15-08-2007
Videoconferência fere direito de defesa, decide STF
Direito do acusado
por Maria Fernanda Erdelyi
O interrogatório por videoconferência viola os princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa. Com este entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou, por unanimidade, o processo e a condenação por causa do interrogatório feito por videoconferência. A ação vai retornar a origem para novo processamento com interrogatório ao vivo e a cores. O réu deve ser novamente processado.
“Quando se impede o regular exercício da autodefesa, por obra da adoção de procedimento sequer previsto em lei, tem-se agravada restrição à defesa penal”, afirmou o ministro Cezar Peluso, relator do caso.
A 2ª Turma concedeu Habeas Corpus para Márcio Fernandes de Souza. Ele foi condenado a 14 anos de prisão pelo crime de extorsão mediante seqüestro pela 30a Vara Criminal do Foro Central de São Paulo. Preso em flagrante delito, respondeu preso ao processo.
De acordo com a defesa, sem citação alguma, foi apresentado, no dia 4 de outubro de 2002, para ser interrogado na sala de teleaudiência do Centro de Detenção Provisória Chácara Belém I, onde estava detido. O caso foi parar no Supremo, que anulou a condenação.
Em outra decisão, tomada este ano, a ministra Ellen Gracie entendeu que interrogar um réu por meio de videoconferência não ofende suas garantias constitucionais. Ela negou liminar para Marcos José de Souza. Ele queria a anulação do interrogatório feito por esse sistema. Não conseguiu. O pedido de Habeas Corpus foi apresentado contra decisão do Superior Tribunal de Justiça.
O fundamento
“Não existe, em nosso ordenamento, previsão legal para realização de interrogatório por videoconferência. E, suposto a houvesse, a decisão de fazê-lo não poderia deixar de ser suficientemente motivada, com demonstração plena da sua excepcional necessidade no caso concreto”, ressaltou o relator. Para Peluso, o interrogatório por videoconferência é nulo porque agride o direito do acusado de estar perante o juiz.
O ministro lembrou, em seu voto, que o interrogatório por videoconferência é defendido sob a bandeira da celeridade, da redução de custos e da segurança que adviriam de sua prática. Segundo o ministro, estes supostos benefícios não se justificam em detrimento de garantias fundamentais. “Não posso deixar de advertir que, quando a política criminal é promovida à custa de redução das garantias individuais, se condena ao fracasso mais retumbante”, ressaltou.
Para Peluso, o sistema eletrônico poderia ser usado sem disciplina específica, se não fora, o interrogatório, “ato de tamanha importância à defesa, cuja plenitude é assegurada pela Constituição da República (art. 5o, inc. LV)”.
Lei o voto do ministro Cezar Peluso
SEGUNDA TURMA
HABEAS CORPUS 88.914-0 SÃO PAULO
RELATOR: MIN. CEZAR PELUSO
PACIENTE(S): MÁRCIO FERNANDES DE SOUZA
IMPETRANTE(S): PGE-SP - PATRÍCIA HELENA MASSA ARZABE (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)
COATOR(A/S)(ES): SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de MÁRCIO FERNANDES DE SOUZA, contra decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça que lhe indeferiu idêntico pedido de writ.
O paciente foi processado, perante a 30a Vara Criminal do Foro Central da comarca da Capital/SP, pela prática dos delitos previstos no art. 159, caput, 157, § 2o, incs. I e II, e 329, todos do Código Penal, tendo sido absolvido desta última imputação, mas condenado à pena de 14 (quatorze) anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, para cumprimento integral em regime fechado, pelo delito de extorsão mediante seqüestro, e execução inicial em regime fechado, quanto aos dois roubos.
Colhido em flagrante delito, respondeu preso ao processo. Sem que fosse citado, nem sequer requisitado, em tempo razoável, para preparar a autodefesa, foi apresentado, no dia 04 de outubro de 2002, para ser interrogado na sala de teleaudiência do Centro de Detenção Provisória Chácara Belém I, onde estava recolhido (fls. 25). Lá, “teve acesso a canal de áudio para comunicação com seu advogado na sala de audiências do juízo, se lá presente, sem prejuízo de entrevista com o (a) que lhe assiste neste presídio” (fls. 25).
