STF — 11 de junho de 2010 — O Tribunal Superior Eleitoral decidiu: a lei da ficha limpa vale para as eleições deste ano. A norma proíbe a candidatura de políticos condenados por um colegiado, um grupo de juízes. O advogado eleitoral Claudismar Zupiroli fala sobre a decisão do TSE sobre o projeto ficha limpa.
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O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que a lei da ficha limpa valerá nas eleições de outubro deste ano. A lei, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 4 de junho, proíbe a candidatura de políticos condenados pela Justiça em decisão colegiada em processos ainda não concluídos. Mas a decisão não encerra o assunto, pois a constitucionalidade da norma ainda pode ser questionada no Supremo Tribunal Federal (STF).
De acordo com a lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no último dia 4, um político se torna inelegível se for condenado por um órgão colegiado de magistrados, mesmo quando couber recurso.O argumento dos contrário ao projeto Ficha Limpa é que os cidadãos não podem ter seus direitos tolhidos antes de uma sentença final.
Mas quem tem ficha suja deve estar preocupado, pois as instituições que têm prerrogativa para levar o assunto ao Supremo, como a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público, já sinalizaram que não pretendem provocar o TSE sobre a Lei da Ficha Limpa. Há chance, no entanto, de o assunto chegar ao STF por meio de um caso concreto.
'Ficha limpa é novo momento da política brasileira', diz OAB
Presidente da OAB afirmou que lei pode ser questionada no STF. TSE definiu nesta quinta-feira que ficha limpa vale para eleições deste ano.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou nesta quinta-feira (10) que a sociedade sai vitoriosa após a recomendação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que a lei da ficha limpa vale já para as eleições deste ano.
"A lei da ficha limpa marca um novo momento da política brasileira em que a ética prevalece sobre todos os demais aspectos", afirmou o presidente da OAB.
Cavalcante observou ainda que as novas regras têm um efeito didático e vai apontar para que partidos políticos também observem o critério da ficha limpa na indicação de seus candidatos.
Ele explicou que caso alguém discorde do entendimento TSE pode questionar a lei da ficha limpa no Supremo Tribunal Federal (STF), mas o presidente defendeu ainda a constitucionalidade da lei, sancionada pelo presidente Lula no último dia 4 de junho.
Segundo o presidente da OAB, vai caber aos juízes eleitorais ou aos tribunais regionais definir a abrangência da lei. Ou seja, determinar se a regra da ficha limpa se aplicará a políticos condenados em processos anteriores à sanção da lei.
Outras três consultas sobre a validade da lei foram encaminhadas ao TSE pelos deputados Jerônimo de Oliveira Reis (DEM-SE), Ilderlei Cordeiro (PPS-AC) e Otávio Leite (PSDB-RJ). Além de questionar a validade, eles perguntam se a nova lei poderia aumentar a pena dos políticos que já foram considerados inelegíveis.
Os ministros do TSE, no entanto, não se pronunciaram nesta quinta-feira sobre dúvidas que podem surgir em relação à aplicação da lei. A aprovação do projeto pelo Senado gerou polêmica por conta de uma emenda do senador Francisco Dornelles (PP-RJ), acatada pelo relator, Demóstenes Torres (DEM-GO), que substituiu a expressão "tenham sido condenados" por "que forem condenados".
Pressão popular
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) foi responsável pela iniciativa da apresentação do projeto da ficha limpa e por ter reunido mais de 1,6 milhão de assinaturas de eleitores desde o lançamento da proposta, em setembro do ano passado.
A diretora do MCCE, Jovita Rosa , acompanhou a sessão em que a Suprema Corte Eleitoral definiu a validade da ficha limpa para este ano. Ela afirmou que a pressão feita pela sociedade e pela imprensa brasileira foi determinante para a aplicação da lei já no pleito de outubro.
"É um momento de muita alegria, mais uma vez a sociedade mobilizada transformou a realidade do país. E a validade para esse ano só foi possível porque a sociedade abraçou essa causa", disse a representante do MCCE.
