A verdade por trás dos testes de DNA
por Nehemias Gueiros, Jr.
Recomendo a leitura do artigo "Do Holocausto nazista à nova eugenia no século XXI", sobre o tema da eugenia com base no teste de DNA.
Cada vez mais utilizados como prova irrefutável em investigações de paternidade, identificação de criminosos e outras formas diversas de pesquisas científicas, o teste de DNA possui uma face sombria da qual poucas pessoas se dão conta. A uma, porque o assunto ainda é muito novo, e por isso mesmo atrai pouca atenção da mídia e depois, porque a divulgação desta perigosa vertente do teste certamente iria criar mais problemas do que soluções, invadindo a privacidade das pessoas e criando becos sem-saída jurídicos. Resumidamente, um teste de DNA examina os nucleotídeos em partes específicas do DNA humano para fins genealógicos. Geralmente, os resultados dos testes não intentam alcançar ou constituir valor informativo médico, mas cada vez mais vêm sendo utilizados pelas polícias científicas do mundo para identificar facínoras e solucionar crimes misteriosos e difíceis. Muito utilizados para comparar indivíduos vivos com amostras de tecido dos mortos, o teste de DNA, entretanto, começa a apresentar um lado mais assustador, quando aplicado diretamente ao currículo de uma pessoa, com a finalidade de considerá-la apta ou não para o trabalho.
Em 2006, ocorreram três eventos marcantes nos Estados Unidos, relacionados com os testes de DNA. A poderosa fabricante de computadores IBM (International Business Machines), anunciou que “não iria mais utilizar os testes para admitir, promover ou determinar os salários de seus funcionários”, como chegou a fazer. No mesmo ano, Eddy Curry, pivô do time de basquete Chicago Bulls, foi vendido para outro clube por recusar-se a fazer o teste de DNA. 2006 foi também o ano do anúncio do Projeto de Genoma Pessoal (Personal Genome Project ou PGP) pela Harvard Medical School. O PGP é um teste genético pessoal, feito por uma pessoa para descobrir sua herança genética, étnica, a probabilidade de desenvolver certas enfermidades etc. O geneticista responsável, Dr. George Church, colocou o projeto na Internet e vem estimulando sua divulgação em todo o mundo, na busca de respostas para as implicações éticas, jurídicas e sociais de sua adoção. A intenção fundamental do médico americano é verificar se os governos, as empresas, especialmente as seguradoras e até a população em geral poderiam fazer mau uso das informações genéticas disponíveis, auxiliando assim o desenvolvimento de um ordenamento jurídico capaz de criar regulamentação adequada sobre o assunto.
O teste idealizado pelo Dr. Church ainda é extremamente caro, razão pela qual ele preferiu utilizar a via da Internet para divulgá-lo. Muito poucas pessoas no mundo, obviamente milionárias, poderiam se dar ao luxo de realizar algo assim. A um custo de cerca de US$ 4 bilhões para completar apenas a primeira seqüência completa do genoma humano em 2003, o desdobramento do PGP custará cerca de US$ 20 milhões. Um teste genético pessoal ainda custa vários milhões de dólares, mas deverá cair para cerca de US$ 20,000 dentro de aproximadamente quatro anos. A meta do governo americano é atingir um valor de US$ 1,000 para o teste até o ano 2015.
