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terça-feira, abril 06, 2010

Vídeos postados no canal do STF no YouTube somam mais de um milhão de exibições

Vídeos postados no canal do STF no YouTube somam mais de um milhão de exibições:

Fonte: STF

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Com pouco mais de seis meses de existência, o canal do Supremo Tribunal Federal (STF) no YouTube atingiu a marca de um milhão de exibições dos 1.657 vídeos postados no site. O recorde de visualizações dos vídeos foi alcançado nesta terça-feira (6).


O STF é a primeira Suprema Corte no mundo a contar com uma página oficial na comunidade de vídeos mais popular da Internet. Isso foi possível por meio de uma parceira firmada com a empresa Google Inc., oficializada no dia 1º de outubro de 2009, data em que o canal estreou.


O site encerrou seu primeiro mês de vida com picos diários de até 8 mil exibições dos então 650 vídeos postados na página. Atualmente, o total de exibições diárias dos vídeos incluídos no canal gira em torno de 9.800.


A audiência do canal vem se firmando por meio da postagem quase imediata das sessões plenárias da Corte, que são incluídas no site sempre no dia seguinte ao ocorrem, nas tardes de quarta e quinta-feira. Outros destaques são os vídeos produzidos especialmente para a página, postados semanalmente, em que especialistas tiram dúvidas sobre temas gerais, muitas vezes a respeito de questões que estão sendo debatidas pela sociedade. Esse foi o caso dos vídeos sobre recall e briga de torcida, duas questões que mobilizaram setores da sociedade nos últimos meses.


O canal também vem se firmando no YouTube como uma referência na área de temas jurídicos, já que contém programas produzidos pela TV Justiça e radionovelas gravadas pela Rádio Justiça. O vídeo campeão de audiência no Brasil desde que o canal foi inaugurado, com 18.136 exibições, é uma aula do programa "Saber Direito", exibido pela TV Justiça, em que o procurador do Estado de Minas Gerais e professor de Direito Administrativo Barney Bichara fala sobre a teoria dos atos administrativos (http://www.youtube.com/stf#p/search/4/o9mZ-tN3Mvk).


Entre os outros nove vídeos mais visualizados no canal, quatro também são aulas do programa "Saber Direito", três são entrevistas com especialistas, um mostra audiência pública realizada pela Corte e o décimo exibe julgamento de feito no Plenário do Supremo.


Os dez mais


Entre as aulas do "Saber Direito", chamaram mais atenção dos internautas as que trataram sobre o Código Civil (segundo lugar, com 9.402 exibições), concurseiros (terceiro lugar, com 8.843 exibições), Direito Processual e Constitucional (sétimo lugar, com 7.250 exibições) e, por fim, uma aula sobre Direito Administrativo (nono lugar, com 6.503 visualizações).


Os vídeos em que especialistas tiram dúvidas sobre temas de interesse geral, que envolvem conhecimentos jurídicos, também contam com muita audiência. O quarto vídeo mais exibido no Canal, e que por quase três meses foi o mais visto, é uma entrevista em que o advogado Pierpaolo Bottini explica, de maneira prática e didática, e em menos de seis minutos, a diferença entre deportação, extradição e expulsão. O vídeo foi postado na manhã do dia 23 de outubro de 2009 e, até então, foi visto 8.866 vezes. Ele foi produzido na época em que a Suprema Corte debatia a extradição do ativista de extrema esquerda Cesare Battisti.


Outros vídeos em formato de pergunta e resposta que foram destaque no canal tiram dúvidas sobre o instituto da intervenção federal (quinto lugar, com 7.779 exibições) e sobre os direitos e deveres do empregado doméstico (oitavo lugar, com 6.978 exibições).


Também estão entre os dez vídeos mais exibidos desde que o site foi lançado o início da audiência pública realizada recentemente pelo Supremo para debater o sistema de cotas raciais nas universidades públicas brasileiras (sexto lugar, com 6.991 exibições) e a decisão do Plenário da Corte de negar o pedido de habeas corpus em favor do governador afastado do Distrito Federal, José Roberto Arruda (sem partido) (décimo lugar, com 5.759 exibições).


Entre parceiros e no exterior


O canal conta atualmente com 4.587 parceiros. A grande maioria é do Brasil (4.377), mas também há inscritos nos Estados Unidos (37), em Portugal (12), na Itália (seis), na Alemanha (5) e em outros países da Europa, além da Argentina (três) e do Canadá (quatro). Atualmente, o canal oficial do STF no YouTube está entre os sete mais visitados dentre os mais de quatro mil parceiros.


No exterior, a visualização dos vídeos postados também é expressiva em alguns continentes e países. Destaque para a Europa, que conta com 9.830 exibições de vídeos postados na página. O mais visto lá até o momento é o programa “Repórter Justiça” sobre as cirurgias plásticas mais realizadas no Brasil (http://www.youtube.com/stf?gl=BR&hl=pt#p/search/0/2jCMIXYZiJo).


Entre os países europeus, a liderança no total de visualizações fica com Portugal, com 3.044, seguido da Alemanha, com 1.207, da Itália, com 1.080, da França, com 985, do Reino Unido, com 949, e da Espanha, com 918. Interessante notar que praticamente todos os países da Europa contam com visualizações de vídeos postados no canal.


Os Estados Unidos, sozinhos, somam 4.482 visualizações de vídeos que estão no canal. Naquele país, o campeão de acessos é o julgamento da primeira ação que chegou ao STF sobre o caso Goldman, com objetivo de impedir a ida do menino S.R.G. aos EUA com seu pai, David Goldman (http://www.youtube.com/stf#p/search/0/BnWxZp710j8).


A Ásia soma 1.418 exibições dos vídeos do site; o Oriente Médio, 149; e a África, 196. Na América do Sul, contando com o Brasil, o total de vídeos exibidos é de 929.028. Excluindo-se da lista o Brasil, o país que conta com mais acessos dos vídeos postados na página do Supremo no YouTube é a Argentina. Ao todo, foram 935 visualizações de vídeos que estão disponibilizados no canal. Depois da Argentina, está o Chile, com 489 visualizações dos vídeos, seguido do Peru, com 451 visualizações, e da Colômbia, com 426 exibições de vídeos.


Origem dos acessos


A maior parte dos acessos dos vídeos postados no canal, 34% (241.281 exibições), foi feita no chamado "YouTube channel page player", ou seja, no próprio site. Em seguida, estão as visualizações feitas por meio dos chamados "vídeos relacionados" àquele que foi originalmente exibido. Essas visualizações correspondem a 23% do total (169.079 exibições). Outros 20% das visualizações, somando 143.064, são de buscas feitas no YouTube. As chamadas visualizações virais (realizadas a partir de envio de links por e-mail ou mensagens instantâneas, por exemplo), somam 49.152, 6,9% do total.


Perfil do público


O perfil do público não teve aleração significativa se comparado com o apurado na primeira semana de aniversário da página. Na ocasião, 80% dos acessos dos vídeos postados no site era feito por homens entre 35 e 44 anos. Os outros 20% eram feitos por mulheres. Atualmente, 73% dos acessos é feito por homens entre 35 e 44 anos. Os outros 27% são feito por mulheres.


Os dados são do "YouTube Insight", ferramenta que fornece estatísticas detalhadas dos vídeos postados no YouTube.


Veja a lista dos 10 vídeos mais assistidos pelos internautas:


1 - Direito administrativo é destaque no Saber Direito (1/5)

2 - Saber Direito analisa Código Civil de 2002 (1/5)

3 - Saber Direito fala sobre concurseiros (1/5)

4 - Saiba a diferença entre deportação, extradição e expulsão

5 - Confira nesta entrevista o que mudou com a nova Lei do Inquilinato

6 - Saiba o que é e como funciona uma intervenção federal

7 - Direito processual penal e direito constitucional (1/5)

8 - Audiência pública do STF discute sistema de cotas raciais em universidades públicas (1/5)

9 - Empregados domésticos: presidente do TST explica direitos

10 - Direito administrativo é destaque no Saber Direito (2/5)


Assista aos vídeos da página oficial do STF no YouTube por meio do endereço eletrônico: www.youtube.com/stf.



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Acompanhe também o dia a dia do STF na página oficial do Twitter: www.twitter.com/stf_oficial.


