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quinta-feira, maio 15, 2008

Gilmar Mendes defende limites para atuação da imprensa - Jusvi

 

Gilmar Mendes defende limites para atuação da imprensa

 

Belo Horizonte - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, afirmou ontem (9) que a liberdade de imprensa deve conviver com a determinação da Constituição de que a honra e a privacidade são invioláveis.


"É claro que a regra é a liberdade. Mas se não se deve violar o que é inviolável, cabe ao juiz também agir em certos casos", afirmou, ao defender que o Judiciário proiba, até mesmo previamente, reportagens ou informações específicas.


"Os senhores se lembram dos fatos da chamada Escola Base. E daí, como que se repara o dano perpetrado contra essas pessoas? Se eles tivessem obtido uma liminar para impedir a divulgação dos dados, teria havido injustiça?", afirmou, referindo-se ao caso em que donos de uma escola em São Paulo foram acusados de abusar sexualmente de estudantes com menos de sete anos. Na ocasião, o caso repercutiu em todo o país e, por fim, ficou constatada a inocência deles.


"A Constituição protege a intimidade, a honra e a dignidade das pessoas. E muitas vezes não se pode permitir a divulgação de fato eventualmente mentiroso por ele causar danos irreparáveis às pessoas", disse, ao participar de mesa de debate do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, que segue até amanhã (10), na capital mineira.


Mendes também defendeu que as empresas de comunicação deveriam criar um órgão de auto-regulação para evitar abusos e fazer com que as pessoas que se sintam atingidas pela mídia não tenham de recorrer à Justiça. Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), há 3 mil processos contra jornalistas em andamento no país atualmente. "Por que esse excesso de demandas? Talvez a falta de mecanismos institucionais que permitam a correção dos órgãos de imprensa", avaliou o ministro. "Os próprios órgãos de mídia poderiam criar seus mecanismos para definir seus limites éticos".


O ministro também defendeu a criação de uma lei de acesso às informações públicas. "É fundamental estabelecer prazos sobre dados reservados", afirmou, após referir-se aos gastos sigilosos da Presidência. O presidente do Supremo pediu ainda a criação de regras para evitar abusos de autoridades responsáveis por investigações. "É tão elementar que você não pode falar antes da conclusão do processo. Esse show sobre parte de perícia, isso pode ser feito pelo particular, mas não pelo poder público", disse, após ser perguntado sobre a divulgação de dados, pela imprensa, das investigações sobre a morte da criança Isabella Nardoni.


Ontem, na abertura do 3º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, foi realizado um ato em solidariedade aos jornais Folha de S. Paulo, Extra e A Tarde e aos jornalistas Elvira Lobato, Bruno Thys e Valmar Hupesel Filho, processados por danos morais pela Igreja Universal do Reino de Deus.

 

Fonte: Agência Brasil »

 

Revista Jus Vigilantibus, Sabado, 10 de maio de 2008

Jusvi

 

 

quinta-feira, dezembro 06, 2007

Boletim Jurídico - Assédio Moral

Fonte: Boletim Jurídico


Assédio Moral

Autor:Celso Teixeira Junior
Auxiliar do Tabelião de Notas de Santa Cruz do Rio Pardo-SP, Estudante de Direito das Faculdades Integradas de Ourinhos e Corretor de Imóveis.
Inserido em 17/6/2007
Parte integrante da Edição nº 233

Revista Consulex

1. INTRODUÇÃO

A configuração do assédio moral, embora existente desde tempos remotos, tem enfoque doutrinário recente para o direito brasileiro e ainda não possui legislação específica no ordenamento jurídico. Caracterizar uma situação como sendo de assédio moral implica estabelecer seu conceito, analisar o contexto em que ocorreu e estabelecer elo entre a conduta agressora e o dano psíquico-emocional.

 

Nas relações de trabalho, conviver com tal situação torna a execução das obrigações contratadas tormentosa, configurando ambiente desfavorável ao pleno desenvolvimento das atividades a que se propõe o empregado. A este assegurasse-lhe a rescisão de seu contrato de trabalho, consistindo o assédio moral em motivo de rescisão indireta do contrato de trabalho.

 

Recentemente o assédio moral vem sendo estudado pela doutrina, ante sua carência por leis específicas, porém a interpretação analógica de alguns dispositivos do Direito Civil e a observância de princípios fundamentais aduzem pela consideração do assédio moral como sendo um dos motivos de rescisão indireta do contrato de trabalho, tendo a vítima direito à indenização pelo dano psíquico-emocional sofrido. A comunidade jurídica se movimenta para consolidar os estudos a fim de diagnosticar e coibir esta prática, bem como amparar àqueles que sofrem com a agressão.

 

Difundir o estudo e os debates acerca de tão importante tema é de extrema importância não só para o Direto do Trabalho, como para todos os ramos do Direito.

 

2. ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

Para que se possa entender o que é o assédio moral, recorre-se ao léxico para daí extrair-se a definição de assédio que é, na acepção da palavra, uma “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém” (HOUAISS, 2007).

 

Porém o conceito de assédio moral, figura recente, porém muito importante no Direito do Trabalho, se situa além da simples ocorrência de perseguição ou pretensões constantes, e é tido como:

Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho (HIRYGOYEN, 2001, apud AGUIAR, 2006, p.27).

No contrato de trabalho, as relações interpessoais criadas entre empregadores e empregados, muitas vezes impossibilitam a harmonia no ambiente de trabalho. Assim algumas condutas dos empregadores podem gerar dano à personalidade, à dignidade e à honra do empregado, o que no Direito Trabalhista se dá o nome de assédio moral. Ou seja: 

[...] a configuração do assédio moral no local de trabalho está relacionada à presença de ações e condutas por parte do detentor do poder contra o bem-estar do trabalhador, manifestadas por maus-tratos, humilhações, xingamentos, perseguições, cuja repetição e permanência acabam por desencadear um processo de diminuição da auto-estima e, conseqüentemente, desequilíbrio físico-mental, transformando a vítima num indivíduo doente, improdutivo e, possivelmente, desempregado. (AGUIAR 2006, p.81)

Nota-se, nas condutas assediadoras, uma semelhança desta com a figura da discriminação, pois pode revelar a não aceitação das diferenças existentes entre os seres humanos, diferenças estas que devem ser superadas para que se possa alcançar o bem-estar social. Assim o desrespeito à estas diferenças pode ensejar o assédio moral, como bem ensina Hirigoyen (2002, apud RUFINO, 2006, p.43):

O assédio moral começa freqüentemente pela recusa de uma diferença. Ela se manifesta por um comportamento no limite da discriminação – propostas sexistas para desencorajar uma mulher a aceitar uma função tipicamente masculina, brincadeiras grosseiras a respeito de um homossexual... Provavelmente, da discriminação chegou-se ao assédio moral, mais sutil e menos identificável, a fim de não correr o risco de receber uma sanção. Quando a recusa se origina de um grupo, para ele é difícil aceitar alguém que pensa ou age de forma diferente ou que tem espírito crítico.

Em linhas gerais, tem-se que o assédio moral é uma conduta tomada por indivíduo, parte na relação de trabalho, motivada por diversos fatores dentre eles a não aceitação de diferenças, que deseja incutir no íntimo de sua vítima um desestímulo, capaz de gerar dano psíquico e passível de ensejar pedido de indenização e o pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, muito embora não exista legislação específica para tanto.

