Sumário: 1 – Considerações introdutórias; 2 – Princípios e regras aplicáveis à execução provisória; 2.1 – Identidade do meio executório (art. 475-O, caput, do CPC); 2.2 – Responsabilidade objetiva do exeqüente; 2.2.1 – A execução provisória corre por iniciativa do exeqüente; 2.2.2 – A execução provisória corre por conta e responsabilidade do exeqüente; 2.2.3 – Reparação dos danos e sua abrangência; 2.2.4 – Reforma ou anulação da sentença exeqüenda; 2.3 – Restituição ao estado anterior; 2.4 – Caução; 2.4.1 – A caução do art. 475-O, inciso III, do CPC é obrigatória?; 2.4.2 – Hipóteses de dispensa da caução (art. 475-O, § 2.º); 2.4.3 – Momento de prestação da caução; 2.4.4 – Procedimento de prestação da caução; 2.5 – Procedimento da execução provisória; Referências bibliográficas.
Resumo: O presente artigo busca evidenciar a execução provisória da sentença no Código de Processo Civil, dentro de uma perspectiva legal, assim como dos princípios que a permeiam. Dentro desse quadro, procurar-se-á apontar, inicialmente, o ambiente propício para se estudar tal instituto e perquirir se, com as inovações operadas pelas Leis n.os 10.444/02, 11.232/05 e 11.382/06, foi atribuído a abrangência e a eficácia processual desejadas pelos processualistas e pela sociedade no sentido de se conceder maior tempestividade e efetividade à tutela jurisdicional prestada pelo Estado para, posteriormente, proceder-se à sua análise no direito brasileiro, tratando-se de averiguar os princípios e regras que a regem e o procedimento a ser adotado para sua efetivação.
Abstract: This article seeks to make clear the provisory execution of the sentence in the civil process code, within a legal perspective, as well as the principles which permeate it. In this way, one will try to show, initially, the most propitious environment to study such institution and inquire whether, with the innovations accomplished by the laws # 10,444/02; 11,232/05 and 11,382/06, it was imputed the encompassment and the procedural effectiveness wished by proceduralists and the society willing to give themselves more opportuneness and effectiveness to the jurisdictional protection performed by the State in order to, later, proceed with its analysis in the Brazilian law, by attesting its principles which rule it and the procedure to be adopted for its effectuation.
Palavras-chave: Nova execução provisória da sentença – Princípios e regras – Procedimento.
Keywords: The new provisory execution of the sentence – Principles and rules – Procedure.
1. Considerações introdutórias
A problemática da tempestividade e efetividade da tutela jurisdicional vem sendo alvo de grande preocupação dos operadores do direito. Sabe-se que a morosa composição da lide pelo Estado-Juiz, além de ser causa de instabilidade social, uma vez que pode fomentar outros conflitos de interesses, é também fonte de prolongamento de angústias entre os litigantes. Daí por que se dá tanta importância, hodiernamente, ao processo como elemento de pacificação social [1].
Ocorre, entretanto, que não é possível agilizar tanto o procedimento a ponto de se preterirem certas garantias asseguradas pelo sistema às partes. Diante disso, é importante que o legislador pátrio faça um juízo de ponderação entre dois valores, de certo modo contrastantes, a fim de se encontrar um ponto de equilíbrio. Se, de um lado, deve-se prestigiar a celeridade processual como forma de se obter, o mais rápido possível, o deslinde do litígio e, conseqüentemente, tentar-se alcançar a pacificação social; de outro, não se pode olvidar o valor justiça, que impõe que se conceda aos litigantes a ampla possibilidade de apresentarem suas razões com o intuito de aprimoramento das decisões [2].
Aliás, é justamente esse um dos contextos em que se trabalha a idéia do processo civil como um sistema de certezas, probabilidades e riscos. Com efeito, o processo não é um campo onde se impera a indubitabilidade. Por diversas vezes, é imprescindível que tanto o legislador como o juiz operem com as noções de probabilidades e riscos, assumindo ambos a possibilidade de cometerem erros, mas, ao mesmo tempo, oferecendo-se àqueles que foram prejudicados mecanismos suficientes para que sejam reparados [3].
Percebe-se, assim, que este é o ambiente propício para se estudar a execução provisória [4] da sentença no Processo Civil [5]. Deveras, a origem de tal instituto proveio da necessidade em garantir-se maior efetividade ao processo. Malgrado tenha o ordenamento jurídico pátrio outorgado ao litigante vencedor, que teve o seu direito reconhecido por uma sentença, impugnada por recurso sem efeito suspensivo, o direito de executá-la, esse mesmo ordenamento não descurou dos eventuais direitos do devedor-recorrente-executado que, posteriormente, poderá reverter sua situação desfavorável, caso essa decisão de primeiro grau seja anulada ou reformada.
