 5).


É fundamental destacar também que essa função da lei de
propriedade intelectual de fomento à cultura se realiza através da promoção
de um equilíbrio entre os interesses da sociedade e os dos autores (CROSNIER,
2005, p. 146; POST, 2002, p. 115; LESSIG, 2004, p. 221). Este equilíbrio se dá
da seguinte forma. De um lado a lei confere ao criador o direito de, durante certo
período
, explorar economicamente sua obra intelectual com exclusividade.
De outro lado a lei estabelece que terminado o período de exclusividade do
autor, a obra passa a poder ser utilizada de forma livre e gratuita pela
coletividade. Entende-se que o lapso de tempo de exclusividade do autor, ao
permitir que este aufira proveito econômico de sua obra da maneira que entender
mais adequada, representa um estímulo para que o mesmo continue criando. Do
mesmo modo, compreende-se que, tendo a sociedade suportado o ônus do período
de exclusividade do criador, nada mais justo que a obra possa doravante ser
usada livre e gratuitamente pela sociedade, surgindo assim o que se chama de domínio
público
. Como diz Bittar (2005, p. 112) o aproveitamento ulterior da obra
pela coletividade representa "uma espécie de compensação, frente ao
monopólio exercido pelo autor". A entrada da obra em domínio público
significa assim um modo de compensar a sociedade que, durante o prazo de
monopólio do autor, quedou-se impossibilitada de usar a obra livremente.

A razão do autor gozar de um período determinado de
exclusividade está assentada, principalmente, em dois motivos. Primeiro, no
fato do autor retirar da própria sociedade, ou seja, do próprio domínio
público
,elementos para a criação de sua obra intelectual (BITTAR,
2005, p. 55; LESSIG, 2004, p. 22; SMIERS, 2005, 2006, p. 183, 107). Sustenta-se,
portanto, que, como foi retirado do domínio público, ou seja, da nossa
herança cultural comum, idéias, elementos para a criação da obra
intelectual, esta, após o período de exclusividade do autor, deve retornar à
coletividade. A respeito, assevera Smiers (2005, p. 183, 184):

Na maioria das culturas ainda é uma prática diária
normal considerar que a criação e a apresentação sejam um processo
corrente de empréstimo e adaptação. Não se concebe a idéia de que alguém
possa ser o dono exclusivo de uma obra de arte. [...] a grande maioria dos
trabalhos tem suas raízes no domínio público. Não sejamos românticos:
não tem fundamento pensar que um gênio cria do nada [...].


No mesmo sentido, reforça Abrão (2002, p. 36):

O fundamento da temporariedade está baseado no direito que
possui a sociedade ao retorno, à devolução, de tudo o que dela o próprio
autor extraiu para criar sua obra, porque fruto de seu meio e de sua
história. Essa solidariedade, então, garante por determinado tempo a
exclusividade ao autor no uso e gozo da obra criada, para depois, com a queda
em domínio público, ser repartida e aproveitada por todos aqueles que
compõem o meio social, como mola propulsora da cultura.


O segundo motivo que leva a limitar o período de
exclusividade do autor consiste no fato de que há um forte interesse da
comunidade na circulação livre e gratuita dos bens culturais (SALINAS, 2005,
p. 24). Isto porque esta circulação promove, obviamente, um acesso mais amplo
aos produtos culturais, ponto fundamental para o desenvolvimento da sociedade.

Assim, pelo que foi exposto acima, vê-se que os direitos
intelectuais lidam com interesses notoriamente antagônicos. De uma banda, o
interesse privado do autor e, de outra, o interesse público da coletividade. É
através da busca de um ponto de equilíbrio adequado (que não proteja em
excesso a figura do autor, sufocando, assim, o domínio público; e que também
não defenda demasiadamente o domínio público, desestimulando, desse modo, o
fazer artístico), que a lei de propriedade intelectual visa atingir seu
propósito último de estimular a difusão da cultura (POST, 2002, p. 115).

3. O objetivo do direito autoral em questão

Porém, na realidade atual, há razões de sobra para
contestarmos que a legislação de propriedade intelectual esteja em equilíbrio
e que, por via de conseqüência, esteja fomentando a propagação da cultura.


Dentre as diversas causas que poderíamos abordar, tendo em
vista os fins desse trabalho, escolhemos duas que reputamos essenciais para
sustentar a afirmação feita acima. A primeira diz respeito ao tempo de
proteção da obra intelectual e a segunda refere-se à extensão da malha dos
direitos intelectuais. Abaixo, iremos sucintamente explicitá-las.


Com relação ao tempo de proteção da obra intelectual,
segundo criticam Ascensão (2004, p. 11), Fisher (2004, p. 152), Lemos (2005, p.
12), Lessig (2004, p. 292), Litman (2001, p. 79), Smiers (2005, p. 183),
Vaidhyanathan (2001, p. 80), o mesmo é excessivo. O Brasil e os EUA são dois
bons exemplos disso.


A legislação brasileira (art. 41 da Lei 9.610/98), seguindo
a tendência mundial, estabelece como regra que a obra intelectual de cunho
estético (música e livro, v. g.) receba proteção durante toda a vidado autor e mais 70 anos após a sua morte. Este é o termo de exclusividade
que goza o criador. Apenas após o fim deste lapso de tempo (vida do autor e
mais 70 anos após o falecimento) é que a obra intelectual integrará o
domínio público, podendo então finalmente ser usada livre e desoneradamente
por todos os interessados.


Nos EUA, a realidade não é muito diferente. O termo de
exclusividade do autor é igual ao brasileiro: vida do criador mais 70 anos
após a sua morte (LESSIG, 2004, p. 292). Chegou-se a este prazo após o mesmo
ter sido ampliado uma série de vezes pelo Congresso Norte-Americano. Só de
1962 até os dias atuais, foram 11 extensões (Op. cit., p. 134). Cabe ressaltar
que, da formação da República Norte-Americana até a data mencionada acima
(1962), a lei só havia sido alterada nesse sentido 3 vezes (Op. cit., p. 134).


Apesar de termos usado como exemplo apenas as duas nações
acima, poderíamos incluir aqui quase todos os países do mundo, haja vista
existir um padrão fundamental em matéria de direitos intelectuais. Isto
é assim porque a maioria esmagadora dos Estados são signatários da
Convenção de Berna (1886), um dos mais importantes acordos internacionais de
proteção à propriedade intelectual e que orienta a legislação interna
referente a direitos intelectuais dos diversos países (ASCENSÃO, 1997, p.
639).


Entende-se que os termos atualmente praticados sobrecarregam
o domínio público, pois, impedem que a obra seja usada livremente pela
sociedade durante um exacerbado lapso de tempo. Há assim desequilíbrio da lei
de propriedade intelectual que, estabelecida desse modo, confere acentuada
proteção a interesses privados em detrimento da coletividade. Critica José de
Oliveira Ascensão (2004, p. 11) afirmando que "[...] o exclusivo autoral
atingirá com freqüência 150 anos, se as obras forem criadas na juventude do
autor [...]".


Outro ponto que precisa ser abordado refere-se à exagerada
extensão (escopo) hodierna da malha da legislação de propriedade
intelectual. A lei protege não só a obra intelectual, mas também aquilo que
se parece, ainda que vagamente,com ela (SMIERS, 2005, p. 183).
Estamos falando aqui das chamadas obras intelectuais derivadas (derivative
works
) [01].