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quinta-feira, fevereiro 25, 2010

O conceito de lógica e sua relação com o Direito - ESPAÇO VITAL

O conceito de lógica e sua relação com o Direito - ESPAÇO VITAL:

Fonte: www.espacovital.com.br

"O conceito de lógica e sua relação com o Direito

(24.02.10)

Por Maria Francisca Carneiro,
advogada (OAB-RO nº 59)


Admitir a existência de uma “verdade” no Direito significa admitir a existência da lógica jurídica e não simplesmente da argumentação.

Costumo conceituar a lógica como a ciência das inferências necessárias. De uma maneira simplificada, podemos dizer que a lógica é a ciência que estuda as estruturas do raciocínio. Para Newton Carneiro Affonso da Costa, a lógica “pode ser entendida como o estudo pelo qual certas sentenças ou proposições podem ser deduzidas de outra”[1]. Irineu Strenger define a lógica como uma metalinguagem, ou seja, como “um sistema de palavras que se refere à linguagem, ou, como expressa Carnap, a lógica é a sintaxe da linguagem”[2]. Para Cezar Mortari, ´”lógica é a ciência que estuda princípios e métodos de inferência, tendo o objetivo principal de determinar em que condições certas coisas se seguem (são conseqüência), ou não, de outras”[3].

A lógica do Direito pode ser entendida também como metodologia jurídica[4], segundo Lourival Vilanova. Para o referido autor, esse cabimento tem sentido se considerarmos uma lógica especial de um setor do conhecimento jurídico, assim entendido “qualquer espécie de saber que se dirija
ao Direito com pretensão cognoscente”[5].


Cabe lembrar que a etimologia da palavra “lógica” – em grego, logos – significa pensamento, proposição, palavra ou razão. Alguns autores utilizam os vocábulos “lógica” e “dialética” como sinônimos. Todavia, cabe observar que a etimologia da palavra grega “dialética” inclui o prefixo diá, que significa “através de”. Portanto, “dialética” ou “dialógica” quer dizer “através da razão”.

A lógica pode estudar o processo pelo qual as inferências são válidas ou não e assim explicitar se um raciocínio está correto ou errado. Em parte, isto se aplica ao Direito. Entretanto, sendo o Direito uma ciência social, como se pode saber com certeza o que é verdadeiro ou falso? Não apenas os comportamentos humanos são eivados de contradições, como também existem diferenças e variações de uma cultura à outra. Assim, podemos considerar que, se existe uma lógica jurídica, ela não é absoluta, mas relativa.

Cumpre notar que ao Direito se aplicam principalmente a lógica deôntica (do dever, onde operam os conectivos permitido, proibido e facultativo); e a lógica axiomática (dos valores). Portanto, a lógica jurídica não fica restrita apenas ao problema da verdade e da falsidade.

Existem as chamadas lógicas não-clássicas, que admitem contradições. Entretanto, os tratadistas não são unânimes quanto à possibilidade de sua aplicação ao Direito. Todavia, Willard von Orman Quine lembra que, nas últimas décadas, “a lógica sofreu tal evolução que pode ser considerada como uma ciência nova”[6]. Diz ainda que “a lógica antiga está para a nova lógica, menos como outra ciência anterior, do que como um fragmento pré-científico da mesma disciplina”[7]. É o mesmo Quine quem diz que, “em certo sentido, podemos afirmar que a lógica trata de tudo (...). A lógica é uma ciência geral, no sentido de que as verdades lógicas se referem a objetos quaisquer”[8]. Assim sendo, a lógica se refere também ao Direito.

Diversas são as definições de lógica; todas trazem, no entanto, o pensamento e o raciocínio como fundamento. É o que diz Edmundo Dantès Nascimento, acrescentando a definição de Stuart Mill, segundo a qual a lógica é a “ciência das operações do espírito que concernem à estimação da prova”[9]. Seu papel é discernir o verdadeiro do falso a fim de atingir a verdade, daí sua
íntima relação com o processo judicial.

Entretanto, alguns autores negam a aplicação da lógica ao raciocínio jurídico. Ricardo V. Guarinoni ressalta que “a partir de Perelman, varios de los cultores de la teoría de la argumentación (...) sostienen que la lógica no sirve para describir correctamente los razonamientos jurídicos, aunque no la descartan totalmente, pero creen que es necesario un aparato conceptual diferente”[10]. Para esse autor, muitos dos argumentos contra a relação entre lógica e Direito põem a tônica sobre as contradições, quando na verdade deveriam colocá-la sobre a interpretação.[11]

Na minha opinião, a lógica é aplicável ao Direito se o entendermos como ciência, como quiseram Hans Kelsen e Norberto Bobbio. A ciência busca a verdade, e não apenas a persuasão. Entretanto, se entendermos o direito meramente como arte, cabem-lhe mais a argumentação e a
retórica do que a lógica.

Penso que o Direito é, ao mesmo tempo, ciência e arte. Portanto, a ele se aplicam a lógica e também a argumentação, de modo não excludente entre si.

(*) E-mail:
mfrancis@netpar.com.br

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[1] Jornal Folha de São Paulo, reportagem de Maurício Tuffani, em 30 de novembro de 1997, apud STRENGER, I. op.cit.,p.36.


[2] STRENGER, I. Lógica jurídica. São Paulo: LTr, 1999, p.11.


[3] MORTARI, C. A . Introdução á lógica. São Paulo: Editora UNESP/ Imprensa Oficial do Estado, 2001, p.2.


[4] VILANOVA, L. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. (S.L.): Editora Max Limonad, 1997, p. 62.


[5] Idem, ibidem.


[6] QUINE, W. O . O sentido da nova lógica. 2a Ed., Curitiba: Editora da UFPR, 1996, p.15.


[7] Idem, ibidem.


[8] Idem, ibidem, p. 21.


[9] NASCIMENTO, E. D. Lógica aplicada à advocacia – técnica de persuasão. São Paulo: Saraiva, 1991, p.14.


[10] GUARINONI, R. V. Derecho, lenguaje y lógica – ensayos de filosofía del derecho. Buenos Aires: Lexis Nexis Argentina, 2006, p. 208. [11] Idem, ibidem, p. 224.


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quinta-feira, junho 26, 2008

O Processo de Franz Kafka: Vida e Obras do Autor

 

O Processo de Franz Kafka: Vida e Obras do Autor

 

Caio ChristofaniCaio Christofani
roquentim88@hotmail.com


INTERPRETAÇÃO SOBRE O PROCESSO, DE FRANZ KAFKA. VIDA E OBRAS DO AUTOR


“Tudo que não é literatura me aborrece profundamente” (Franz Kafka)

 


O tema abordado neste artigo foi escolhido pela grande admiração mundial ao escritor Franz Kafka. Dada a sua importância para a literatura moderna, é mister o conhecimento de suas obras e da vida de seu autor. Pois estas influenciaram toda a literatura contemporânea e vários filósofos da modernidade.


A biografia do autor é essencial para o conhecimento e entendimento de sua obra, portanto, a história de vida e suas relações familiares serão observadas com atenção neste ensaio.


A obra a ser analisada será O Processo. Será abordada a sua interpretação acerca de seu enredo e principais mistérios deste livro que marcou a literatura mundial por sua eloqüência e inovação.


Quase totalmente terminado, o romance narra as atribulações do bancário Joseph K que, no dia do seu aniversário de 30 anos, é retirado de sua vida normal, preso e julgado por motivos que ignora. Perdido em meio a um poder judiciário corrupto e enigmático, Joseph K desconhece a justiça que o acusa, e procura durante todo seu julgamento entender os seus acusadores, mas nunca o crime que cometera.


Biografia:


Franz Kafka nasceu em 3 de julho de 1883 na cidade de Praga, Boêmia (hoje República Tcheca). Era o filho mais velho de Hermann Kafka, comerciante judeu, e de sua esposa Julie. Kafka cresceu sob as influências de três culturas: a judaica, a tcheca e a alemã.


Fez os seus estudos nessa capital, onde em 1906 se formou em direito. Trabalhou como advogado, mas depois desistiu definitivamente da carreira de jurídica; A princípio trabalhou numa firma particular, depois na firma de seguros contra acidentes do trabalho e posteriormente na fábrica de seu cunhado. Kafka demonstrou durante toda a vida sua frustração pela vida jurídica.


Duas vezes noivo da mesma mulher, o escritor tcheco nunca se casou.


Em 1917, aos 34 anos de idade, sofreu a primeira hemoptise de uma tuberculose que iria matá-lo sete anos mais tarde. Alternando temporadas em sanatórios com o trabalho burocrático, nunca deixou de escrever, embora tenha publicado pouco, e já no fim da vida pediu ao seu amigo Max Brod que queimasse seus escritos, no que evidentemente e felizmente não foi atendido.


