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segunda-feira, maio 10, 2010

O amor sem limites - ESPAÇO VITAL




O amor sem limites - ESPAÇO VITAL: "

O amor sem limites

(10.05.10)

Deu no Espaço Vital em 28.05.2002

Um caso de “amor sem limites”, que desbordou na consumação de relação sexual no interior de um automóvel, virou processo judicial e terminou na Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais do RGS. A decisão, por maioria, foi a de absolver a jovem S. Ela foi denunciada pelo Ministério Público – e condenada em primeiro grau – depois de detida e conduzida à presença da autoridade policial, porque – num ato “sem explicação racional” - transava com o namorado, dentro do carro dele, estacionado às 11 da noite, numa rua escura de Porto Alegre.

O que ela e o namorado J. não contavam é que uma senhora bisbilhoteira flagrasse o ato e – inconformada com o
contexto – voltasse logo ao local, no próprio carro, com um policial, que interrompeu os arrulhos e deu voz de prisão ao casal.

Homem e mulher foram processados e condenados (pena mínima, de multa) criminalmente. Só ela recorreu e teve sucesso. A Turma deu provimento à apelação e estendeu o efeito absolutório ao varão (que se conformara com a condenação).

Leia a
ementa


'ATO OBSCENO. RELAÇÕES SEXUAIS DENTRO DE VEÍCULO, À NOITE, EM LOCAL ERMO. ATIPICIDADE.

Não ofende o pudor público a relação sexual dentro de um automóvel, somente perceptível com a aproximação junto ao veículo.

No caso dos autos, o casal somente foi flagrado porque uma senhora passou pelo local, às 23h e, na companhia de um policial, em seu próprio carro, retornou ao local, interrompendo o ato. Também, o Direito Penal não se destina à repressão de qualquer manifestação voluntária e natural do afeto. Este e o amor não têm limites, nem explicação racional. Apelo provido para absolver a apelante e estender os efeitos ao co-réu. Por maioria'.

(Recurso n° 71000200311, Turma Recursal Criminal, Porto Alegre, Relator Nereu José Giacomolli)


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sexta-feira, março 19, 2010

Trabalhador processa empresa que elaborou “lista negra” com seu nome

Fonte: TST

Trabalhador processa empresa que elaborou “lista negra” com seu nome:

"A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a prescrição de pedido de indenização por dano moral feito por trabalhador que teve o nome incluído numa “lista negra” elaborada pelo ex-empregador. Com essa decisão unânime, o processo voltará ao Tribunal do Trabalho do Paraná para exame do pedido.

O trabalhador argumentou que tomou conhecimento de que as empresas Rurícola Agenciamento de Mão de Obra Rural e Employer – Organização de Recursos Humanos elaboraram uma lista com nomes de ex-empregados que entraram com ações na Justiça do Trabalho, porque representavam problemas em potencial para futuros patrões.

Mas o direito do empregado de receber uma indenização pelos prejuízos causados a sua honra e dignidade com a “lista negra” foi considerado prescrito tanto pelo Juízo de primeiro grau quanto pelo TRT/9ª Região. Segundo o Regional, o empregado trabalhou para uma das empresas até 12/08/1998, e só propôs a ação em 30/09/2003.

O TRT não disse que em 12/08/2000 tinha terminado o prazo para o trabalhador iniciar a ação (aplicando a prescrição de dois anos após o fim do contrato, nos termos do artigo 7º, XXIX, da Constituição), mas considerou a data que constava na tal lista produzida (06/06/2001) como marco para o cômputo da prescrição – já que não havia prova da data efetiva de quando o empregado soube do fato.

Assim, ainda que fosse aplicada a prescrição bienal prevista na norma constitucional, utilizando-se como ponto de partida a data existente na tal listagem, o TRT concluiu pela prescrição do direito de ação, pois o prazo se encerrara em junho de 2003 e a ação tinha sido proposta em setembro do mesmo ano.

Entretanto, a relatora do recurso de revista do trabalhador no TST, ministra Kátia Magalhães Arruda, avaliou a matéria sob uma outra perspectiva. De acordo com a ministra, no caso, era preciso aplicar não a prescrição trabalhista, e sim a prescrição civil com a regra de transição prevista no novo Código que entrou em vigor em janeiro de 2003.

A ministra explicou que a competência da Justiça do Trabalho para julgar indenização de dano moral decorrente de relação de emprego ficou estabelecida com a Emenda Constitucional nº 45/2004. Então, se a lesão ao empregado ocorreu depois desse período, vale a prescrição constitucional (artigo 7º, XXIX). Mas se acontecer antes da Emenda – na hipótese dos autos, em 6/6/2001(data da lista negra) – a prescrição aplicável era a civil, afirmou a relatora.

O Código Civil de 1916 estabelecia prazo prescricional vintenário, e o novo Código (em vigor a partir de janeiro de 2003) fixara em três anos a prescrição. E para evitar prejuízo às partes, o legislador propôs uma regra de transição, pela qual os prazos serão os da lei anterior, quando reduzidos pelo novo Código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Desse modo, concluiu a relatora, considerando que na data da entrada em vigor do novo Código havia transcorrido menos da metade do prazo prescricional estipulado anteriormente no Código de 1916, deve ser aplicada à hipótese a prescrição de três anos para o ajuizamento da ação indenizatória a partir da vigência do novo Código (12/01/2003). Como a lesão ocorreu em 06/06/2001, e a ação foi proposta em 30/09/2003, o prazo prescricional foi observado pela parte, confirmou a ministra Kátia Arruda. (RR-65300-48.2003.5.09.0091)

(Lilian Fonseca)

Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial.

Permitida a reprodução mediante citação da fonte
Assessoria de Comunicação Social
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quarta-feira, janeiro 13, 2010

Pagamento de Precatório. Preterição ou Quebra na Ordem Cronológica. Seqüestro de Verbas. Pessoas Jurídicas Distintas, Pertencentes ao Mesmo Estado. Quebra Não Configurada. Óbice da Inviabilidade do Reexame de Fatos em Sede De Reclamação Afastado. STF em Vídeo.

Fonte: Jus Navigandi Direito Integral

Pagamento de Precatório. Preterição ou Quebra na Ordem Cronológica. Seqüestro de Verbas. Pessoas Jurídicas Distintas, Pertencentes ao Mesmo Estado. Quebra Não Configurada. Óbice da Inviabilidade do Reexame de Fatos em Sede De Reclamação Afastado. STF em Vídeo.: "

No julgamento da reclamação 3138, deparou-se o STF com as questões de saber se:


é possível configurar-se a quebra da ordem cronológica ou a preterição do direito do reclamante ao recebimento do crédito quando os precatórios forem expedidos contra distintas pessoas jurídicas de um mesmo Estado membro;


influi no conhecimento da insurgência a alegação de que, mediante alteração superveniente na legislação local, uma das autarquias teria sido desprovida de recursos próprios, e a quitação de suas dívidas teria ficado a cargo daquela contra a qual seria oponível o crédito eleito como paradigma para demonstrar a quebra da ordem;


é possível a aplicação da teoria da “transcendência dos motivos determinantes” para admitir-se a reclamação que alegue caracterizar o quadro acima desrespeito à ADI 1662, em que se que decidiu matéria diversa (a saber, relativa a certa instrução normativa do TST).

Por maioria, a Corte resolveu conhecer da reclamação, superando o óbice da inviabilidade do exame da legislação local relativa à extinção da autarquia e à incorporação de suas dívidas ao passivo da responsável pela alegada quebra da ordem cronológica. Aplicou, ainda, o Tribunal, a transcendência dos motivos determinantes da ADI 1664, para tornar insubsistente a decisão que determinara o seqüestro de verbas do Estado.

Eis os destaques da Sessão de Julgamento.

STF. Ministro Joaquim Barbosa. Reclamação e Quebra na Ordem de Pagamento de Precatório Judicial.

Voto do Ministro Joaquim Barbosa. Ressalva de Seu Ponto de Vista Quanto à Inadmissibilidade da Reclamação, Ante a Necessidade de Reexame da Base Empírica da Decisão Local. Provimento do Pedido.











Concordo com a constatação de que, caracterizadas ordens cronológicas de pagamento distintas, não se caracteriza violação do direito de precedência apto a justificar o seqüestro de verbas públicas. Tal orientação não é nova na Corte, como se lê na decisão tomada durante o julgamento da Rcl 2.436-AgR (Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 30/09/2004, DJ 22-10-2004 PP-00005 EMENT VOL-02169-01 PP-00134).

Ocorre que, em outros precedentes, a Corte também decidiu que o campo de reavaliação do quadro fático na reclamação não é ilimitado. Como bem observou o Ministro Carlos Britto, ao relatar a Rcl 4.057 (Pleno, DJ de 18.05.2007), não é "a reclamação a via idônea para reavaliar os dados fáticos subjacentes ao ato decisório de que se reclama".

A ordem de seqüestro em exame tem por expresso fundamento preterição e quebra de ordem cronológica (fls. 100) - preterição caracterizada, segundo o entendimento da autoridade reclamada, pela realização de acordo judicial para pagamento de crédito cuja previsão era para momento posterior ao do pagamento do crédito dos interessados.

Para afastar a constatação a que chegou a autoridade reclamada, seria necessário rever e reinterpretar a legislação local relativa à competência para arrecadação e gestão de valores e pagamento de benefícios previdenciários, origem dos créditos detidos pelos interessados.

Sem essa análise, não é possível determinar a existência de tão-somente uma única ordem cronológica local para o pagamento de valores relativos aos créditos em exame, ou, ao reverso e como sustenta a reclamante, a existência de ordens diferentes, baseadas na aparente diversidade de credores.

Precatórios Judiciais. Quebra de Precedência na Ordem Cronológica de Pagamento. STF.