 

2.1. A CONDUTA DO AGRESSOR

A conduta é componente essencial para constatação do assédio moral, pois é em decorrência dela que se constatará a existência de dano a direito da personalidade da vítima, ou seja, para que se configure o assédio moral é necessário que se verifique conduta capaz de ferir direito subjetivo, patrimônio moral do indivíduo, lesão a honra e intimidade do empregado.

 

Assim o empregador utiliza-se de um mecanismo engendrado de destruição moral da vítima, expondo-a a situações vexatórias e humilhantes, escondendo-se atrás de supostos conselhos para situar a vítima como sendo a causadora de da situação vexatória. Assim para Hirigoyen (2001, apud AGUIAR, 2006, p.49):

o perverso tenta levar sua vítima a agir contra ele para denunciá-la a seguir como “má”. O que importa é que a vítima pareça responsável pelo que acontece. O agressor serve-se de falha do outro – um tendência depressiva, histérica ou uma falha de personalidade – para caricaturá-la e levá-la a descrer de si mesma. Induzir o outro ao erro permite criticá-lo e rebaixá-lo, mas, acima de tudo, dá-lhe uma imagem negativa de si mesmo e reforça assim sua culpa.

O perfil doentio destes indivíduos, não os permite vislumbrar com nitidez a verdadeira posição do trabalhador na relação trabalhista, pois o situam como objeto do contrato de trabalho e não como parte contratante que verdadeiramente é. Assim buscam justificar suas condutas, pois se são objetos do contrato de trabalho, podem submeter-se a deliberadas ordens emanadas dos detentores do poder diretivo, pode-se dizer que estes empregadores:

são indivíduos que no lugar de estabelecer um relacionamento interpessoal entre um eu e um tu, estabelecem relacionamentos onde existem um eu e um isso. Se outro é um isso, ele pode ser manipulado, desrespeitado, vilipendiado sem o menor problema, pois é uma coisa. (ALMEIDA 2003, apud AGUIAR, 2006, p.45)

Para o empregado é instalado um estado de submissão ideológica, onde agressor incute na vítima o pensamento de que não é qualificada, que seus valores não se encaixam ao perfil da empresa, que seus préstimos são dispensáveis, ou seja, que nada pode contribuir, como bem explicita Marie-France Hirigoyen:

O medo gera condutas de obediência, ou mesmo de submissão, por parte da pessoa visada, mas também por parte dos colegas que deixam que tal aconteça, que não querem ver o que se passa em torno deles. É o que dá no atual reinado do individualismo, do “cada um por si”. Quem está em torno teme, caso se mostre solidário, ser estigmatizado e ver-se jogado na próxima onda de demissões. Em uma empresa, não se pode levantar ondas. É preciso vestir a camisa da firma e não se mostrar demasiado diferente. (HIRIGOYEN 2001, apud AGUIAR, 2006, p.41).

Porém é necessário tomar muito cuidado, quando da observação de uma conduta, para verificação da ocorrência do assédio moral. Uma conduta esporádica, ocasionada por um descontrole ao qual qualquer ser humano está sujeito, pode provocar lesão a direito alheio, porém alguns elementos devem ser analisados, como por exemplo, se a conduta efetivamente visava humilhar e expor a vítima à situação vexatória, como se entende Rufino (2006, p.45):

[...] a importância da aplicação do princípio da proporcionalidade, para que não seja considerado assédio, qualquer descontrole comportamental do ofensor, pois os humanos são passíveis de erros e descontroles, extrapolando, mesmo que minimamente, seu direito e invadindo o de outrem. Todavia, somente as condutas efetivamente vexatórias e graves, se configurarão como assédio.

2.2. A CARACTERIZAÇÃO DO DANO

A agressão causada pelo assediador à vítima fere o direito à personalidade, como já visto, causa, portanto, dano psíquico-emocional, dano este de natureza subjetiva, este que, “[...] altera o comportamento, agrava doenças pré-existentes ou desencadeia novas doenças podendo, inclusive, culminar no suicídio” (BARRETO, 2002, apud AGUIAR, 2006, p.51).

 

Assim, a conduta tomada pelo assediador causa na vítima distúrbio em seu íntimo, ferindo sua dignidade, sua auto-estima, fazendo-o sentir-se rebaixado perante os demais. Vê-se, portanto, que qualquer atitude tomada por um indivíduo pode ofender o direito à personalidade, mesmo que sem intencionalidade. Porém, para que se caracterize o assédio moral é necessária a constatação desse dano, que poderá ser provada através do reconhecimento da instalação da doença por autoridade médica, através de laudo médico.

 

Para ocorrência da figura de assédio moral então, busca-se a configuração de dano subjetivo, dano este capaz atingir o indivíduo em sua intimidade, caracterizando o dano moral, que pode ser assim descrito:

Assim o atentado ao direito à honra e boa fama de alguém pode determinar prejuízos na órbita patrimonial do ofendido ou causar apenas sofrimento moral. A expressão dano moral deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há conseqüências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial”. (GOMES, 1976, apud CAHALI, 1998, pp. 19 e 20).

A definição dada pelo Código Civil Brasileiro ao ato ilícito ilustra o reconhecimento de condutas capazes de gerar dano, mesmo que somente a direito subjetivo, como se vê através do seu artigo 186, que assim estabelece: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

 

Qualquer doença psíquica desencadeada por agressão, caracterizada pela reiteração da conduta, por espaço de tempo onde se instale o dano, no ambiente de trabalho, situa-se além da simples possibilidade de ocorrência de ofensa a direito personalíssimo.  Indeniza-se o indivíduo, por ser vítima do assédio moral.

 

Assim a prova da ocorrência do dano deve ser cabal, não se deve restar dúvidas da instalação do dano psíquico e este poderá ser constatado através de laudo médico. A instalação de doença psíquica é fator resultante da conduta de agressão que se torna o assédio moral.

 

Faz-se imperioso que exista ofensa, como já visto, à direito personalíssimo, correndo-se o risco de não ver configurada situação pretendida, ou seja, sem que haja ofensa à direito personalíssimo, não há que se falar em assédio moral, muito menos a possibilidade de indenização. Assim para ocorrência de assédio moral, é necessário o reconhecimento de vários fatores, o que bem explicita o seguinte entendimento jurisprudencial:

21142 - ASSEDIO MORAL - Caracterização. O termo “assédio moral” foi utilizado pela primeira vez pelos psicólogos e não faz muito tempo que entrou para o mundo jurídico. O que se denomina assedio moral, também conhecido como mobbing (Itália, Alemanha e Escandinávia), harcelement moral (Franca), acoso moral (Espanha), terror psicológico ou assédio moral entre nos, além de outras denominações, e, a rigor, atentados contra a dignidade humana. De inicio, os doutrinadores o definiam como “a situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e freqüente (em media uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de uns 6 meses) sobre outra pessoa, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com o objetivo de destruir as redes de comunicação da vitima, destruir sua reputação, perturbar o exercício de seus trabalhos e conseguir, finalmente, que essa pessoa acabe deixando o emprego” (cf. Heinz Leymann, medico alemão e pesquisador na área de psicologia do trabalho, na Suécia, falecido em 1999, mas cujos textos foram compilados na obra de Noa Davenport e outras, intitulada Mobbing: emotional “abuse in the american work place”). O conceito e criticado por ser muito rigoroso. Esse comportamento ocorre não só entre chefes e subordinados, mas também na via contraria e entre colegas de trabalho com vários objetivos, entre eles o de forçar a demissão da vitima, o seu pedido de aposentadoria precoce, uma licença para tratamento de saúde, uma remoção ou transferência. Não se confunde com outros conflitos que são esporádicos ou mesmo com mas condições de trabalho, pois o assedio moral pressupõe o comportamento (ação ou omissão) por um período  prolongado, premeditado, que desestabiliza psicologicamente a vitima. Se a hipótese dos autos revela violência psicológica intensa sobre o empregado, prolongada no tempo, que acabou por ocasionar, intencionalmente, dano psíquico (depressão e síndrome do pânico), marginalizando-o no ambiente de trabalho, procede a indenização por dano moral advindo do assédio em questão. (TRT 3ª R. - RO 01292.2003.057.03.00.3 - 2ª T. - Relª Juiza Alice Monteiro de Barros - DJMG 11.08.200408.11.2004)