Consta que, “preliminarmente, o (a) MM. Juiz(a) de Direito deliberou a realização da audiência pelo sistema de telaudiência. Na sala de audiências do Juízo há equipamento eletrônico para realização de atos processuais orais por esse sistema, estando o réu em sala semelhante no presídio em que recolhido, assistido por advogado. Consiste ele na viabilidade técnica para realização de audiência a distância, garantidas a visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu Defensor e facultada a gravação em ‘compact disc’, a ser anexado aos autos para consulta posterior (se disponível o equipamento). Na sala especial do estabelecimento prisional referido foi(ram) apresentado(a,s) réu(ré, s) MARCIO FERNANDES DE SOUZA, com imagem, escuta e canal de áudio reservado à sua disposição para comunicar-se com seu Defensor(es), assistido pelo(a) advogado(a) da FUNAP, para garantia da livre manifestação de vontade do interrogando, conforme registro lá efetuado e remetido ao Juízo por meio eletrônico. O(a) advogado(a) presente assina também este termo como fiscalizador da fidelidade do registro do interrogatório” (fls. 26).
Dessa explicação do mecanismo adotado não constaram as razões de sua adoção.
Porque o paciente respondeu que não tinha condições para constituir defensor, o magistrado nomeou, para defendê-lo, “os Drs. Defensores da PAJ, em exercício nesta Vara, que funcionarão como curadores, tendo em vista ser o réu menor de idade” (fls. 27).
O procurador, todavia, não participou do ato, tendo funcionado como advogado ad hoc o Dr. João Baptista da Rocha Croce Júnior (fls. 27). Já por ocasião da defesa prévia, o Procurador do Estado nomeado pugnou pela nulidade do interrogatório realizado por teleaudiência (fls. 30), requerendo fosse o paciente novamente interrogado, agora na presença do magistrado.
O pedido foi indeferido (fls. 31-36), tendo o juízo sustentado a legalidade do ato, sob argumento de que “o modelo não fere as leis processuais e garantias das partes” (fls. 32), porque “o sistema não altera o procedimento processual penal, porque realizado no curso de devido processo penal previsto na Constituição da República e nas leis processuais penais (não cria procedimento, pois os atos processuais realizados estão previstos no Código de Processo Penal)” (fls. 32); “a presença do réu em Juízo é garantida, como, aliás, prevista na lei, observada, apenas, a evolução tecnológica” (fls. 33), e, “ao argumento de ser fundamental a presença física do réu perante o Juiz para análise das reações durante o interrogatório, a objeção se faz por cuidar-se de posicionamento conservador, alheio à evolução tecnológica da sociedade em melhorar a eficácia na realização de importante serviço público: prestação jurisdicional” (fls. 34).
Ao fim, foi o paciente condenado, mas a defesa apelou da sentença e, em preliminar, argüiu a nulidade do feito, em razão da realização do interrogatório por videoconferência. O extinto Tribunal de Alçada Criminal, todavia, afastou a preliminar (fls. 51-66). Transcrevo, a respeito, parte do voto do Des. FERRAZ DE ARRUDA, relator do recurso:
“A preliminar: interrogatório por meio eletrônico audiovisual é ilegal?
O interrogatório é reconhecido pela doutrina e jurisprudência como meio de defesa e de prova, significando dizer que enquanto meio de defesa caracteriza-se como as alegações do réu que possam excluir o crime ou afastar a autoria e funcionar como elemento para a minoração da pena; enquanto meio de prova funciona como comprovação do fato, mas sempre contra o réu, como por exemplo, confissão, contradições, respostas evasivas ou duvidosas.
Note-se, portanto, que o eventual álibi apresentado pelo réu em seu interrogatório é apenas elemento de defesa e não prova, proquanto (sic) a prova do álibi deverá ser feita no correr da instrução, ou seja, o réu deverá comprovar o álibi alegado.
No que tange à prova, é manifesto que o interrogatório servirá apenas como prova, ainda sim relativa, quando o réu prestar declarações que o incriminam.
Nesse passo, é de se reconhecer que o interrogatório é uma peça, enquanto elemento de prova, muito mais útil à acusação do que ao réu, já que as alegações de defesa deveriam ser comprovadas no correr da instrução.
O argumento de que contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aquilatar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica.
Em vinte anos de carreira não li e nem decidi um processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos, do Código de Processo Penal.
Vamos dar dois exemplos:
1o) O juiz condena o réu porque sentiu um certo cinismo de sua parte ao lhe responder as perguntas, inclusive por trazer sempre presente, no canto esquerdo da boca, um leve sorrido (sic) irônico. O juiz pode colocar este seu sentir subjetivo na sentença como elemento de prova contra o réu?
2o) O juiz absolve o réu porque este se mostrou choroso e sorumbático no interrogatório. O juiz pode se fundamentar nessas impressões pessoais para absolver o réu ou concluir qualquer outra coisa em favor deste?