Débora Santos
Do G1, em Brasília
Dúvidas sobre data para valer condenação
Um impasse sobre o período abrangido pela Lei da Ficha Limpa provoca polêmica. A principal dúvida: se a sanção só vale para os condenados após junho deste ano ou se pega aqueles sentenciados em segundo grau judicial antes desse período. Os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiram, na quinta-feira, que a regra, para impedir candidatos condenados por tribunais de disputarem cargos eletivos, já é válida para o pleito de outubro. No entanto, existe esse impasse sobre a partir de quando a lei começa a valer.
"Hoje não há condições de sabermos a abrangência disso. Se for pela regra que diz que as leis só são validadas a partir de sua publicação, ninguém vai ser enquadrado, pois o período é curto. A exceção é se o cidadão cometer um crime hediondo" , afirma o doutor em Direito Constitucional e consultor jurídico da Câmara de Jundiaí, João Jampaulo Jr. O especialista acredita que possivelmente será forçada uma situação para que condenados anteriormente sejam enquadrados. "Por isso, estão levantando essa polêmica. Pelos princípios, essa norma só produz efeito a partir do dia 4 de junho.
Provavelmente, será um caso para o Supremo Tribunal Federal decidir."Para o presidente da 33ª Subsecção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Jundiaí, Márcio Cozatti, se o TSE interpretar que a validade se dá após a sanção da nova regra, ela não passará de 'uma letra morta'."Se isso ocorrer, não adiantou nada eles terem decidido que ela vale para este ano. Na minha opinião, como não se trata de uma penalidade e sim de um requisito, os condenados anteriormente devem ficar inelegíveis".
O presidente do TSE, ministro Ricardo Lewandowski, admitiu que ainda não tem um entendimento formado. "Vou refletir sobre a questão do tempo verbal (do texto da lei), que precisa ser analisado, e a outra que diz respeito ao aumento do prazo de inelegibilidade daqueles que já foram condenados. O resultado será aquele decidido pelo plenário."
Projeto - A Lei da Ficha Limpa é resultado de mobilização da sociedade civil, que conseguiu juntar 1,6 milhão de assinaturas. O novo texto que altera a lei complementar 64 de 1990, conhecida como Lei das Inelegibilidades, incluiu na lista das pessoas que não podem ser eleitas os condenados por decisão de um colegiado. Embora o TSE tenha decidido que a norma já pode ser aplicada, os candidatos que se sentirem prejudicados podem recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF).
"Eles podem alegar que essa lei é ilegal porque fere a Constituição, vai contra direitos fundamentais. As pessoas têm o direito de usar todos os recursos existentes para serem declaradas inocentes ou culpadas. Criou-se um contrasenso que caberá ao Supremo resolver", explica Jampaulo Jr. As instituições que têm prerrogativa para levar o assunto ao órgão, como a OAB e o Ministério Público, já sinalizaram que não pretendem provocar o TSE. Porém, ainda há chance de o assunto chegar ao STF por meio de um caso concreto.
ROBERTA DE SÁ e AGÊNCIAS
Lei do Ficha Limpa dificulta punição a políticos com contas reprovadas no TCU
Autoridades criticam lei que barra políticos condenados e têm diferentes interpretações
O Ficha Limpa começa a valer nas eleições deste ano para barrar políticos com condenação na Justiça por órgão colegiado [mais de um juiz] , mas ainda é alvo de críticas e debates jurídicos. Autoridades avaliam que deve ser mais difícil e demorado impedir a candidatura de políticos com contas reprovadas no TCU (Tribunal de Contas da União), órgão que fiscaliza os gastos do governo.
Para o ministro do TCU Raimundo Carreiro, as decisões dos tribunais de contas vão perder força. De acordo com o novo texto, não poderá se eleger quem tiver contas rejeitadas por irregularidade feita com a intenção de cometer um crime (o chamado ato doloso). É o caso dos desvios de dinheiro.
- As decisões dos tribunais de contas acabaram. Só a Justiça pode determinar improbidade administrativa.