Exemplo simples disso: se pretendo fazer um filme baseado num
livro que ainda não ingressou no domínio público, precisarei da autorização
do autor da obra literária para levar a frente meu intento. Vale dizer, a lei
de propriedade intelectual atual protege não só a obra em si, mas qualquer
transformação, adaptação e construção baseada na mesma (ABRÃO, 2002, p.
37, 83; ASCENSÃO, 2005, p. 15; LESSIG, 2004, p. 19).


A crítica que se faz aqui é que essa proteção espessa,
que se vê no caso das obras intelectuais derivadas, embaraça, atravanca o
fazer artístico (VAIDHYANATHAN, 2001, p. 16). Em suma, inibe a criatividade (DEMERS,
2006, p. 4). Afirma-se isto porque a necessidade de conseguir a permissão do
autor durante o prazo de exclusividade deste para transformar a obra (algo que
frequentemente envolve dispêndio de capital) é um fator que obstrui,
desestimula o surgimento de novas criações intelectuais. Além disso, há que
ser ressaltado o constantemente temor dos novos criadores de sofrer os
dissabores de processos judiciais [02] milionários em razão do uso
não autorizado de obras intelectuais (VAIDHYANATHAN, 2001, p. 14). Tal
realidade desconfortável é sentida intensamente pelos artistas que pertencem
aos gêneros musicais do rap [03], hip hop, e
igualmente por DJ’s, por exemplo, uma vez que o fazer artístico desses
autores baseia-se frequentemente em obras musicais pré-concebidas (DEMERS,
2006, p. 7; LESSIG, 2004, p. 285; VAIDHYANATHAN, 2001, p. 14).


Logo, tem-se aqui outra demonstração de desajuste da lei de
propriedade intelectual, que, ao invés de funcionar como mola propulsora da
cultura
(ABRÃO, 2002, p. 36), serve de instrumento de empobrecimento
desta (VAIDHYANATHAN, 2001, p. 16).

4. Direito de autor ou de empresário?

Diante das críticas apresentadas acima, é preciso
questionar o que estaria conduzindo os direitos intelectuais a essa situação
desarmônica? Ou melhor: quais interesses estariam por trás da tendência
mundial atual, cada vez mais acentuada, de extensão de prazo e de alcance da
lei de propriedade intelectual? A resposta para essa pergunta merece uma
investigação detalhada. É preciso perceber que o que está impulsionando os
direitos intelectuais para essa situação de desajuste crescente é o poder de
persuasão exercido pelo influente lobby das indústrias culturais
[04] (hoje denominadas de indústriasde entretenimento oude conteúdo) sobre os organismos nacionais e internacionais que
legislam e julgam a matéria. Corroborando esse extraordinário poder de
persuasão, como não mencionar aqui os constantes ataques que a indústria
fonográfica, um dos principais elementos integrantes das indústrias culturais,
vem promovendo contra o uso de inovações tecnológicas atreladas à internet
(ASCENSÃO, 2004, p. 2; BANDEIRA, 2006, p. 2). O programa Napster é um
dos exemplos mais emblemáticos disso (POST, 2002, p. 108). Mas, nesse momento,
outra questão poderá aflorar: qual a intenção das indústrias culturais em
pressionar os organismos legislativos a fim de alargar, cada vez mais, os
horizontes da propriedade intelectual? Estariam, por acaso, agindo genuinamente
em defesa da classe artística? Advogando puramente em prol dos direitos dos
autores? Apesar de esta ser a mensagem muitas vezes divulgada para o público (LESSIG,
2004, p. 256, 262), a resposta é negativa. O precípuo interesse das
indústrias culturais em ampliar a abrangência da propriedade intelectual é o
de assegurar um aumento de suas respectivas receitas [05] através da
exploração econômica dos produtos culturais sob o seu domínio. Há este
interesse porque, especialmente a partir do final do século XX, essas
indústrias, além de terem incorporado um rol de atividades mais e mais
complexas, conforme apresenta Vogel (2007, p. 23), agregaram para si a função
de gerir e arrecadar os direitos intelectuais de diversos produtos culturais
.
Não é por outra razão que Joost Smiers (2006, p. 91) afirma que a propriedade
intelectual "está se tornando um dos mais valiosos produtos comerciais do
século XXI". Atento a isso, Jacquet (1997 apud SMIERS, 2006, p. 92) afirma


As fusões atuais [das indústrias culturais] não são
apenas sobre como conseguir uma fatia maior do mercado comprando outro selo
musical, estúdio de filmagem ou editora de livros. São também sobre a
aquisição dos direitos musicais, de filmagem e publicação. Trata-se de um
investimento no capital intelectual, na expressão criativa – a mais valiosa
mercadoria do século XXI.

No campo da música, por exemplo, Bandeira (2006, p. 6)
reforça o que está sendo exposto aqui

[...] as grandes gravadoras projetam atividades que vão
além do simples processo de gravação e venda de discos. Elas aglutinam,
também, os processos de edição de obras musicais, controle de royalties e
direitos autorais, de distribuição, divulgação, marketing,
comercialização e, em inúmeros casos, de agenciamento dos artistas.


Portanto, deve ser visto com reserva o discurso das
indústrias culturais de, em nome da figura do autor, estender o alcance
da propriedade intelectual e combater a utilização de tecnologias de
propagação de produtos culturais (Napster, p. ex.). Na verdade, o autor,
como bem identifica Ascensão (2005, p. 16)

[...] é hoje, no aparente empolamento dos seus direitos, o
grande esquecido, quando não o grande mudo. Não sabe normalmente quais os
seus direitos e é cilindrado por entidades desmedidamente mais poderosas,
para quem as vantagens ao final revertem. É necessário restituir o
protagonismo ao autor e aos artistas, para que não aconteça que eles sirvam
para dar a justificação da proteção mas que os beneficiários reais da
proteção sejam outros, para quem essa proteção reverta. Ou seja: para que
não aconteça que eles sejam a pessoa de quem se fala mas não a pessoa que
fala e muito menos a pessoa por quem se fala.


Na mesma linha, expõe Crosnier (2005, p. 146):

Durante os últimos anos tais direitos estão sendo
questionados pelas grandes empresas e os grupos de pressão, que possuem [...]
‘catálogos de direitos’ e pretendem atuar em nome dos autores. O público
crédulo acredita estar defendendo Flaubert ou o cantor desconhecido, mas se
vê embarcando numa tentativa de [financiar] a cultura empreendida pela
Microsoft, Elseiver, Vivendi-Universal e companhia.


Smiers (2005, p. 183, 188), seguindo esse mesmo raciocínio,
argumenta que o atual sistema de propriedade intelectual, na realidade,
beneficia a poucos artistas. Logo, as empreitadas das indústrias culturais em
nome do fortalecimento desse feixe de direitos não beneficia a maioria classe
artística, mas sim a interesses específicos. Este autor inclusive, por conta
dessa situação desigual, em sua obra Artes Sob Pressão (2006), propõe
a abolição do direito autoral. Smiers (2006) propõe assim um sistema
alternativo de proteção às criações intelectuais, calcado em um sistema de
fundos especiais destinados à remuneração dos artistas.