Por outro lado, o juiz experiente e atento, quando do interrogatório do réu, o coloca sempre de costas para o advogado e para o promotor de justiça de modo a evitar qualquer interferência ou pressão por parte destes profissionais.
Ora, o interrogatório do réu é importante no processo penal, mas não é elemento indispensável porque senão não teríamos o julgamento à revelia. Além do mais, ele pode ser repetido a qualquer tempo no processo.
O último argumento contra o interrogatório por vídeo-conferência seria a possibilidade de o réu se sujeitar a eventual pressão externa. Essa pressão pode ser feita ainda que na presença do juiz, por meio de uma antecedente ameaça. O que não se pode deixar de considerar é a diferença entre o ato do interrogatório e o meio pelo qual o mesmo se realiza.
É evidente que o meio televisivo do interrogatório não serviria ao fim processual se o mesmo fosse inidôneo em termos de segurança do réu. Ele é meio inidôneo? É claro que não. Pelo contrário, é muito mais favorável ao réu do que ao próprio ato de transcrição das suas respostas no auto do interrogatório. Quem garante que a escrevente transcreveu exatamente o que o réu respondeu? Não nos percamos em inutilidades ideológicas como esta sob o falso e hipócrita argumento de que o réu tem de ser interrogado vis a vis com o juiz.
Eu poderia escrever neste voto mil e uma inseguranças a respeito de um julgamento feito através do processo escrito, ou oral, tanto faz, até o ponto de demonstrar a impossibilidade filosófica de se punir alguém por alguma coisa que tenha feito contra a lei: portanto, é tempo de dizer para esses pseudo-intelectuais, heróis contemporâneos da ideologização de tudo, que se continuarem a insistir nessas teses incorpóreas, doces e nefelibatas, teremos que simplesmente fechar a justiça forense.
O sistema de teleaudiência utilizado no interrogatório do réu deve ser aceito à medida que foram garantidas visão, audição, comunicação reservada entre o réu e seu defensor e facultada, ainda, a gravação em Compact Disc, que foi posteriormente anexado aos autos para eventual consulta. Afinal, o réu teve condições de dialogar com o julgador, o qual podia ser visto e ouvido, além de poder conversar com seu defensor em canal de áudio reservado, tudo isso assistido por advogado da Funap.
O meio eletrônico utilizado vem em benefício do próprio réu à medida que agiliza o procedimento. O contato com as pessoas presentes ao ato (Juiz, Promotor, Advogado, depoentes, etc.) se dá em tempo real de modo que se pode perfeitamente aferir as reações e expressões faciais dos envolvidos.
Ademais, nulidades só devem ser decretadas quando vislumbrado prejuízo, independentemente de haver sido utilizado meio eletrônico ou não para a consecução do ato processual. No caso em tela, não houve comprovação de efetivo prejuízo à atividade defensória, motivo pelo qual eventual invalidação do interrogatório não possuiria justificativa” (fls. 53-59).
Diante do acórdão, foi impetrado habeas corpus ao Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem, nos termos desta síntese:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. NULIDADE. INTERROGATÓRIO. VIDEOCONFERÊNCIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. PREJUÍZO NÃO DEMOSTRADO.
O interrogatório realizado por videoconferência, em tempo real, não viola o princípio do devido processo legal e seus consectários.
Para que seja declarada nulidade do ato, mister a demonstração do prejuízo nos termos do art. 563 do Código de Processo Penal.
Ordem DENEGADA” (fls. 79).
Alega agora a impetrante que é manifesto o prejuízo decorrente do interrogatório realizado por teleconferência (fls. 04): “o prejuízo advindo ao paciente é mais do que evidente: foi colhido de surpresa para o ato de autodefesa, sem prévio contato e orientação do defensor nomeado para defendê-lo em seu processo judicial, sem nenhum contato com os autos, enfim, viu-se transformado de sujeito em mero objeto do processo” (fls. 05). Ademais, o paciente não pode entrevistar-se com o defensor, como lhe garante o art. 7o, inc. III, da Lei nº 8.906/94. Invoca violação ao direito de presença, corolário da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, e requer seja reconhecida a nulidade do processo a partir do interrogatório.
A Procuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem, nos seguintes termos:
“1.O tema versado na presente pretensão liberatória, titulada pela Procuradoria da Assistência Judiciária diz com a ilegalidade no mecanismo de interrogatório judicial do réu por videconferência.