Viveu praticamente a vida inteira em Praga, salvo o período final de sua vida, passado em Berlim, onde ficou longe da presença esmagara de seu pai que não conhecia a sua legitimidade da carreira de escritor. Figura esta que merece destaque em sua história, pela repressão e infância tirânica em que viveu por parte da figura paterna.


Herman Kafka, pai de Franz Kafka, foi um pai tirânico durante toda a sua vida. Contra o casamento do escritor com uma moça chamada Julie, dada a sua condição social (Julie era filha do zelador da sinagoga que sua família freqüentava), o casamento foi impedido. O pai, um tirano, autoritário e egoísta foi respondido em um acerto de contas explícito, onde o autor de O Processo presenteou o mundo com mais um magnífico livro, de 88 páginas, ficou conhecido como Carta ao Pai. Oque era para ser um desabafo, tomou proporções jamais imaginadas pelo autor. Para muitos estudiosos, Kafka já escrevera todas as suas obras, sob esse sentimento de repressão e dor que seu pai o remetia. Mas, Carta Ao Pai foi um desabafo explícito e direcionado.


Portanto, entende-se que toda a obra Kafkaniana foi escrita de modo sofrido, escrita sem o intuito de uma obra bonita, e sim uma obra baseada na dor. O peso, a prisão e agonia em que seus personagens vivem são propositais. Segundo Modesto Carone “Em Kafka, até as deformações são precisas”.

 

Falecido no cemitério de Kierling, perto de Viena, Áustria, no dia 3 de junho de 1924, um mês antes de completar 41 anos de idade, Franz Kafka está enterrado no cemitério judaico de praga. Quase desconhecido em vida, nunca atingiu fama ou fortuna com seus escritos. Desde criança sentiu os problemas da solidão e contra eles lutou, sem muito sucesso, ao longo da vida. Terminou sua existência num sanatório perto de Viena, sozinho e desconhecido, mas consagrou-se um eterno escritor postumamente, por seu legado – resgatado pelo amigo Max Brod- que exerce enorme influência na literatura contemporânea.


Obras:  O processo, América, Um artista da fome, A construção, Na Colônia Penal, O Foguista, O castelo, A Metamorfose, O Veredicto, Um Médico Rural, Narrativas do Espólio.


Características gerais das obras.

Símbolos: O absurdo e o cotidiano.


Todos os livros de Kafka obrigam indiretamente o leitor a uma releitura. Seus principais acontecimentos, e sua historia como um todo sugerem explicações, mas nunca uma certeza sobre essas questões. É necessária uma nova leitura com um novo enfoque, para que o leitor possa entender todos os símbolos: seus personagens absurdos, em situações fantásticas que beiram ao onírico. Por se tratar de símbolos, estes por muitas vezes permitem uma dupla interpretação da obra. É preciso lembrar que uma leitura fantástica e simbólica é sempre muito genérica em sua interpretação. Como explica o filósofo Albert Camus em sua obra O Mito de Sísifo.


“Um símbolo sempre ultrapassa aquele que o usa e o faz dizer na realidade mais do que tem consciência de expressar. Nesse sentido, o meio mais seguro de captá-lo consiste em não provocá-lo, iniciar a obra sem idéias preconcebidas e não buscar suas correntes secretas. Seria um erro querer interpretar tudo detalhadamente em Kafka. Em um símbolo por mais que seja precisa sua tradução, um artista só lhe pode restituir o movimento: não há tradução literal.” (Albert Camus)


Um símbolo de fato nos leva sempre a dois ou mais caminhos, tomar rumo desses caminhos é entender a obra em sua profundidade. Em Kafka esses dois mundos são a vida cotidiana, e a inquietação sobrenatural. O absurdo em momento algum adquire aquele tom característico de contos fantásticos. Pois, na obra Kafkaniana o absurdo é simbolizado por acontecimentos cotidianos que vistos de uma maneira geral, são normais à sociedade. Situações extremamente realistas, que, no entanto nos conduzem para uma perda de sentido.


É essa a grande genialidade presente na obra Kafkaniana, a magnitude com que este conseguiu entrelaçar situações comuns a sociedade, com acontecimentos absurdos, de modo que o absurdo tornou-se possível. A união do trágico, lógico, e cotidiano.


Utilizando o exemplo da obra O Processo, neste romance o protagonista é acusado por motivos que desconhece, e por uma justiça que desconhece. No entanto, todo o aparelho jurídico complacente que o julga, é lógico e inerente a sociedade. O absurdo consiste em saber por que lhe acusam, e de que. Mas o protagonista não insiste em se indagar tais questões, e ao longo do processo vai carregando a culpa de um crime que desconhece. Percebendo sempre a inutilidade que consiste a sua defesa, no entanto, conserva uma esperança derradeira perante seu julgamento.


Portanto, um leitor não atento aos símbolos da obra Kafkaniana, e desavisado das características da sua obra, terá como interpretação apenas uma situação ilógica sem analisar seus símbolos e significados.


Do nome de Franz Kafka vem o adjetivo “kafkiano”, que, segundo o Dicionário Houaiss, “evoca uma atmosfera de pesadelo, de absurdo, especialmente em um contexto burocrático que escapa a qualquer lógica ou racionalidade”. É preciso uma atenção especial a cada pequeno fato das obras Kafkanianas, pois estes aparentemente irrelevantes fatos podem abrir portas para símbolos que conduzirão para uma interpretação acerca das obras. Desse modo não sendo vistas como define o dicionário de modo errôneo: ilógicas e irracionais. Quando Kafka quer expressar o absurdo, lança mão da coerência.


É conhecida a história do louco que estava pescando numa banheira; O médico que tinha suas idéias sobre os tratamentos psiquiátricos lhe perguntou “se estavam mordendo” e obteve uma resposta rigorosa: “claro que não, imbecil, isto é uma banheira”. Nessa historia observar-se como o efeito absurdo está ligado a um excesso de lógica. O mundo de Kafka é na verdade um universo indizível onde o homem se dá o luxo torturante de pescar numa banheira, mesmo sabendo que dali não sairá nada. (Albert Camus).


Interpretação sobre O Processo


O início da história se resume em poucas linhas. Josef K. Um bancário de classe média é detido no dia de seu aniversario de 30 anos, por motivos que desconhece, por uma justiça que também desconhece. Apesar de detido, ele pode viver sua vida normalmente. Os juízes e toda ordem jurídica dessa desconhecida justiça são extremamente corruptos. Seus tribunais possuem um ar obscuro, formando um aparelho jurídico extremamente burocrático e hermético. Tanto a linguagem quanto a descrição dos lugares dão esse peso e sufoco à obra. O sentimento de culpa que Josef K. vai absorvendo durante o processo sufoca-o, do mesmo modo, sente-se sufocado o leitor por todo o sentimento de inutilidade que resulta uma tentativa de resolução do processo. Este se sente atormentando pela situação absurda que vive o protagonista, e acaba compartilhando a sua dor em si. É inerente a obra o sentimento de angústia que esta imprime ao leitor, sentimento de angústia que atormenta o protagonista. A busca por uma lógica processual decorre sem nenhum êxito. O advogado de defesa apesar de garantir sempre um andamento significativo do processo, este nada avança. Servindo o advogado apenas como uma figura apaziguadora da angustia de Josef K. A saída lógica parece nunca existir, entretanto a esperança nunca desaparece de K.


O desfecho do livro se dá quando dois senhores bem vestidos e educados vem buscá-lo sem que este ofereça nenhuma resistência. Levam-no a um subúrbio e lá o degolam. Antes de morrer, o condenado apenas diz: “como um cachorro”. E o romance termina com a frase “era como se a vergonha fosse sobrevive-lo”.


Uma das interpretações aceitas é que o romance trata fundamentalmente da condição humana individual perante a sociedade. O individuo em sociedade vive e é constantemente condenado por ela. Sabe-se que por mais que tente remediar isso, nunca terá nenhum êxito em tentar fazer com que esta aceite seus conceitos autônomos. A forma com que a sociedade impõe regras é sem dúvida um fardo maior para certos cidadãos. Ou até mesmo a forma que a vida impõe certos paradigmas, parece insuportável para algumas pessoas, protótipos sociais impostos pelo coletivo que podem ser antagônicos aos valores individuais. Por mais que resistam a esses padrões sociais, os desafiadores desses modelos serão sempre julgados, e punidos mesmo que de forma difusa e sem atuação do direito, mas a moral em si é um poderoso meio de coerção.