Ressalte-se ainda que tal comportamento de agressão, que se manifesta de forma meticulosa e premeditada, torna o assédio moral o resultado de um elaborado processo e não de um ato eventual e esporádico que não tenha uma finalidade determinada (PAROSKI, 2007). Revela a perversidade do agressor por acometer a vítima a uma atitude engendrada, a uma série de atitudes conscientes, onde fica latente a presença do agressor como se seu único objetivo fosse a destituição da vítima na relação laboral. A atitude do agressor foge da finalidade e do objeto do contrato de trabalho, pois desrespeita nitidamente os direitos que tal relação deve guardar.

 

Nota-se, no entanto, que não é qualquer ocorrência de dano, capaz de embasar reparação por ocorrência de assédio moral, deve existir o dano psíquico-emocional, representado por doenças psíquicas como depressão, ansiedade, angústia, que podem ser comprovadas através de laudo médico, como leciona Sonia Nascimento Mascaro (2006, p.24 a 25), pois: “[...] nem todo dano à personalidade configura o assédio moral”. Este é mais que mera lesão a direito personalíssimo, deve haver por trás deste mascarada, a finalidade do agressor que toma esta conduta, além de ser constatada a instalação do dano psíquico-emocional. Daí enseja-se a possibilidade de laudo médico para a comprovação da existência do dano.

 

2.3. NEXO ENTRE CONDUTA E DANO

A discussão trazida à tona é de fundamental importância para todos os ramos do Direito, pois visa estabelecer vínculo entre os problemas psíquicos encontrados hodiernamente em virtude de uma relação de trabalho desvirtuada, e a “[...] novidade reside na intensificação, gravidade, amplitude e banalização do fenômeno e na abordagem que tenta estabelecer o nexo-causal com a organização do trabalho e tratá-lo como não inerente ao trabalho” (RUFINO, 2006, p.43).

 

Ou seja, reconhecer esta ligação entre a conduta agressora e o dano sofrido constitui contribuição muito importante da Justiça do Trabalho ao Direito. É de extrema relevância estabelecer esta ligação lógica entre a conduta e o resultado lesivo, ou o assédio moral, onde a conduta é a agressão vexatória e humilhante, repetitiva e prolongada e o resultado é o dano psíquico-emocional, porém o que faz comprovar que tal conduta gerou o dano advindo da relação de trabalho, surgindo o assédio moral, não é um elemento objetivo, e sim subjetivo, a vítima se vê lesada em sua dignidade e honra caracteres caráter subjetivos do indivíduo.

 

2.4. FINALIDADE DA CONDUTA

O empregador, que adota uma conduta assediadora, busca expor seu empregado a situações humilhantes e vexatórias, fazendo diminuir sua auto-estima, vindo até mesmo se afastar da relação de trabalho. Pode intentar, com esta atitude, esquivar-se das obrigações trabalhistas próprias da dispensa direta, pois estimulam os empregados a findarem o contrato de trabalho. Ao que opina Adriana Vieira de Castro (2007) afirmando que:

[...] o assédio moral tem por escopo a exclusão da vítima do mundo do trabalho, criando-se uma situação que obrigue a extinção do contrato de trabalho por decisão do próprio empregado, o que desobriga o empregador de arcar com suas obrigações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho.

O assédio moral pode ser entendido quanto à sua finalidade, como uma conduta que visa perseguir a vítima, objetiva humilhá-la, feri-la no que se considera direito fundamental, atingir sua intimidade e expô-la a situações humilhantes, e para tanto se elege o mais perverso meio para execução desta atitude, que demonstra ser vingança pessoal, às quais se submete a vítima por diversos fatores, como o desemprego, por exemplo, podendo demonstrar ainda a esquiva do empregador às obrigações resultantes do rompimento do contrato de trabalho de sua parte.

 

3. A RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO POR OCORRÊNCIA DE ASSÉDIO MORAL

A rescisão indireta do contrato de trabalho é o fato que finda a relação trabalhista, resolve o contrato de trabalho, caracterizada pela culpa exclusiva do empregador, ou seja, a “[...] rescisão indireta ou dispensa indireta é a forma de cessação do contrato de trabalho por decisão do empregado em virtude da justa causa praticada pelo empregador (art.483 da CLT)” (MARTINS, 2001, p.334).

 

A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art. 483, elenca um rol exemplificativo de situações capazes de ensejar a rescisão indireta das quais se pode destacar: “Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”.

 

O respeito mútuo, além de socialmente necessário, é algo que deve ser cumprido pelas partes contratantes, pois:

[...] a obrigação contratual do empregador de respeitar os direitos trabalhistas, além da personalidade moral de seu empregado e os direitos relativos à sua dignidade, e vice-versa, cuja violação implicaria na infração dos ditames contratuais e das leis trabalhistas, ensejando o direito do empregado à indenização correspondente, além da legitimação do direito obreiro de resistência, que se consuma com a recusa ao cumprimento de ordens ilícitas (RUFINO, 2006, p.35).

Respeito este que vem reconhecido pela jurisprudência aqui selecionada:

Ora, as relações de trabalho devem pautar-se pela respeitabilidade mutua, face ao caráter sinalagmático da contratação, impondo-se aos contratantes, reciprocidade de direitos e obrigações. Desse modo, ao empregador, alem da obrigação de dar trabalho e de possibilitar ao empregado a execução normal da prestação de serviços, cabe, ainda, respeitar a honra, a reputação, a liberdade, a dignidade e integridade física, intelectual e moral de seu empregado. Isto porque tratam-se de valores que compõem o patrimônio ideal da pessoa, assim conceituado o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valoração econômica, integrando os chamados direitos da personalidade, essenciais a condição humana e constituindo assim, bens jurídicos invioláveis e irrenunciáveis. (TRT 2ª Região, 4ª Turma, Recurso Ordinário, processo TRT/SP NO:01965200300402005 (500405009812), Juiz Relator Ricardo Artur Costa e Trigueiros)

Assim, pelo contrato de trabalho, cria-se uma subordinação do empregado em relação ao empregador, porém esta subordinação não representa submissão a todas e quaisquer ordens do empregador, mas somente aquelas que se fizerem necessárias a perfeita prestação laboral, como se vê pelo julgado:

A subordinação no contrato de trabalho diz respeito à atividade laborativa e, assim, não implica submissão da personalidade e dignidade do empregado em fae do poder patronal”. (Proc TRT/15ª Reg. N. 01711-2001-111-15-00-0 RO (20534/2002-RO-2). Recorrente: Comercial Seller Ltda., Recorrido: Luciano Leandro de Almeida. Juíza Rel. Mariane Khayat F. do Nascimento) (RUFINO, 2006, p.58).