Diante do quadro exposto, a afirmativa de que o Ipec e o Estado do Ceará possuem personalidades jurídicas distintas deve ser examinada à luz da modificação da legislação local. Sem tal análise não é possível afirmar que os créditos relativos ao Ipec e os demais créditos relativos ao Estado do Ceará pertencem ou não à mesma lista de pagamentos.

Não obstante, em atenção ao princípio da colegialidade, aplico à esta reclamação a orientação firmada durante o julgamento da Rcl 3.219-AgR, para dela conhecer parcialmente e, na parte conhecida, julgá-la procedente. Fica confirmada a medida liminar anteriormente.deferida.

É como voto.


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quarta-feira, maio 21, 2008

Responsabilidade civil objetiva do estado. Art. 37, § 6º da CF. Conduta negligente de hospital público. Configuração do nexo de causalidade. Direito à reparação de dano moral.

 

Responsabilidade civil objetiva do estado. Art. 37, § 6º da CF. Conduta negligente de hospital público. Configuração do nexo de causalidade. Direito à reparação de dano moral.

 


Tribunal Regional Federal - TRF2ªR.
RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA
APELANTE: JOAO MACHADO CAMPOS
ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO
APELADO: UNIÃO FEDERAL
ORIGEM: VIGÉSIMA TERCEIRA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (9900237528)


RELATÓRIO


Trata-se de Apelação Cível interposta por JOÃO MACHADO CAMPOS, de sentença proferida nos autos do PROCEDIMENTO ORDINÁRIO que ajuizou em face da União Federal, colimando indenização por danos morais e materiais em virtude de erro médico ocorrido no Hospital Cardoso Fontes, à época do atendimento decorrente da queda de uma lage e posterior cirurgia, culminando em um derrame.
Na peça vestibular, afirmou o Autor, ora apelante, que sofreu uma queda de uma lage, atingindo seu crânio e fêmur. No Hospital Cardoso Fontes, a equipe médica fez uma radiografia do fêmur ignorando a lesão craniana e transferiu-o para o hospital de Niterói, onde foi operado, sofrendo um AVC após dez dias. Voltando ao Hospital Cardoso Fontes, foi vítima de descaso e diagnosticado o AVC como meningite. Após uma tomografia custeada pelo Autor, já que o Hospital não possuía aparelho para tal, foi detectado um coágulo no cérebro. Finalmente alegou que, em virtude da negligência sofrida no Hospital Cardoso Fontes, ficou com sua visão prejudicada e com dificuldades de locomoção, não podendo mais desempenhar sua profissão de ladrilheiro.
Gratuidade de justiça deferida às fls. 39.
O MM Juízo a quo julgou improcedente o pedido. Sem custas nem honorários advocatícios (fls. 125/129).
Inconformado, o autor apelou às fls. 137/146, pleiteando a reforma integral da Sentença, assegurando-lhe o ressarcimento pelos danos morais e materiais sofridos.
Contra-razões da União Federal às fls. 158/160.
Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, opinou o Ínclito Representante do Parquet Federal, às fls. 169/176, pela reforma da Sentença, dando provimento à apelação.
Por se tratar de matéria predominantemente de direito, incide a regra contida no art. 43, inciso IX, do Regimento Interno (Emenda Reg. nº 17/2002, DJ de 25.01.2002, pág. 184/196) deste Egrégio Tribunal, dispensada, portanto, remessa ao Revisor.
É o relatório. Peço dia.
Rio de Janeiro, 16 de outubro de 2006.
RALDÊNIO BONIFACIO COSTA
RELATOR


V O T O - V I S T A


O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL CONVOCADO GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA:
1. Como relatado, trata-se de apelação cível interposta por JOÃO MACHADO CAMPOS contra sentença que, nos autos da ação de rito ordinário, ajuizada em face da União Federal, julgou improcedente o pedido que objetiva a condenação da ré ao pagamento de indenização, a título de danos morais, ao equivalente a 3.000 (três mil) salários-mínimos, além de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos materiais, sob o argumento de que sofreu uma queda de uma laje, atingindo seu crânio e fêmur; que, encaminhado para o Hospital Cardoso Fontes, a equipe médica que o atendeu requisitou apenas uma radiografia do fêmur, ignorando qualquer lesão craniana, o que lhe trouxe graves conseqüências físicas.
2. Conforme orientação seguida pelo eminente Relator, também concordo que está presente no caso em questão a causalidade como elemento necessário à configuração da responsabilidade civil da União Federal, posto que se a prestação do serviço público tivesse sido eficaz, teria resguardado o Apelante de todos os problemas criados.
3. Com efeito, considerando que foi declarado, pelo Decreto n. 5.392, de 10 de março de 2005, o estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro, não se pode estranhar o descaso ocorrido com o ora Apelante quando buscou a emergência do Hospital Geral de Jacarepaguá, municipalizado no período de 1999 a 2005, quando era denominado de Hospital Municipal Cardoso Fontes.
4. Nesse sentido, sendo o setor de emergência o local em que se presta o primeiro atendimento ao cliente em situação crítica, sendo a porta de entrada de qualquer instituição hospitalar, cujo diagnóstico rápido e atendimento imediato das complicações evitam seqüelas futuras e, na maioria das vezes, auxiliam a manutenção da vida, não há que se defender a tese segundo a qual apesar de descrita a queda pelo Apelante, "nenhum exame de imagem do crânio foi efetuado ou solicitado (na hipótese de não haver o equipamento no local)".
5. Tendo em vista que a teoria da responsabilidade objetiva prevê a inversão do ônus da prova em favor daquele que sofreu o dano, e a União Federal não conseguiu provar que ao tempo do fato alegado tenha tomado todas as providências necessárias para que o Apelante pudesse ter se submetido a uma tomografia computadorizada, o que poderia ter minimizado seus sofrimentos, fica comprovada a conduta negligente e lesiva por parte do Hospital em tela, devendo, portanto, ser condenada a União Federal ao pagamento de indenização a título de danos morais. Ainda que assim não o fosse, e sendo fato notório o descaso com a saúde pública, tal fato independe de prova, nos termos do art. 334, I, do CPC
6. No que tange ao valor da indenização, e, orientando-me pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, os quais prevêem que a fixação do valor indenizatório pelo dano moral deve levar em conta as circunstâncias da causa, bem como a condição sócio-econômica do ofendido e do ofensor, de modo que o valor a ser pago não constitua enriquecimento sem causa da vítima, e sirva também para coibir que as atitudes negligentes e lesivas venham a se repetir, entendo que justa e compensatória a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
7. Conclui-se, desse modo, como imperativa a reforma da sentença, posto que provado o nexo de causalidade.
8. Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso, apenas divergindo do voto do eminente Relator, para fixar o quantum indenizatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
É como voto.
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Juiz Federal Convocado na 8ª Turma do TRF-2ª Região