Mesmo sendo a execução provisória um importante mecanismo em prol da efetividade do processo, tal tema, contudo, não despertou a merecida atenção da doutrina. Talvez esse grande desinteresse, de um modo geral, ocorra por acreditar-se que tal instituto ainda não se afigura um mecanismo eficiente e útil para a realização da justiça, embora houvesse significativos avanços com a edição das Leis n.os 10.444/02, 11.232/05 e 11.382/06. Na verdade, faltou mais ousadia ao legislador para ampliar a abrangência e eficácia processual da execução provisória. Para tanto, poderia o mesmo ter conferido ao juiz de primeiro grau o poder de atribuir efeito suspensivo à apelação apenas nas situações em que o cumprimento provisório da sentença pudesse acarretar dano irreparável ao executado, o que, aliás, já é regra nos Juizados Especiais Cíveis (art. 43 da Lei n.º 9.099/95) [6]. Para Marinoni e Arenhart, essa modificação teria o condão de facilitar a utilização de tal instituto por quatro motivos, a saber: a) desestimularia a interposição de recursos com caráter meramente protelatório; b) valorizaria a figura do juiz de primeiro grau, pois conferiria à sentença a possibilidade de produção de efeitos imediatos na vida dos litigantes; c) seria uma forma de concretizar-se, no plano infraconstitucional, o princípio da isonomia ou da igualdade, uma vez que ambos os litigantes suportariam, de maneira harmônica, o ônus da morosidade processual [7]; d) acabaria com uma contradição existente no direito processual civil brasileiro, que atribui eficácia imediata à decisão antecipatória de tutela, não obstante ser esta fundada em cognição sumária e superficial (art. 273 do CPC), e, paradoxalmente, não permite que a sentença – decisão fundada em cognição exauriente –, via de regra, tenha efeitos imediatos [8].
É justamente por essas razões e procurando complementar as alterações pertinentes à execução provisória e ao cumprimento da sentença que o Instituto Brasileiro de Direito Processual apresentou substitutivo ao projeto de Lei n.º 3.605/2004, que altera o art. 520 do Código de Processo Civil, para conferir à apelação tão-somente o efeito devolutivo, devendo, todavia, o magistrado dar-lhe efeito suspensivo quando houver disposição expressa de lei, ou quando interposta de sentença: I – proferida em ação relativa ao estado ou capacidade da pessoa; II – diretamente conducente à alteração em registro público; III – cujo cumprimento necessariamente produza conseqüências práticas irreversíveis; IV – que substitua declaração de vontade; V – sujeita a reexame necessário [9]. Se esse projeto vier realmente a tornar-se lei, a exeqüibilidade imediata e automática da sentença passa a ser regra no Código de Processo Civil pátrio, assim como já ocorre no direito italiano.
Feitas essas considerações inicias, passamos a tratar, ainda que de forma sucinta, dos princípios e regras atinentes ao instituto da execução provisória da sentença.
2. Princípios e regras aplicáveis à execução provisória
Com as alterações promovidas pela Lei n.º 11.232/05, a execução provisória da sentença, antes regida pelos arts. 588-590, está disposta doravante no art. 475-O, que, apesar de pouco ter modificado a sistemática anterior, trouxe algumas novidades interessantes.
2.1 Identidade do meio executório (art. 475-O, caput, do CPC)
De acordo com o caput do art. 475-O, a execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva.
Um primeiro ponto a merecer consideração diz respeito às espécies de decisões abrangidas pelo dispositivo mencionado. É dizer: o legislador, ao utilizar o vocábulo sentença, quis referir-se tão-somente a esse ato decisório de primeiro grau ou tal expressão abrange outros atos jurisdicionais?
Parece-nos que, ao utilizar tal termo, o legislador quis referir-se aos seguintes atos jurisdicionais desde que pendente, contra os mesmos, algum recurso não dotado de efeito suspensivo:
a) as sentenças condenatórias, declaratórias e constitutivas: a orientação tradicional limita a execução provisória às sentenças de natureza preponderantemente condenatória, visto que somente dessa espécie de decisão é que decorreria um título executivo judicial apto a ensejar uma posterior execução [10]. O principal fundamento para esse entendimento residia no revogado art. 584, inciso I, do CPC, que dispunha ser título executivo judicial a sentença condenatória proferida no processo civil.
Sucede, todavia, que o art. 475-N, inciso I, que substituiu o antigo art. 584, inciso I, não fez menção expressa à sentença condenatória. Resta saber se, atualmente, esse provimento é, ou não, considerado título executivo.
Parece-nos que não há nenhuma dúvida em relação a esse questionamento. Isso porque a sentença condenatória é – e sempre foi – o título executivo por excelência. O fato de o art. 475-N, inciso I, dispor expressamente ser título executivo judicial "a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação [...]" não é empecilho para considerar-se a sentença condenatória como tal. A razão é simples: todas as vezes em que o juiz condena o devedor ao cumprimento de uma prestação, primeiramente, ele reconhece a existência da obrigação a ser adimplida e, só posteriormente, é que aplica a sanção executiva, consistente em criar o título para a pronta execução forçada. Eis o motivo pelo qual se diz que toda sentença de mérito é portadora de uma declaração [11]. Como se não bastasse, uma leitura atenta do art. 475-J ratifica o esclarecimento acima, porquanto tal dispositivo refere-se expressamente ao vocábulo condenação [12].
Em relação às decisões com preponderância declaratória, tem-se permitido a antecipação de efeitos secundários (ou indiretos) decorrentes da declaração ou mesmo de pedidos sucessivos, mas jamais da certeza decorrente da declaração em si, que somente ocorre com o trânsito em julgado da decisão [13].
Basta imaginar, a título de ilustração, uma demanda declaratória de investigação de paternidade [14] cumulada com alimentos. Nesse caso, é admissível a execução provisória destes, tendo em vista que tal pedido possui caráter preponderantemente condenatório, além de ser sucessivo e conexo ao pedido principal referente ao acertamento da relação jurídica de paternidade.