Assim não pode o empregador exceder o poder diretivo que possui sobre o empregado, não pode utilizar-se do contrato de trabalho como meio para criar obrigações que extrapolem a relação trabalhista, pois:

O princípio da proporcionalidade, como mandado de ponderação, atua em qualquer relação de poder, como diretriz fixadora de limitações ao exercício desse poder e suas prerrogativas. Nesta direção, são relevantes diferentes segmentos jurídicos, desde que regulem significativas relações de poder entre seus sujeitos atuantes (GODINHO, 2004, apud RUFINO, 2006, p.34).

Os excessos cometidos pelo empregador podem ensejar a ocorrência de ato ilícito, como se verifica no Art. 187, do Código Civil Brasileiro: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Martins (2001, p.334) ensina que uma falta grave causada pelo empregador enseja a rescisão do contrato de trabalho de forma indireta. Assim, não existe dispensa do empregado, pois este é que decide por termo ao contrato de trabalho, em virtude da falta cometida por empregador contra si, vindo a ajuizar ação na Justiça do Trabalho para ter seu direito atendido.

 

Salienta ainda citado autor, que tal falta é de gravidade extremada, pois motivo o empregado a romper o contrato de trabalho, como assim ensina:

A irregularidade cometida pelo empregador deve ser de tal monta que abale ou torne impossível a continuidade do contrato. Se o empregado tolera repetidamente pequenas infrações cometidas pelo empregador, não se poderá falar em rescisão indireta, devendo o juiz preservar a relação de emprego, pois, principalmente em épocas de crise, é difícil conseguir nova colocação no mercado de trabalho (MARTINS, 2001, p.336).

O dano causado pelo assédio moral, portanto poderia ser inserido pelo legislador no rol das hipóteses do artigo 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, pois também revela capacidade de ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, para que se possa dar maior segurança aos trabalhadores na busca de seu bem-estar, como ressalta Rufino (2006, p.27):

Atualmente, não se fala, somente na proteção da jornada de trabalho, do salário e demais direitos materiais trabalhistas. Luta-se, outrossim, pela proteção dos direitos à personalidade do trabalhador, por uma maior liberdade de trabalho, pela satisfação do empregado no ambiente do trabalho, direitos estes não previstos expressamente na legislação especializada (Consolidação das Leis do Trabalho), porém, reconhecidos em outras normas aplicáveis, e imprescindíveis à valorização do trabalho humano.

A proteção do bem-estar do trabalhador, nada mais é que a plena eficiência dos princípios contidos na Constituição Federal do Brasil, de igualdade e de inviolabilidade da honra, contidos nos incisos III, V e X do artigo 5º.

 

Porém, para a proteção de direitos dos empregados, não existe nenhuma lei no âmbito federal capaz de determinar sanção para esta prática, no entanto:

[...] a prática do assédio moral gera conseqüências jurídicas para o ofensor e, também, para a vítima, pois, muito inexista no âmbito trabalhista nacional uma lei específica sobre o fenômeno, o empregador deverá delimitar sua conduta em outras regras de proteção jurídica, que impõem o “dever-se” nesta relação, o qual, se violado, ensejará a respectiva sanção. (RUFINO, 2006, p.91)

E para efetivo cumprimento desta obrigação de dever ser, é que se deve fazer uso da analogia para que se possa estabelecer sanção, para evitar-ser esta conduta, o que entende o autor:

De tal modo, apesar de inexistir uma norma específica dispondo e identificando o assédio moral, suas conseqüências e sanções, deverão ser aplicadas outras normas por analogia, impondo ao empregador o cumprimento fiel à proteção jurídica de direitos dos trabalhadores, limitando sua conduta, com ditames trabalhistas, como a implicância da rescisão indireta, previstas na CLT [...]. (IDEM)

Estas condutas vexatórias combatidas em juízo demonstram amadurecimento do empregado de seu papel na relação de trabalho, onde o empregado deixa de se enquadrar como objeto e passa a ser parte da relação de trabalho, como elucida:

As causas trabalhistas, com pedidos de indenização por danos morais, refletem a não aceitação da subordinação imposta pelo empregador e podem ser interpretadas como sinal de resistência aos desmandos no local de trabalho, inclusive como reação à impunidade dos que praticam o assédio moral. (AGUIAR, 2006, p.82)

Porém deve-se reconhecer o esforço de empresas que criam canais de comunicação com seus empregados, tomam nitidamente postura a coibir a prática de assédio moral, e para tanto pode ver afastada a responsabilidade, como vemos:

[...] uma vez praticados mecanismos por parte do próprio proprietário da empresa, com amplas possibilidades de prevenção e repressão do assédio, essas medias devem afastar, ou, pelo menos, mitigar a responsabilidade do empregador pelo evento danoso. Porém, a ausência destas medidas poderá responsabilizar o empregador, não importando se o mesmo conhecia, ou não, a prática do assédio dentro da empresa. (RUFINO, 2006, p.103: “)

4. AS INDENIZAÇÕES POR ASSÉDIO MORAL

O contrato de trabalho então revela mais que uma necessidade da sociedade de regulamentar uma relação trabalho, visa salvaguardar valores e princípios constitucionais, transcende a forma de meio de materialização de uma relação jurídica, por onde se exterioriza a vontade das partes, para o nível de protetor de direitos fundamentais, ou seja, deve-se respeitar o contrato de trabalho, não somente por ele estabelecer uma relação jurídica, com garantias e obrigações estritamente ligadas ao ramo do Direito Trabalhista, mas sim porque esta relação irradia seus efeitos para todas as áreas, não somente tendo conseqüências na área do Direito Penal, Constitucional e Trabalhista, como também para área da saúde, como a psiquiatria, psicologia e medicina do trabalho que buscam garantir o bem-estar do indivíduo.

 

Assim a relação trabalhista visa também garantir valores e princípios que emanam do senso comum, e qualquer lesão a um desses princípios constitucionais, pode ensejar o pedido de indenização, como determina o Código Civil Brasileiro em seu artigo 927, deve indenizar aquele que cause dano a alguém, como vemos in verbis:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Ou seja, o ato ilícito causador de dano a outrem, independentemente de culpa, gera o dever de indenizar. Assim, o “[...] uso de um direito, poder ou coisa além do permitido ou extrapolando as limitações jurídicas, lesando alguém, traz como efeito o dever de indenizar”. (DINIZ, 2004, p.198).

 

Para que se configure o ato ilícito será imprescindível que haja: a) fato lesivo voluntário, causado pelo agente, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência [...]; b) ocorrência de um dano patrimonial ou moral sendo que pela Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça serão cumuláveis as indenizações por dano material e moral decorrentes do mesmo fato [...]; e c) nexo de causalidade entre o dano e o comportamento do agente [...]. (DINIZ, 2004, pp. 196 e 197)

 

Assim, o dano moral causado deve ser reparado, e este conceito deve ser estendido aos casos onde haja prática de assédio moral, tendo encontrado este, respaldo na jurisprudência brasileira, para aplicação de sanção para coibir tal conduta.

 

O direito à indenização pela ocorrência de dano moral é facilmente entendido, pois se contempla que “[...] o dano moral é a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada por ato lesivo. Qualquer lesão que alguém sofra no objeto de seu direito, repercutirá, necessariamente, em seu interesse” (DINIZ, 2003 apud RUFINO, 2006, pp.95 e 96).