VOTO


O EXMº SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA:
1- Conheço da Apelação, porque presentes os requisitos de admissibilidade.
2- Conforme relatado, JOÃO MACHADO CAMPOS, ajuizou a presente ação em face da UNIÃO FEDERAL, colimando indenização por erro médico ocorrido no Hospital Cardoso Fontes à época que sofreu uma queda de uma lage, atingindo seu crânio e fêmur e em virtude da negligência no atendimento recebido foi transferido para outro Hospital onde foi operado sofrendo em seguida um AVC, que foi diagnosticado, erroneamente, como meningite.
3- Inconformado com a Sentença que julgou improcedente o pedido, a parte Autora, interpôs apelação.
4- Merece reparos o decisum a quo, conforme também entendeu o ínclito representante do Parquet Federal, Dr. CELSO DE ALBUQUERQUE SILVA, em seu profícuo Parecer de fls. 169/176, verbis:
"(....)
A dignidade da pessoa humana foi recepcionada no art. 1°, inciso III, da Constituição da República de 1988, sendo reconhecida pelo ordenamento jurídico estatal e passsando a integrar o direito positivo na condição de princípio jurídico constitucional fundamental. Os princípios fundamentais, ou estruturantes, são aqueles que expressam as decisões fundamentais do constituinte no que condiz à estrutura básica do Estado e as idéias e valores fundamentais triunfantes na Assembléia Constituinte.
Além de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana é um valor que não se restringe a guiar os direitos fundamentais, mas sim toda a ordem jurídica constitucional e infraconstitucional. Em decorrência do princípio da dignidade da pessoa humana, têm-se os Direitos Sociais, dentre os quais a Constituição estabelece o direito à saúde, no seu art. 6°:
"Art. 6° - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. " (grifo nosso)
....
O direito à saúde não está elencado no rol dos direitos fundamentais do art. 5°, CRFB, porém o próprio § 2° deste artigo traz expressamente que não estão excluídos deste rol outros direitos e garantias fundamentais decorrentes do regime e princípios pela Constituição adotados.
Verifica-se, assim, a manifesta existência de um dever jurídico primário do Estado, a ser cumprido pelos três centros de competência: a prestação da saúde pública.
Note-se que o legislador constituinte não se satisfaz com a mera existência deste serviço; ele deve ser efetivamente prestado, e de forma eficiente.
....
In casu, o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a atividade administrativa existe porque se a prestação do serviço público tivesse sido eficaz, teria resguardado o apelante de todos os problemas criados e do sofrimento experimentado.
Nesse sentido, não parece absurdo afirmar que a lesão seqüelar apresentada pelo recorrente tenha sido causada por sua queda da lage, uma vez que seria no mínimo coincidência que o AVC sofrido poucos dias após o infortúnio tenha se dado em razão de doença pré-existente.
Razoável, pois, que se admita que a lesão seqüelar neurológica sofrida pelo apelante está intrinsecamente ligada ao traumatismo craniano que não foi devidamente tratado pelo nosocômio. Outrossim, o mesmo hospital apresentou falhas no momento de diagnosticar o AVC, sendo responsável pela demora no ínicio do tratamento que poderia diminuir as referidas seqüelas.
Assim, à luz do art. 5°, X, CRFB/88, que torna invioláveis a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano, material ou moral, decorrente de sua violação, bem como analisando os princípios e normas atinentes ao direito social e fundamental à saúde, teremos a obrigação do ente público de reparar os danos causados pela má prestação do serviço público.
Diante do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento da presente apelação.
( )".
5- Quanto aos danos sofridos pelo Autor, transcrevem-se decisões desta Egrégia Corte, acolhendo a pretensão autoral:
a)"ADMINISTRATIVO. MILITAR. ERRO MÉDICO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS. CABIMENTO, NO CASO. RETIFICAÇÃO DO ATO DE REFORMA PARA QUE SEJAM CONSIDERADAS AS PROMOÇÕES QUE AUFERIRIA O AUTOR SE NÃO TIVESSE A CARREIRA MILITAR INTERROMPIDA. DESCABIMENTO.
I - O fato de o militar ter sido considerado inválido para todo e qualquer serviço e, em razão disto, ter sido reformado, não afasta a possibilidade de indenização por danos morais e estéticos decorrentes das seqüelas de ato cirúrgico tido como falho. II - O autor, quando em atividade na Aeronáutica, foi acometido de Doença de Crohn, tendo realizado quatro cirurgias em hospitais militares, sendo que na segunda, em 09/01/86, os médicos optaram pela implantação de uma "tela cirúrgica" em seu abdômen, que, por apresentar incompatibilidade com o organismo, foi retirada na terceira cirurgia, em 14/10/92. A prova pericial produzida concluiu pela ocorrência de significativas falhas no atendimento médico do autor, reveladas em lacunas de seu prontuário, especialmente quanto à ausência de menção, no relato cirúrgico, da colocação da tela cirúrgica em seu abdômen, bem como do material do qual era composta (marlex ou aço), providência esta injustificada, segundo o perito. A referida conclusão considerou, ainda, a ausência dos documentos referentes aos exames histopatológicos que deveriam ter sido realizados quando do diagnóstico de fls. 17/18, em 30/10/85, que esclareceriam acerca da existência de apendicite aguda ou de Doença de Crohn. III - Evidenciada a existência de nexo causal entre os danos sofridos pelo autor e a atuação do serviço médico que o tratou, merece confirmação a sentença que condenou a União Federal no pagamento de indenização em seu favor. IV - O valor de R$ 80.640,00 (oitenta mil e seiscentos e quarenta reais), arbitrado a título de indenização pelos danos moral e estético, não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não se justificando a sua modificação. V - A simples expectativa de direito não é indenizável, especialmente quando é remota. "Para que o autor pudesse aspirar a ser promovido, além dos cursos profissionais, deveria vir a submeter-se a procedimento de seleção e a interstício em cada grau hierárquico alcançado. Não é possível presumir-se que o autor teria tido êxito nos concursos a que viesse a se submeter" (RE 123-337-ED/DF, Relator Min Maurício Correa, DJU de 01/10/99).
VI - Remessa necessária e apelações improvidas.
(TRF 2ª Região - 2ª Turma; Rel. Des. Federal ANTÔNIO CRUZ NETTO; j. 24/11/2004; DJ 05/04/2005 PÁGINA: 178).
b) RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEXO CAUSAL. CULPA.
1 - Na hipótese de dano proveniente de omissão estatal, a responsabilidade é objetiva quando se tratar de omissão específica, vez que estará presente o dever individualizado de agir.
2 - Evidencia-se o nexo causal entre a atuação estatal e o dano causado a paciente quando este se encontrar em tratamento em hospital público e for acometido de infecção hospitalar, sendo irrelevante apurar se os médicos responsáveis pelo tratamento atuaram com ou sem culpa, ante a regra contida no art. 37, § 6.º da CF/88.
3 - Recursos e remessa improvidos.
(TRF 2ª Região - 7ª Turma Especializada; Rel. Desembargadora Federal LILIANE RORIZ; AC nº 99.02.00806-2/RJ; j. 29.06.2005; DJ 11.07.2005).
6- Evidenciada a existência do dano e o nexo causal, configura-se a responsabilidade civil da União, cabendo a indenização pleiteada, sendo evidente a responsabilidade pela negligência ocorrida tanto no primeiro atendimento, quanto no posterior, com o diagnóstico errado de meningite, sendo caso de AVC. Verificou-se que os médicos não se cercaram das cautelas recomendáveis, empregando correta, e oportunamente, os conhecimentos e regras de sua Ciência.
7- Assim sendo, não é absurdo afirmar que as lesões e seqüelas apresentadas pelo Autor tenham sido decorrentes da queda sofrida, e se o primeiro atendimento tivesse sido adequado, poderia ter-se evitado conseqüências maiores à saúde do Autor/Apelante, conforme laudo pericial às fls. 107/109 e 112/114.
8- Tratando-se de questões relativas a prejuízos decorrentes de erro médico, ao Poder Judiciário não cabe avaliar questões de alta indagação científica, bem como acerca do tratamento mais indicado para a cura do doente, sendo cabível, a este órgão, o exame da conduta profissional do médico que prestou atendimento para que se verifique, à vista das provas, se houve ou não falha humana conseqüente de erro profissional.
9- No mesmo sentido, o posicionamento do insígne Magistrado e Jurista GUILHERME COUTO DE CASTRO, in 'A Responsabilidade Civil Objetiva no Direito Brasileiro', Ed. Forense, 1997, p. 57, quando diz:
"(...) não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir.
Em sendo o caso de conduta administrativa específica, omissiva ou comissiva, basta aferir o nexo de causalidade e o dano, e, inexistindo fortuito ou culpa exclusiva da vítima, a indenização será devida. (...)"
10- Desta forma, assiste razão ao Autor, que reclamou indenização por dano moral e material. Pelos fatos narrados nos autos, verifica-se ser pertinente a pleiteada indenização.
11- Entretanto, a reparação pecuniária pelo dano moral não pode ser fonte de enriquecimento. Possui caráter compensatório e, simultaneamente, em nosso sistema, caráter punitivo. Tem o condão de compensar a vítima pela dor e angústia experimentados em razão de um ilícito e, ao mesmo tempo, dissuadir o causador do dano a repetir o ato que o provocou. Deve, então, ser estimada de modo prudente, com a necessária sensibilidade para a extensão do dano causado e a gravidade da ação culposa.
12- Daí, a indenização que se impõe em termos razoáveis, não se justificando, por outro lado, que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido.
13- Assim sendo, para a quantificação do dano moral, deve-se levar em conta a condição social das partes, a gravidade da lesão, o caráter punitivo para o agente e a natureza compensatória da condenação para a vítima.
14- No que pertine ao quantum indenizatório, cabe transcrever trecho do Voto Condutor da lavra do Eminente Membro da 3ª Turma do Eg. STJ, Ministro CASTRO FILHO, quando Relator do RESP 545476/RS;2003/0112424-1, j. 20/11/2003; v.u.; DJ 09.12.2003 p. 289.
"(...)
Ambas as turmas que integram a egrégia Segunda Seção deste Tribunal têm proclamado que, sendo excessivamente reduzido ou, ao contrário, exorbitante o valor da condenação por dano moral, é facultado ao STJ promover o necessário ajuste, adequando-o a parâmetros razoáveis. Refletem essa orientação os seguintes julgados: AGA 374.594/PE, DJ 25/06/2001 (Relª Minª. Nancy Andrighi), Resp 283.319/RJ, DJ 11/06/2001 (Rel. Antônio de Pádua Ribeiro), Resp 252.760/RS, DJ 20/11/00 (Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito), e Resp 215.607/RJ, DJ 13/09/99 (Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira).
...
No presente caso, avaliados os fatos e suas repercussões, não se pode ter por exorbitante o valor imposto a título de reparação. Logo, não há, em sede de recurso especial, espaço para que venha este Tribunal atuar, segundo pacífica jurisprudência desta Turma.
Por outro lado, em se tratando de reparação por dano moral, não fica o magistrado jungido aos parâmetros quantitativos estabelecidos pelo autor, na inicial. Por isso, reconhecido o direito à reparação, ainda que esta venha a ser fixada em valores muito inferiores à quantia pretendida pelo autor, não há falar em êxito parcial ou sucumbência recíproca. A sucumbência é total, uma vez que o objeto do pedido é a condenação pelo dano.
Escapando o valor da condenação à vontade do ofendido e inexistindo, consoante a sistemática de nosso direito positivo, tarifação para esses casos de lesão ao patrimônio imaterial, desde que procedente o pedido, o êxito da parte autora é sempre total, a menos que, tendo havido cumulação de pedidos, num deles haja sucumbido. Não é o caso.
(...)".
15- Quanto ao valor pleiteado, relativamente aos danos materiais, assim ressaltou a Douta Defensora Pública da União, ou seja, não só a despesa com exames, mas também porque, "... ficou o Apelante com sério prejuízo de uma das funções vitais, a saber, cegueira dita parcial e conseqüentes dificuldades de locomoção, que lhe acarretou na perda da capacidade laborativa, pois conforme consta nos autos, o Apelante é ladrilheiro e depende das funções de ambos os olhos para realizar seu trabalho de maneira eficiente."
16- O valor pleiteado pelo Autor, de R$ 390.000.00, de danos morais apresenta-se excessivo. Proposição semelhante constante no Voto do Eminente JUIZ CONVOCADO GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA, na AC nº 2001.51.01.017201-6, julgada em 14/02/2006 nesta Eg. Corte, de cujo teor se extraem os seguintes excertos:
"(...)
12. No caso em questão, após ser submetida a uma cesariana no Instituto Fernandes Figueiras, em 02/06/2001, a Autora passou a sentir fortes dores abdominais, e, somente após três dias da referida cirurgia, foi submetida a uma ultra-sonografia, que indicou a ocorrência de infecção no abdômen. Diante da gravidade do seu quadro, foi encaminhada ao Hospital Geral de Ipanema, onde foi operada para retirada de útero em razão do agravamento da infecção. Sua filha faleceu após 26 dias de vida.
...
Por outro lado, tratando-se de questões relativas a prejuízos decorrentes de erro médico, é pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que ao Judiciário não cabe avaliar questões de alta indagação científica, bem como acerca do tratamento mais indicado para a cura do doente. No entanto, é cabível a este órgão o exame da conduta profissional para que seja verificado, à vista das provas, se houve ou não falha humana conseqüente de erro profissional.
...
16. No que se refere ao valor da indenização, e, orientando-me pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, os quais prevêem que a fixação do valor indenizatório pelo dano moral deve levar em conta as circunstâncias da causa, bem como a condição sócio-econômica do ofendido e do ofensor, de modo que o valor a ser pago não constitua enriquecimento sem causa da vítima, e sirva também para coibir que as atitudes negligentes e lesivas venham a se repetir, não merece reparos a fixação do valor da indenização, a título de danos morais, arbitrado em R$60.000,00 (sessenta mil reais), porquanto justo e compensatório.
...
Conclui-se, desse modo, que restaram configurados no presente caso, os pressupostos da responsabilidade civil objetiva da Administração Pública (fato, dano, e nexo de causalidade entre o comportamento e o resultado lesivo), sendo imperiosa a manutenção da sentença que bem dirimiu a matéria.
(...)".
17- Por estas razões, dou provimento ao recurso, para reformar o decisum a quo, condenando a UNIÃO, a pagar ao Autor indenização por danos materiais no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e por danos morais arbitro o valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) considerando o mencionado precedente desta Eg. Corte- AC nº 2001.51.01.017201-6, mais juros de mora a contar da data do evento causador do acidente, nos termos do art. 398 do Código Civil, atualmente em vigor, juros conforme a Súmula nº 54 do Eg. STJ, além da pertinente correção monetária, tendo em vista a Súmula nº 43 do STJ, ou seja, juros moratórios e correção monetária a partir do evento lesivo-24/11/1996, confirmando no mais o respectivo decisum por seus próprios e jurídicos fundamentos. Ressalte-se que os juros de mora serão computados no valor de 0,5% (meio por cento) ao mês, desde a data do acidente, e de 1% (hum por cento) ao mês - consoante o art. 406, do Novo Código Civil em vigor - a partir de 11.01.2003.
18- É como voto.
RALDÊNIO BONIFACIO COSTA
RELATOR