De outro lado, com a redação dada ao art. 475-N, inciso I, do CPC, é plenamente aceitável o posicionamento que confere eficácia executiva também às sentenças declaratórias contanto que as mesmas reconheçam todos os elementos da obrigação (quem deve, a quem se deve, se é devido e quanto se deve) [15]. Tal interpretação assenta-se na cláusula "que reconheça a existência de obrigação" constante daquele dispositivo. De fato, não parece razoável a exigência de propositura de uma nova demanda com o único objetivo de obtenção de uma nova sentença, agora, com o atributo da eficácia condenatória [16], quando já se tem um provimento que define todos os elementos da obrigação. Em sendo assim, pode-se concluir que tais sentenças declaratórias são provisoriamente exeqüíveis em todas aquelas hipóteses em que o legislador permite a execução provisória das sentenças com eficácia preponderantemente condenatória.
No que diz respeito às decisões com preponderância constitutiva, admite-se a produção antecipada de determinados efeitos provenientes da procedência da demanda, e não a constituição definitiva propriamente dita. Para tanto, é indispensável a inexistência de vedação legal em sentido contrário [17]. É o que ocorre com a sentença que decreta a interdição (art. 1.184, 1ª parte, do CPC e art. 1.773 do CC), tendo em vista que esta cria para o interditando uma situação jurídica nova antes do trânsito em julgado da decisão, consistente em instituir-lhe curador [18]. Outra hipótese de sentença constitutiva apta a gerar efeitos imediatamente é aquela que "julga procedente o pedido de instituição de arbitragem" (art. 520, inciso VI, CPC). Tal decisão é constitutiva positiva, porquanto institui o juízo arbitral imediatamente, devendo o árbitro iniciar, a partir desse momento, sua atividade [19].
Ademais, nos casos em que houver cumulação sucessiva de pedidos, a sentença constitutiva pode ser objeto de cumprimento provisório no capítulo concernente ao pedido de caráter condenatório caso este seja acessório ou subordinado ao principal. Com efeito, se há permissão para execução antecipada do capítulo condenatório, é porque se está, logicamente, admitindo a produção de efeitos imediatos do provimento constitutivo conexo, dependente ou prejudicial à referida condenação [20]. Imagine-se, por exemplo, uma demanda de anulação de contrato por vício do consentimento cumulada com repetição de indébito. É perfeitamente possível executar-se provisoriamente o capítulo condenatório referente à repetitio.
b) as sentenças que reconhecem obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia: pelo inciso III do art. 475-O, a primeira impressão que se tem é que as regras relativas à execução provisória incidiriam apenas sobre as sentenças que reconhecem obrigação de pagar quantia, pois apenas na execução por quantia há penhora e expropriação de bens.
Acontece, porém, que mesmo as sentenças que reconhecem obrigação de conduta (fazer ou não-fazer) ou obrigação de entregar coisa, desde que impugnadas por recurso sem efeito suspensivo, podem ser objeto de cumprimento provisório, devendo ser aplicadas, no que couber, todas as regras e princípios relativos ao mesmo [21].
c) as sentenças condenatórias que versam sobre direitos e obrigações sujeitos a condição ou termo (condenação condicional ou para o futuro): é cabível a execução provisória de obrigações periódicas já vencidas, não importando se algumas delas tenham se constituído depois da prolação da sentença condenatória [22].
d) as sentenças homologatórias de transação ou reconhecimento do pedido, sendo mister que haja obrigação a ser cumprida por uma das partes. O legislador dispôs expressamente que tais sentenças de mérito são títulos executivos judiciais e, portanto, possuem força executiva (CPC, art. 475-N, inciso III) [23];
e) as sentenças genéricas [24]: antes da entrada em vigor da Lei n.º 11.232/05, havia forte discussão doutrinária sobre o cabimento de liquidação da sentença genérica enquanto pendente contra esse provimento recurso sem efeito suspensivo.
O entendimento majoritário era no sentido da admissibilidade da liquidação da sentença desde que o recurso interposto contra a mesma fosse recebido tão-somente no efeito devolutivo. Tal posicionamento, além de não acarretar qualquer prejuízo ao devedor, estava em consonância com os princípios da efetividade e economia processual [25].
Com o surgimento da Lei n.º 11.232/05, o art. 475-A, § 2.º, do CPC previu expressamente a possibilidade de se requerer a liquidação na pendência de recurso. Questão interessante que tem causado divergência concerne à permissão, ou não, de se fazer requerimento de liquidação da sentença na pendência de recurso com efeito suspensivo.
Tem-se permitido, de um modo geral, a liquidação da decisão judicial, independentemente do recurso interposto ser recebido, ou não, no efeito suspensivo, uma vez que o legislador fala tão-somente "na pendência de recurso", sem fazer menção expressa aos efeitos nos quais este foi recebido. Esse entendimento não só atende aos princípios da efetividade e economia processual, como também não acarreta nenhum prejuízo ao réu porque, na hipótese de o recurso ser recebido no efeito suspensivo, malgrado possa o credor, desde logo, liquidar o direito constante do título, isso não significa que ele possa efetivar imediatamente a decisão recorrida [26].
O professor Luiz Wambier, entretanto, sustenta que a denominada liquidação provisória "só é possível nos casos em que a apelação tenha sido recebida sem efeito suspensivo". Para tanto, invoca o art. 521, 1.ª parte, do CPC, o qual dispõe que recebida a apelação com efeito suspensivo, "o juiz não poderá inovar no processo" [27].