 

Porém, como se trata de lesão à direito subjetivo, torna-se difícil sua valoração para fins de indenização. Mas, embora não seja fácil determiná-la, deve-se procurar parâmetros para sua aplicação, pois a indenização visa reparar o dano causado, como se vê:

A indenização deve ser proporcional ao dano causado pelo lesante, procurando cobri-lo em todos os seus aspectos, até onde suportarem as forças do patrimônio do devedor, apresentando-se para o lesado como uma compensação pelo prejuízo sofrido. (DINIZ, 2004, p.651)

Para se analisar e fixar indenização, deve-se observar vários fatores, como “[...] a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade e repercussão da ofensa, a intensidade do dolo ou da culpa, a situação econômica do ofensor e a extensão do prejuízo causado”. (BARROS, 1997, apud AGUIAR, 2006, p.83)

 

O aspecto da indenização se faz importante analisar, pois com o reconhecimento de existência de assédio moral, faz-se necessário buscar um instrumento capaz de minorar as ofensas sofridas. Conclui-se que a indenização “é a possibilidade de gerar a reparação dos danos patrimoniais e morais pelos gravames de ordem econômica (perda do emprego, despesas com médicos, psicólogos...) e na esfera da honra, da boa fama, do auto-respeito e da saúde psíquica e física, da auto-estima” (MENEZES, 2002, apud AGUIAR, 2006, p.83).

 

Enfim, caracterizado o dano e configurado o assédio moral, tem-se legalmente gerada a obrigação de reparação do dano pelo cometimento de ato ilícito e “O ato ilícito é praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causa dano patrimonial ou moral a outrem, criando o dever de repará-lo (CC, art. 927)” (DINIZ, 2004, p.196).

 

5. CONCLUSÃO

Ante a falta de legislação específica para o reconhecimento do assédio moral na relação de emprego, a Justiça do Trabalho dá um passo importante no progresso da ciência jurídica. Mesmo carente de dispositivo específico, esta inova, trazendo a possibilidade de punição à prática advinda de tempos remotos, porém constatada à pouco pelo doutrina e combatida nos dias de hoje pelas recentes decisões dos Tribunais.

 

Nos dias de hoje, à espera de norma específica, e para o reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho por ocorrência de assédio moral, deve-se aplicar por analogia o artigo 483, “e” da Consolidação das Leis do Trabalho.

 

Destaca-se que o reconhecimento da ocorrência de tal conduta lesiva e a busca pela coação de tais práticas se mostra uma conquista para os trabalhadores, que mesmo não se comparando às que resultaram na própria Consolidação das Leis do Trabalho, se tornam, com a análise dos dias de hoje, muito importantes para o contrato de trabalho.

 

E vai além, o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho tendo como motivo o assédio moral, tem por finalidade a obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana. A Justiça do Trabalho, ao reconhecer esta lesão, ressalta o que preceitua a Carta Magna, trazendo benefícios aos trabalhadores, dignificando este tão importante princípio que, muito embora deva ser norteador das relações jurídicas, carece de efetividade. Ou seja, o Direito do Trabalho contribui aos demais ramos do Direito à medida que oferece uma medida eficaz para coerção de condutas lesivas a direitos personalíssimos, garantindo efetividade aos princípios e garantias fundamentais previstos Constituição Federal do Brasil.

 

(Elaborado em maio de 2007)

 


Boletim Jurídico - A pessoa Humana como objeto do negócio jurídico: Uma abordagem crítica ao reality show

Fonte: Boletim Jurídico


A pessoa Humana como objeto do negócio jurídico: Uma abordagem crítica ao reality show

 

Autor:Rodrigo Adorno
Acadêmico do 4ºano do Curso de Direito (Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG); Ex-bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS); Coordenador do Grupo de Auxílio às Instituições de Abrigagem ao Menor (GAIAM); Pesquisador do Centro de Estudos Psicológicos de Meninos e Meninas de Rua do Rio Grande do Sul (CEP - RUA); Colaborador do projeto de execução penal da Penitenciária de Rio Grande.
E-mail : rodrigo_adorno@riogrande-rs.com.br
Inserido em 19/11/2003
Parte integrante da Edição nº 52

Revista Consulex

RESUMO:

 

Este trabalho tem por objetivo desencadear a reflexão de uma problemática jurídica da sociedade moderna, a saber: a pessoa humana como objeto do negócio jurídico. Neste artigo abordaremos o tema sob o prisma da doutrina civilista e constitucional, aplicadas no contexto social hodierno.

 

SUMÁRIO: 1. Resumo. 2. Introdução 2.1. Objeto do negócio jurídico. 3. Direitos e garantias fundamentais 3.1. Direito à privacidade, à intimidade e à honra. 4. Dignidade da pessoa humana. 5. Autonomia da vontade. 6. Considerações finais. 7. Referências Bibliográficas

 

1. Introdução:

A validade do negócio jurídico requer a presença de um objeto lícito, possível e determinado ou determinável (Art. 104, II, NCC). Assim, percebe-se que o objeto deve ser possível frente ao ordenamento jurídico, pois "[...] é frustro o negócio, em razão de se não poder configurar a relação jurídica, que, na verdade, reclama a existência do elemento objetivo para armar-se e ser impossível (se impossibilidade absoluta) o objeto, o mesmo é que não haver" (PEREIRA, Caio Mário, 1994, p.311).


Portanto, para que um negócio jurídico seja válido, sempre deve ser configurada a perfeita adequação do objeto na relação jurídica; sendo assim, apresenta-se nulo qualquer negócio jurídico em que seu objeto recai sobre bens ou direitos subjetivos inalienáveis, indisponíveis ou irrenunciáveis, dentre estes, os direitos personalíssimos.


Feitas tais considerações, observa-se que todo e qualquer contrato, v.g., aquele aderido pelos participantes do "Big Brother" (programa televisivo, que consiste na permanência de um grupo de pessoas em uma casa, na qual são filmados em todos os locais desta, 24 hs por dia; modelo atualmente muito difundido em diversos países do mundo, conhecido como reality show, em que se dispõe (de forma onerosa) de direitos como a intimidade, privacidade, honra e dignidade, atingiriam, estes negócios, pleno iure de nulidade).


2. Objeto do Negócio Jurídico:

Os objetos dos negócios jurídicos podem ser os fatos (positivos e negativos) ou os bens (coisas e direitos), sendo "[...] a própria coisa ou o próprio interesse sobre os quais recai o negócio" (Id., ibid., p. 161-162).


Como vimos, é necessário o cumprimento de certos requisitos por parte do objeto (art.104, II, CC), pois não se pode converter em objeto aquilo que não é suscetível de objetivação. Ademais, como ministra em seus ensinamentos o douto professor Eduardo Luiz Benites "[...] se os objetos do negócio jurídico são os fatos e os bens, jamais será ou poderá ser a pessoa (...). Igualmente, os denominados direitos personalíssimos ou direitos da personalidade" (2002; p.23).
Desta forma, um negócio que tivesse a pessoa ou seus direitos personalíssimos como objeto, careceria de validade, pois este encontraria uma impossibilidade jurídica absoluta (VENEZA, Silvio de Salvo, 2001, p. 336).

 

3. Direitos e Garantias Fundamentais:

O surgimento da necessidade da integração de direitos e garantias fundamentais pelo constitucionalismo brasileiro deveu-se as desigualdades existentes no país, as quais ocasionavam desrespeitos de tais direitos, através de perseguições políticas e ideológicas, torturas etc (SAMPAIO, Luiz, 1989, p. 5). Com a Democracia instalada no Brasil, este tipo de desrespeito diminuiu a números consideráveis, mas outras formas de violações surgiram, não mais através de armas comandadas por generais, mas pelo poder econômico patrocinado por empresas multinacionais visando a auferir milhões de dólares de lucro.