5. Conclusão

Diante do desarmônico panorama apresentado, é
imprescindível repensar o atual modelo de direito de autor praticado. Os rumos
que, desde o final do século XX, este feixe de direitos está tomando,
seguramente, não condizem com o seu propósito fundamental: de estimular o
incremento da nossa bagagem cultural. Na base desse novo quadro, vimos que a
indústria cultural exerce poderosa influência. Prosseguindo nesse caminho
observaremos, indubitavelmente, um significativo empobrecimento da criatividade
humana, algo que já pode, inclusive, ser vislumbrado na atualidade.

O prazo geral de exclusivo do autor praticado pela maioria
dos países do globo, inclua-se neste rol o Brasil, representado pela vida do
autor e setenta anos após o falecimento deste, é excessivo. Sobrecarrega o
domínio público. A circulação livre das obras através do domínio público
é fundamental para o surgimento de tantas outras. Do mesmo modo, sacrifica em
demasiado o domínio público, as limitações legais impostas aos chamados derivative
works.
Pensamos que ambos os prazos precisam sofrer reduções.

Todas essas mudanças legais levaram a uma ampliação sem
precedentes históricos dos direitos da propriedade intelectual. Isto traz
vários problemas. Em primeiro lugar, deturpam a razão própria de existir do
direito autoral: incentivar a criação de novas obras, remunerando os autores,
e maximizar a circulação das obras na sociedade. Ambos objetivos são
contrariados, pois tais mudanças protegem muito mais os intermediários
do que os autores, já que reduzem canais e aumentam os custos de
circulação das obras (LEMOS, 2005, p. 136).

Promover essas mudanças, no entanto, reconhecemos não ser
uma tarefa fácil. Exige a formação de um consenso na sociedade a respeito da
necessidade dessas alterações, sendo que o primeiro passo para que isto ocorra
é exatamente a circulação das idéias a esse respeito. Nesse sentido,
arremata Ascensão (2005, p. 17): "[...] é vital que as instituições
culturais e os autores se encontrem diretamente, dialoguem, procurem caminhos de
fomento e difusão cultural e de apoio e incentivo à criação".

6. Referências bibliográficas

ABRÃO, Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos. São
Paulo: Editora do Brasil, 2002.


ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito de autor e
desenvolvimento tecnológico: controvérsias e estratégias,
in Revista de
Direito Autoral, ABDA (São Paulo), ano I, nº I, agosto de 2004, p. 3-33.


__________, Direito autoral. Rio de Janeiro: Renovar,
1997.


__________, Produção cultural e propriedade intelectual
(prefácio)
in CRIBARI, Isabela (org.), Recife: Editora Massangana, 2005.


BANDEIRA, Messias. A Economia da música online:
propriedade e compartilhamento da informação na sociedade contemporânea.
Disponível
em:


<http://www.gepicc.ufba.br/enlepicc/pdf/MessiasBandeira.pdf>.
Acesso em: 23/03/2007.

BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2005.


CROSNIER, Hervé. Repensar os direitos de autor in
CRIBARI, Isabela (org.). Produção cultural e propriedade intelectual, Recife:
Editora Massangana, 2005.


DEMERS, Joanna. Steal this music:
how intellectual property law affects musical creativity.
University
of Georgia Press, 2006.

FISHER III, William W. Promises to keep: technology, law
and the future of entertainment.
Stanford
University Press, 2004


FIUZA, César. Direito civil. Belo Horizonte: Del Rey,
2002.


GUEIROS Jr., Nehemias. O Direito Autoral no Show Business.
Rio de Janeiro: Gryphus, 2005.

POST, David G. His napster´s voice, in:
THIERER, Adam e CREWS JR., Wayne (org.)Copyfights – The future of
intellectual property in the information age.CATO,
2003.


LEMOS, Ronaldo. Direito, tecnologia e cultura. Rio de
Janeiro: FGV, 2005.


_______, Creative commons, mídia e propriedade
intelectual
in CRIBARI, Isabela (org.). Produção cultural e propriedade
intelectual,
Recife: Editora Massangana, 2005.


LESSIG, Lawrence. Free culture: the
nature and future of creativity.
Penguin Books, 2004.


LITMAN, Jéssica. Digital copyright. Prometheus Books,
2006.


PATTERSON, Lyman Ray. Copyright in historical perspective.
Vanderbilt University Press, 1968.


ROSE, Mark. Authors and owners: the invention of copyright.
Harvard University Press, 1993.


SALINAS, Rodrigo Kopke. Introdução ao direito autoral in
CRIBARI, Isabela (org.). Produção cultural e propriedade intelectual, Recife:
Editora Massangana, 2005.


SANTIAGO, Vanisa. O direito autoral e os tratados
internacionais
in CRIBARI, Isabela (org.). Produção cultural e
propriedade intelectual,
Recife: Editora Massangana, 2005.


SMIERS, Joost. Artes sob pressão. São Paulo:
Escrituras editora, 2006.


__________, Propriedade criativa injusta: direito de autor
e mundo não ocidental
in


BRANT, Leonardo (org.) Diversidade cultural, São
Paulo: Escrituras Editora, 2005.

VAIDHYANATHAN, Siva. Copyrights and Copywrongs: the rise
of intellectual property and how it threatens creativity.
New
York University Press, 2001.

Notas


  1. Na lei brasileira essa proteção vem tratada no art. 29, inciso III,
    da Lei 9.610/98; na Convenção de Berna, no art. 2º, alínea 3.


  2. Aqui cabe lembrar um caso conhecido por muitos envolvendo os músicos
    Jorge Ben Jor e Rod Stewart em que o primeiro ameaçou ingressar com um processo
    judicial contra o segundo por plágio da música Taj Mahal (1972).
    Porém, a situação terminou se resolvendo anos mais tarde com a doação de royalities
    por parte de Stewart ao UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).


  3. "Walter Leaphart, empresário do grupo de rap Public
    Enemy
    , que nasceu efetuando samplers da música dos outros, afirmou
    que ele não ‘permite’mais que o Public Enemy faça samplers de
    mais ninguém, por conta dos altíssimos custos legais" (LESSIG, 2004, p.
    285).


  4. Empresas transnacionais, ativas em quase todos os campos artísticos,
    cujos principais representantes são AOL/Time Warner, Vivendi-Universal, Sony
    BMG, EMI, Disney, News Corporation e Viacom (SMIERS, 2006, p. 43).


  5. Ilustrativamente, vale lembrar que, recentemente, no caso Eldred v.
    Ashcroft
    , a Suprema Corte dos EUA, concedeu a ampliação da proteção dos
    direitos autorais de 70 para 90 anos, favorecendo os interesses patrocinados por
    grupos como a Disney e estúdios de cinema norte-americanos (LEMOS, 2005, p.
    12).

Sobre o autor



Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

PEREIRA, Márcio Ferreira Rodrigues.
Direito de autor ou de empresário? Indústrias culturais e direito autoral na contemporaneidade. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2757, 18 jan. 2011.
Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/18293>. Acesso em: 19 jan. 2011.

