Aspectos Legais da Gestão Eletrônica de Documentos
Atualmente, tem sido motivo de grande preocupação das empresas a gestão da documentação física e eletrônica, com objetivos de proteção de conhecimento, segurança da informação bem como para garantir a guarda da prova legal necessária em situações de auditoria ou contencioso.
Apesar da rotina dos negócios já envolver uma série de relações não presenciais, que geram obrigações e responsabilidades através do uso de tecnologia e meios eletrônicos de comunicação, que inclui a troca de mensagens entre executivos, revisão de minutas de contrato com validação e aprovação do documento final tudo por email, são poucas as empresas que possuem uma política claramente definida, ficando muitas vezes a critério dos usuários, ou seja, funcionários de todos os perfis e níveis hierárquicos, a decisão individual sobre o que guardar, como, por quanto tempo, de email à documentos digitais confidenciais.
O que a fazer se houver uma ordem judicial que exija a apresentação de determinada evidência que estaria em uma caixa postal de email e a empresa não tiver mais os dados? Para muitos ainda paira a dúvida se um email pode ser considerado um documento, uma prova. No Direito Brasileiro, a definição de documento pode ser compreendido como um instrumento de registro de um fato, seja em suporte físico ou eletrônico (onde a seqüência de bits pode ser traduzida por um programa de computador e representar um fato).
Segundo o Decreto Italiano nº 513/97, documento eletrônico é “a representação eletrônica (ou digital) de atos, fatos ou dados juridicamente relevantes”. Na mesma direção, a Portaria do Ministério da Fazenda nº 528/96, de 02 de setembro de 1996, publicada no D.O.U. em 10/10/96, que regulamentou o Sistema Setorial de Gestão de Documentação e Informações – SGDI, do Ministério da Fazenda, dispõe que “compreende-se por documento, qualquer que seja o suporte utilizado, o conjunto de informações que registre o conhecimento humano, de forma que possa ser utilizado como elemento de consulta, estudo e prova.”
Ressalte-se que quando falamos de prova eletrônica, o planejamento deve envolver também a guarda de logs e metadados que demonstrem autoria do documento bem como a preservação de sua integridade. No que tange a definição de “originalidade” de um documento, estes dois elementos – autoria e integridade – são fundamentais para que a prova seja forte, ou seja, dificilmente repudiável. A este processo de análise e elaboração da arquitetura legal da informação gerada, manuseada e eliminada pela empresa, chama-se “Legal Storage Plan”.
Para iniciar, é recomendável que a seja feita uma avaliação sobre grau atual de segurança jurídica do processo de gestão de documentos (físicos e eletrônicos) na empresa, considerando os seguintes cenários: Cenário 01: documento original físico ► guarda física; Cenário 02: documento original físico ► guarda digitalizado; Cenário 03: documento original digital ► guarda eletrônica; Cenário 04 documento original digital ► guarda física.
Para cada um dos cenários deve ser verificado se a forma de guarda do documento permite a preservação de suas características de original, ou seja, de perícia da manifestação de vontade. Além disso, é juridicamente possível a conversão dos suportes supra indicados, observadas algumas formalidades para preservação da validade jurídica, como já acontece com o anacrônico sistema de microfilmagem, expressamente previsto pela Lei Federal nº 5.433, de 8 de maio de 1968.
Na mesma linha, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a atribuição de maior força probante aos documentos eletrônicos em razão da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24 de agosto de 2001 que institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira (IPC-Brasil), viabilizando a utilização de ferramentas derivadas da certificação digital. Referido instrumento tem força de lei, conforme disposição contida na Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.
Independente da solução a ser adotada, o importante é que as empresas não podem mais negligenciar a gestão documental de seus negócios, em uma realidade mais complexa que exige planejamento e guarda adequada das provas jurídicas eletrônicas. Para tanto, a padronização através de uma norma é o mais recomendável, e a partir da mesma a implementação de algumas medidas, processos e tecnologias que permitam garantir a eficácia da mesma, devendo o “legal storage plan” estar alinhado com a seguinte legislação nacional e melhores práticas de mercado:
Quadro resumo da legislação aplicável
• Constituição Federal de 1988, em especial o artigo 5º, incisos IV, V, X, XII, XIV;
• Código Civil, artigos 186, 187, 217, 219, 225 e livro “Das Obrigações”;
• Código de Processo Civil, nos artigos 131, 332, 334, 368, 389;
• Código Penal, em especial em seus artigos 153, 155, 163, 184, 299, 307;
• Código de Processo Penal, artigos 231 e 232;
• Código de Defesa do Consumidor, artigos 12 e 14;
• Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), arts. 2º, 3º, 482, outros;
• Lei Federal nº 9.262/96 (Lei de Interceptação);
• Lei Federal nº 973/1903 (registro de títulos e documentos);
• Lei Federal nº 5.433/1968 (microfilmagem);
• Lei Federal nº 6.015/1973 (registros públicos), Art. 127, inc. I e Arts. 142 e 161;
• Lei Federal nº 8.935/94 (serviços notariais e de registro), Arts. 1º, 3º, 6º, 7º, 41;
• Medida Provisória nº 2.200-2/2001 (infra-estrutura de chaves públicas);
• Resolução nº 1002/02 do CONFEA (Código de Ética Profissional);
• Lei Modelo da UNCITRAL nos artigos 6º, 7º, 8º;
• ISO/IEC 18044 – Gestão de Incidente de Segurança da Informação;
• ISO/IEC 27001 – Sistema de Gestão de Segurança da Informação;
• ISO/IEC 27002 – Código de Prática para a Gestão da Segurança da Informação (antiga ISO/IEC 17799);
• ISO/IEC 31000 – Gestão de Riscos;
• Demais normas relacionadas, com destaque para o cumprimento de normas técnicas, regulamento profissional e outras de ordem administrativa.
Dra. Patricia Peck Pinheiro, advogada especialista em Direito Digital, sócia fundadora da PPP Advogados, autora do livro “Direito Digital” publicado pela Editora Saraiva. (www.pppadvogados.com.br)
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Publicado: Dra. Patricia Peck
PPP - Patricia Peck Pinheiro Advogados