2. Questiona-se, assim, julgado da 6a Turma do Superior Tribunal de Justiça [...].
3. Toda a questão radica em saber-se se a presença física do acusado, ante o magistrado, insere-se no princípio da ampla defesa.
4. Creio bem pontuada a controvérsia no seguinte trecho do voto do Il. Min. Paulo Medina, verbis:
‘Ressalte-se ainda que embora o impetrante insurja contra o meio pelo qual o interrogatório foi realizado – videoconferência – o ato processual em si, apresenta-se conforme as normas do processo.
O interrogatório ocorreu da seguinte forma:
De início reservou-se o direito ao acusado de entrevistar-se com Defensor. Logo após, o Magistrado deu início à primeira fase do interrogatório, qual seja, qualificação do réu.
Superada esta fase, e antes de perquirir os fatos imputados ao acusado, foi observado o direito de permanecer em silêncio.
O acusado, ora paciente, negou a autoria do delito, deu sua versão aos fatos e não há nos autos qualquer notícia de constrangimento sofrido por ocasião daquele ato (fls. 13-17/STJ).
Com isso, o juiz da causa oportunizou o direito de autodefesa, exercido em sua amplitude, inclusive com auxílio de Defesa Técnica.
Por fim, considerando que a finalidade do ato foi atingida, não há nulidade a declarar, de modo a preservar o tele-interrogatório.
Portanto, inexiste nulidade no interrogatório vez que observados o princípio do devido processo legal e seus consectários e por não ter o paciente demonstrado o prejuízo.’ (vide: fls. 77).
5. Realmente, o Termo de Interrogatório do acusado, consignando a presença de dois defensores da própria Procuradoria de Assistência Judiciária, ora impetrante, estampa declarações do acusado, plenamente refutando a descrição dos fatos como apresentada na denúncia.
6. O interrogatório, realizou-o o acusado em sala especial do presídio, quando recebeu, de imediato, a via original de suas declarações (fls. 29).
7. Anotou, ainda, o MM. Julgador a quo, que, verbis:
‘2 – Sem vício o ato realizado pelo sistema de ‘teleaudiência’.
Com efeito, o modelo não fere as leis processuais e garantias das partes. O sistema não altera o procedimento processual penal, porque realizado no curso do devido processo penal previsto na Constituição da República e nas leis processuais (não cria procedimento, pois os atos processuais realizados estão previstos no Código de Processo Penal). O réu preso é apresentado pelo Juiz de Direito que preside o processo penal contra ele instaurado. Existe o contato direto entre réu e Juiz; réu e advogado; réu e Promotor de Justiça; réu e depoentes, etc., em tempo real e por meio eletrônico, viabilizada a percepção das reações dos envolvidos no ato. Ao contrário do sistema atual, poderão os julgadores das instâncias superiores também observá-lo via ‘cd rom’. Há canal exclusivo de áudio para conversar entre réu e defensor, no interesse da defesa – na 30a Vara Criminal foi instalado um aparelho a mais, no gabinete, para maior reserva no contato.
Mister lembrar a importância do direito à defesa consagrado ao réu no processo. Em seu interrogatório, vê o Juiz, dialoga e tem oportunidade de exercer seu primeiro ato de defesa no processo. Fundamental que seja registrada sua versão, com detalhe, para a fixação dos eventuais pontos controvertidos da causa penal. Na audiência de instrução, acompanha a realização do ato juntamente com seu defensor, facultada a comunicação – note-se que, na hipótese do art. 217 do Código de Processo Penal, o defensor poderá consultá-lo ‘on line’, ao contrário do que ocorre no sistema processual, caracterizando relevante o avanço jurídico.
Não há violação de qualquer princípio de tratado internacional recepcionado pelo Brasil. A presença do réu em Juízo é garantida, como, aliás, prevista na lei, observada, apenas, a evolução tecnológica. Não violado, assim, o Pacto de San Jose da Costa Rica, de 22 de novembro de 1.969, introduzida a sua eficácia jurídica no Brasil pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1.992 (cfr. Art. 8o – garantias judiciais). Como se pode verificar, o pacto foi assinado muito tempo antes da introdução das modernas tecnologias dos meios de comunicação. Sem violação a seus preceitos, possível a utilização do sistema de teleaudiência, em face do crescimento da população paulista – e mundial – e necessidade de aprimoramento dos serviços públicos, especialmente judiciários.’ (fls. 32/33, grifei).
8. Realmente, se preservada está a comunicação reservada a qualquer tempo no transcorrer do ato processual, entre o réu e seu defensor, por canal exclusivo de áudio, e se todos, juiz, acusador, acusado e seu defensor, interagem, ‘em tempo real’, pelo sistema eletrônico de visualização, nenhuma garantia constitucional fica comprometida.