Portanto pode-se entender Josef K como um homem deslocado na sociedade. Com valores morais diferentes, este vive sendo julgado (até mesmo constantemente condenado por si próprio, dada a culpa intrínseca que Josef K assume) e censurado mesmo que de forma implícita (já que este apesar de detido não é impedido de suas tarefas normais). Ora, pode-se claramente associar a figura de Josef K. segundo essa interpretação, com a figura de Franz Kafka. A própria biografia de Kafka analisada neste artigo demonstra a vida errante que este viveu, altamente reprimido pelo pai, extremamente solitário e descontente com a profissão que exercia.


O autor e o protagonista se confundem na obra Kafkaniana. Em O Processo, o herói poderia se chamar Schmidt ou Franz Kafka. Mas se chama Josef K. Não é Kafka, e, no entanto é ele. É um europeu médio. É como todo mundo... (Albert Camus)


É uma interpretação bastante lógica, relacionando em sua essência o poder dos fatos sociais, e as sanções que o indivíduo sofre quando não se adéqua a elas. Um sofrimento até mesmo interno, pela importância que a coletividade exerce na consciência individual como forma de integração. E os prejuízos que o indivíduo sofre ao não se integrar socialmente.


Existem diversas interpretações acerca da obra, existe apenas um meio de poupar o trabalho de interpretar O Processo: não ler o livro. Esta seria igualmente a única maneira de satisfazer o desejo de Kafka, de que suas obras nunca fossem publicadas. Tirar vantagem da decisão em contrário de Max Brod, e ler o livro, significa assumir o papel do intérprete. Pois então, “deixo o julgamento do processo na mão de cada leitor”.


Referências bibliográficas:


Camus, Albert. O mito de Sísifo. 3º edição. Rio de Janeiro: Record, 2006.
Kafka, Franz. O Processo. 1º edição. São Paulo: Abril Cultural, 1982
Kafka, Franz. O Castelo. 2º edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2000
Souza, Marcelo Almeida. O processo, de Franz Kafka. Revista Visão jurídica número 08


Sobre o Autor
Estudante de Direito pela UNIT e Estudante de Filosofia pela Universidade Federal de Sergipe

Artigos
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Wiki

O Processo

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

O Processo (Alemão: Der Prozess) é um romance escrito pelo escritor checo Franz Kafka, e conta a história de Josef K., personagem que acorda certa manhã, e, sem motivos sabidos, é preso e sujeito a longo e incompreensível processo por um crime não revelado.

 

Segundo Max Brod, amigo pessoal de Kafka, o livro permaneceu inacabado como estava quando Kafka lhe entregou os escritos, em 1920. Após sua morte, Brod editou O Processo pelo que ele julgou um romance coerente e o publicou em 1925.

 

Adaptações para o cinema foram feitas como The Trial, do diretor Orson Welles, com Anthony Perkins no papel de Josef K. Em 1999, o artista italiano Guido Crepax fez a adaptação do romance para os quadrinhos.

 


Pontos-guia da obra

 
Burocracia

O Processo apresenta ao leitor a narrativa carregada de uma atmosfera desorientada e avulsa na qual o personagem Josef K. está imerso. Tal atmosfera deve-se mormente à seqüência infindável de surpresas quase surreais, geradas por uma lei maior e inacessível, que está no entanto em perfeita conformidade com os parâmetros reais da sociedade moderna. O absurdo presente em toda obra é o ponto de partida, sem conclusão, da confusão que se desenrola na mente de Josef K., assim como em todos os ambientes reais nos quais ele está inserido, o que dá ao leitor a sensação incômoda própria do estilo da obra kafkaniana.

 
Humanidade

Ao analisar O Processo, se faz necessário notar que o fim do romance, a cena da execução, foi a primeira parte escrita por Kafka. K. nunca é informado por que motivos está sofrendo o processo, e ele mantém sua inocência quase até o fim. Ao declarar sua inocência, K. é perguntado "inocente de quê?". Talvez o processo contra K. tenha sido instaurado por sua incapacidade de confessar sua culpa, e, por conseguinte, sua humanidade. O tema, largamente explorado por Kafka em toda sua obra, da não-humanidade torna o livro atual, provocando questionamentos dos costumes e crenças arbitrários da vida, que podem parecer, sob certo aspecto, tão bizarros quanto os acontecimentos da vida de K.


Personagens

Josef K. - Personagem principal. No enredo, o personagem sofre longo processo judicial sem que lhe seja dito ao certo o seu crime.

Fräulein Bürstner - Mora na mesma casa que Josef K. Aparece nas primeiras partes do livro e daí então apenas no final.

Frau Grubach - A proprietária da pensão onde K. mora.

Tio Karl - Tio impetuoso de K., que o convence a procurar o Advogado senhor Huld.

Senhor Huld, o Advogado - Advogado pouco eficiente de K., indicado por seu tio Karl.

Leni - Enfermeira do Senhor Huld. Torna-se amante de K.

Rudi Block - Outro cliente do Senhor Huld. Tem, além do Senhor Huld, mais cinco advogados para tomar conta de seu longo caso.

Titorelli, o pintor - Pintor da côrte.


Sinopse

 

O romance conta a história de Josef K., bancário que é processado sem saber o motivo. A figura de Josef K. é o paradigma do perseguido que desconhece as causas reais de sua perseguição, tendo que se ater apenas às elucidações alegóricas e falaciosas advindas de variadas fontes.

 

Embora Kafka tenha retratado um autoritarismo da Justiça que se vê com o poder nas mãos para condenar alguém, sem lhe oferecer meios de defesa, ou ao menos conhecimento das razões da punição, podemos levar a figura de Josef K., bem como de seus acusadores, para vários campos da vida humana: trabalho (quem nunca se viu cobrado ou perseguido, sem que seus acusadores lhe dissessem em que estaria sendo negligente), religião (quem nunca se viu pego, de surpresa, como Josef K., por um fanático intransigente, dizendo que teríamos ferido as leis divinas, sem que nos fossem apresentados os motivos), na escola (quem nunca se viu como Josef K., ao ser criticado por seu desempenho, sem que soubesse em que havia falhado, com críticas vagas, por vezes de colegas, por vezes dos próprios mestres).

 

Muito embora se preste às mais diversas interpretações, desde aquelas fundadas nos axiomas filosóficos até a mais profunda radiografia feita pela Sociologia, de fato, O Processo fornece farto material àquele que se debruça sobre o estudo para além da mera Dogmática Jurídica, de vez que, por meio de um conto que mais se assemelha a uma parábola, Kafka reproduz a negação do Estado Democrático de Direito e, ao mesmo tempo, leva o leitor a perceber que, mesmo vivendo sob a égide da Democracia "plena", há que se não perder de vista que as instituições não guardam sua razão de ser na prestação de serviço público, mas na submissão ao poder e às camadas dominantes.

 

Nesta obra, o protagonista, atônito, ao ser informado que contra ele havia um processo judicial (ao qual ele jamais terá acesso e fundado numa acusação que ele jamais conhecerá), percorre as vielas e becos da burocracia estatal, cumpre ritos inexplicáveis, comparece a tribunais estapafúrdios, submete-se a ordens desconexas e se vê de tal modo enredado numa situação ilógica, que a narrativa aproxima-se (e muito) da descrição de confusos pesadelos.

 

Mas não distam muito de pesadelos os processos reais que tramitam nos vãos da estrutura pesada, arcaica, burocrática e surreal das instituições zelosas da Justiça, de modo que, por fim, Franz Kafka terá sempre o mérito de ter, no início do século passado, retratado a sociedade de muitos povos, com fidelidade e crueza dignos de alçar sua obra à imortalidade.

 

Descrição

"Sem motivo Josef K. é capturado e interrogado em seu aniversário de 30 anos. As circunstâncias são grotescas, ninguém conhece a lei e a côrte permanece anônima. A "culpa", descobre Josef K., torna-se-lhe inerente, sem que ele possa fazer algo contra isso. Obstinadamente, mas sem sucesso, ele tenta lutar contra o crescente absurdo e envolvimento, ignora todo aviso de resistência e é por fim executado um ano depois nos portões da cidade."

 

Adaptações para o cinema

 

Na adaptação para o cinema de Orson Welles de 1962, Josef K. é interpretado por Anthony Perkins. Kyle MacLachlan o interpreta na versão de 1993.