Read more at jus.uol.com.br
 

sábado, julho 10, 2010

Compreendendo o documentário “RIP! A Remix Manifesto” e o Direito Autoral no Brasil

RIP! A Remix Manifesto

1. O Documentário

Com base no documentário “RIP, o manifesto do remix”, tenta-se traçar a linha entre os direitos autorais no mundo e no Brasil, e assim explicar o motivo da referência feita no vídeo à pátria como um exemplo de liberdade cultural sem as amarras legais.

O documentário tem presenças ilustres como a do produtor Gregg Willis, conhecido no mundo da música como "Girl Talk", Lawrence Lessig, criador da Creative Commons, Gilberto Gil, então Ministro da Cultura no Brasil, o crítico cultural Cory Doctorow, dentre outros.

No enredo do filme, há uma introdução a arte do remix, através do o trabalho de Girl Talk, que faz “mashups”, ou seja, recorta trechos de diversas músicas e os rearranja em uma disposição totalmente diferente, criando uma nova música.

Aos poucos vão sendo apresentados questões polêmicas que giram em torno da arte do remix, bem como a guerra que vem sendo travada entre dois grandes grupos: os denominados "Copyright", que representam as corporações privadas que consideram que as idéias são uma propriedade intelectual e devem ser protegidas e trancafiadas com fulcro no lucro próprio; e os denominados "Copyleft", que visam compartilhar conteúdo e defendem o domínio público como sendo um espaço para a livre troca de idéias e a garantia do futuro da arte e da cultura.

1.1. O Manifesto remix

Refletindo sobre a cultura e os direitos autorais o time dos “Copyleft”, dentre eles o Gaylor e outros defensores da causa, criaram o seguinte manifesto “Remix”:

1) A cultura sempre se constrói baseada no passado;

2) O passado sempre tenta controlar o futuro;

3) O futuro está se tornando menos livre;

4) Para construir sociedades livres é preciso limitar o controle sobre o passado.

Com base nestas premissas o filme é desenvolvido, e a todo o momento se faz referencia a elas, contextualizando-as. A história do filme se desenvolve, passando por várias entrevistas com representantes dos dois lados da “guerra”.

O documentário se autodenomina uma representação desse manifesto, convocando a participação das pessoas não só na guerra contra as grandes corporações defensoras dos copyrights quanto na produção de novos conteúdos baseada na remixagem, garantindo assim o futuro da cultura e a arte. Com a descrição do documentário em mente passa-se a levantar a legislação, doutrina e jurisprudência sobre os direitos autorais no Brasil para compreender a interpretação pós-positivista das normas legais.

2. Visão sobre o assunto

Antes, porém, deve-se delimitar a área do Direito pertinente ao assunto tratado no documentário. Primeiro, para dissertar sobre o assunto deve-se ter uma visão macro da área de domínio, esta se encontra delimitada pela propriedade intelectual. A propriedade intelectual é um gênero que abrange os direitos de autor e os que lhes são conexos (direitos dos criadores, difusores e distribuidores dessas criações, como empresas fonográficas e de radiodifusão), e a propriedade industrial (marcas, patentes, desenho industrial, transferência de tecnologia). Por outro lado, essas duas espécies somadas aos direitos da personalidade (imagem, voz, nome, honra) compõem o que se entende por propriedade imaterial, porque são distintos da propriedade tradicional (material) que é tangível.

No Brasil, os direitos de autor e os conexos, são regidos pela lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que revogou a Lei 5.988, de 1973 (com as exceções previstas no artigo 115). A proteção autoral é prevista na Constituição Brasileira, no Código Penal em leis esparsas específicas.

No âmbito internacional, existem várias fontes, podendo ser citadas especialmente a Declaração Universal dos Direitos do Homem; a Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas, de 9 de setembro de 1886, revista em Paris – na Convenção Universal Sobre o Direito de Autor - em 24 de julho de 1971, e promulgada no Brasil através do decreto 75.699/75; a Convenção de Genebra, de 29 de outubro de 1971 (Decreto nº 76.906 de 24.12.1975); o Tratado sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), promulgado pelo Decreto 1.355, de 31.12.94.

Os direitos autorais são fruto de dois vetores distintos, uma tecnológica e outra ideológica, aquela propulsionou um novo mercado econômico, e este visou criar um sistema legal protetivo, com fulcro no amparo primeiramente aos lucros de seus exploradores, e só num segundo momento ao sujeito e objeto da norma, o próprio autor da obra intelectual.

O primeiro vetor surgiu com o aparecimento das máquinas de reprodução em série, através da revolução advinda da máquina de Gutenberg, e de tantas outras para reprodução de textos, bem como de produtos, das obras plásticas ou audiovisuais. A segunda, remonta aos princípios individualistas que fizeram a Revolução Francesa e atingiram o seu ápice atual com o advento da chamada globalização da economia. Hoje são reconhecidos em todos os países e incluídos nas respectivas constituições como um direito fundamental da pessoa humana.

Para estudar o assunto, deve-se verificar, no ordenamento pátrio e internacional, o limite do que é considerado bem imaterial. Ademais, deve-se identificar a incidência da proteção, do campo de não incidência, ou de isenção, definidos em lei (como o uso jornalístico, a citação, a crítica, e a paródia), e o campo das imunidades, onde não há nem direitos exclusivos nem privilégio de ninguém (ou seja, é o campo das idéias, dos jogos mentais, dos projetos, dos métodos, os quais não podem ser propriedade de ninguém, por ser de todos).

No campo das isenções cabe ressaltar que a Carta Magna de 1988 dispõe em seu art. 5º, inciso IX, que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.” (grifo nosso). Desta forma, é garantida a todas as pessoas a liberdade de expressar, opinar e se informar, porém, cabe advertir que segundo a teoria da eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais[1], o termo “licença” da norma supracitada, não é oponível só contra o Estado (liberdades individuais)[2], mas igualmente cabível contra outros particulares, não sendo razoável a limitação de direitos fundamentais em detrimento de autorização de particulares devido ao direito patrimonial do autor. Ademais, O art. XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos também protege estes direitos:

“Art. XIX - Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independente de fronteiras.”

Complementa-se a premissa constitucional anterior, com o art. 220 da CF/88 onde a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” O que a Constituição Federal protege é o legítimo exercício da liberdade de expressão, e não o abuso. Portanto, este direito deve ser exercido dentro de parâmetros certos e definido, com moderação e equilíbrio, sempre pondo em ponderação do diversos valores constitucionais envolvidos em cada caso concreto.

2.1. Os Direitos Autorais no Brasil

A LDA data de 1998 e foi elaborada a partir dos princípios estabelecidos pela Convenção de Berna, de 1886. Os especialistas consideram a LDA uma das mais restritivas do mundo, uma vez que, entre outras razões, não concede aos usuários das obras por ela protegidas o direito de cópia privada. Ou seja, em quase nenhuma circunstância será possível a qualquer pessoa fazer cópia integral de obra alheia sem que haja autorização prévia e expressa do detentor de direitos autorais. De modo geral, essa proibição abrange o uso de obra alheia com finalidade educacional. Tal vedação é extremamente perniciosa à eficácia plena dos direitos constitucionalmente garantidos, como à educação.