Não obstante os genéricos e abrangentes dispositivos legais inseridos na história dos ordenamentos jurídicos (Já na Declaração Americana do Estado de Virgínia tínhamos: "[...] todos os homens têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros..." (BASTOS, Celso, 1990, p. 155)) das nações "civilizadas" preocupam-se com o desrespeito dos direitos e garantias fundamentais por via da violência arbitrária, inobservando-se, ainda, a arbitrariedade motivada pelo interesse financeiro, capaz de fazer com que alguém queira alienar até o que não é suscetível de alienação, cabendo ao ordenamento conformar tal situação.


Nos ensinamentos de José Afonso da SILVA, os direitos e garantias fundamentais "São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis" ( s.d., p. 163).

 

3.1. Direito à Privacidade, à Intimidade e à Honra:

O direito à privacidade, à intimidade e à honra, segundo PINTO FERREIRA, "[...] inexistia no Direito Constitucional anterior, porém a ampla publicidade, devassando a vida privada e a intimidade das pessoas, bem como desfigurando sua imagem, motivou sua inclusão no texto" (1989 p. 79).


Desta forma, a Constituição Federal trás em seu art. 5º, X, a proteção destes direitos, prevendo, ainda, indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Assim, a indenização é um instrumento para reparar o dano causado pela inobservância destes direitos; todavia, pode a vítima deixar de exigir tal indenização, o que não implica em renúncia ou alienação de seu direito personalíssimo, visto que tal indenização, como vimos, não se trata de uma contraprestação e sim da reparação de um dano, a qual a vítima, em determinada situação, pode considerá-la desnecessária ou ineficaz para sua finalidade e dela dispor.


A relevância da observação destes direitos reside, justamente, em serem eles a base que compõe o direito à dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República.

 

4. Dignidade da Pessoa Humana:

A dignidade da pessoa humana encontra abrigo constitucional em seu art. 1º, III, da Constituição Federal, assim esta se configura como um dos fundamentos no qual a República Federativa do Brasil assenta-se. Destarte, o constituinte visou proporcionar às pessoas uma vida digna, evitando entre outras situações as de "[...] humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso País. Este foi sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como por exemplo, o econômico" (BASTOS, Celso, 1990, p.148).


Com efeito, quando se viola a dignidade de outrem, não se está apenas violando o direito de uma pessoa, mas se está quebrando um dos pilares nos quais se assenta o ordenamento jurídico do país. Por conseguinte, não pode o sujeito dispor de tal direito, sendo este caracterizado por sua irrenunciabilidade, haja vista que tal efeito atingirá a toda a coletividade.

 

5. Autonomia da Vontade:

Segundo SERPA LOPES, "A vontade é o elemento essencial do factum no negócio jurídico"(1996, p. 428), esta vontade possui autonomia, sendo "[...] a esfera de liberdade da pessoa que lhe é reservada para o exercício dos direitos e a formação das relações jurídicas do seu interesse ou conveniência" (GOMES, Orlando, 1997, p. 265). Contudo, como decorrência natural de uma vida em sociedade, esta autonomia sofre limitações. Assim, "Não há, portanto, um caráter absoluto no poder de autoregramento da vontade, mas apenas um permissivo que o sistema jurídico outorga as pessoas" (MELLO, Marcos Bernardes de, 1999, p. 158).
Pontes de MIRANDA falava, com acerto, sobre o Princípio da Incolumidade das Esferas Jurídicas, chamando a atenção para a "[...] necessidade de respeito às esferas jurídicas alheias; quer dizer, a vontade somente pode ser livremente manifestada enquanto não prejudique interesses que integram esferas jurídicas de outras pessoas, salvo lex especialis" ( Id., ibid., p. 161-162) .


Por conseguinte, embora se discuta a disponibilidade de direitos como os supracitados (mesmo que constitucionalmente pareça não haver o que discutir), mais evidente torna-se a indisponibilidade de direitos de terceiros. Assim, não pode haver um negócio jurídico cujo objeto seja um bem indisponível do seu titular, muito menos de um bem alheio (o programa referido ("Big Brother") além de violar direitos de seus titulares (como a intimidade, honra, privacidade e dignidade), pode vir a atingir diretamente a terceiros, como seus parentes ou pessoas próximas, v.g., o que ocorreu em outro programa "semelhante" ("Casa dos Artistas"), em que uma mulher casada passou a ter relações extraconjugais no programa, vindo a atingir diretamente a honra de seu marido).

 

6. Considerações Finais

Haja vista os dispositivos legais inseridos em nosso ordenamento jurídico que, como vimos, caracteriza certos direitos como inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis - uns por serem inerentes ao indivíduo, outros por serem imprescindíveis para que se mantenha erigido um Estado Social Democrático e de Direito - é mister ao Estado conformar as situações de fato de acordo com o que é preconizado em suas leis.


Nos ensinamentos de Darcy AZAMBUJA, "[...] o Estado é uma forma natural da sociedade humana e tem por fim realizar o bem comum dos que o constituem, a autoridade, elemento essencial do Estado, é também natural e necessário nas sociedades humanas"(1985, p.151). Portanto, a necessidade de uma intervenção estatal, seja legislativa ou judiciária, não se confunde com autoritarismo, ao contrário, é indispensável para a existência de um Estado de Direito em que se vela pelo bem comum e pelo respeito de seu ordenamento jurídico, égide de uma sociedade organizada e democrática.


Doravante, espera-se que o Estado assegure a resguarda dos direitos dos seus cidadãos e de sua sociedade, regulando e coibindo violações, observando, especialmente, as arbitrariedades de todas as suas formas, sejam elas políticas, militares, morais, econômicas, raciais, etc., sob pena de tais violações tornarem-se rotineiras e deturparem nosso ordenamento jurídico, configurando-se um retrocesso social-normativo (inadmissível em nosso Texto Constitucional). Destarte, devemos estar atentos, pois as arbitrariedades e os despotismos persistem, só mudaram de táticas e de uniformes!


__________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 24.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1985.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.

BENITES, Eduardo Luiz. Resumo do Capítulo Elementos do Negócio Jurídico. 2002.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. V.1. São Paulo: Saraiva, 1989.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

LOPES, Miguel de Serpa. Curso de Direito Civil. V.1. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

PEREIRA, C.M. da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994

SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhor. Comentários à Nova constituição Brasileira. São Paulo: Atlas, 1989.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, s.d.

VENEZA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001.

 

(texto confeccionado em: 10/2002)



 


segunda-feira, novembro 26, 2007

Hediondo e intolerável

Fonte: Consultor Jurídico


Hediondo e intolerável

Menina de 15 anos fica presa em cela com 20 homens

 

Uma garota de 15 anos ficou presa por cerca de um mês numa cela junto com 20 homens. O caso, ocorrido em Abaetetuba, no interior do Pará, gerou indignação de autoridades e entidades de defesa da criança e dos direitos humanos. As informações são do site G1 e da TV Liberal.

 

A garota não poderia estar numa prisão por ser menor de idade e por ser mulher não poderia estar numa cela masculina. A denúncia foi feita, na última segunda-feira (19/11), pelo Conselho Tutelar de Abaetetuba e encaminhada ao Ministério Público (MP) e ao Juizado da Infância e da Adolescência. Segundo o Conselho Tutelar, a garota foi localizada no cais da cidade, no sábado (17/11). Ela teria fugido da cadeia e permanecido desaparecida por três dias. O Conselho Tutelar sustenta ainda que, enquanto esteve presa, a garota sofreu abuso sexual.

 

De acordo com a Policia Civil, responsável pela prisão da menina, ela foi presa por furto e como estava sem documentos não foi possível determinar sua idade. A policia se defende dizendo que em Abaetetuba não há carceragem feminina. Informa também que estão em andamento investigações para se conhecer a idade da garota e para averiguar se ela foi vítima de violência sexual.