Wiki Franz Kafka

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Franz Kafka (Praga, 3 de julho de 1883 - Klosterneuburg, 3 de junho de 1924) foi um escritor de língua alemã.

 

Biografia

 

Filho mais velho de Herrmann Kafka, um abastado comerciante judeu, e de sua esposa Julie, nascida Löwy. Nascem depois dele dois meninos, que irão morrer pouco tempo após o nascimento, fato que segundo alguns psicólogos especialistas na obra de Kafka, será um fator determinante para o sentimento de culpa presente em seus livros; e três meninas, entre elas Ottilie, sua irmã favorita, com quem ele chega a morar algumas vezes. Kafka cresce sob as influências de três culturas: a judaica, a checa e a alemã.No ano de 1902 conhece Max Brod, seu grande amigo, e no ano de 1922 pedirá a ele para que destrua todas as suas obras após sua morte. Em 1903, Kafka tem sua primeira relação sexual, o que lhe trará insegurança por toda sua vida. Neste ano também, ele fará sua primeira visita a um sanatório. Teve vários casos amorosos mal resolvidos, uns por intervenção dos pais das moças, outros por desinteresse próprio. Kafka falece dia 3 de junho de 1924 no sanatório Kierling perto de Klosterneuburg na Áustria. A causa oficial da sua morte foi insuficiência cardíaca, apesar de sofrer de tuberculose desde 1917.

 

Educação

 

Kafka aprendeu alemão como sua primeira língua, contudo era quase fluente em checo. Formado em Direito, em 1906, trabalhou como advogado a princípio na companhia particular Assicurazioni Generali e depois no semi-estatal Instituto de Seguros contra Acidentes do Trabalho. Solitário, com a vida afetiva marcada por irresoluções e frustrações, Kafka nunca atingiu fama ou fortuna com seus livros, na maioria editados postumamente.

 

Obra

 

O seu livro A Metamorfose (1915) narra o caso de um homem que acorda transformado num gigantesco inseto; O Processo (1925) conta a história de um certo Josef K., julgado e condenado por um crime que ele mesmo ignora; O Castelo (1926), o agrimensor K. não consegue ter acesso aos senhores que o contrataram. Essas três obras-primas definem não apenas boa parte do que se conhece até hoje como "literatura moderna", mas o próprio carácter do século: kafkaniano.

 

Autor de várias colectâneas de contos, Kafka escreveu também a avassaladora Carta ao Pai (1919) e centenas de páginas de diários. Deixou inacabado o romance Amerika.

 

Morreu num sanatório perto de Viena, onde se internara com tuberculose. Desde então, seu legado - resgatado pelo amigo Max Brod - exerce enorme influência na literatura mundial.


Franz Kafka

Franz Kafka

Franz Kafka em 1906

Nascimento
3 de julho de 1883
Praga, Áustria-Hungria (atualmente República Tcheca)

Falecimento
3 de junho de 1924
Klosterneuburg, Áustria

Nacionalidade
Austro-húngaro

Gênero literário
romancista

Movimento literário
modernismo, existencialismo, Surrealismo

Magnum opus
A Metamorfose, O Castelo, O Processo

Influências
Søren Kierkegaard, Fyodor Dostoevsky, Charles Dickens, Nietzsche

Influenciados
Albert Camus, Federico Fellini, Isaac Bashevis Singer, Jorge Luis Borges, Gabriel Garcia Marquez, Carlos Fuentes, Salman Rushdie, Haruki Murakami

, Milan Kundera


O Processo de Franz Kafka: Vida e Obras do Autor

 

 

segunda-feira, junho 16, 2008

O conceito de Direito - uma introdução crítica - Jusvi

 

O conceito de Direito - uma introdução crítica

por Paulo Queiroz

 

Uma 'coisa em si' tão errada quanto um 'sentido em si', uma 'significação em si'. Não há nenhum 'estado de coisas em si', contudo um sentido precisa sempre ser primeiro projetado lá dentro para que possa haver um estado de coisas. O 'o que é isso?' constitui uma postulação de sentido a partir da perspectiva de algo outro. A 'essência', a 'essencialidade' é algo perspectivístico e já pressupõe uma multiplicidade. Subjacente está sempre 'o que é isso para mim?' (para nós, para tudo o que vive etc.). Uma coisa estaria designada somente quando todos os entes tivessem perguntado e respondido ao seu 'o que é isso?'. Digamos que falte um único ente com as suas relações e perspectivas peculiares em relação a todas as coisas: e tal coisa não estaria ainda bem 'definida'. 2(149) Em suma, a essência de uma coisa também é apenas uma opinião sobre a 'coisa'. Ou melhor: o 'ela vale' é o autêntico 'isso é', o único 'isto é'”. 2(150) (Nietzsche, Friedrich. Framentos finais. Brasília: Editora UnB, 2002, p.159).

 

A definição do que seja o Direito depende, necessariamente, do ponto de vista adotado1. Não obstante, certo é que o que chamamos Direito não é uma coisa, isto é, não tem uma essência, uma substância; não existe ontologicamente, independentemente da representação que fazemos a seu respeito, porque constitui uma criação humana, que nasce e morre com o homem, ou seja, o direito não é sólido, nem líquido, nem gasoso, nem animal, nem vegetal2.

 

Com efeito, “aquilo que uma teoria do direito objetiva como Direito”, são palavras de François Ewald, “como natureza do direito, como essência do direito, não tem existência real. O Direito – demos-lhe maiúsculas – não existe. Ou antes, não existe a não ser como um nome que reenvia a um objeto, mas serve para designar uma multiplicidade de objetos históricos possíveis – que, como realidades, não têm os mesmos atributos, e que podem mesmo ter atributos irredutíveis”3, de sorte que, assim como não existem fenômenos morais, mas apenas interpretação moral dos fenômenos4, tampouco existem fenômenos jurídicos, mas só interpretação jurídica dos fenômenos, pois nada é onticamente jurídico, lícito ou ilícito, mas socialmente construído.

 

Conclusivamente, o direito é o que dizemos que ele é, porque o direito, como de resto tudo que diz respeito ao homem, não está no fato ou na norma em si, mas na cabeça das pessoas, de modo que podemos afirmar, parafraseando o evangelho (Lucas, 17:21), que o reino do direito está dentro de nós, e que nós o criamos e recriamos permanentemente, dando-lhe distintos significados a cada momento de sua produção segundo um dado contexto histórico-cultural. Dito de outra forma: o direito e o não direito, tal qual o justo e o injusto, o moral e o imoral, o ético e o estético, é em nós que ele existe5!

 

É que, afinal, graças à escrita, o discurso se liberta da tutela de intenção do autor, das circunstâncias e da orientação voltada para o leitor primitivo, sendo que a autonomia semântica que resulta dessa tríplice libertação assegura uma carreira independente do texto e abre para a interpretação um campo de exercício considerável6.

 

Daí que o direito, como o poder, não é uma coisa, mas relações/interações/interpretações, que é algo que se exerce, que se efetua, que funciona como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social7. Constitui, por isso, uma grande simplificação supor que o Estado seja a única fonte de direito ou que o direito se esgote no direito legislado8, já que cada um carrega dentro de si seus micro-sistemas jurídicos, e os faz, ou tenta fazê-los prevalecer, nos seus espaços de interação/exercício de poder.

 

Dizemos, por exemplo, o direito penal, primeiro, por meio dos processos de criminalização primária que vão culminar na edição de uma lei que diga o que é e não é crime, porque assim o exige o princípio da reserva legal (CF, art. 5°, XXXIX9); segundo, por meio dos processos de criminalização secundária, isto é, através das ações e reações das pessoas e instituições direta ou indiretamente relacionadas com o crime (Judiciário, Ministério Público, Polícia, advogados, imprensa, autor, vítima, parentes etc)10.

Assim, se não há crime nem pena sem lei anterior que o defina, segue-se que, por mais que uma conduta humana seja moralmente reprovável (v.g., o incesto), se não houver lei que a declare criminosa, criminosa não é, sendo jurídico-penalmente irrelevante. É a lei, portanto, que cria o crime, é a lei que cria o criminoso. Numa palavra: crime é só o que o legislador disser que é11.

 

Mas esse discurso aí não cessa, porque prossegue por meio dos processos de definição e reação social, isto é, os processos de criminalização secundária, que nada mais são do que continuum daquele. É que a rigor a lei nada prescreve, nada proíbe, nada autoriza ou permite, pois a lei prescreve ou não prescreve, proíbe ou não proíbe, autoriza ou não autoriza, permite ou não permite, o que dizemos que ela proíbe, autoriza ou permite, de modo que a lei diz o que dizemos que ela diz12.