V O T O - V I S T A


Trata-se de apelação cível interposta por JOÃO MACHADO CAMPOS, contra sentença do juízo da 23ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, que julgou improcedente o pedido autoral (fls. 125/129), de indenização por danos materiais e morais.
Alega que, foi vitima de negligência no Hospital Cardoso Fontes, no qual, após queda sofrida, não obteve o atendimento adequado, vindo a sofrer AVC, de que resultaram seqüelas graves, como perda de visão e dificuldades de locomoção, além da perda de capacidade laborativa, uma vez que não poderia mais desempenhar sua profissão, ladrilheiro.
O eminente Relator Desembargador Federal Raldênio Bonifácio Costa, apresentou, às fls. 180/185, Voto no sentido de dar provimento ao recurso do autor, condenando a União Federal ao pagamento de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, nos valores, respectivamente de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)e de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), entendendo ter restado comprovado o nexo causal entre o mal atendimento no Hospital e os danos sofrido, uma vez que os médicos agiram com negligência ao não cercarem-se das cautelas recomendáveis, tendo em vista a queda com lesão craniana sofrida pelo autor.
Às fls. 189/190, o eminente Juiz Federal Convocado Guilherme Calmon Nogueira da Gama, apresentou Voto-Vista, dando parcial provimento ao recurso, divergindo do Exmo. Relator somente no quantum fixado a título de indenização por danos morais, que reduziu para R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Na hipótese, fica clara a existência de nexo causal entre os danos experimentados pelo autor, consistentes nas despesas realizadas para realização de exames, que deveriam ter sido oferecidos pelo Hospital Cardoso Fontes, além das seqüelas em sua saúde e capacidade laborativa, decorrentes do episódio, e o descaso no atendimento emergencial realizado no referido hospital, quando o autor, após acidente grave, procurou, naquela instituição, socorro médico. Desta forma, tendo em vista a teoria da responsabilidade objetiva, assiste ao autor, o direito à reparação de tais danos.
No tocante ao valor fixado a título de reparação pelos danos morais, considerando os critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, o mesmo deve ser fixado em atenção ao duplo conteúdo da indenização, sanção e compensação, de forma que não seja irrisório, nem tampouco provoque o enriquecimento sem causa da parte.
Nesta linha, entendo que o valor que melhor reflete tais orientações é o arbitrado pelo ilustre Juiz Convocado, Dr. Guilherme Calmon, ou seja R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
Desta forma, dou parcial provimento ao recurso, nos termos do Voto-Vista proferido pelo MM. Juiz Convocado, Dr. Guilherme Calmon.
É como voto.
Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 2007.
MARIA ALICE PAIM LYARD
Juíza Federal Convocada
8ª Turma Especializada Do TRF - 2ª Região


EMENTA


DIREITO CIVIL E CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONDUTA NEGLIGENTE DE HOSPITAL PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE. DIREITO À REPARAÇÃO DE DANO MORAL.
1 - A Constituição Federal de 1988 consagrou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6º), a qual se funda no risco administrativo, ou seja, para a aferição da responsabilidade civil do Estado e conseqüente reconhecimento do direito à reparação pelos prejuízos causados, basta que o lesado prove os elementos ato/fato, dano e nexo causal, atribuíveis ao Poder Público ou aos que agem em seu nome, por delegação.
2 - In casu, alega o Apelante que sofreu uma queda de uma laje, que atingiu seu crânio e fêmur; que, encaminhado para o Hospital Cardoso Fontes, a equipe médica que o atendeu requisitou apenas uma radiografia do fêmur, ignorando qualquer lesão craniana, o que lhe trouxe graves conseqüências físicas, tornando presente a causalidade como elemento necessário à configuração da responsabilidade civil da União Federal, posto que se a prestação do serviço público tivesse sido eficaz, teria resguardado o Apelante de todos os problemas criados.
3 - O Decreto n. 5.392, de 10 de março de 2005, declarou o estado de calamidade pública no setor hospitalar do Sistema Único de Saúde no Município do Rio de Janeiro, não se podendo estranhar o descaso do setor de emergência do Hospital Geral de Jacarepaguá, municipalizado no período de 1999 a 2005, quando era denominado de Hospital Municipal Cardoso Fontes. Sabe-se que o setor de emergência é o local no qual se presta o primeiro atendimento ao paciente em situação crítica, sendo a porta de entrada de qualquer instituição hospitalar, cujo diagnóstico rápido e atendimento imediato das complicações evitam seqüelas futuras e, na maioria das vezes, auxiliam a manutenção da vida.
4 - A União Federal não conseguiu provar que ao tempo do fato alegado tenha tomado todas as providências necessárias para que o Apelante pudesse ter se submetido a uma tomografia computadorizada, comprovando a conduta negligente e lesiva por parte do aludido Hospital, devendo, portanto, ser condenada ao pagamento de indenização a título de danos morais. Ademais, sendo fato notório o descaso com a saúde pública, tal fato independe de prova, nos termos do art. 334, I, do CPC
5 - A reparação civil do dano moral, diversamente do que se verifica em relação ao dano patrimonial, não visa a recompor a situação jurídico-patrimonial do lesado, mas sim à definição de valor adequado, pela dor, pela angústia, pelo constrangimento experimentado como meio de compensação.
6 - Orientando-me pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, os quais prevêem que a fixação do valor indenizatório pelo dano moral deve levar em conta as circunstâncias da causa, bem como a condição sócio-econômica do ofendido e do ofensor, de modo que o valor a ser pago não constitua enriquecimento sem causa da vítima, e sirva também para coibir que as atitudes negligentes e lesivas venham a se repetir, afigura-se justa e compensatória a quantia de R$ 20.000,00 (vinte mil reais).
7 - Apelação conhecida e parcialmente provida.


ACÓRDÃO


Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação. Vencido o Relator quanto ao valor da verba indenizatória face ao voto vencedor do Excelentíssimo Juiz Federal Convocado Guilherme Calmon secundado pela Juíza Federal Convocada Maria Alice Paim Lyard.
Rio de Janeiro, 30 de janeiro de 2007 (data do julgamento).
GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA
Juiz Federal Convocado na 8ª Turma do TRF-2ª Região


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terça-feira, maio 06, 2008

Corretor de imóvel. Vínculo de emprego. :: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

Corretor de imóvel. Vínculo de emprego.


Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR.
Processo: 01139-2007-109-03-00-4 RO
Data de Publicação: 13/02/2008
Órgão Julgador: Primeira Turma
Juiz Relator: Juiz Convocado Jose Marlon de Freitas
Juiz Revisor: Juiz Convocado Emerson Jose Alves Lage
RECORRENTE: PATRÍCIA MONTEIRO
RECORRIDA: LAR IMOVEIS LTDA


EMENTA: CORRETOR DE IMÓVEL - VÍNCULO DE EMPREGO. 1) A inserção da autora na atividade-fim da reclamada fragiliza sua tese de trabalho autônomo, vez que autônomo é aquele que trabalha por conta própria, estabelecendo livremente o seu modus operandi, sem qualquer dependência ou mesmo engajamento a serviço de outrem. 2) O fato da reclamante não poder participar do plantão de captação de novos clientes se chegasse após às 09h, no início de sua jornada, já constituía uma penalidade que a forçava a chegar à empresa no horário pré-determinado, sob pena de não auferir parte da sua renda. Frise-se: a captação constitui a parte mais fácil da renda dos corretores, haja vista que o atendimento de um cliente que coloque o seu imóvel para ser negociado na empresa ou que venha a comprar um imóvel já inclui o corretor no rateio da comissão do que for negociado, como captador do imóvel ou do cliente. 3) O trabalho desenvolvido pelos membros da mesma equipe, todos vinculados à mesma empresa, não descaracteriza a pessoalidade da prestação de serviços, configurando mero trabalho em equipe. É o que ocorre quando um corretor atende o um cliente de outro colega - ou seja, a um cliente da imobiliária - quando o corretor-captador está ocupado em outra atividade, que o impede de dar, àquele cliente, naquele momento, a atenção necessária. 4) Constatadas, portanto, a pessoalidade, a habitualidade, a subordinação e a remuneração, fatores reforçados pela ausência do registro da autora no CRECI, caracterizou-se o seu vínculo de emprego com a reclamada, acima de qualquer contrato que tenha sido firmado, em face do contrato realidade.
Vistos etc.