Os direitos autorais se bipartem em dois feixes distintos que tem por origem uma única obra. Os direitos ditos morais são encarados como emanação dos direitos da personalidade e os direitos patrimoniais são aqueles que permitem ao autor da obra aproveitá-la economicamente. No sistema unionista (ou seja, de acordo com o disposto na Convenção de Berna, de que o Brasil é signatário), a obra independe de registro, sendo-lhe a proteção conferida após ter sido exteriorizada, e desde que conte com os pressupostos legais anteriormente vistos. Por isso o registro, no Brasil, é facultativo.

Se por um lado os direitos morais vinculam o nome do autor à obra, considerado que é pela doutrina um direito da personalidade, os direitos patrimoniais são aqueles que concedem ao autor a possibilidade de explorar sua obra economicamente.

No ordenamento pátrio temos que a LDA dispõe em seu art. 3º que tais direitos serão considerados como bens móveis, para efeitos legais. No art. 22 está disciplinado que "pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou". Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis - art. 27, portanto, impenhoráveis e não podem ser arrestados. Os direitos morais do autor têm intima relação com os direitos personalíssimos, pois, segundo a doutrina, com a de Orlando Gomes, ao classificar estes direitos da personalidade divide-os entre: relativos à integridade física, em que estão inseridos os direitos à vida, ao próprio corpo; e os relacionados à integridade moral, relacionando os direitos à honra, à liberdade, ao recato, ao segredo, à imagem, ao nome e o direito de autor. Ademais, existem diversas outras divisões na doutrina, que sempre colocam os direitos autorais interligados com os personalíssimos, mas cabe salientar a divisão de Carlos Alberto Bittar[3], maior estudioso da matéria no ordenamento pátrio, que os divide em direitos físicos da personalidade (vida, corpo, partes do corpo, imagem e efígie); direitos psíquicos (liberdade, intimidade, sigilo, e outros do gênero); e, por fim, direitos morais da personalidade (identidade, honra e manifestações do intelecto).

Por outro turno, com relação aos direitos patrimoniais temos o art. 28: "Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica"; os proventos econômicos e exemplares poderão ser penhorados ou arrestados, salvo o disposto no art. 76: "É impenhorável a parte do produto dos espetáculos reservado ao autor e aos artistas".

2.2. Histórico da tutela dos direitos autorais

Historicamente, a preocupação com a tutela dos direitos de autores de obras intelectuais é bastante recente, assim como o é os direitos da personalidade que segundo Bittar[4] até recentemente, na proporção histórica do Direito, era considerada inexistente, pois a existência de direitos sobre a própria pessoa legitimaria o suicídio. Na Antiguidade e na maior parte da Idade Média as dificuldades inerentes aos processos de reprodução dos originais, por si só, já exerciam um poderoso controle da divulgação de idéias, pois o número de cópias de cada obra era naturalmente limitado pelo trabalho manual dos copistas.

Com a invenção da imprensa, os soberanos sentiam-se ameaçados com a iminente democratização da informação e criaram um ardiloso instrumento de censura, consistente em conceder aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização dos títulos que editassem, a fim de que estes, em contrapartida, velassem para que o conteúdo não fosse desfavorável à ordem vigente.

A esse privilégio no controle dos escritos chamou-se copyright (direito de cópia), que nasceu, pois, de um direito assegurado aos livreiros, e não como um direito do autor dos escritos. Dessa perversa simbiose entre o poder dominante e os donos de meios de produção de livros, que não visava tutelar qualquer direito de autor, mas tão-somente garantir o monopólio de reprodução das obras, surge o que o manifesto remix tenta evita, o controle do passado sobre a cultura futura.

Foi a Revolução Francesa, em conjunto com a Revolução Industrial, com seu ideário de igualdade, liberdade e fraternidade, que se desenvolveu o conteúdo moral dos direitos autorais, com vias no respeito às idéias de cada um na sua integridade e significado.

Foi pela jurisprudência francesa que se começou a disciplinar as relações entre escritores e editores, e os laços perpétuos que os uniam, obrigando, em histórica decisão que das futuras transações desses direitos participassem os herdeiros de grandes escritores. As normas desta época traziam uma diferença na natureza jurídica dos direitos dos autores para dos editores, qual seja, que para aqueles há uma "propriedade de direito", e para este uma mera "liberalidade".

2.3. A propriedade imaterial

A invenção da "propriedade intelectual" remonta, pois, às origens do sistema capitalista, quando por pressão dos autores de obras intelectuais e principalmente seus editores, como vistos anteriormente, toma-se por propriedade um ente incorpóreo que em rigor é "trabalho intelectual".

Por propriedade entende-se se o instituto jurídico caracterizado fundamentalmente pelo direito de usar, gozar e dispor com exclusividade da coisa. No direito de propriedade, encontram-se integrados os direitos de usar a coisa, conforme os desejos da pessoa a quem pertence (jus utendi ou direito de uso); o de fruir e gozar a coisa (jus fruendi), tirando dela todas as utilidades (proveitos, benefícios e frutos), que dela possam ser produzidas, e o de dispor dela, transformando-a, consumindo-a, alienando-a (jus abutendi), segundo as necessidades ou a vontade demonstrada.

Um dono de uma granja tem interesse em usufruir com exclusividade dos frutos de sua terra e é natural que não deseje repartir sua colheita com ninguém. Porém, o escritor de uma obra, especialmente o de caráter técnico-científico, por outro lado, tem interesse em ser citado em obras de outros autores e longe de desejar impedir que outros desfrutem de suas idéias, sente-se honrado com a menção que fazem a seu trabalho, isso é até estimulado no Brasil, pelo MEC, com pontuações no currículo.

Portanto, ao proprietário de bem corpóreo cabe o direito de alienar (doar, permutar ou vender) a coisa, pelo óbvio motivo de que ao fazê-lo perderá os direitos de dela usar e fruir. O autor, porém, nada perde com a cópia da sua obra. Pelo contrário, quanto mais pessoas lerem seus textos, ouvirem sua música e apreciarem a sua arte, tanto mais reputação ganhará na sociedade, bem como benefícios patrimoniais.

Cabe ressaltar que a obra intelectual não é, pois, uma espécie de propriedade, mas simplesmente "trabalho intelectual". A invenção da "propriedade intelectual" nas origens do sistema capitalista teve a função ideológica de encobrir esta sua natureza de "trabalho".

Assim, o "trabalho intelectual" tem uma atraente qualidade, ou característica, pelo simples fato de poder ser reproduzida infinitamente sem estar limitada pelo problema fundamental da economia: a escassez. Isso, por sinal, aos olhos capitalistas é uma fonte ilimitada, um sonho de riquezas perpétuas, pois não existe lastro material, proporcionando aplicações infindáveis, embora lhe cause o grave ônus de controlar-lhe a reprodução. Por isso o grande investimento em controlar a produção das leis, pois lhe são ferramentas essenciais para o controle e faturamento.