 

Explicando melhor: prescreve a lei que o crime de estupro consiste em “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça” (CP, art. 213); parece óbvio saber em que reside o crime, pois. No entanto, o que vem a ser “mulher” para efeitos penais? Transexual, por exemplo, pode ser considerada mulher para fins penais, e, portanto, vítima de estupro? Há algum tempo uma conhecida judoca brasileira foi impedida de participar de competição por não ser mulher segundo as regras desportivas: não seria ela então passível de estupro? Práticas sado-masoquistas podem ser consideradas criminosas? Não faz muito tempo, autores importantes afirmavam que o marido não podia responder por crime de estupro contra a esposa, pois, diziam, entre os direitos inerentes ao casamento estava o de o marido poder dela dispor sexualmente, razão pela qual não lhe era dado oferecer resistência lícita13. Não bastasse isso, o Código equipara a estupro violento o “estupro” com “violência presumida”, isto é, praticado contra menores de catorze anos (CP, art. 22414) ou mulher que padeça de alienação mental, o que significa dizer que muitos “namoros” poderão ser interpretados como autênticos estupros (crime hediondo).

 

Tomemos um outro exemplo. A Constituição veda, expressamente, as “pena de morte” e “cruéis” (CF, art. XLVII15). Mas o que vem a ser pena de morte ou pena cruel? A resposta não é tão óbvia como parece.

 

É evidente que haverá pena de morte sempre que um juiz ou um tribunal proclamar a culpa de um réu e condená-lo criminalmente à pena capital, seja com um tiro de fuzil, seja por qualquer outro meio. A pena de morte é, enfim, um homicídio levado a cabo pelo Estado, legalmente. Mas veja: o art. 303, §2°, da Lei 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasileiro de Aeronáutica), alterada pela Lei n° 9.614/98, bem assim o Decreto n° 5.144, de 16 de julho de 2004, que o regulamentou, previu a destruição de aeronaves “hostis ou suspeitas de tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins”. Pergunta-se: não seria isso pena de morte/cruel por juízo de exceção, constitucionalmente vedada? Apesar disso, apreciando petição que argüia a inconstitucionalidade da aludida lei, o Procurador Geral da República, contrariamente, assinalou que “a medida de destruição não guarda relação com a pena de morte. Aliás, sequer pode ser considerada uma penalidade, porquanto não se busca, com sua aplicação, a expiação por crime cometido. Em realidade constitui, essencialmente, medida de segurança, extrema e excepcional, que só reclama aplicação na hipótese de ineficácia das medidas coercitivas precedentes. É importante frisar que tal medida tem por objeto a preservação da segurança nacional e a defesa do espaço aéreo brasileiro”16. Esse exemplo também demonstra, claramente, que o direito é, em última análise, realização/manifestação de poder.

 

Aliás, a própria pena privativa da liberdade, que consiste, em geral, no encarceramento do sujeito por anos a fio num ambiente antinatural (artificial), em espaço físico minúsculo, superlotado, sem salubridade, areação, privado quase que integralmente de contato com o mundo exterior, não seria, ela mesma, pena cruel?

 

Ademais, nenhum comportamento é criminoso em si mesmo, tudo dependendo das reações que desencadeia ou não desencadeia. Assim, se um pai sabe que um seu filho lhe subtraiu valores, provavelmente não tomará isso como um fato criminoso (“furto”), por isso não procurará a polícia, não fará funcionar a máquina estatal; tudo não passará de um problema de família e resolvido em família17. O próprio Código (CP, art. 181, II) prevê isenção de pena sempre que o crime for praticado contra “ascendente ou descendente”. Certamente, reações diversas teriam lugar se, ao invés de um filho, fosse autora do fato a empregada doméstica ou um estranho. De modo similar, o tráfico ilícito pressupõe que a droga seja “substância entorpecente ou capaz de produzir dependência física ou psíquica” (Lei 6.368/76, art. 12), que são as substâncias (ilícitas) assim definidas pelo Ministério da Saúde, um tanto arbitrariamente, dentro de um universo vastíssimo de drogas ou substâncias capazes de produzir dependência física ou psíquica, estando excluídos, por exemplo, tabaco, álcool etc. Mais: o assédio sexual (CP, art. 216-A), embora praticável por qualquer pessoa (crime comum), é um típico crime masculino, pois mui raramente um homem interpreta o assédio feminino como algo ofensivo ou criminoso.

 

Convém repetir, portanto: o direito é, antes de tudo, relações, interações, interpretações, decisões.

 

Naturalmente que o mesmo deve ser dito de todas as demais formas de ilícito (civil, trabalhista, administrativo), pois não há diferença relevante (ontológica) quanto ao que seja “violação contratual”, “esbulho possessório”, “justa causa” etc. O direito é um só, e, por conseqüência, a violação ao direito18 (o ilícito).

 

O direito não é, por conseguinte, somente o que o legislador diz que é; é também o que os juízes dizem que é, a partir e segundo múltiplos discursos de atores sociais múltiplos; é, pois, um discurso, uma prática (social) discursiva, socialmente construída, variável no tempo e no espaço, mais ou menos previsível e, no caso penal (mas não só nele), arbitrariamente seletiva, pois o sistema penal recruta sua clientela, quase sempre, sobre os grupos mais vulneráveis, notadamente autores de crimes patrimoniais (furto, roubo, estelionato), típica “criminalidade de rua”, própria de sujeitos socialmente excluídos.

 

Por isso que o direito não é apenas o que as normas dizem, mas também, e principalmente, o que dizemos que as normas dizem; não é só o dever ser, mas o ser. Tem razão, portanto, Arthur Kaufmann, quando assinala que “só quando a norma e situação de vida, dever e ser, são postos em relação, em correspondência um com o outro, surge o direito real: o direito é a correspondência entre o dever e o ser. O direito é uma correspondência, não tem um caráter substancial, mas sim relacional, o direito no seu todo não é, portanto, o complexo de artigos da lei, um conjunto de normas, mas sim um conjunto de relações19.

 

Assim, supor que a lei é o próprio direito seria confundir, v.g., o mapa com o território, o cardápio com a refeição; seria confundir, enfim, discurso e realidade, teoria e práxis, dever ser e ser, mesmo porque o direito constitui uma idéia, um conceito, que reenvia a outros tantos conceitos, que, à semelhança de compartimentos vazios, tem seus conteúdos preenchidos mais ou menos arbitrariamente pelas pessoas e autoridades que participam da sua construção social.

 

Exatamente por isso, editar uma legislação democrática ou laica não significa, necessariamente, adotar um direito democrático ou laico, sob pena de se confundir discurso e prática, teoria e práxis. É que o direito, uma prática social discursiva, não é só o que as leis dizem, mas, sobretudo, o que dizemos que as leis dizem, ou seja, o direito não é fato, mas interpretação, de sorte que, em última análise, o direito não está nos fatos ou nas normas, mas na cabeça das pessoas, motivo pelo qual, com ou sem alteração dos textos legais, está em permanente transformação.

 

Aliás, mesmo no âmbito jurídico-penal, ramo do direito em que a dogmática parece ter atingido maior nível de sofisticação, o recurso às categorias da tipicidade, ilicitude e culpabilidade não é capaz de desmentir o que se vem de afirmar. É que, se sob o aspecto material, o delito não existe, segue-se, logicamente, que também o seu conceito formal ou analítico – crime como fato típico, ilícito e culpável – é socialmente construído, de sorte que uma dada conduta será criminosa somente quando dissermos (aceitarmos) que é, um vez que tais categorias remetem a conceitos os mais variados: dolo, culpa, significância/insginificância, causalidade, legítima/ilegítima defesa, estado de necessidade/desnecessidade, coação física/moral/resistível/irresistível, obediência hierárquica, erro de proibição vencível/invencível, embriaguez voluntária/involuntária etc., os quais reenviam, por sua vez, a uma infinidade de conceitos outros, como vida, honra, patrimônio, agressão justa/injusta, intenção, previsão, consciência/inconsciência, boa/má-fé, prova lícita/ilícita, exigível/inexigível, valores, princípios etc. Não bastasse isso, o manuseio de tais conceitos se faz, não raro, de modo francamente arbitrário, como sói ocorrer, por exemplo, nos julgamentos pelo Tribunal do Júri, formado que é por leigos. De um certo modo, portanto, o direito não passa de uma constelação de metáforas20.