Não obstante respeitarmos tal posicionamento, parece-nos que não agiu com acerto o professor paranaense. Ora, se a liquidação da sentença somente é permitida após a sua prolação, sendo esta proferida, o que se veda é a sua alteração e a rediscussão da lide, e jamais a impossibilidade de se proceder à sua liquidação (art. 463 c/c art. 475-G).
f) a sentença atacada por apelação não recebida pelo juízo a quo desde que interposto agravo de instrumento contra esta última decisão [28];
g) as decisões interlocutórias (conquanto esteja pendente recurso de agravo, desprovido de efeito suspensivo) [29]: é o que ocorre com as decisões interlocutórias que antecipam a tutela (vd. art. 273, § 3.º); e
h) os acórdãos dos tribunais a quo impugnados mediante recurso especial e recurso extraordinário (arts. 497, primeira parte, e 542, § 2.º), sendo necessária a admissão de tais recursos [30]. Do mesmo modo, não tem o condão de impedir a execução provisória, a interposição de agravo de instrumento de decisão denegatória desses recursos (art. 544, caput) [31].
Uma outra questão que merece ser comentada está relacionada à redação dada ao caput do art. 475-O. Em relação ao caput do revogado art. 588, tal dispositivo acrescenta somente a expressão "no que couber", deixando para a doutrina a tarefa de delimitar a extensão dessa norma.
Durante a vigência da Lei n.º 10.444/02, a interpretação dada ao princípio da identidade do meio executório era no sentido de que o processo e o procedimento da execução provisória eram, de modo geral, iguais ao da execução definitiva. Ressalvava-se, contudo, que algumas normas, em razão de suas especificidades, eram aplicadas apenas àquela espécie de execução, como, por exemplo, a exigência de prestação de caução pelo exeqüente nas hipóteses mencionadas no inciso II do antigo art. 588 [32]. Acolhendo-se essa interpretação, a previsão expressa da cláusula "no que couber" pelo caput do art. 475-O não passaria de mera superfluidade.
Ratifica, ainda, esse entendimento a norma supletiva constante do art. 475-R, que manda aplicar subsidiariamente ao cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia, desde que cabíveis, as regras que tratam do processo de execução de título extrajudicial.
Entretanto, uma outra interpretação vem sendo dada à expressão "no que couber". De acordo com essa hermenêutica, o caput do art. 475-O teria outorgado explicitamente ao juiz, na execução provisória, uma maior liberdade para ele alterar não só a forma, como também a ordem dos atos executivos, tudo com vistas a realizar, no menor espaço de tempo possível, o direito já reconhecido pela sentença [33].
Note-se, porém, que, antes de serem excludentes, tais interpretações se complementam. Resta, agora, esperarmos a posição a ser adotada pelos Tribunais em relação a esse novo dispositivo.
2.2 Responsabilidade objetiva do exeqüente
2.2.1 A execução provisória corre por iniciativa do exeqüente
De acordo com o art. 475-O, inciso I, do CPC o exercício da execução provisória consiste numa faculdade outorgada ao exeqüente para que satisfaça seus direitos em um menor espaço de tempo. Tal dispositivo, além de não exigir a prestação de caução como requisito para dar início ao cumprimento provisório da sentença, não prevê nenhum prazo para que o exeqüente a requeira, permitindo-se, destarte, que o pedido seja feito a qualquer tempo [34]. Por se tratar de uma faculdade, caberá unicamente a ele decidir sobre o início, ou não, dessa técnica expedita de satisfação de direitos, vedando-se ao magistrado principiá-la de ofício.
Embora não constasse expressamente no inciso I do revogado art. 588 o vocábulo "iniciativa", a doutrina era unânime em reconhecer a necessidade de o credor-exeqüente promover a execução provisória da sentença [35], de sorte que, a nosso ver, a inclusão dessa palavra não se deu exclusivamente por esse motivo. Na verdade, o que o legislador pretendeu foi dar um tratamento homogêneo e coerente ao sistema concernente ao cumprimento de sentença que reconheça obrigação de pagar quantia. E como o art. 475-O faz parte dessa sistemática, parece-nos inarredável a aplicação da disciplina contida na Lei n.º 11.232/05, inclusive do caput do art. 475-J, para o cumprimento provisório da sentença.
Em sendo assim, ao se dar ciência ao devedor de que o credor pretende promover a execução provisória, a partir de então começará a fluir o prazo de 15 dias para o cumprimento da decisão. Caso isso não ocorra, a multa de 10% incidirá normalmente sobre o valor da condenação e, desde que haja requerimento do exeqüente, será expedido mandado de penhora e avaliação, observando-se, em seguida, o disposto nos parágrafos do art. 475-J [36] [37]-.
2.2.2 A execução provisória corre por conta e responsabilidade do exeqüente
Optando em manejar a execução provisória, o exeqüente não só assume a obrigação de reparar todos os danos que o executado haja sofrido em razão da reforma ou anulação da sentença [38], mas, outrossim, fica incumbido do dever de adiantar as despesas judiciais relativas a esse procedimento.
Deve-se observar que essa responsabilidade do credor-exeqüente, além de ser objetiva, decorre diretamente da lei, sendo, desse modo, desnecessária a análise dos motivos que o levaram a tomar tal atitude. Vale dizer, pelo simples fato de propor a execução provisória, ele já assume o risco do seu desfazimento [39]. E caso isso realmente ocorra, todas as despesas por ele adiantadas não poderão ser cobradas do executado, considerando-se o risco que a propositura da execução provisória representa ao credor-exeqüente [40].