2.4. Restrição à cultura, à educação e à liberdade de expressão

Por tudo isso, a lei de direito autoral brasileira (lei 9610/98, ou “LDA”) conta com texto extremamente restritivo, onde poucas são as exceções que autorizam o uso de obras alheias, ainda que com fins educacionais, culturais e científicas. Nossa lei segue o sistema jurídico continental-europeu[5], que tradicionalmente apresenta, em seu próprio texto, as limitações e exceções ao direito de autor. Isso significa que a lei indica em que casos o uso de obras alheias não constitui violação aos direitos autorais. Entretanto, não há, entre as limitações e exceções da LDA, previsão suficientemente abrangente para permitir o uso de obras protegidas por direitos autorais em instituições educacionais ou com fins educacionais, de qualquer tipo, bem como das produções culturais ou científicas.

Sendo assim, pelos termos da LDA, um filme que não esteja em domínio público não pode ser exibido em sala de aula, divulgado em uma comunidade, compor uma apresentação cultural ou ser remixada. Um texto não pode ser copiado pelo professor para distribuição em classe, bem como não se pode fotocopiar um livro numa comunidade carente para fins educacionais ou culturais. Alunos não podem usar obras de terceiros para criar obras próprias. Nem mesmo músicas podem ser executadas em sala de aula, ou outras atividades culturais, sem a devida autorização, mesmo que tenham fins filantrópicos.

Mas, a muito que deixamos de ser “a boca do legislador” preconizado pelo sistema positivista e embarcamos no modelo pós-positivista das interpretações conforme a constituição. Por isso cabe aos operadores do direito a obrigação de sempre fazer uma interpretação sistemática num cotejo contínuo entre as normas e os princípios constitucionais. Assim, necessário se faz que se faça uma reinterpretação da LDA de modo a permitir que o direito à educação, à cultura, e a livre manifestação do pensamento, tutelados constitucionalmente, se torne pleno. Nesse sentido, três são as fases imperativas, visando este objetivo: a) na primeira, analise da dignidade da pessoa humana e seu aspecto de proteção à formação do indivíduo, no qual se insere o direito à educação, à cultura, e manifestação do pensamento; b) a seguir, traçar considerações acerca dos conflitos entre direitos fundamentais, como o da propriedade versus educação, etc.; c) e finalmente, apontar os obstáculos que a LDA pode representar à eficácia destes direitos fundamentais, para então atacá-los.

Seguindo este norte, é indispensável, portanto, ter a visão do direito de autor em consonância com o direito à cultura. O que deseja o autor, em última instância, com a sua criação do espírito, como a lei define a obra protegida, é contribuir com a difusão da cultura e fazer conhecida a sua obra, tendo como conseqüência a merecida retribuição econômica.

O respeito ao direito de autor se completa com o respeito ao direito da difusão da sua obra. O direito à cultura, assim como o direito autoral, está inscrito na Constituição Brasileira e merece proteção e incentivo.

A Constituição Brasileira confere a todos os cidadãos o direito à educação e à cultura:

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

A jurisprudência já adotou essa visão de compromisso com a expansão cultural antes mesmo da atual Constituição:

É significativo, para um autor, que suas obras sejam utilizadas para o ensino e que deve ser valorizada a publicidade que daí lhe advém". Não tanto para C. R., que os contemporâneos já haviam consagrado, mas para os jovens escritores, a inserção de trechos ou de parte de obras suas, em obras didáticas, serve como meio de difusão de seu nome a provocar inevitável repercussão de caráter econômico. E em relação aos autores de nome consagrado, há como que uma obrigação bilateral entre eles e a comunidade que os aceitou, no sentido de que permitam a divulgação resumida de suas obras visando o aperfeiçoamento intelectual, ou, como prefere admitir o pranteado Min. Rodrigues de Alckmin, "ao interesse na instrução popular, ao interesse social na formação cultural da juventude, que determinariam a licença constante de nossa legislação" (RT, 531/247). Como o afirmou o Min. Cunha Peixoto, em voto vencedor, o que o levou a acompanhar a conclusão final do Min. relator, foi mera situação de fato, ou seja, a de que é necessário "que a obra continue, na verdade, a ser uma obra, se expurgados os trechos transcritos" (idem pág. 255).

Ora, essa foi a conclusão do ilustre Professor Antônio Chaves em seu parecer. Finalmente apreciação feita pelo Dr. Hermano Duval se assenta à questão em debate: "Assim, não há como atribuir sentido pejorativo à função social do Direito Autoral quanto ao Ensino, à divulgação da Informação e da Cultura, uma vez que ditas RESTRIÇÕES resultam transparentes da própria Lei" (fls. 422). (Acórdão do TJSP - 3ª - Câm. Civ.; Ap. Cív. nº 78.808-1-SP; rel. Dos. Toledo César; j.11.11.1986; v.u.). BAASP, 1476/76, de 01.04.1987.).

Um outro aspecto a ser considerado é o lado econômico do direito autoral, como bem define a Lei Maior do país no artigo 5o:

XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas; (grifo colocado).

É magistral o professor Ascensão quando conclui:

Se a finalidade da lei não é atribuir o exclusivo, mas o exclusivo como via de atribuição de vantagens patrimoniais, devem ser consideradas livres aquelas atividades que não tiverem nenhuma incidência negativa na exploração econômica da obra. Um ato que não possa prejudicar em nada a exploração econômica da obra é, por força da teleologia legal, um ato livre. (ASCENSÃO, 1997, p.161)

Por fim, temos que o direito autoral é considerado um bem móvel, conforme a LDA Art. 3º:

Os direitos autorais reputam-se, para os efeitos legais, bens móveis.

E a Constituição Federal no Art 5o inciso XXIII:

- a propriedade atenderá a sua função social;

A defesa da preservação, estímulo e divulgação da cultura fundamentam a existência dessa proteção às obras de criação do espírito humano e, justamente para evitar que essa proteção seja um obstáculo à cultura, impõem-se limites.

A legislação brasileira segue os princípios da Convenção de Berna, cujo objetivo é o de proteção, portanto a LDA em seu art. 7º, dispõe:

São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro...

Embora protegidas, um direito não poderá restringir o outro, e quanto se trata de direitos fundamentais, exige-se a necessária ponderação, mesmo que no conflito entre normas gerais e específicas a solução seja pela norma especial, por ter laços com normas constitucionais fundamentais, esta solução de antinomia não lhe assiste.

2.5. Obras Protegidas

Seguindo a idéia inicial de delimitação do assunto, cabe definir o que é protegido ou não. Neste diapasão, são obras protegidas pelo direito brasileiro: os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; as conferências, alocuções, sermões; as obras dramáticas e dramático-musicais; as coreográficas; as composições musicais; as audiovisuais; as fotográficas; as de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; as ilustrações, cartas geográficas; os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia (conforme artigo 7º da LDA, incisos de I a IX).

Também são protegidas as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; os programas de computador; as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual (conforme artigo 7º da LDA, incisos de X a XIII).

No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial (artigo 7º da LDA,&3º).

2.6. Não gozam de proteção

Noutro turno, o legislador preocupou-se com o aspecto cultural e com as dificuldades que poderiam gerar o impedimento irrestrito das obras intelectuais e definiu os limites desta proteção para possibilitar a divulgação das obras, enumerando as criações que não gozam de proteção. Embora a intenção do legislador não seja das melhores, pois excluiu do campo de incidência da lei o que traria mais problema do que benefícios financeiros aos seus detentores, não se poderia falar de aspectos culturais, pois as regras não são suficientes para suprir o mínimo exigido pelos direitos fundamentais.