 

Releva notar, finalmente, que o conceito de direito, como de resto todo conceito, nada diz sobre o seu conteúdo, isto é, nada diz sobre as múltiplas formas que ele pode histórica e concretamente assumir, até porque todo conceito expressa em última análise uma previsão sobre o futuro a partir de uma experiência passada, a demonstrar que definir algo é de um certo modo legislar sobre o desconhecido, afinal, todo conceito é sempre um modo de apreensão formal da realidade; diz respeito às formas, e não aos conteúdos que pode assumir, os quais são variáveis no tempo e no espaço. Numa palavra: o conceito não é a própria coisa conceituada, mas sua representação abstrata, até porque toda forma de conhecimento é sempre uma forma de simplificação da realidade, uma apreensão sempre parcial do mundo e, pois, finita, dentro de um universo de representações possíveis. Talvez se possa dizer inclusive, à maneira de Nietzsche, que “o homem supõe possuir a verdade, mas o que faz é produzir metáforas que de modo algum correspondem ao real: são transposições, substituições, figurações”21.

 

É que todo conceito, por mais elaborado, tem, dentre outros, os seguintes limites, inevitavelmente: 1)outros conceitos, mais ou menos exatos, mais ou menos amplos, são igualmente possíveis; 2)todo conceito remete a outros conceitos, que remetem a experiências; 3)todo conceito, que é socialmente construído, só é compreensivo num espaço e tempo determinados, motivo pelo qual está em permanente mutação, ainda quando seus termos não são alterados; 4)todo conceito pretende valer para o futuro, mas é pensando e construído a partir de experiências passadas; 5)todo conceito, como expressão da linguagem, é estruturalmente aberto; 6)todo conceito é uma classificação e, portanto, uma simplificação, uma redução; 7)todo conceito está condicionado por pré-conceitos ou pré-juízos; 8)todo conceito é uma convenção.

 

Em conclusão, podemos afirmar, com Günter Abel, que não é mais a interpretação que depende da verdade (leia-se o direito), mas justamente o contrário, que a verdade depende da interpretação, pois nos processos de interpretação não se trata, primariamente, de descobrir uma verdade preexistente e pronta (leia-se um direito preexistente e pronto), uma vez que não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio que simplesmente estejam à nossa disposição aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência22.

 


Notas de rodapé

1Conforme se infere de alguns conceitos: “o direito é, pois, o conjunto de condições sob as quais o arbítrio de um se pode harmonizar com o arbítrio do outro, segundo uma lei universal da liberdade” (Kant, Metafísica dos Costumes, Parte I, p. 36, edições 70); “o domínio do direito é o espírito em geral; aí, a sua base própria, o seu ponto de partida está na vontade livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e o seu destino e que o sistema do direito é o império da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido como uma segunda natureza a partir de si mesmo” (Hegel, Princípios de Filosofia do Direito, p.12, Ed. Martins Fontes, trad. Orlando Vitorino, Martins Fontes, S. Paulo, 1997); “Direito é, pois, a realidade que possui o sentido de estar ao serviço do valor jurídico, da Idéia de direito” (Gustav Radbruch, Filosofia do Direito, p. 86, Armênio Amado Editor, Coimbra, 1997, 6ª edição, tradução de L. Cabral de Moncada); “Direito é a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos segundo valores” (Miguel Reale, Lições Preliminares de Direito, p. 67, Saraiva, S. Paulo, 2005).

 

2Calmon de Passos, Direito, Poder, Justiça e Processo, p. 67/68, Ed. Forense, Rio, 1999.

 

3Foucault, a Norma e o Direito, p. 160, Vega, Lisboa, 1993. De modo similar, Calmon de Passos afirma que o Direito “enquanto apenas formulação teórica, enunciado normativo, proposição ou juízo, ainda não é o Direito”, pois “o Direito é o que dele faz o processo de sua produção. Isso nos adverte de que nunca é algo dado, pronto, pré-estabelecido ou pré-produzido, cuja aplicação é possível mediante simples utilização de determinadas técnicas e instrumentos, com segura previsão das conseqüências”, razão pela qual “O Direito, em verdade, é produzido a cada ato de sua produção, concretiza-se com sua aplicação e somente é enquanto está sendo produzido ou aplicado”, Direito, Poder, Justiça e Processo, p. 67/68, Ed. Forense, Rio, 1999. Não por outra razão, afirmava Oliver Wendell Holmes que dizer o que o direito realmente significa é fazer profecias sobre os que os tribunais farão de fato. Textualmente: “the prophecies of what the courts will do in fact, and nothing more pretentious, are what I mean by th law”, apud Alexy, el concepto de derecho, cit., p. 23.

 

4Nietzsche, Para além do bem e do mal, n° 108, p.92, trad.Alex Marins, S. Paulo, Martin Claret, 2002.

 

5Só assim se explica, por exemplo, que, interpretando a Constituição americana, que vigora há mais de duzentos anos sem alteração no particular, tenha a Suprema Corte entendido, inicialmente, que o racismo era constitucional; mais tarde (década de 50), passou-se a considerar parcialmente inconstitucional; e, finalmente, a partir da década de 70, prevaleceu o entendimento de que o racismo é inteiramente inconstitucional. O que mudou, se o texto da lei é o mesmo desde então? A resposta é simples: o homem que o interpreta!

 

6Paul Ricouer, in o justo e a essência da justiça, Instituto Piaget, Lisboa, 1995. Afirmação idêntica faz Umberto Eco, para quem “um texto, uma vez separado do seu emissor (bem como da intenção do seu emissor) e das circunstâncias concretas da sua emissão (e conseqüentemente de seu referente implícito), flutua (por assim dizer) no vácuo de um espaço potencialmente infinito de interpretações possíveis. Conseqüentemente, texto algum pode ser interpretado segundo a utopia de um sentido autorizado fixo, original e definitivo. A linguagem sempre diz algo mais do que o seu inacessível sentido literal, o qual já se perdeu a partir do início da emissão textual, in os limites da interpretação. S. Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. XIV.

 

7Roberto Machado, por uma genealogia do poder, p. XIV, introdução a Microfísica do Poder, de Michel Foucault, Rio de Janeiro, Graal, 1995.

 

8Não sem razão, Boaventura de Souza Santos refere, além do direito estatal ou territorial, o direito doméstico, o direito de proteção, o direito da comunidade e o direito sistêmico, classificação que não é exaustiva. O direito doméstico – grandemente informal – é o direito do espaço doméstico, o conjunto de regras, de padrões normativos e de mecanismos de regulação de conflitos que resulta da, e na, sedimentação das relações sociais do agregado doméstico; o direito da produção é o direito da fábrica ou da empresa, o conjunto de regulamentos e padrões normativos que organizam o quotidiano das relações do trabalhado assalariado: códigos de fábrica, regulamentos da linha de produção, códigos de condutas dos empregados etc.; o direito da comunidade, como sucede com o espaço da comunidade, é uma das fontes de direito mais complexas, na medida em que cobre situações extremamente diversas, podendo ser invocado tanto pelos grupos hegemônicos como pelos grupos oprimidos; finamente, o direito territorial ou do estatal é o direito do espaço da cidadania e, nas sociedades modernas, é o direito central na maioria das constelações de ordens jurídicas, sendo que ao longo dos últimos duzentos anos, foi construído pelo liberalismo político e pela ciência jurídica como a única forma de direito existente na sociedade, in Crítica da razão indolente, p. 290 e ss, Cortez Editora, S. Paulo, 2000.

 

9Prescreve o aludido artigo que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.

 

10Como observa Vera Andrade, “a lei penal configura tão-só um marco abstrato de decisão, no qual os agentes do controle social formal desfrutam de ampla margem de discricionariedade na seleção que efetuam, desenvolvendo uma atividade criadora proporcionada pelo caráter “definitorial” da criminalidade (...) “pois entre a seleção abstrata, potencial e provisória operada pela lei penal e a seleção efetiva e definitiva operada pelas instâncias de criminalização secundária, medeia um complexo e dinâmico processo de refração”, in a Ilusão de Segurança Jurídica, p. 260, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 1997.