2.2.3 Reparação dos danos e sua abrangência
Se houver parcial ou total reforma ou anulação do provimento objeto da execução provisória, o exeqüente fica obrigado a reparar todos os danos que o executado haja sofrido. Note-se que a atual redação do inciso I do art. 475-O não faz menção à reparação dos "prejuízos que o executado venha a sofrer" (inciso I do art. 588), mas sim dos danos que ele já tenha sofrido.
A substituição da palavra prejuízo por dano não era imprescindível, tendo em vista a sinonímia entre tais expressões.
Já a modificação do enunciado "venha a sofrer" por "haja sofrido" surgiu em boa hora, pois corrigiu uma precisão terminológica há muito criticada pela doutrina. Ora, indenizam-se unicamente aqueles danos suportados pelo executado que ficarem demonstrados no incidente de liquidação, e não os danos porvindouros [41].
Deve-se acentuar, de outro lado, que, em virtude da ampla indenização a que tem direito o executado, tanto os danos materiais quanto os danos morais serão ressarcidos integralmente pelo exeqüente na hipótese de a execução provisória convolar-se em injusta [42].
2.2.4 Reforma ou anulação da sentença exeqüenda
Diversas críticas foram dirigidas pela doutrina à redação original do inciso I do art. 588, seja em razão da atecnia das expressões "credor" e "devedor", substituídas, posteriormente, por exeqüente e executado, seja em virtude da imposição ao exeqüente do ônus de caucionar, em todo e qualquer caso, para proceder à execução provisória.
Apesar das censuras direcionadas a tal dispositivo, em pelo menos um aspecto ele é merecedor de encômios, já que não restringia a responsabilidade do exeqüente unicamente à hipótese de reforma da sentença exeqüenda.
Pelo inciso I do art. 475-O – que é o atual dispositivo correspondente ao primitivo inciso I do art. 588 –, à primeira vista, parece ter sido o exeqüente alforriado de reparar os danos causados ao devedor no caso de anulação (invalidação) do título que fundamenta a execução adiantada. Esse entendimento, aliás, tem sido acolhido por alguns doutrinadores, sob o fundamento de que apenas na reforma da sentença ter-se-ia uma situação jurídica consolidada que geraria a responsabilidade do exeqüente. Diferentemente, quando há a invalidação (anulação) da decisão pelo tribunal e o retorno dos autos ao juízo a quo para que este examine novamente o mérito da causa, alegam que é perfeitamente possível que essa nova decisão tenha o mesmo teor daquela outra já proferida, o que confirmaria os meios executórios anteriormente praticados, inexistindo, por esse motivo, danos a serem reparados pelo exeqüente [43].
Conquanto respeitáveis os argumentos esposados por essa corrente doutrinária, algumas considerações são necessárias. Primeiramente, insta acentuar que, mesmo nas situações em que há a anulação da sentença exeqüenda, a execução provisória poderá acarretar danos ao executado, independentemente de futura prolação de outra decisão novamente favorável ao exeqüente. Basta imaginar-se a hipótese em que determinado bem do executado foi penhorado em razão de sentença passível de anulação. Enquanto esta não vier a ser decretada pelo tribunal, se esse bem, objeto de constrição judicial, estiver na posse do exeqüente ou de terceiro-depositário, o executado estará sendo privado ilegitimamente de usufruí-lo. Essa privação, por motivos óbvios, lhe é extremamente prejudicial, podendo acarretar-lhe consideráveis prejuízos patrimoniais. Do mesmo modo, embora não esteja o executado privado de dispor desse bem no curso da execução provisória, a penhora já é suficiente para reduzir-lhe o preço e afastar possíveis adquirentes [44].
Diante dessas observações, é indiscutível que a execução provisória pode acarretar danos ao executado no caso de a decisão exeqüenda ser anulada pelo tribunal. Resta, agora, saber a quem deve ser atribuída a responsabilidade pela reparação desses prejuízos, uma vez que, pelo inciso I do art. 475-O, o exeqüente somente responderia na hipótese de reforma da sentença.
Poder-se-ia perfeitamente defender a tese de que, nessa situação, o Estado é o responsável, porquanto, por meio do juiz, estaria concedendo ao exeqüente a faculdade de proceder ao cumprimento provisório da sentença em caso no qual não é cabível. O fundamento, para tanto, seria o art. 5.º, inciso LXXV, da Constituição Federal, que impõe o dever do Estado indenizar o condenado por erro judiciário. Conforme explica o professor Sergio Cavalieri Filho,
por erro judiciário deve ser entendido o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém, tanto na órbita penal como civil; ato emanado da atuação do juiz (decisão judicial) no exercício da função jurisdicional [45] [grifos nossos].
Ora, ao exercer atividade tipicamente judiciária, o juiz, representando o Estado, pode cometer os chamados errores in iudicando e in procedendo, espécies do gênero erros judiciais [46]. Em ambos os casos, o Estado poderá ser responsabilizado pelos prejuízos causados [47].
Pois bem, ao interpor recurso, visando à anulação da sentença, objeto da execução provisória, o executado pretende que o tribunal decrete sua nulidade por vício de procedimento, já que tal decisão padece de um defeito. Se isso ocorrer, a execução provisória cessará imediatamente, devendo o exeqüente, em nossa opinião, e não o Estado, reparar os prejuízos causados ao executado pela anulação da decisão exeqüenda.