Dentre outras, temos as seguintes isenções: as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais; os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios; os formulários em branco para serem preenchidos por qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções; os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais; as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas.

10. Limitações ao Direito do Autor

Seguindo na delimitação, cabe observar que na lei anterior revogada em 1998, a reprodução de trechos não era limitada na dimensão e era permitida a reprodução de texto integral de pequenas composições em livro didático, desde que no contexto de obra maior. A citação para fins de estudo, crítica ou polêmica não era regida pela medida justificada.

Na Lei de 1973 também eram livres o uso de reprodução de texto para livro didático e a citação para estudo, sem restrições.

A reprodução de pequeno trecho tem limitação quanto ao tamanho e pela necessidade de não se tornar o objetivo principal da obra nova, porém é livre ainda que não esteja inserido em obra para fins de estudo, polêmica ou crítica, como é o caso da citação.

O artigo 46 da LDA prevê ainda outras limitações aos Direitos Autorais, sendo permitida a reprodução, tais como (original sem grifos):

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais:

I - a reprodução:

a) na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos;

b) em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas de qualquer natureza;

c) de retratos, ou de outra forma de representação da imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros;

d) de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema Braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários;

II - a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista desde que feita por este, sem intuito de lucro;

III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra;

IV - o apanhado de lições em estabelecimentos de ensino por aqueles a quem elas se dirigem, vedada sua publicação, integral ou parcial, sem autorização prévia e expressa de quem as ministrou;

V - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão em estabelecimentos comerciais, exclusivamente para demonstração à clientela, desde que esses estabelecimentos comercializem os suportes ou equipamentos que permitam a sua utilização;

VI - a representação teatral e a execução musical, quando realizadas no recesso familiar ou, para fins exclusivamente didáticos, nos estabelecimentos de ensino, não havendo em qualquer caso intuito de lucro;

VII - a utilização de obras literárias, artísticas ou científicas para produzir prova judiciária ou administrativa;

VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida, nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

A benevolência do legislador é merecedora compaixão, devido à preocupação com fatores mercadológicos em detrimento da cultura, educação ou da livre manifestação, salvo as esparsas menções ao direito de paternidade da obra, pouco se considera no que tange aos direitos fundamentais.

2.7. Direitos Fundamentais versus Direitos Autorais

O direito à educação é um dos direitos sociais garantido constitucionalmente, nos termos do art. 6° da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988, que estipula, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 26, de 2000:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Mais adiante, o mesmo texto constitucional prevê, em seu art. 205, que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Ainda nesse sentido, é importante observarmos que o art. 206, II, da Constituição Federal determina que o ensino será ministrado com base, entre outros, no princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.

Temos que é dever-poder do estado, e segundo o art. 23, da carta magna, “competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ...”, “V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência;”. Deste modo, mesmo que a Constituição Federal atribua, privativamente à União, competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 22, XXIV), tanto a União quanto os Estados, o Distrito Federal e os Municípios detêm competência comum para proporcionar os meios de acesso à educação, à cultura e à ciência (art. 23, V).

A cultura é referenciada também no art. 215, no qual prescreve que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Logo em seguida no seu art. 216, o constituinte define o que constituem o patrimônio cultural brasileiro, que são “os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.” Assim, caberá ao Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro por todas as formas de acautelamento e preservação, sendo forçoso concluir que o que se pretende proteger com tal disposição é a nossa cultura, com seu valor histórico, científico e cultural.

Ademais, vale salientar que a propriedade, seja material ou imaterial, em diversas normas e princípios constitucionais referenciam a função social da propriedade. No contexto dos direitos fundamentais, nos incisos do artigo 5º, temos a proteção do direito a ter propriedade, inciso XXII, onde “é garantido o direito de propriedade”, ou seja, a proteção à propriedade privada, seguido de seu princípio norteador, inciso XXIII, de que “a propriedade atenderá a sua função social”. Estes princípios constitucionais levam a lógica de que o direito de propriedade que não cumpre sua função social não goza de proteção possessória. Assim, se a propriedade intelectual foi construída sobre os pilares da propriedade e bens, sejam corpóreos ou incorpóreos, deve sofre as influências do vetor hermenêutico da função social perante a formação do patrimônio cultural.

Diante dos termos claros do texto constitucional, observa-se que a Constituição Federal brasileira inscreve o direito à educação, à cultura e a livre manifestação entre os direitos fundamentais, atribuindo-lhe importância especial para a formação do indivíduo. Não por outro motivo, pode-se considerar que estes direitos são elementos mínimos e existenciais garantido pela dignidade da pessoa humana, vetor hermenêutico de todo nosso ordenamento jurídico.

O constituinte de 1988 explicitou, no art. 1º, III, de nossa Constituição democrática, que a dignidade da pessoa humana é um dos “fundamentos da República”. A Constituição consagrou tal princípio e, dada a sua eminência, “proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática”[6].

É de se notar que a dignidade da pessoa humana exerce função de verdadeira cláusula geral no Direito brasileiro. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery assim definem a cláusula geral[7]:

[...] são normas orientadoras sob forma de diretrizes, dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe dão liberdade para decidir [...]. As cláusulas gerais são formulações contidas na lei, de caráter significativamente genérico e abstrato [...], cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz, autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria cláusula geral, que tem natureza de diretriz.

Ao analisar os aspectos de abrangência da cláusula geral da dignidade da pessoa humana, Maria Celina Bodin de Moraes assim se manifesta[8]:

O ponto de confluência desta cláusula geral é, sem dúvida, a dignidade da pessoa humana, posta no ápice da Constituição Federal de 1988 (artigo 1°, III). Como já foi aludido, em seu cerne encontram-se a igualdade, a integridade psicofísica, a liberdade e a solidariedade.

[...]

A cláusula geral visa proteger a pessoa em suas múltiplas características, naquilo “que lhe é próprio, aspectos que se recompõem na consubstanciação de sua dignidade, valor reunificador da personalidade a ser tutelada. Assim, cumpre reconhecer que, evidente, também se abrigam sob o seu manto os demais direitos que se relacionam com a personalidade, alguns deles descritos pelo próprio legislador constitucional no art. 5° da Constituição Federal.

Assim, tendo como cláusula geral a dignidade da pessoa humana, posta no ápice da Constituição Federal de 1988, como norma contra majoritária, as ponderações com os direitos sociais e fundamentais levam a que dentre os direitos autorais só os direitos morais do autor devem ser preservados, pois coadunam com a cláusula geral supra, sem tender a abolir os outros direitos fundamentais. Além disso, como visto anteriormente, os direitos patrimoniais do autor é uma ficção jurídica para dar proteção real sobre o que na realidade é um “trabalho” intelectual.

3. Concluindo

As Convenções Internacionais, a Constituição Federal Brasileira, a Lei de Direitos Autorais, a Doutrina e a Jurisprudência caminham dentro do equilíbrio necessário para conceder ao autor o fundamental direito de autoria como incentivo à sua criação do espírito, à sua arte, ao seu dom e, ao mesmo tempo, para manter o direito, igualmente fundamental, da difusão da cultura, promoção da educação, e liberdade de expressão.