RELATÓRIO
A Exma. Juíza SHEILA MARFA VALÉRIO, da 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte - MG, através da r. sentença de f. 88/93, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou improcedente o pedido formulado na presente ação trabalhista.
Recorreu a reclamante, f. 94/113, pugnando pelo reconhecimento do vínculo empregatício com a reclamada, alegando que fazia captação de imóveis, intermediação de vendas, mediante comissão, prestando serviços de forma habitual, subordinada e com pessoalidade. Aduz que não tem inscrição no CRECI e que a reclamada, ao admitir a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de comprovar a inexistência da relação de emprego. Aduz que o fato de ter interrompido o pacto laboral por 25 dias não impede a sua caracterização. Pleiteia o pagamento de indenização por dano moral, alegando que foi severamente humilhada pelo diretor da reclamada, quando de sua dispensa.
Contra-razões pela reclamada, f. 116/124.
Dispensada a manifestação do Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 82 do Regimento Interno deste Tribunal.
É o relatório.


VOTO


JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.


JUÍZO DE MÉRITO
VÍNCULO DE EMPREGO
A reclamante pugna pelo reconhecimento do vínculo empregatício com a reclamada, alegando que fazia captação de imóveis, intermediação de vendas, mediante comissão, prestando serviços de forma habitual, subordinada e com pessoalidade. Aduz que não tem inscrição no CRECI e que a reclamada, ao admitir a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de comprovar a inexistência da relação de emprego. Aduz que o fato de ter interrompido o pacto laboral por 25 dias não impede a sua caracterização. Pleiteia o pagamento de indenização por dano moral, alegando que foi severamente humilhada pelo diretor da reclamada, quando de sua dispensa.
A reclamada negou a existência de relação de emprego, aduzindo que a autora é sócia de uma sapataria e que prestou serviços como autônoma, na captação e corretagem de imóveis, sem subordinação ou exclusividade. Afirmou que a autora recebia comissões, muitas vezes divididas entre os demais colegas, quando havia trabalho comum ou parceria. Afirma que "nos dias de hoje, o imóvel é cadastrado em várias imobiliárias, porque o proprietário não se interessa em dar exclusividade para nenhuma". Desta forma, a reclamante "dividiu comissões com outros corretores, na demonstração inequívoca da ausência de pessoalidade na prestação de serviços. Assim aconteceu em relação à captação e vendas arealizadas em parceria com Andréia Neiva Otoni" (f. 54). Afirmou que a reclamante não tinha obrigatoriedade de comparecimento, fazendo livremente o seu roteiro, sem sujeição a horário ou ponto, limitando-se a atender possíveis clientes, ora na parte da manhã, ora na parte da tarde, em média 4 horas por dia, em rodízio, atendendo a seus próprios interesses e que jamais sofreu punição por ausência ou atraso.
A razão está com a reclamante.
Inicialmente, é de se ressaltar que a simples inserção da autora na atividade fim da reclamada fragiliza sua tese de trabalho autônomo, vez que autônomo é aquele que trabalha por conta própria, que é senhor do seu tempo, estabelece o seu modus operandi, sem qualquer dependência ou mesmo engajamento a serviço de outrem.
Por outro lado, não consta nos autos que a reclamante tivesse a sua inscrição no CRECI, como determina a Lei 6.530/1978, em seus artigos 1º, 2º, 3º e art. 20º, II.
Veja-se que o reclamado, em seu depoimento de f. 49, afirmou que "a recda contrata funcionários com CRECI e, quando este não tem, a recda paga sua inscrição junto ao CRECI, sendo descontado tal valor nas comissões; quando a recte foi contratada, acreditava que a mesma tinha CRECI, por ser corretora, mas não pode afirmar se a mesma possui CRECI; a recda possui, aproximadamente, 45 pessoas trabalhando para ela; há corretores autônomos e empregados; estes recebem metade da comissão de mercado; os corretores com CTPS assinada possuem compromisso de horário e cumpre jornada estabelecida; o corretor autônomo não tem compromisso de horário".
Desnecessário afirmar que é da responsabilidade da reclamada checar a inscrição do corretor no CRECI, antes de contratá-lo.
Por outro lado, a prova oral demonstra que a autora tinha horário a cumprir, embora contasse com certa flexibilidade. É o que declara Gláucia Bráulio de Melo Matos, que também trabalhou na reclamada, como corretora, sem carteira assinada, no mesmo período que a autora: "seu horário de trabalho era das 08 às 20 h e, posteriormente, até às 19h; se chegasse após às 09h não pegava plantão; porém se chegasse até às 09h não tinha nenhuma conseqüência; (...) trabalhava de 2ª a 6ª f, e de 3 em 3 semanas de 2ª f a domingo; muitas vezes aconteceu de a depoente não poder comparecer ao serviço, prestando satisfação ao gerente, mas não apresentando quaisquer argumentos; recebia remuneração de acordo com as vendas; se não vendesse nada, não receberia nem mesmo o valor mínimo, nunca recebeu repreensões; trabalhava exclusivamente para a recda, no referido período; não trabalhava em todos os feriados, sendo opcional; o plantão que o funcionário perdia, se chegasse após às 09h, refere-se à captação de clientes; normalmente recebia R$ 2.000,00 por mês, em média; às vezes, a reclte trabalhava após às 18h; a reclte recebia valor aproximado ao da depoente; acha que a depoente já ficou sem receber comissão; a reclte costumava almoçar com a filha; (...) não havia horário específico para o almoço, variando de acordo com o plantão que o funcionário pegasse" (f. 50).
No mesmo diapasão, o depoimento de Salvador Alves dos Santos, que também trabalhou como corretor para a reclamada, sem CTPS assinada, no mesmo período que a autora e que declarou que a sua jornada de trabalho era a mesma da autora, ou seja, "tinha horário para entrara na recda, às 08h; após às 08h30, o corretor não pegaria plantão (captação de clientes); não tinha horário determinado para fazer intervalo; trabalhava de 2ª a 6ª f., e um final de semana , intervalado com 2 finais de semana; recebia apenas se vendesse; trabalhava exclusivamente para a recda; trabalhava em feriados, quando estes coincidiam com a escala do fim de semana; este trabalho era obrigatório; o gerente passava ordens ao depoente, no sentido de não se ausentar do plantão, pois poderia perder clientes; se o funcionário estivesse de plantão, tinha a faculdade de se ausentar, para captação de imóvel; o gerente organizava as equipes de plantão; já chegou a ficar um mês sem receber; havia metas de vendas, mas as vezes não eram cumpridas; se o corretor quisesse ir embora a tarde, ficaria em sua responsabilidade" ( grifei - f. 50/51).
Ressalte-se que a faculdade de se ausentar para captação de imóvel, logicamente, não significa sair da empresa quando o corretor bem entender para atender aos seus próprios interesses, mas sim sair para visitar o imóvel que está sendo oferecido à imobiliária para ser negociado.
Por outro lado, as testemunhas indicadas pela reclamada não conseguem derrocar as declarações acima transcritas, ao afirmar que a reclamante comparecia na reclamada apenas 03 ou 04 vezes por semana e nos finais de semana, a seu bel prazer.
Ao contrário, o cidadão que procura as corretoras da cidade visando adquirir um imóvel percebe a extrema dedicação dos corretores ligados às imobiliárias, que não apenas trabalham em jornada estendida, diariamente, incluindo quase todos os finais de semana, como recebem ordens e orientações diretas dos sócios e gerentes das imobiliárias, não apenas quanto à forma de atender aos clientes, mas também quanto aos imóveis a serem visitados. Esta observação do que ordinariamente acontece corrobora os depoimentos prestados por Gláucia e Salvador, quanto ao cumprimento de horário, subordinação, não eventualidade e pessoalidade.
Neste aspecto, cumpre esclarecer que, normalmente, o corretor que está de plantão capta clientes ou imóveis e, em função disto, já terá parte da sua comissão garantida no caso de venda. Os demais corretores poderão também ganhar parte da comissão se auxiliarem na venda do imóvel, ou seja: se o cliente volta para ver o imóvel de sua preferência em determinado momento em que o corretor-captador (aquele que o atendeu inicialmente) está ocupado com outra venda, ele será atendido por um dos corretores que se encontre disponível naquele momento na empresa. Neste caso, efetuada a venda, este segundo corretor receberá uma participação proporcional na comissão auferida.
Veja-se que a hipótese não caracteriza ausência de pessoalidade, mas verdadeiro "trabalho em equipe" dentro de uma mesma empresa. Por óbvio, a reclamante não poderia se fazer substituir por outra pessoa qualquer, que não estivesse ligada à reclamada, até porque isto afrontaria o art. 20, I, II e VI da Lei 6.530/1978, e, não raro, facilitaria a captação de clientes e imóveis inscritos na reclamada por outros corretores e imobiliárias, gerando concorrência desleal com a empresa.
Assim, o simples fato da reclamante não poder participar do plantão de captação de novos clientes se chegasse após às 09h, no início de sua jornada, já constituía uma penalidade que a forçava a chegar à empresa no horário pré-determinado, sob pena de não auferir parte da sua renda. Frise-se: a captação constitui a parte mais fácil da renda dos corretores, haja vista que o atendimento de um cliente que coloque o seu imóvel para ser negociado na empresa ou que venha a comprar um imóvel já inclui o corretor no rateio da comissão do que for negociado, como captador do imóvel ou do cliente. Neste contexto, o documento de f. 71 juntado pela própria reclamada.
Sequer o fato do corretor poder ir embora a tarde auxilia a tese empresária, pois é óbvio que sendo comissionistas puros, se deixassem a empresa com freqüência não receberiam as comissões de vendas no final do mês. Então, como bem ressaltou a testemunha Salvador, "se o corretor quisesse ir embora a tarde, ficaria em sua responsabilidade".
O pagamento comissionado é uma das formas mais antigas de acelerar e incrementar a produção, forçando o empregado a trabalhar ao máximo. Relembre-se que esta prática era adotada nos temos de Taylor e somente foi abolida por Ford, quando da invenção da esteira de produção, eis que esta dava ao trabalho um ritmo próprio, impedindo o "tempo morto" ou "dos movimentos desnecessários" (esperas, tempo para saída do operário da linha de produção, para suas necessidades pessoais, conversas entre colegas, etc). Sem dúvida, o pagamento de comissões é uma antiga forma de dominação, praticada no taylorismo, que volta com toda energia: quebra a solidariedade entre os empregados, força a produção e o sobrelabor.
Dessarte, assiste-se na flexibilização do Direito do Trabalho, a volta da fragmentação do salário-fixo, através da participação de bônus, prêmio, salário produção, gratificação e comissões. Esta política salarial, amplamente aceita pela Jurisprudência, faz com que o empregado participe dos riscos do negócio: se produzir mais, ganha mais. Se não houver lucro, também o seu salário se deteriora.
Desta forma, constatada a pessoalidade, a habitualidade, a subordinação e a remuneração, bem como a ausência do registro da autora no CRECI, caracterizou-se o seu vínculo de emprego com a reclamada, acima de qualquer contrato que tenha sido firmado, em face do contrato realidade.
Nesse passo, dou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamante, para reconhecendo o seu vínculo de emprego com a reclamada, determinar o retorno dos autos à MM. Vara de origem para o julgamento do restante do mérito, como se entender de direito, ficando prejudicada a análise das demais matérias discutidas no recurso obreiro.


FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso do
reclamante; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para, reconhecendo o seu vínculo de emprego com a reclamada, determinar o retorno dos autos à MM. Vara de origem para o julgamento do restante do mérito, como se entender de direito.


Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2008.


JOSÉ MARLON DE FREITAS
RELATOR

:: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

quarta-feira, fevereiro 20, 2008

ECA. Hospedagem de menor em hotel ou estabelecimento congênere. Multa. Cabimento. :: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

ECA. Hospedagem de menor em hotel ou estabelecimento congênere. Multa. Cabimento.

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul - TJRS.


Apelação cível. ECA. Hospedagem de menor em hotel ou estabelecimento congênere. Multa. Cabimento.


Comprovada a hospedagem de adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, em hotel, havendo inclusive indícios de exploração sexual de menor, é de rigor a fixação da multa, que vai mantida integralmente porquanto não há comprovação da alegada miserabilidade de apelante.


NEGARAM PROVIMENTO.
Apelação Cível
Oitava Câmara Cível
Nº 70022109987
Comarca de Porto Alegre
APELANTE: O.P.P.
APELADO: M.P.


ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. CLAUDIR FIDÉLIS FACCENDA E DES. JOSÉ ATAÍDES SIQUEIRA TRINDADE.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2007.
DES. RUI PORTANOVA,
Relator.


RELATÓRIO
Des. Rui Portanova (RELATOR)
Apelação interposta por OSWALDO contra sentença que julgou procedente a representação que lhe foi oferecida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, aplicando-lhe a multa de 20 salários mínimos, que será revertida ao Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.
O apelante pede a improcedência da representação, ou a redução do valor da multa.
Vieram contra-razões pela manutenção da sentença.
O Ministério Público manifesta-se pelo improvimento do recurso.
Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.
É o relatório.


VOTOS
Des. Rui Portanova (RELATOR)
Alegou o apelante que não permitiu e nem permite a hospedagem de criança ou adolescente em seu hotel. Aduz que há ordem expressa no sentido de ser proibida a entrada de crianças e adolescentes no estabelecimento, havendo inclusive placa de advertência constando tal proibição.
Disse que os policiais teriam armado um flagrante. Afirma que não foi omisso e não agiu com dolo, bem como não foi conivente com seu empregado, que, no momento do fato, era o garantidor da situação.
Adoto como razões de decidir o bem lançado parecer da lavra do eminente Procurador de Justiça, Dr. Antonio Cezar Lima da Fonseca, verbis:
O recorrente não nega que em 03 de abril de 2003, por volta das 17 horas, no quarto de n. 03 do Hotel Marechal Floriano, localizado Rua Marechal Floriano, n. 573, Centro, nesta cidade, o adolescente M. S. S., com 13 anos de idade, esteve sob exploração sexual comercial (sic, fl. 03).
Pretende o apelante, em resumo, ver-se exonerado da multa que lhe foi aplicada, ou, alternativamente vê-la reduzida, sob o argumento de que não permite ou permitiu que crianças ou adolescentes hospedem-se em seu estabelecimento comercial, bem como não teria ele se omitido ou agido com dolo relativamente ao fato descrito na representação, cuja responsabilidade atribui ao seu funcionário, Anápio.
O recorrente é o proprietário do hotel onde ocorreram os fatos, de sorte que sua linha de argumentação não tem o condão de afastar-lhe a responsabilidade, consoante previsão do art. 250 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que constitui infração administrativa:
Art. 250. Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere.
Acerca do tema, ensina Wilson Donizeti Liberati(1) que o precitado dispositivo legal consiste em violação art. 82 do ECA, que proíbe a hospedagem de criança ou adolescente em hotel, motel, pensão ou estabelecimento congênere, salvo se autorizado ou acompanhado pelos pais ou responsável, cujos sujeitos ativos dessa infração são os proprietários ou dirigentes dos hotéis, motéis e pensões ou estabelecimentos que se destinam a hospedagem.
Ao seu turno, comentando o dispositivo legal em apreço, esclarecedora é a lição de José Luiz dos Reis: (2)
O disposto neste artigo faz com que o proprietário do estabelecimento se preocupe em agir em conformidade com o determinado na lei, pois sofrerá multa e, em caso de reincidência, poderá ser determinado o fechamento do estabelecimento por até 15 dias caso a criança ou adolescente seja hospedado sem as devidas medidas necessárias.
Essas disposições têm caráter intimidativo, pois agindo o proprietário de acordo com as mesmas, estará ele contribuindo para que não haja casos de violência em motéis (o estupro) e prevenindo a exploração física e moral (como exemplo, a prostituição).
Quando observadas essas determinações do artigo supra-referido, nota-se a preocupação do legislador em assegurar a integral proteção à criança e ao adolescente, fazendo com que os proprietários de hotel, pensão ou congênere não sejam negligentes quando da hospedagem, requerendo as formalidades necessárias.
Assim, a incidência da norma administrativa em exame não passa pela verificação do dolo ou da culpa do agente como sugere o recorrente, mas tão-somente pela voluntariedade da ação, tal como havia mencionado o juiz a quo na sentença das fls. 293/6 (autos em apenso).
E, na hipótese em exame, vê-se claramente que o apelante tenta atribuir a responsabilidade pelo ocorrido ao seu funcionário Anápio:
Como sabido, o empregado - ANÁPIO (que se encontrava no momento na portaria do hotel) tinha a OBRIGAÇÃO E O DEVER de não aceitar adolescentes no estabelecimento (como ele próprio confirma). NO MOMENTO DO FATO, ELE ERA O GARANTIDOR DA SITUAÇÃO. Pois, naquele momento era de sua responsabilidade a entrada de hóspedes e a proibição da hospedagem do menor. (sic,fl. 362).
Veja-se, nessas poucas linhas, que o próprio recorrente reconhece e tem perfeita ciência de sua responsabilidade quanto à entrada de hóspedes e a proibição de hospedagem de crianças e adolescentes no seu estabelecimento.
A tentativa de transferência desse dever de cuidado ao seu funcionário, o que não encontra razão de ser, porque se este de alguma forma descumpriu ou inobservou tais deveres, ainda assim, persiste a responsabilidade do proprietário, que foi negligente na escolha de seu subordinado, bem como não vigiou adequadamente o desempenho das tarefas e atividades que lhe atribuiu ou delegou.
Nessa esteira, as alegações do apelante no sentido de é impossível o proprietário do estabelecimento hoteleiro permanecer 24 horas na portaria (sic, fl. 362), não lhe socorrem, porque ele mesmo refere:....por isso possui empregados (remunerados), estes capacitados para função, orientados e sob as ordens do empregador. Os quais, diga-se, o representado confia suas ordens e obediência (sic, fl. 362).
Nesse contexto, só se pode concluir que o empregado do recorrente - Anápio - agiu porque estava sob as ordens e orientação do apelante, de sorte que a responsabilidade em enfoque permanece na esfera dos deveres e obrigações deste.
Quanto ao mais, não há nos autos nenhuma demonstração da condição modesta do apelado (sic, fl. 367) a ponto de lhe ser reduzida a multa aplicada - 20 SM - , que foi fixada com razoabilidade, já que quem praticar a conduta prevista no art. 250 do ECA, terá aplicada multa de dez a cinqüenta salários de referência. (3)
Enfim, se acolhermos o argumento recursal, raros os proprietários de hotéis que serão responsabilizados, uma vez que, nas grandes cidades, ditos proprietários não atendem pessoalmente seus estabelecimentos. Assim, o proprietário joga a responsabilidade sobre o empregado (como é o caso) e este poderá alegar que agiu "coagido e cumprindo ordens do proprietário".
Como se vê dos argumentos que fundamentam a presente decisão não há falar em violação do artigo 250 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tal como supõe a parte apelante, quando prequestiona tal dispositivo legal.
ANTE O EXPOSTO, nego provimento ao apelo.
Des. Claudir Fidélis Faccenda (REVISOR) - De acordo.
Des. José Ataídes Siqueira Trindade - De acordo.
DES. RUI PORTANOVA - Presidente - Apelação Cível nº 70022109987, Comarca de Porto Alegre: "NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: JOSE ANTONIO DALTOE CEZAR


Notas:
1 - LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 5ª ed. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 241. [Voltar]
2 - Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado : Comentários Jurídicos e sociais. Coordenador Munir Cury. 6. ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 817. [Voltar]
3 - Art. 250. Hospedar criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável ou sem autorização escrita destes, ou da autoridade judiciária, em hotel, pensão, motel ou congênere.
Pena - multa de dez a cinqüenta salários de referência; em caso de reincidência, a autoridade judiciária poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até quinze dias.

:: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Morrer sem pensar - Suicídio não premeditado dá direito a seguro de vida

Fonte: Consultor Jurídico


Morrer sem pensar
Suicídio não premeditado dá direito a seguro de vida

 

Por entender que o suicídio não foi premeditado, a 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Goiás, por unanimidade, condenou a Itaú Previdência e Seguros S.A. a pagar indenização à beneficiário de um segurado que se matou.

 

A decisão seguiu o voto do relator, desembargador João Waldeck Félix de Sousa, e manteve sentença da 7ª Vara de Família, Sucessões e Cível de Goiânia. Em primeira instância, a Justiça mandou que fossem pagos R$ 90.264,70 referentes ao capital segurado, mais R$ 3 mil para auxílio funeral, corrigidos pelo IGPM e com juros moratórios de 1% ao mês a partir da citação.

 

No entendimento do relator, as informações dos autos demonstram que o suicídio não foi premeditado. Para a Justiça ficou evidente que o segurado teve um ato insano, depois de discutir com sua amante e tirou a própria vida ingerindo veneno à base de carbonato, sem ter tido tempo de adotar tal comportamento com antecedência.

 

Ao recorrer no TJ - GO, a seguradora argumentou que o suicídio ocorreu num tempo menor de três meses após a assinatura do contrato. A seguradora alegou que o artigo 798 do novo Código Civil estabelece que caso o segurado cometa suicídio nos dois primeiros anos de vigência do contrato não terá direito ao valor estipulado no seguro de vida.

 

No entanto, o juiz afirmou na decisão que “as inovações trazidas pelo referido artigo” não excluem “a análise de premeditação do suicídio”. O juiz ressaltou em sua decisão, que o não pagamento da indenização só se justificaria se a seguradora comprovasse que o suicídio foi premeditado.

 

Ementa

Apelação Cível. Ação Ordinária de Cobrança. Seguro de Vida. Suicídio Não Premeditado. Comprovação. Indenização. Sinistro Ocorrido Antes de 2 Anos de Vigência do Contrato. Artigo 798 CC/02.

 

- O elemento temporal implementado no artigo 798 do Novo Código Civil não exclui a análise do suicídio premeditado. Apenas se inverte o ônus da prova em favor da seguradora, devendo os beneficiados comprovarem que a auto eliminação do segurado não fora previamente idealizada, se ocorrida anteriormente ao prazo de dois anos de vigência contratual. Exegese materializada na Súmula 187 da III Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal.

- O raciocínio oposto também é válido. Ou seja, mesmo transcorridos os dois anos definidos no artigo 798, improcede o pagamento da indenização se a seguradora demonstrar que o suicídio foi projetado com antecedência, em estrito respeito à boa-fé contratual".

Apelação Cível 113.323-7/188 (2007.02561503), de Goiânia. Acórdão do último dia 4.

 

Revista Consultor Jurídico, 11 de dezembro de 2007


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Consultor Jurídico

quarta-feira, novembro 21, 2007

Dever de indenizar

Fonte: Consultor Jurídico


Dever de indenizar

Leia decisão do STJ que pune banco por discriminação

 

por Maria Fernanda Erdelyi

 

Discriminação é motivo suficiente para gerar indenização por danos morais. O entendimento é da ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a condenação do Banco do Brasil. Motivo: discriminação a dois rapazes negros dentro de uma das agências do banco. Diante de “conduta suspeita” dos rapazes, seguranças chamaram a Polícia Militar, que determinou, de forma “desrespeitosa e desnecessária”, que os dois se retirassem da agência. Cada um deles deverá receber R$ 20 mil de indenização. A decisão foi monocrática.

 

A ministra manteve a condenação imposta pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso. O TJ-MT, por sua vez, já tinha confirmado sentença de primeira instância. A segunda instância apenas reduziu o valor da indenização de R$ 50 mil para R$ 20 mil a cada um dos rapazes. “Da leitura atenta do acórdão, verifica-se que este reconheceu, na origem dos fatos discutidos, a ocorrência de intolerável discriminação racial”, afirmou a ministra.

 

De acordo com o processo, os dois rapazes estavam numa das agências do banco quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores começaram a reabastecer os caixas eletrônicos. Os seguranças teriam suspeitado da presença dos dois. Em seguida, chamaram a Polícia Militar que mandou eles saírem da agência.

 

Em sua defesa, o banco alegou que o ato, supostamente ofensivo, foi praticado pelos policiais, agentes estatais. Assim, seria parte ilegítima para responder a ação. O Banco do Brasil alegou, também, que os rapazes fizeram gestos um para o outro quando os malotes de dinheiro foram trazidos para dentro da agência, fato determinante da desconfiança dos seguranças. Por fim, argumentou que o acontecimento não teve nenhuma relação com a cor da pele dos dois rapazes.

 

“Os policiais, de acordo com o entendimento soberano das instâncias ordinárias, agiram em face de provocação de prepostos do banco, e não por iniciativa própria, e é este o fator indicativo da necessidade de compensar o dano”, ressaltou a ministra.

 

Sobre a quantia da indenização, a ministra valeu-se de precedente do ministro aposentado Sálvio de Figueiredo para mantê-la. “Se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da agravada e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida”.


Leia a íntegra da decisão:

RECURSO ESPECIAL nº 822943 - MT (2006/0040489-6)

RELATORA: MIN. NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE: BANCO DO BRASIL S/A

ADVOGADOS: MAGDA MONTENEGRO

JORGE ELIAS NEHME E OUTRO(S)

RECORRIDO: DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO

ADVOGADO: JOÃO BATISTA SULZBACHER E OUTRO(S)

 

EMENTA

Civil. Recurso especial. Ação de compensação por danos morais. Consumidores que são retirados de agência bancária pela polícia, após terem sido indicados como suspeitos por prepostos do banco. Discriminação racial reconhecida pelo acórdão recorrido. Procedência do pedido. Alegação de ilegitimidade passiva e exercício regular de direito. Questões dependentes da adoção de panorama probatório diverso daquele reconhecido pelas instâncias ordinárias.

- Não se conhece de recurso especial que não ataca, especificadamente, os fundamentos da decisão recorrida.

- Não se conhece de recurso especial na parte em que este se encontra deficientemente fundamentado.

- È inviável o reexame probatório em recurso especial. Recurso especial ao qual se nega seguimento.

DECISÃO

Recurso especial interposto por BANCO DO BRASIL S/A, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/MT.

Ação: de compensação por danos morais, proposta por DÉLCIO FERNANDO MARTINS E OUTRO em desfavor de BANCO DO BRASIL S/A.

Segundo consta da inicial, os dois autores estavam no interior de uma agência do réu quando os seguranças de empresa terceirizada de transporte de valores iniciaram procedimento de reabastecimento dos caixas eletrônicos ali existentes. Ao entrarem na agência, tais seguranças teriam suspeitado da presença dos autores, apenas porque estes eram os únicos negros dentro do estabelecimento, e chamado a Polícia Militar, que, de forma desrespeitosa e desnecessária, determinou a ambos que deixassem as dependências da agência.

Em contestação, sustenta o réu que o ato alegadamente ofensivo foi praticado pelos agentes estatais, sendo portanto o banco parte ilegítima para a ação. No mérito, alega que a agência em questão havia sido assaltada dias antes com grande violência, e que os réus, na verdade, estariam fazendo gestos um para o outro quando os malotes de dinheiro foram trazidos ao interior da agência, fato esse determinante da desconfiança gerada nos seguranças da empresa de transporte. O acontecimento, portanto, nenhuma relação teria com a cor dos autores.

De qualquer forma, porém, o banco teria apenas agido em exercício regular de direito, qual seja, seu patrimônio, ao requisitar a presença de policiais em face de conduta suspeita.

Sentença: em julgamento antecipado da lide, o pedido foi julgado procedente para condenar o banco ao pagamento de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada um dos autores.

A preliminar levantada em contestação foi rejeitada, pois incontroverso que a polícia foi acionada por prepostos do banco; no mérito, entendeu patente a situação de humilhação sofrida, pois os autores foram rispidamente colocados para fora de agência lotada como se bandidos fossem.

Acórdão: deu parcial provimento ao recurso do ora recorrente, reduzindo o valor da indenização para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) para cada recorrido, em julgado assim ementado:

"APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PROCEDÊNCIA - INCONFORMISMO - PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - REJEITADA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - ADEQUAÇÃO OPERADA - RECURSO PROVIDO EM PARTE.

Havendo o causador do dano agido por determinação ou com o consentimento dos prepostos do estabelecimento bancário, inconcebível falar-se na ilegitimidade ad causam deste para compor o pólo passivo da ação.

Mostrando-se um tanto elevado o valor da indenização referente aos danos morais impingidos aos autores, cabe à instância superior, em grau de apelação, revê-lo e adequá-lo na medida das conseqüências reais do fato danoso." (fls. 148)

Embargos de declaração: rejeitados.