A despeito da ilegalidade da sentença que serviu de suporte à execução provisória e de haver um evidente erro judicial, não nos parece possível admitir a responsabilidade do Estado nesse caso. Isso porque o art. 5.º, LXXV, da Constituição Federal, ao mencionar "o condenado por erro judiciário", quis, com a devida vênia dos entendimentos contrários, limitar essa responsabilidade apenas aos atos de natureza penal. Em se tratando de atos de natureza cível que ocasiona danos à parte, poderá esta se valer dos recursos para postular a revisão da decisão injusta ou equivocada [48]. Impor, de maneira absoluta, a responsabilidade do Estado nessas hipóteses seria um despropósito sem tamanho, haja vista que a jurisdição é exercida por magistrados e, como seres humanos que são, estão passíveis a erros [49].
Diante disso, embora a sentença exeqüenda porte um vício capaz de invalidá-la, deverá o exeqüente ser responsabilizado pelos danos causados ao executado, pois foi ele quem decidiu proceder ao cumprimento provisório da decisão que lhe era favorável. Logo, se ele assumiu os riscos inerentes a esse adiantamento, deverá responder por tais prejuízos [50]. Eis por que entendemos que a expressão "reformada", utilizada no inciso I do art. 475-O, foi utilizado em sentido amplo, de modo a abranger não só a reforma propriamente dita (total ou parcial), como também a anulação [51].
Aliás, pode-se chegar a conclusão idêntica à acima exposta caso se proceda a uma interpretação lógico-sistemática dos incisos I e II e do § 1.º do art. 475-O [52].
2.3 Restituição ao estado anterior
Execução provisória é aquela fundamentada em título provisório, porquanto passível de modificação por meio de recurso ainda pendente de julgamento, e que tenha sido recebido sem efeito suspensivo.
É justamente em razão dessa provisoriedade do título que é possível que os atos até então praticados sejam desconstituídos caso seja dado provimento ao recurso interposto pelo executado (art. 475-O, inciso II, do CPC).
Em caso de provimento total do recurso, a sentença que fundamenta tal execução desaparece, extinguindo-se, por via de conseqüência, o cumprimento provisório. Nada impede, de outro lado, que decisão posterior substitua ou rescinda apenas em parte a decisão exeqüenda. Se isso ocorrer, a execução provisória continua somente em relação ao capítulo não atingido (art. 475-O, § 1.º, CPC).
Como se percebe, o art. 475-O, inciso II, incorporou as regras que anteriormente estavam previstas nos incisos III e IV do art. 588. No entanto, tratou de esclarecer que a modalidade de liquidação cabível é a por arbitramento e que a apuração de eventuais prejuízos causados ao executado se dará nos mesmos autos em que se processou a execução provisória.
Conforme a redação original do art. 588, inciso III, a execução provisória ficava sem efeito, se sobreviesse sentença que modificasse ou anulasse a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.
Não obstante tenha a Lei n.º 10.444/02 substituído a expressão "sentença" por "acórdão" – modificação, aliás, mantida pela Lei n.º 11.232/05 –, o art. 475-O, inciso II (antigo art. 588, incisos III e IV) não está imune a críticas. Conforme visto anteriormente, fora a sentença, outros provimentos são exeqüíveis provisoriamente. Além do mais, decisões há capazes de anularem ou modificarem aquela objeto de execução provisória que não o acórdão [53]. Daí por que parte da doutrina tem sugerido uma leitura diferente desse preceito no sentido de substituir-se as expressões "acórdão" e "sentença" pelo vocábulo "decisão" [54].
Outra alteração efetuada pela Lei n.º 10.444/02, que permaneceu inalterada pela Lei n.º 11.232/05, concerne à substituição da cláusula "restituindo-se as coisas ao estado anterior" por "restituindo-se as partes ao estado anterior".
Tal modificação ocorreu com vistas a proteger direitos de terceiros de boa-fé que tenham ocasionalmente adquiridos bens levados a hasta pública. De fato, se fosse para restituir as coisas ao estado anterior, todos os atos executivos, até então praticados, seriam considerados sem efeitos, o que acarretaria uma grave insegurança nas relações jurídicas, pois a reforma ou a anulação do provimento, objeto de execução provisória, estaria atingindo terceiros de boa-fé que não figuraram como partes no processo. Diante desse panorama, a melhor solução parece ser aquela que impõe ao executado a via da indenização pecuniária para a reparação dos danos que lhe foram causados pela execução injusta [55]. Reforça esse entendimento, de outro lado, a nova redação dada pela Lei n.º 11.382/06 ao art. 694, caput e seu § 2.º. Vejamos.
Com a aprovação da Lei n.º 11.382/06, o art. 587 do CPC adotou, como regra, a definitividade da execução fundada em título extrajudicial, excepcionando, porém, uma única hipótese: se estiver pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, caso estes tenham sido recebidos com efeito suspensivo (§ 1.º do art. 739-A), quando então a execução será provisória. Isso ocorre porque, enquanto a apelação estiver pendente de julgamento, o título executivo extrajudicial estará ainda em uma situação de instabilidade, pois poderá ser modificado, ou até mesmo extinto, e o que caracteriza a execução provisória é, rigorosamente, a provisoriedade do título que a fundamenta [56]. Pois bem, se foi realizada a arrematação do bem penhorado enquanto estava pendente de julgamento a apelação interposta contra a sentença de improcedência dos embargos opostos pelo executado, mesmo que posteriormente venha a ser dado provimento a este recurso, tal fato não repercutirá na esfera jurídica do terceiro que tenha participado da hasta pública, devendo, nessa hipótese, o executado prejudicado haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação (vide caput e § 2.º do art. 694 do CPC) [57].