Como o patrimônio cultural é formado pelas formas de expressão; pelos modos de criar, fazer e viver; pelas criações científicas, artísticas e tecnológicas; pelas obras; pela arte do povo. Este patrimônio é motivado pela vivência social e não pode ficar recluso, devendo retornar ao âmbito social. Para isto é indispensável o respeito ao autor, criador deste patrimônio, principalmente a sua dignidade, ao mesmo tempo deve ser dado o incentivo, a liberdade e a difusão destas manifestações culturais que se dão pela formas de expressão, de criação e de recriação, para que a sociedade seja mais livre e progrida harmoniosamente.


[1] INGO WOLFGANG SARLET: “Ponto de partida para o reconhecimento de uma eficácia dos direitos fundamentais na esfera das relações privadas é a constatação de que, ao contrário do Estado clássico e liberal de Direito, no qual os direitos fundamentais, na condição de direitos de defesa, tinham por escopo proteger o indivíduo de ingerências por parte dos poderes públicos na sua esfera pessoal e no qual, em virtude de uma preconizada separação entre Estado e sociedade, entre o público e o privado, os direitos fundamentais alcançavam sentido apenas nas relações entre os indivíduos e o Estado, no Estado Social de Direito não apenas o Estado ampliou suas atividades e funções, mas também a sociedade participa cada vez mais ativamente do exercício do poder, de tal sorte que a liberdade individual não apenas carece de proteção contra os poderes públicos, mas também contra os mais fortes no âmbito da sociedade, isto é, os detentores de poder social e econômico, já que é nesta esfera que as liberdades se encontram particularmente ameaçadas.” - SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

[2] 1500312372 – CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – TERMO DE INTERRUPÇÃO DE ATIVIDADES DE RADIODIFUSÃO – PERMISSIONÁRIO QUE NÃO SANOU AS IRREGULARIDADES CONSTATADAS PELA ANATEL, APESAR DAS SUCESSIVAS OPORTUNIDADES QUE LHE FORAM CONCEDIDAS – VALIDADE DA SANÇÃO IMPOSTA – [...]12- As liberdades de informação, inclusive jornalística, e de manifestação de pensamento (arts. 5º, IV, IX e 220 da CF/88) constituem valores indissociáveis de um Estado que se proclama Democrático de Direito (art. 1º da Constituição Federal). Tais liberdades, no entanto, como quaisquer outros direitos fundamentais, não são absolutas, estando sujeitas a uma "harmonização" ou "concordância prática" na hipótese de conflito ou colisão com outros direitos igualmente valorados. 13- Necessidade, no caso das atividades de radiodifusão, de observância das regras dos arts. 22, XII, "a" e 223, ambas da Carta da República, que condicionam a prestação de serviços à autorização, concessão ou permissão da União. Inexistência de direito "inato" dos concessionários, que se sujeitam à disciplina legal pertinente e aos limites objetivos dos atos e contratos de concessão, autorização e permissão. 14- Apelação a que nega provimento. (TRF 3ª R. – AC 2002.61.00.006531-4 – (1120648) – 3ª T. – Rel. Renato Barth – DJe 16.12.2008 – p. 46)

[3] BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

[4] Ibidem.

[5] O Brasil se filia ao sistema continental de direitos autorais. Este se diferencia do sistema anglo-americano do direito autoral porque “[o] common law manteve-se dentro da visão dos privilégios de impressão; não foi basicamente afetado pela Revolução Francesa. Isso conduziu a uma certa materialização do direito de autor. A base do direito era a obra copiável; a faculdade paradigmática era a da reprodução (copyright). O copyright assenta assim principalmente na realização de cópias, de maneira que a utilidade econômica da cópia passa a ser mais relevante que a criatividade da obra a ser copiada”. ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito do Autor e Desenvolvimento Tecnológico: Controvérsias e Estratégias. Revista de Direito Autoral – Ano I – Número I, agosto de 2004. Rio de Janeiro: Lumen Juris.

[6] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 83.

[7] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, São Paulo: ed. RT, p. 6.

[8] MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à Pessoa Humana: uma Leitura Civil Constitucional dos Danos Morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

segunda-feira, junho 28, 2010

Para pensar: Vídeo sobre os Direitos Autorais no Mundo, um protesto contra o uso dos direitos de autor com a finalidade de obstruir a cultura!


Aproveitando que a Lei de Direitos Autorais do Brasil está para ser reformulada e que o Ministério da Cultura está promovendo um debate, ou consulta popular, na internet, veja o blog “Consulta Direito Autoral” em http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/ e participe, é que eu "posto" este vídeo “RIP!: a Remix Manifesto”, legendado em português. Este vídeo é um documentário, dirigido pelo ciberativista Brett Gaylor, que tem como objetivo principal, assim como esta postagem, ampliar e divulgar a discussão acerca dos direitos autorais, propriedade intelectual, compartilhamento de informação na cultura atual, em que temos uma comunidade mundial interligada, chamada de “Comunidade da Informação”.


O documentário conta com presenças ilustres personagens como a do produtor Gregg Willis, conhecido no mundo da música como "Girl Talk", Lawrence Lessig, criador da Creative Commons, Gilberto Gil, então Ministro da Cultura no Brasil, o crítico cultural Cory Doctorow, dentre outros.


-----------------------------------------------


RIP! A Remix Manifesto - Direitos Autorais - Legendado pt-BR

from Raphael Simões Andrade

on Vimeo.

-----------------------------------------------



No enredo do filme, há uma introdução a arte do remix, através do o trabalho de Girl Talk, que faz “mashups”, ou seja, recorta trechos de diversas músicas e os rearranja em uma disposição totalmente diferente, criando uma nova música.

Aos poucos vão sendo apresentados questões polêmicas que giram em torno da arte do remix, bem como a guerra que vem sendo travada entre dois grandes grupos: os denominados "Copyright", que representam as corporações privadas que consideram que as idéias são uma propriedade intelectual e devem ser protegidas e trancafiadas com fulcro no lucro próprio; e os denominados "Copyleft", que visam compartilhar conteúdo e defendem o domínio público como sendo um espaço para a livre troca de idéias e a garantia do futuro da arte e da cultura.

Refletindo sobre a cultura e os direitos autorais o time dos “Copyleft”, dentre eles o Gaylor e outros defensores da causa, criaram o seguinte manifesto “Remix”:

  • 1) A cultura sempre se constrói baseada no passado;
  • 2) O passado sempre tenta controlar o futuro;
  • 3) O futuro está se tornando menos livre;
  • 4) Para construir sociedades livres é preciso limitar o controle sobre o passado.


Com base nestas premissas o filme é desenvolvido, e a todo o momento se faz referencia a elas, contextualizando-as. A história do filme se desenvolve, passando por várias entrevistas com representantes dos dois lados da “guerra”.

O documentário se autodenomina uma representação desse manifesto, convocando a participação das pessoas não só na guerra contra as grandes corporações defensoras dos copyrights quanto na produção de novos conteúdos baseada na remixagem, garantindo assim o futuro da cultura e a arte.


Espero que o vídeo contribua para as discussões no blog “Consulta Direito Autoral”, do Ministério da Cultura, e não deixem de participar na elaboração desta nova lei de Direitos Autorais no Brasil.


Leia também:

Anúncio AdSense