Recurso especial: alega-se:

a) violação ao art. 535, II, do CPC, em face de negativa de prestação jurisdicional;

b) violação ao art. 3º do CPC, porque o recorrente é parte passiva ilegítima;

c) violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC, ante a inexistência de ato ilícito e dano moral causado pelo ora recorrente e também em relação ao valor fixado a título de danos morais; e

d) divergência jurisprudencial quanto aos temas.

É o relatório.

a) Da negativa de prestação jurisdicional.

O sucesso dos embargos de declaração, mesmo quando interpostos para fins de prequestionamento, necessita da presença das hipóteses previstas no art. 535 do CPC, inexistentes na espécie.

Saliente-se que a adoção de tese diversa da pretendida pela parte não possibilita, por si só, a interposição de embargos de declaração e, mesmo quando manejados com o fito de obter o prequestionamento da matéria, os embargos de declaração devem ater-se às hipóteses previstas no art. 535 do CPC, o que não ocorreu na espécie.

Ademais, não há que se falar em omissão quando o Tribunal de origem discute a matéria, porquanto não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos da recorrente, quando fundamenta a decisão suficientemente para decidir de forma integral a controvérsia.

Na presente hipótese, os embargos foram interpostos visando a rediscussão do valor fixado a título compensatório, questão essa já devidamente tratada pelo acórdão - que, inclusive, reduziu o valor inicialmente estipulado pelo juízo.

b) Da alegação de violação ao art. 3º do CPC.

No ponto, sustenta o recorrente que: "(...) o fundamento para condenação foi a abordagem policial, que solicitou aos Recorridos que se retirassem da sala de auto-atendimento, onde aguardavam na fila para efetuar saque, no respectivo terminal eletrônico" (fls. 181). Dessa forma, o dano - se realmente existisse, o que não se admitiu - teria sido causado pelos policiais apenas.

Contudo, o acórdão recorrido, na esteira da sentença, entendeu que tal alegação "(...) carece totalmente de razão, simplesmente porque os referidos policiais agiram acionados pelos prepostos do banco, ora recorrente, e não por conta própria daqueles" (fls. 150).

Verifica-se, portanto, que a suposta razão da ofensa ao art. 3º do CPC apenas tangencia o fundamento do acórdão. A obrigação de compensar o dano por parte do banco não se fundou particularmente na eventual brutalidade dos policiais, mas no fato de que os recorridos foram apontados como suspeitos, por motivo que adiante se verá, por prepostos do banco.

Esse ponto é essencial para a correta compreensão da controvérsia e tem reflexos, também, na alegada violação aos arts. 159 e 160, I, do CC/16, a seguir analisada. Por ora, resta ver que não houve impugnação precisa dos fundamentos da decisão recorrida, porque a ilegitimidade decorreria, apenas, se ficasse demonstrado que não houve indicação dos autores aos policiais por parte de 'preposto' - sendo de se salientar, inclusive, que a interpretação dessa expressão, no contexto do presente processo, é bastante ampla, abarcando não só os empregados diretos do banco mas os agentes de segurança da empresa contratada para transporte de valores, como é corolário do conceito de 'cadeia de fornecimento' aplicável à hipótese, quanto aos danos causados aos consumidores.

O recurso especial não só é omisso não só quanto a tal discussão - de natureza jurídica - mas também deixa de veicular violação ao art. 330 do CPC, em face do julgamento antecipado da lide, realizado sem que nenhuma prova tivesse sido coligida aos autos, como reconheceu o próprio i. Des. Vogal, ao afirmar, literalmente, que "houve um pecado capital nesse processo, no momento em que o juiz de primeiro grau julgou antecipadamente a lide. (...) A matéria de ilegitimidade passiva, nos moldes em que foi suscitada, obrigatoriamente teria que se fazer a instrução para avaliar a extensão do ato" (fls. 150).

Como não houve irresignação em face do julgamento do processo no estado em que este se encontrava, deduz-se o conformismo do banco com a interpretação fornecida pelo TJ/MT a respeito dos fatos, e é com base nestes que se afasta a presente irresignação, por incidência das Súmulas nº 283 e 284/STF.

c) Da violação ao art. 159, 160, I, do CC/16, 4º e 5º da LICC.

O recorrente sustenta que "não poderia (...) impedir que a polícia (...) procedesse da forma como bem entendesse, diante da suspeita, sob pena de interferir na atividade administrativa" (fls. 186).

Tal questão, na verdade, fica resolvida pelo quanto disposto supra acerca da alegação de ilegitimidade passiva. Os policiais, de acordo com o entendimento soberano das instâncias ordinárias, agiram em face de provocação de prepostos do banco, e não por iniciativa própria, e é este o fator indicativo da necessidade de compensar o dano.

Sustenta-se, ainda, ocorrência de exercício regular de direito, pois ao banco cabe a prerrogativa legal de defender seu patrimônio.

Tal questão, no contexto do presente processo, assumiria uma dimensão relevantíssima se pudesse ser analisada. Com efeito, caberia discutir, então, a relação entre direito de propriedade e direito à honra, para que fosse possível definir se a defesa do patrimônio teria ocorrido ou não com ofensa a direitos individuais de outrem.

Contudo, da forma como trazido o Especial, a discussão não prospera. Da leitura atenta do acórdão, verifica-se que este reconheceu, na origem dos fatos discutidos, a ocorrência de intolerável discriminação racial. Assim está redigido o trecho de relevo:

"Não resta a menor dúvida que os prepostos do Banco-APTE, ao determinar ou mesmo consentir que os policiais militares revistassem qualquer usuário daquela agência que lhes parecessem suspeito, não agiram com a cautela necessária a fim de evitar a prática de abusos dessa natureza, e o mais grave, eivado de preconceito racial, conforme se vê das provas carreadas aos autos" (fls. 157 - sem grifos no original).

Assim, o acórdão recorrido, em resumo, admitiu que: i) os prepostos do banco solicitaram a presença dos policiais por desconfiarem dos autores; e ii) a desconfiança tinha fundamento exclusivo na cor da pele destes.

O julgamento antecipado da lide impediu que fosse realizada prova de forma a demonstrar que o fundamento para a suspeita não seria aquele indicado pelo acórdão, mas a circunstância - alegada desde a contestação pelo banco - de que os autores se comunicavam por sinais enquanto ocorria o transporte dos malotes de dinheiro.

A comprovação dessa circunstância seria capaz, em tese, de ilidir a conclusão do acórdão e trazer para o centro da controvérsia a questão colocada pelo recorrente em recurso especial - qual seja, o eventual confronto entre proteção ao patrimônio e proteção à honra.

Contudo, mais uma vez, salienta-se que a opção do juízo pelo julgamento antecipado da lide não foi questionado pelo ora recorrente. Assim, não há outra possibilidade a não ser reconhecer a ocorrência de discriminação racial na conduta dos prepostos do banco; e, a partir dessa premissa, torna-se inviável a discussão a respeito de eventual direito de defesa do patrimônio, pois o fundamento da condenação é matéria totalmente estranha a tal argumento.

O dissídio jurisprudencial alegado não existe, pelas mesmas razões. O acórdão recorrido está fundado na necessidade de reparar ato de discriminação racial, enquanto que o suposto paradigma faz menção expressa a dois fatos que não se verificam na presente hipótese: conduta dos policiais conduzida inteiramente por estes, sem ingerência de prepostos, e fundada suspeita, não decorrente da cor da pele do ofendido, quanto à sua conduta.

Aplicam-se, novamente, as Súmulas nº 283 e 284/STF.

c) Do valor compensatório aos danos morais.

Nas hipóteses em que as razões do recurso especial dirigem-se à irresignação dos recorrentes com o valor arbitrado a título de indenização por dano moral, o STJ tem afastado o óbice da Súmula nº 7 apenas quando o valor fixado destoa daqueles adotados em outros julgados ou revela-se irrisório ou exagerado, de modo a não atender ao espírito que norteou o legislador na redação do referido dispositivo legal – assegurar ao lesado a justa reparação pelos danos sofridos, sem, no entanto, incorrer em seu enriquecimento sem causa.

Verifica-se que certa elasticidade na determinação do valor é de ser autorizada, sob pena de se criar uma indevida 'tarifação' do quantum, em total desacordo com a própria natureza do direito material envolvido. Afinal, como decidido no Resp nº 663.196/PR, de minha relatoria, a reparação da lesão moral não pode, pela sua própria essência, ficar adstrita a padrões apriorísticos de julgamento.

Conforme afirmado pelo i. Min. Ruy Rosado de Aguiar em Voto-vogal no Resp nº 269.407/RJ, "(...) a intervenção do Superior Tribunal de Justiça há de se dar quando há o abuso, o absurdo: indenizações de um milhão, de dois milhões, de cinco milhões, como temos visto; não é o caso. Aqui, ficaríamos entre quinhentos, trezentos e cinqüenta, duzentos, duzentos e cinqüenta, cem reais a mais, cem salários a menos. Não é, portanto, um caso de abuso na fixação, é uma discrepância na avaliação. Temos que ponderar até que ponto o Superior Tribunal de Justiça deve interferir na fixação de um valor de dano moral, que é matéria de fato, para fazer uma composição mais ou menos adequada. Não sendo abusiva ou iníqua a opção do tribunal local, não se justificaria a intervenção deste Tribunal".

Assim, se o arbitramento do valor da compensação por danos morais foi realizado com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível sócio-econômico da agravada e, ainda, ao porte econômico do recorrente, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, fazendo uso de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, o STJ tem por coerente a prestação jurisdicional fornecida (RESP 259.816/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 27/11/2000).

Forte em tais razões, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial.

 

Publique-se. Intimem-se.

Brasília (DF), 02 de outubro de 2007.

 

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora


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Revista Consultor Jurídico, 28 de outubro de 2007

 


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