Diferentemente ocorre quando há adjudicação pelo próprio exeqüente. Se o bem ainda não tiver sido transferido a terceiros de boa-fé, deverá ser devolvido ao executado, que poderá valer-se, inclusive, do incidente de liquidação para apuração de lucros cessantes e danos provocados na coisa [58].
Finalmente, o art. 475-O estabelece que os danos causados ao devedor devam ser liquidados sempre nos mesmos autos, observado o procedimento aplicável (art. 475-A e ss. do CPC). A despeito de o texto da lei impor, sempre e sempre, a liquidação por arbitramento, às vezes, não haverá nenhuma necessidade de proceder-se à realização de perícia. É o que ocorre quando o valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, bastando, nesse caso, que o novo exeqüente (antigo executado) apresente pedido com memória discriminada dos cálculos ou, então, quando houver a necessidade de provar fato novo, devendo ele se valer da liquidação por artigos [59].
Se a liquidação não resultar no denominado valor zero, o novo exeqüente iniciará a execução igualmente no bojo da execução desfeita, intimando o agora executado (antigo exeqüente) para pagamento da quantia encontrada em 15 (quinze) dias, pena de incidir a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J.
Deve-se atentar, ainda, nessa nova execução, às peculiaridades inerentes à excussão da caução (real ou fidejussória).
2.4 Caução
O art. 588 do Código de Processo Civil, em sua redação original, fazia menção à caução nos seus incisos I e II.
O inciso I previa, taxativamente, a obrigatoriedade de o credor (rectius: exeqüente) prestar caução para dar início à execução provisória. Discutia-se, no âmbito da doutrina e da jurisprudência, a necessidade de prestação dessa garantia, em todo e qualquer caso, para a parte valer-se da faculdade que lhe era concedida pelo art. 588.
Alcides de Mendonça Lima assinalava ser indispensável a prestação da caução, porque esta era uma maneira de garantir o executado do ressarcimento de eventuais prejuízos que lhe fossem causados em virtude da reforma ou anulação da sentença. Para ele, além de ser prescindível a vontade ou interesse do exeqüente, o juiz não possuía nenhuma discricionariedade para fixação dessa garantia [60].
Diante da rigidez dessa norma, começaram a ecoar vozes na doutrina, respaldada, posteriormente, pela jurisprudência, alertando para a imprescindibilidade de flexibilização das regras concernentes à execução provisória, pena desse instituto não alcançar seus verdadeiros objetivos. Com base nessa premissa, passou-se a sustentar o cabimento da caução não mais como pressuposto para principiar a execução provisória, mas apenas nas situações em que houvesse a possibilidade de se causar danos efetivos ao executado, isto é, antes da realização de atos de transferência patrimonial. Sem o denominado "risco processual" não havia necessidade de o credor prestar tal garantia [61].
O inciso II do art. 588, por sua vez, prescrevia que, durante o procedimento da execução provisória, era defeso ao exeqüente praticar atos que implicassem na alienação de domínio, com exceção do levantamento de depósito em dinheiro, desde que prestasse caução idônea. Em razão disso, costumava se afirmar que a execução provisória, na anterior sistemática do Código de Processo Civil de 1973, era uma execução incompleta ou truncada, com verdadeiros contornos cautelares, visto que não se permitia uma efetiva satisfação do direito, que somente ocorreria com o trânsito em julgado da decisão provisoriamente executada [62].
Tendo em vista que esse modelo de execução provisória não atendia aos reclamos do denominado processo civil de resultados, calcado, sobretudo, nos princípios da tempestividade e da efetividade processual, a Lei n.º 10.444/02 passou a permitir, expressamente, atos de alienação de domínio desde que oferecida garantia pelo exeqüente. Dessa forma, o bem objeto de constrição judicial poderia não só ser arrematado por terceiros, como, até mesmo, adjudicado pelo próprio credor-exeqüente. Possibilitava-se, a partir de então, a satisfação completa do direito já reconhecido por sentença.
Com a Lei n.º 11.232/2005, as hipóteses em que a caução é exigida são idênticas àquelas do revogado inciso II do art. 588. Entretanto, conquanto tenha sido preservada por essa lei a denominada execução provisória completa, algumas modificações fizeram-se necessárias, que, aliás, serão objeto dos comentários que se seguem.
2.4.2 A caução do art. 475-O, inciso III, do CPC é obrigatória?
Diante da redação do art. 475-O, inciso III, do CPC tem-se questionado se o ônus de prestar caução suficiente e idônea é requisito necessário para o exeqüente praticar tais atividades satisfativas, inclusive com a expropriação do bem penhorado.