9. Há o uso de simples mecanismo tecnológico que, insisto, preservadas todas as situações retro apresentadas, por certo não macula o ato processual analisado.
10. Fosse o réu impedido de reservadamente articular-se com seu defensor; impedido também de, a qualquer tempo, reservadamente consultar seu defensor; ausentar-se o juiz da audiência, entregando-a ao alvedrio das partes e, agora sim, ter-se-ia o vício insanável.
11. No caso, como exposto, nada disso aconteceu.
12. Pelo indeferimento do solicitado” (fls. 89-95).
É o relatório.
V O T O
O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO - (Relator): 1. A questão central desta impetração diz com a legalidade de interrogatório realizado mediante videoconferência. E, nos termos em que o foi, destituído de suporte legal, é deveras nulo o ato, porque insultuoso a garantias elementares do justo processo da lei (due process of law).
2. A Constituição da República, no art. 5o, inc. LV, assegura, aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, enquanto cláusulas do devido processo legal.
Classificação corrente da dogmática processual penal discerne modos de defesa segundo o sujeito que a exerça. Assim, se exercida pela pessoa mesma acusada na persecução penal, tem-se autodefesa, ou defesa privada. Se aviada por profissional habilitado, com capacidade postulatória, cuida-se de defesa técnica, ou defesa pública.
Para atender-lhe à exigência constitucional de amplitude, a defesa deve poder exercitar-se na conjugação da autodefesa e da defesa técnica. Autodefesa e defesa técnica, enquanto poderes processuais, hão de ser garantidas em conjunto, “em relação de diversidade e complementaridade”.
E, em essência, a autodefesa consubstancia-se nos direitos de audiência e de presença ou participação:
“Com relação à autodefesa, cumpre salientar que se compõe ela de dois aspectos, a serem escrupulosamente observados: o direito de audiência e o direito de presença. O primeiro traduz-se na possibilidade de o acusado influir sobre a formação do convencimento do juiz mediante o interrogatório. O segundo manifesta-se pela oportunidade de tomar ele posição, a todo momento, perante as alegações e as provas produzidas, pela imediação com o juiz, as razões e as provas”.
Também chamada de defesa material ou genérica, a autodefesa é exercida mediante atuação pessoal do acusado, sobretudo no ato do interrogatório, quando oferece ele sua versão sobre os fatos ou invoca o direito ao silêncio, ou, ainda, quando, por si próprio, solicita a produção de provas, traz meios de convicção, requer participação em diligências e acompanha os atos de instrução.
O direito de ser ouvido pelo magistrado que o julgará constitui conseqüência linear do direito à informação acerca da acusação. Concretiza-se no interrogatório, que é, por excelência, o momento em que o acusado exerce a autodefesa, e, como tal, é ato que, governado pelo chamado princípio da presunção de inocência, objeto do art. 5º, inc. LVII, da Constituição da República, permite ao acusado refutar a denúncia e declinar argumentos que lhe justifiquem a ação.
É preciso, pois, conceber e tratar o interrogatório como meio de defesa, e não, em aberto retrocesso histórico, como resíduo inquisitorial ou mera técnica de se obter confissão. Encarado como atividade defensiva, em que pode o acusado demonstrar sua inocência, perdeu toda legitimidade a absurda idéia de que o interrogatório consistiria numa série de perguntas destinadas apenas à admissão da autoria criminosa, tal como era visto e usado nos processos inquisitórios.
3. O devido processo legal, garantido no art. 5o, inc. LIV, da Constituição da República, pressupõe a regularidade do procedimento, a qual nasce, em regra, da observância das leis processuais penais.
“Os atos processuais ostentam a forma que a lei lhes dá”, já advertia PITOMBO, tocando à legislação definir o tempo e o lugar em que se realizam. Por isso, não posso concordar com o argumento singelo de que o interrogatório por videoconferência não lesionaria o devido processo legal, porque não cria procedimento, na medida em que o ato processual em si – o interrogatório – está previsto no Código de Processo Penal.
Este diploma legal não apenas prevê tal ato, mas também regula o tempo e o lugar onde se realizam todos os atos processuais e, por óbvio, dentre eles, o interrogatório: no art. 792, caput, determina que as audiências, sessões e os atos processuais, de regra, se realizem na sede do juízo ou no tribunal, prédio público onde atua o órgão jurisdicional.
Revista Consultor Jurídico, 14 de agosto de 2007
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