 

A Superintedência do Sistema Penitenciário do Pará, responsável pelos presos no estado, ainda não se pronunciou sobre o assunto. A secretária de Segurança Pública, Vera Lúcia Tavares, mandou abrir sindicância. Para a secretária “a maior punição nesse caso é a exoneração”, disse.

 

OAB

O presidente do Conselho Federal da OAB, Cezar Britto, criticou duramente o episódio e resonsabilizou o Estado pelo sucedido: “Ora, somente o descaso pode explicar a não observância do Estatuto da Criança e do Adolescente, da natureza especial da mulher e do papel de recuperação que o sistema prisional deve ter", disse. Ele afirmou que o tema será discutido na Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB.

 

Revista Consultor Jurídico, 20 de novembro de 2007

 


Consultor Jurídico

quarta-feira, novembro 21, 2007

Dever de indenizar

Fonte: Consultor Jurídico


Dever de indenizar

Leia decisão do STJ que pune banco por discriminação

 

por Maria Fernanda Erdelyi

 

Discriminação é motivo suficiente para gerar indenização por danos morais. O entendimento é da ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação do Banco do Brasil. Motivo: discriminação a dois rapazes negros dentro de uma das agências do banco. Diante de “conduta suspeita” dos rapazes, seguranças chamaram a Polícia Militar, que determinou, de forma “desrespeitosa e desnecessária”, que os dois se retirassem da agência. Cada um deles deverá receber R$ 20 mil de indenização. A decisão foi monocrática.

 

A ministra manteve a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso. O TJ-MT, por sua vez, já tinha confirmado sentença de primeira instância. A segunda instância apenas reduziu o valor da indenização de R$ 50 mil para R$ 20 mil a cada um dos rapazes. “Da leitura atenta do acórdão, verifica-se que este reconheceu, na origem dos fatos discutidos, a ocorrência de intolerável discriminação racial”, afirmou a ministra.

 

De acordo com o processo, os dois rapazes estavam numa das agências do banco quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores começaram a reabastecer os caixas eletrônicos. Os seguranças teriam suspeitado da presença dos dois. Em seguida, chamaram a Polícia Militar que mandou eles saírem da agência.

 

Em sua defesa, o banco alegou que o ato, supostamente ofensivo, foi praticado pelos policiais, agentes estatais. Assim, seria parte ilegítima para responder a ação. O Banco do Brasil alegou, também, que os rapazes fizeram gestos um para o outro quando os malotes de dinheiro foram trazidos para dentro da agência, fato determinante da desconfiança dos seguranças. Por fim, argumentou que o acontecimento não teve nenhuma relação com a cor da pele dos dois rapazes.

 

“Os policiais, de acordo com o entendimento soberano das instâncias ordinárias, agiram em face de provocação de prepostos do banco, e não por iniciativa própria, e é este o fator indicativo da necessidade de compensar o dano”, ressaltou a ministra.

 

Sobre a quantia da indenização, a ministra valeu-se de precedente do ministro aposentado Sálvio de Figueiredo para mantê-la. “Se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da agravada e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida”.


Leia a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL nº 822943 - MT (2006/0040489-6)

RELATORA: MIN. NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADOS: MAGDA MONTENEGRO

JORGE ELIAS NEHME E OUTRO(S)

RECORRIDO: DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO

ADVOGADO: JOÃO BATISTA SULZBACHER E OUTRO(S)

 

EMENTA

Civil. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Consumidores que são retirados de agência bancária pela polícia, após terem sido indicados como suspeitos por prepostos do banco. Discriminação racial reconhecida pelo acórdão recorrido. Procedência do pedido. Alegação de ilegitimidade passiva e exercício regular de direito. Questões dependentes da adoção de panorama probatório diverso daquele reconhecido pelas instâncias ordinárias.

- Não se conhece de recurso especial que não ataca, especificadamente, os fundamentos da decisão recorrida.

- Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra deficientemente fundamentado.

- È inviável o reexame probatório em recurso especial. Recurso especial ao qual se nega seguimento.

DECISÃO

Recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S/A, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/MT.

Ação: de compensação por danos morais, proposta por DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A.

Segundo consta da inicial, os dois autores estavam no interior de uma agência do réu quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores iniciaram procedimento de reabastecimento dos caixas eletrônicos ali existentes. Ao entrarem na agência, tais seguranças teriam suspeitado da presença dos autores, apenas porque estes eram os únicos negros dentro do estabelecimento, e chamado a Polícia Militar, que, de forma desrespeitosa e desnecessária, determinou a ambos que deixassem as dependências da agência.

Em contestação, sustenta o réu que o ato alegadamente ofensivo foi praticado pelos agentes estatais, sendo portanto o banco parte ilegítima para a ação. No mérito, alega que a agência em questão havia sido assaltada dias antes com grande violência, e que os réus, na verdade, estariam fazendo gestos um para o outro quando os malotes de dinheiro foram trazidos ao interior da agência, fato esse determinante da desconfiança gerada nos seguranças da empresa de transporte. O acontecimento, portanto, nenhuma relação teria com a cor dos autores.

De qualquer forma, porém, o banco teria apenas agido em exercício regular de direito, qual seja, seu patrimônio, ao requisitar a presença de policiais em face de conduta suspeita.

Sentença: em julgamento antecipado da lide, o pedido foi julgado procedente para condenar o banco ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada um dos autores.

A preliminar levantada em contestação foi rejeitada, pois incontroverso que a polícia foi acionada por prepostos do banco; no mérito, entendeu patente a situação de humilhação sofrida, pois os autores foram rispidamente colocados para fora de agência lotada como se bandidos fossem.

Acórdão: deu parcial provimento ao recurso do ora recorrente, reduzindo o valor da indenização para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada recorrido, em julgado assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PROCEDÊNCIA - INCONFORMISMO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - REJEITADA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - ADEQUAÇÃO OPERADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Havendo o causador do dano agido por determinação ou com o consentimento dos prepostos do estabelecimento bancário, inconcebível falar-se na ilegitimidade ad causam deste para compor o pólo passivo da ação.

Mostrando-se um tanto elevado o valor da indenização referente aos danos morais impingidos aos autores, cabe à instância superior, em grau de apelação, revê-lo e adequá-lo na medida das conseqüências reais do fato danoso." (fls. 148)

Embargos de declaração: rejeitados.

Recurso especial: alega-se:

a) violação ao art. 535, II, do CPC, em face de negativa de prestação jurisdicional;

b) violação ao art. 3º do CPC, porque o recorrente é parte passiva ilegítima;

c) violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC, ante a inexistência de ato ilícito e dano moral causado pelo ora recorrente e também em relação ao valor fixado a título de danos morais; e

d) divergência jurisprudencial quanto aos temas.

É o relatório.

a) Da negativa de prestação jurisdicional.

O sucesso dos embargos de declaração, mesmo quando interpostos para fins de prequestionamento, necessita da presença das hipóteses previstas no art. 535 do CPC, inexistentes na espécie.

Saliente-se que a adoção de tese diversa da pretendida pela parte não possibilita, por si só, a interposição de embargos de declaração e, mesmo quando manejados com o fito de obter o prequestionamento da matéria, os embargos de declaração devem ater-se às hipóteses previstas no art. 535 do CPC, o que não ocorreu na espécie.