O TCU é um órgão administrativo que fiscaliza, e não tem poder de punição. No entanto, se um político entrava para a lista de administradores que cometeram irregularidades na execução dos gastos, isso podia impedi-lo de se reeleger se o Ministério Público entrasse com denúncia pedindo a impugnação da candidatura. Com a mudança, é preciso que haja condenação na Justiça.
Sérgio Ciquera Rossi, secretário-diretor geral do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), afirma que as decisões do Legislativo e dos tribunais de contas, quando questionadas, dependerão mesmo do que vier a ser decidido pelo Judiciário. Rossi expressa seu próprio entendimento sobre o tema, e não do órgão.
A procuradora regional eleitoral do Rio de Janeiro, Silvana Batini, entende que as decisões dos órgãos administrativos ainda terão peso e que não há necessidade de uma decisão judicial específica condenando por improbidade, por exemplo.
Mas a procuradora diz que a exigência de comprovar o ato doloso de improbidade é um retrocesso, já que o texto anterior previa que qualquer rejeição de contas dos tribunais, desde que definitiva, caracterizava inelegibilidade. Um levantamento feito pela Procuradoria do Rio, para as eleições de 2008, mostrou que cerca de 80% das impugnações de candidaturas eram feitas com base em decisões dos tribunais de contas.
- Houve uma traição ao espírito da lei, que deveria tornar os critérios para registro de candidatos mais rigorosos.
Legislação A lei da inelegibilidade em vigor atualmente foi criada em 1990, para complementar a Constituição de 1988. O objetivo desta lei, diz o texto, era assegurar a moralidade para o exercício do mandato e proteger a probidade administrativa. |
Inelegibilidade Pessoas condenadas em decisão colegiada (por mais de juiz), e em segunda instância, não poderão disputar cargos eletivos. |
Crimes A regra vale para os políticos condenados por crimes considerados graves (como tráfico de drogas, homicídio e corrupção), cuja pena for superior a dois anos de prisão, e quando houver dolo (intenção). |
Prazo |
Renúncia |
Recursos É possível concorrer enquanto a Justiça analisa o pedido de recurso do candidato. Porém, se o pedido de recurso do processo for rejeitado pela Justiça, o candidato perde o registro da candidatura. |
As divergências de interpretações do texto são mesmo esperadas, conta Ophir Cavalcante Junior, presidente do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Para ele, a investigação sobre qual o tipo de irregularidade cometida na administração se foi intencional ou não deve diminuir os efeitos imediatos da lei, em razão dos processos judiciais.
O especialista em direito administrativo e professor da Faculdade de Direito da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), Marcio Pestana, não vê problemas nesse item da lei, porque ela preserva o direito de defesa e de candidatura.
- Todos têm direito à defesa no âmbito judicial. Quem age de má fé tem que ser afastado [da vida pública]. Mas quem é negligente já está sujeito a um cardápio de sanções administrativas.
O especialista em direito eleitoral Alberto Rollo diz que um dos problemas de se exigir que a Justiça verifique se houve ou não crime no uso do dinheiro público é que o Ministério Público, por exemplo, não leva adiante todos os casos. Isso significa que muitos políticos com contas reprovadas poderão não ser julgados e continuar disputando as eleições. Mesmo assim, ele entende que a presunção da inocência é algo fundamental.
- Segundo Ricardo Lewandowski [ministro do STF], 25,3% dos recursos que chegam ao STF (Supremo Tribunal Federal) são aceitos. Então, o candidato julgado por um colegiado de juízes pode ser inelegível agora, mas ele pode recorrer e vencer.
Rollo faz duras críticas à lei que, na opinião dele, representa uma volta aos tempos de ditadura, porque coloca nas mãos da Justiça a decisão de quem pode ou não se eleger e não nas mãos dos eleitores.
A lei do Ficha Limpa é fruto de uma iniciativa popular que recolheu mais de 1,6 milhão de assinaturas de apoio. A medida foi aprovada por unanimidade nos plenários do Senado e da Câmara e foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no dia 4 de junho.
Autor: Amanda Polato, do R7