O teste de DNA comum, já largamente praticado para identificar um indivíduo, está ficando cada vez mais barato e acessível, chegando a custar até US$ 130.00 por vez (no Brasil o teste é um pouco mais caro, podendo passar dos R$ 1.000,00). Geralmente um fio de cabelo ou um cotonete embebido em saliva são suficientes para obter um resultado indiscutível. O preço acessível também desencadeia situações inverossímeis. Numa empresa inglesa, um irado gerente ameaçou testar todos os funcionários do seu departamento para descobrir quem havia grudado um chiclete mascado debaixo da mesa da sala de reunião e sujado a roupa de clientes visitantes. Já é possível, por exemplo, testar a calcinha de uma mulher ou a cueca de um homem, visando descobrir se existem DNAs diferentes de seus companheiros conjugais. São questões que começam a assomar no horizonte, analisados do ponto-de-vista da ética e da legalidade, principalmente se os testes envolverem menores, e se inserem no âmbito do Direito de Família. Não existe grande diferença entre testar o chiclete debaixo da mesa e passar um algodão no copo que acabou de ser utilizado por um político importante ou uma celebridade, sem que estes tenham autorizado. Vários juristas europeus e americanos acreditam que o caminho jurídico seria um melhor controle sobre as atividades dos laboratórios no que respeita à privacidade individual. A OECD (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento) está diretamente dedicada a esse estudo. Um dos modelos de estudo que está ganhando terreno vem sendo desenvolvido na Islândia, onde foi criado o HDB (Health Database, uma base de dados da saúde), liderado por uma empresa denominada deCODE, que está desenvolvendo informação genética na população do país.
Existe uma grande gama de testes para viabilizar a plena aplicação desta tecnologia. A empresa Genetests.org afirma que já existem mais de 1.200 tipos de testes diferentes, a maioria ligadas a genes que revelam condições de saúde. Empresas recentes como a DNA Direct, nos EUA vêm sendo criadas para auxiliar as pessoas a descobrir suas reais chances de contraírem enfermidades ou doenças específicas. Entretanto, os testes não apresentam 100% de eficácia. A presença de determinados genes por si só não significa que a pessoa irá desenvolver a moléstia. Veja-se o exemplo do jogador de basquete Eddy Curry, supracitado, que possui um condição cardíaca indutora de cardiomiopatia hipertrófica. O Chicago Bulls, que paga US$ 4 milhões/ano ao jogador, determinou que ele se submetesse a um teste específico de DNA, que ele recusou, por isso foi negociado com outro clube. Trata-se de decisão deveras radical, pois os genes representam apenas uma pequena parte de múltiplos fatores que podem contribuir para determinada enfermidade, que pode ou não ser fatal. Como o clube americano, várias grandes empresas, que têm capital para isso, estão se inclinando a utilizar os testes de DNA como salvo-condutos para admissão ou a permanência de empregados em seus quadros, na esperança de que estariam filtrando seres humanos com potenciais doenças, enfermidades, moléstias ou outras condições negativas de saúde, tudo em nome do lucro e do dinheiro. É um viés perigoso que precisa ser divulgado e contestado imediatamente. Tal qual a previsão de que um dia os computadores dominarão o pensamento e controlarão os homens, seus criadores, não podemos deixar que a maravilhosa descoberta de Watson e Crick e o Projeto Genoma sejam usados para o mal, para uma sociedade de Frankensteins e humanóides de laboratório.
Os testes de DNA situam-se no campo das probabilidades e não das certezas e certamente, à semelhança dos computadores, irão ficar cada vez mais baratos e acessíveis com o passar dos anos.
Esta realidade de modo algum autoriza as grandes empresas, que já começam a se movimentar para utilizar os testes de DNA em seus funcionários e candidatos a funcionários, a invadir a privacidade das pessoas, gerando discriminação e ferindo mortalmente direitos e liberdades individuais previstos em todas as constituições em vigor no mundo. O Direito e seus operadores não devem e não pode permitir que a tecnologia seja uma desculpa para se criar uma sociedade artificial, composta de pessoas falaciosamente “perfeitas”, sob pena de estar pavimentando tempos sombrios para a humanidade.
Revista Jus Vigilantibus, Quinta-feira, 12 de junho de 2008
Sobre o autor
Nehemias Gueiros, Jr.
Advogado especializado em Direito Autoral e CyberLaw Prof. da Fundação Getúlio Vargas/RJ. Prof. da pós-graduação da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ Consultor Jurídico do site CONJUR (www.conjur.com.br) Rio de Janeiro - BRASIL.