Ademais, não há que se falar em omissão quando o Tribunal de origem discute a matéria, porquanto não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos da recorrente, quando fundamenta a decisão suficientemente para decidir de forma integral a controvérsia.

Na presente hipótese, os embargos foram interpostos visando a rediscussão do valor fixado a título compensatório, questão essa já devidamente tratada pelo acórdão - que, inclusive, reduziu o valor inicialmente estipulado pelo juízo.

b) Da alegação de violação ao art. 3º do CPC.

No ponto, sustenta o recorrente que: "(...) o fundamento para condenação foi a abordagem policial, que solicitou aos Recorridos que se retirassem da sala de auto-atendimento, onde aguardavam na fila para efetuar saque, no respectivo terminal eletrônico" (fls. 181). Dessa forma, o dano - se realmente existisse, o que não se admitiu - teria sido causado pelos policiais apenas.

Contudo, o acórdão recorrido, na esteira da sentença, entendeu que tal alegação "(...) carece totalmente de razão, simplesmente porque os referidos policiais agiram acionados pelos prepostos do banco, ora recorrente, e não por conta própria daqueles" (fls. 150).

Verifica-se, portanto, que a suposta razão da ofensa ao art. 3º do CPC apenas tangencia o fundamento do acórdão. A obrigação de compensar o dano por parte do banco não se fundou particularmente na eventual brutalidade dos policiais, mas no fato de que os recorridos foram apontados como suspeitos, por motivo que adiante se verá, por prepostos do banco.

Esse ponto é essencial para a correta compreensão da controvérsia e tem reflexos, também, na alegada violação aos arts. 159 e 160, I, do CC/16, a seguir analisada. Por ora, resta ver que não houve impugnação precisa dos fundamentos da decisão recorrida, porque a ilegitimidade decorreria, apenas, se ficasse demonstrado que não houve indicação dos autores aos policiais por parte de 'preposto' - sendo de se salientar, inclusive, que a interpretação dessa expressão, no contexto do presente processo, é bastante ampla, abarcando não só os empregados diretos do banco mas os agentes de segurança da empresa contratada para transporte de valores, como é corolário do conceito de 'cadeia de fornecimento' aplicável à hipótese, quanto aos danos causados aos consumidores.

O recurso especial não só é omisso não só quanto a tal discussão - de natureza jurídica - mas também deixa de veicular violação ao art. 330 do CPC, em face do julgamento antecipado da lide, realizado sem que nenhuma prova tivesse sido coligida aos autos, como reconheceu o próprio i. Des. Vogal, ao afirmar, literalmente, que "houve um pecado capital nesse processo, no momento em que o juiz de primeiro grau julgou antecipadamente a lide. (...) A matéria de ilegitimidade passiva, nos moldes em que foi suscitada, obrigatoriamente teria que se fazer a instrução para avaliar a extensão do ato" (fls. 150).

Como não houve irresignação em face do julgamento do processo no estado em que este se encontrava, deduz-se o conformismo do banco com a interpretação fornecida pelo TJ/MT a respeito dos fatos, e é com base nestes que se afasta a presente irresignação, por incidência das Súmulas nº 283 e 284/STF.

c) Da violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC.

O recorrente sustenta que "não poderia (...) impedir que a polícia (...) procedesse da forma como bem entendesse, diante da suspeita, sob pena de interferir na atividade administrativa" (fls. 186).

Tal questão, na verdade, fica resolvida pelo quanto disposto supra acerca da alegação de ilegitimidade passiva. Os policiais, de acordo com o entendimento soberano das instâncias ordinárias, agiram em face de provocação de prepostos do banco, e não por iniciativa própria, e é este o fator indicativo da necessidade de compensar o dano.

Sustenta-se, ainda, ocorrência de exercício regular de direito, pois ao banco cabe a prerrogativa legal de defender seu patrimônio.

Tal questão, no contexto do presente processo, assumiria uma dimensão relevantíssima se pudesse ser analisada. Com efeito, caberia discutir, então, a relação entre direito de propriedade e direito à honra, para que fosse possível definir se a defesa do patrimônio teria ocorrido ou não com ofensa a direitos individuais de outrem.

Contudo, da forma como trazido o Especial, a discussão não prospera. Da leitura atenta do acórdão, verifica-se que este reconheceu, na origem dos fatos discutidos, a ocorrência de intolerável discriminação racial. Assim está redigido o trecho de relevo:

"Não resta a menor dúvida que os prepostos do Banco-APTE, ao determinar ou mesmo consentir que os policiais militares revistassem qualquer usuário daquela agência que lhes parecessem suspeito, não agiram com a cautela necessária a fim de evitar a prática de abusos dessa natureza, e o mais grave, eivado de preconceito racial, conforme se vê das provas carreadas aos autos" (fls. 157 - sem grifos no original).

Assim, o acórdão recorrido, em resumo, admitiu que: i) os prepostos do banco solicitaram a presença dos policiais por desconfiarem dos autores; e ii) a desconfiança tinha fundamento exclusivo na cor da pele destes.

O julgamento antecipado da lide impediu que fosse realizada prova de forma a demonstrar que o fundamento para a suspeita não seria aquele indicado pelo acórdão, mas a circunstância - alegada desde a contestação pelo banco - de que os autores se comunicavam por sinais enquanto ocorria o transporte dos malotes de dinheiro.

A comprovação dessa circunstância seria capaz, em tese, de ilidir a conclusão do acórdão e trazer para o centro da controvérsia a questão colocada pelo recorrente em recurso especial - qual seja, o eventual confronto entre proteção ao patrimônio e proteção à honra.

Contudo, mais uma vez, salienta-se que a opção do juízo pelo julgamento antecipado da lide não foi questionado pelo ora recorrente. Assim, não há outra possibilidade a não ser reconhecer a ocorrência de discriminação racial na conduta dos prepostos do banco; e, a partir dessa premissa, torna-se inviável a discussão a respeito de eventual direito de defesa do patrimônio, pois o fundamento da condenação é matéria totalmente estranha a tal argumento.

O dissídio jurisprudencial alegado não existe, pelas mesmas razões. O acórdão recorrido está fundado na necessidade de reparar ato de discriminação racial, enquanto que o suposto paradigma faz menção expressa a dois fatos que não se verificam na presente hipótese: conduta dos policiais conduzida inteiramente por estes, sem ingerência de prepostos, e fundada suspeita, não decorrente da cor da pele do ofendido, quanto à sua conduta.

Aplicam-se, novamente, as Súmulas nº 283 e 284/STF.

c) Do valor compensatório aos danos morais.

Nas hipóteses em que as razões do recurso especial dirigem-se à irresignação dos recorrentes com o valor arbitrado a título de indenização por dano moral, o STJ tem afastado o óbice da Súmula nº 7 apenas quando o valor fixado destoa daqueles adotados em outros julgados ou revela-se irrisório ou exagerado, de modo a não atender ao espírito que norteou o legislador na redação do referido dispositivo legal – assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Verifica-se que certa elasticidade na determinação do valor é de ser autorizada, sob pena de se criar uma indevida 'tarifação' do quantum, em total desacordo com a própria natureza do direito material envolvido. Afinal, como decidido no Resp nº 663.196/PR, de minha relatoria, a reparação da lesão moral não pode, pela sua própria essência, ficar adstrita a padrões apriorísticos de julgamento.

Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em Voto-vogal no Resp nº 269.407/RJ, "(...) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos que ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste Tribunal".

Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da agravada e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259.816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).

Forte em tais razões, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial.

 

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 02 de outubro de 2007.

 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora


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Revista Consultor Jurídico, 28 de outubro de 2007

 


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