 

11Apesar disso, tem razão Niklas Luhmann quando, de uma perspectiva distinta, assinala que “o direito não se origina da pena do legislador. A decisão do legislador (e o mesmo é válido, como hoje se reconhece, para a decisão do juiz) se confronta com uma multiplicidade de projeções normativas já existentes, entre as quais ele opta com um grau maior ou menor de liberdade. Se não fosse assim, ela não seria uma decisão jurídica. Sua função, portanto, não reside na criação do direito, mas na seleção e na dignificação simbólica de normas enquanto direito vinculativo. Ele envolve um filtro processual, pelo qual todas as idéias jurídicas têm que passar para se tornarem socialmente vinculativas enquanto direito. Esses processos não geram o direito propriamente dito, mas sim sua estrutura em termos de inclusões e exclusões; aí se decide sobre a vigência ou não, mas o direito não é criado do nada. É importante ter em mente essa diferença, pois de outra forma a concepção do direito estatuído através de decisões pode ser ligada à noção totalmente errônea da onipotência de fato ou moral do legislador. É necessário, em outras palavras, diferenciar entre atribuição e causalidade. A proeminência especial do processo decisório (por instâncias legislativas ou por juízes) e sua relevância na positivação na vigência do direito não podem levar à interpretação como algo criativo ou causal; o direito resulta de estruturas sistêmicas que permitem o desenvolvimento de possibilidades e sua redução a uma decisão, consistindo na atribuição de vigência jurídica a tais decisões”, Sociologia do Direito II, p. 8, Biblioteca Tempo Universitário 80, Rio de Janeiro, 1985.

 

12Por isso afirma Lênio Luiz Streck que em rigor não existem julgamentos de acordo com a lei ou em desacordo com ela, porque o texto normativo não contém imediatamente a norma (Muller), a qual é construída pelo intérprete no decorrer do processo de concretização do direito, de sorte que, quando o juiz profere um julgamento considerado contrário à lei, na realidade está proferindo um julgamento contra o que a doutrina e a jurisprudência estabelecem como arbitrário. Conclui, então, Lênio, que “é necessário ter em conta que o Direito deve ser entendido como uma prática dos homens que se expressa em um discurso que é mais que palavras, é também comportamentos, símbolos, conhecimentos, expressados (sempre) na e pela linguagem. É o que a lei manda, mas também o que os juízes interpretam, os advogados argumentam, as partes declaram, os teóricos produzem, os legisladores criticam. É, enfim, um discurso constitutivo, uma vez que designa/atribui significado a fatos e palavras”, in Hermenêutica jurídica em crise, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1999, p. 210/211.

 

13Assim, Nélson Hungria: “questiona-se sobre se o marido pode ser, ou não, considerado réu no estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à prestação sexual. A solução justa é no sentido negativo. O estupro pressupõe cópula ilícita (fora do casamento). A cópula intra matrimonium é recíproco dever dos cônjuges (...). O marido violentador, salvo excesso inescusável, ficará isento até mesmo da pena correspondente à violência física em si mesma (excluído o crime de exercício arbitrário das próprias razões, porque a prestação corpórea não é exigível judicialmente), pois é lícita a violência necessária para o exercício regular de um direito”, Comentários ao Código Penal, p. 125/126, v.VIII, Forense, Rio, 1959. Assim também, Magalhães Noronha: “as relações sexuais são pertinentes à vida conjugal, constituindo direito e dever recíproco dos que casam. O marido tem direito à posse sexual da mulher, ao qual ela não pode se opor. Casando-se, dormindo sob o mesmo teto, aceitando a vida em comum, a mulher não se pode furtar ao congresso sexual, cujo fim mais nobre é o da perpetuação da espécie. A violência por parte do marido não constituiria, em princípio, crime de estupro, desde que a razão da esposa para não aceder à união sexual seja mero capricho ou fútil motivo, podendo, todavia, ele responder por excesso cometido”, Direito Penal, p. 70, V. 3, Saraiva, S. Paulo, 27ª edição, 2003.

 

14Diz o referido art. 224 do Código Penal que “presume-se a violência, se a vítima: a)não é maior de 14(catorze) anos; b)é alienada mental, e o agente conhecia esta circunstância; c)não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.

 

15Diz o artigo: “não haverá penas: a)de morte, salvo no caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; e)cruéis”.

 

16Processo PGR nº 1.00.000.000836/2005-71, pronunciamento subscrito por Cláudio Lemos Fonteles, então Procurador Geral da República, datado de 14/03/2005. Na representação formulada, os autores sustentaram a violação dos seguintes princípios: a)inviolabilidade da vida (art. 5°, caput); b)proibição da pena de morte em tempo de paz (art. 5°, XLVII, a); c)presunção de inocência (art. 5°, LVII); d)proibição de juízo ou tribunal de exceção (art. 5°, XXXVII); e)devido processo legal (art. 5°); f)prevalência dos direitos humanos (art. 4°, II); g)defesa da paz (art. 4°, VI); h)solução pacífica dos conflitos (art. 4°, VII); i)repúdio ao terrorismo (art. 4°, VII); j)legalidade; l) proporcionalidade (art. 5°); e m) inviolabilidade da propriedade (art. 5°, caput).

 

17Um caso real bem ilustra isso: A foi flagrada por abusar sexualmente de sua filha (B), de dois anos, e por isso foi presa, processada e condenada a 7 anos e seis meses de reclusão por crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), crime hediondo (Lei 8.072/90). O exame criminológico assim a diagnosticou: “personalidade primitiva, com nível mental baixo e conseqüente imaturidade intelectual e afetiva, que motivam os comportamentos regressivos que emite e que demonstram a dificuldade de adaptação ao meio social. Evidencia baixo nível de tolerância às frustrações, às quais reage com atitudes oposicionistas e agressivas, manifestadas através de descargas emocionais intensas, que refletem a dificuldade de controle sobre os impulsos. Em conseqüência, o processo de Inter-relação social torna-se difícil, sobretudo quando adota atitudes de supervalorização de si mesmo como uma forma de compensar o sentimento de inferioridade que procura dissimular”. Ora, tivesse essa história se passado numa família de classe média ou alta e outro seria o desfecho: certamente, a família submeteria A a tratamento psicológico/psiquiátrico, a sessões de análise ou semelhante, e, no máximo, lhe tiraria, provisória ou definitivamente, a guarda da criança (B). Assim, não haveria polícia, nem crime, nem pena, nem prisão; tudo não passaria de um “problema de família” e resolvido em família.

 

18Como escreve Hungria, na diversidade de tratamento dos fatos antijurídicos, a lei não obedece a um critério de rigor científico ou fundado numa distinção ontológica entre tais fatos, mas, simplesmente, a um ponto de vista de conveniência política, variável no tempo e no espaço, Comentários, v.1., t.2, p. 29.

 

19Filosofia do Direito, p. 219, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2004. Diz Del Vecchio, no entanto, a partir de postulados kantianos, que a noção universal do direito é anterior à experiência jurídica, aos fenômenos jurídicos singulares, sendo a experiência apenas a aplicação ou verificação daquela forma. Assim, “uma proposição só é jurídica na medida em que participar da forma lógica (universal) do Direito. Fora desta forma, indiferente ao conteúdo, nenhuma experiência jurídica é possível. Sem ela, falta a qualidade que permite adscrevê-la a esta espécie de experiência. A forma lógica do Direito é um dado a priori – ou seja, não empírico – e constitui, precisamente, a condição da experiência jurídica em geral”, in Lições de Filosofia do Direito, p. 344/345, Coimbra, 1979.

 

20Como disse Nietzsche, se houvesse uma escola para legisladores, seria importante ensinar que palavras como lei, direito, dever, propriedade e crime constituem em si mesmas uma abstração sem valor e à espera de conteúdo, cor e significado de acordo com as circunstâncias particulares que as incrementam, in a minha irmã e eu. Editora Moraes: S. Paulo, 1992, p. 42/43. Convém advertir que se trata de um texto um tanto apócrifo, cuja autoria atribuída a Nietzsche não foi reconhecida por Walter Kaufmann, um de seus maiores estudiosos.

 

21Roberto Machado. Nietzsche e a verdade. S.Paulo: graal, 2ª edição, 2002.

 

22Verdade e intepretação, in Nietzsche na Alemanha, org. Scarlett Merton, discurso editorial, S. Paulo, 2005, p. 179/199.


Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 13 de junho de 2008


Sobre o autor

Paulo Queiroz

Doutor em Direito (PUC/SP), é Professor Universitário (UniCeub), Procurador Regional da República em Brasília, e autor, entre outros, do livro Direito Penal, parte geral, 3ª edição, Saraiva, 2006.

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