Antes de mais nada, é preciso relembrar que a finalidade da caução é rigorosamente resguardar o executado contra eventuais prejuízos que lhe forem causados por uma execução injusta. Diante disso, não nos parece possível que, nas hipóteses previstas no inciso III do art. 475-O ("levantamento de dinheiro" e "alienação de propriedade"), possa o magistrado dispensar o exeqüente da prestação de caução, já que esse inciso consagra hipóteses em que o risco processual é presumido (presunção iuris et de iure). Apenas quando o dispositivo estabelece a cláusula genérica, "atos dos quais possa resultar grave dano ao executado", é que se permite ao juiz analisar se a situação em concreto pode vir realmente a causar ameaça ao executado. Em caso negativo, aí, sim, é lícita a dispensa da caução [63] [64]-.
E em relação ao beneficiário da justiça gratuita? Estaria ele isento do ônus de prestar caução idônea e suficiente para a prática dos atos de plena satisfação do direito?
Alguns doutrinadores sustentam que a caução, a que se refere o art. 475-O, inciso III, do CPC, não pode ser dispensada pelo simples fato de o exeqüente ser beneficiário da justiça gratuita, haja vista que a finalidade dessa garantia é assegurar o executado da reparação dos prejuízos causados por uma eventual execução provisória injusta, não tendo ela, portanto, natureza de custas processuais [65].
Outra parte da doutrina, entretanto, assevera que tal entendimento viola flagrantemente os princípios da isonomia e do acesso à justiça. Isso porque apenas os exeqüentes que gozam de uma situação financeira privilegiada teriam condições de caucionar a execução antecipada e, conseqüentemente, repararem seus direitos em um menor espaço de tempo possível [66].
De fato, não seria justo circunscrever o benefício da execução provisória exclusivamente às classes sociais dotadas de certo poderio econômico em detrimento daquelas outras carecedoras de menos recursos para a prestação de tal garantia. Ante essa situação, entendemos que caberá ao magistrado, na análise do caso concreto, dispensar, ou não, essa caução, levando-se em conta, para minimizar os prejuízos que poderão ser acarretados ao executado, o critério da menor probabilidade de que a sentença venha a ser reformada.
2.4.3 Hipóteses de dispensa da caução (art. 475-O, § 2.º)
O § 2.º do art. 475-O elenca duas hipóteses específicas de dispensa da caução. A primeira delas, regulada no inciso I, desobriga o exeqüente de prestar tal garantia desde que preenchidos três pressupostos cumulativamente, a saber:
a) que o crédito tenha natureza alimentar, incluindo-se, aqui, aqueles decorrentes de ato ilícito: conquanto tenha a Lei n.º 11.232/05 ampliado a regra anterior para abranger, de forma expressa, os créditos provenientes de ato ilícito, já se entendia, durante a vigência do revogado § 2.º do art. 588, que os créditos de natureza alimentar compreendiam não só aqueles oriundos do direito de família, mas todo e qualquer valor cuja finalidade essencial fosse a de proporcionar a subsistência digna do credor [67]. Em virtude dessa interpretação – que tem, aliás, fundo constitucional (vide § 1.º-A do art. 100) –, estariam inseridos igualmente no conceito de alimentos, entre outras verbas, os salários, proventos, pensões, indenizações por ato ilícito relacionadas à morte ou perda da capacidade laborativa, sendo preciso que todas elas estivessem voltadas ao sustento do exeqüente. Diante disso, supérflua a alteração empreendida pela nova lei [68] [69]-.
Uma primeira questão que merece ser enfrentada concerne à natureza da execução do débito alimentar enquanto pendente recurso de apelação sem efeito suspensivo (art. 520, II, CPC). Para Lucon, em razão da irrepetibilidade dos alimentos, mesmo que o Tribunal venha a modificar a decisão exeqüenda, não será possível o ressarcimento dos prejuízos sofridos. Daí a razão pela qual, para o renomado doutrinador, tal execução não seria provisória, "[...] mas definitiva, visto que não há retorno ao estado anterior nem o ressarcimento de danos. Os valores pagos ficam irremediavelmente perdidos" [70].
Com o devido respeito, não nos parece ser esse o melhor entendimento. Ora, se o legislador passou a exigir caução às execuções provisórias dos créditos alimentares superiores a 60 (sessenta) salários mínimos, é porque tal garantia visa a ressarcir o executado dos prejuízos causados caso seja provido o recurso por ele interposto. Além do mais, o inciso I, § 2.º, do art. 475-O, ao exigir que o exeqüente demonstre encontra-se em situação de necessidade, quis referir-se exclusivamente aos alimentos naturais ou necessários – que são aqueles necessários à sobrevivência do exeqüente em condições mínimas de dignidade –, e não aos alimentos civis ou côngruos nem ao débito em atraso [71].
b) que esse valor não ultrapasse 60 (sessenta) salários mínimos: e se o crédito ultrapassar esse teto? Poderá o exeqüente promover a execução provisória sem a necessidade de prestar caução?
É indubitável que, caso o crédito ultrapasse o valor de 60 (sessenta) salários mínimos, poderá o exeqüente efetivar provisoriamente a decisão que lhe foi favorável até aquele limite sem a necessidade de prestar caução. Em relação ao que sobejar, uma de duas: ou ele promove de imediato a execução, prestando caução; ou, então, aguarda o trânsito em julgado da decisão quando caberá a execução definitiva [72].
Problema interessante surge nas hipóteses em que o valor fixado pelo legislador (60 salários mínimos) não for suficiente para cessar a situação de necessidade na qual se encontra o exeqüente. Nesse caso, é admissível a provisória exeqüibilidade do julgado pelo montante integral da condenação sem que ele (exeqüente) preste caução?
À primeira vista, levando-se em conta apenas o preceito estatuído no inciso I, § 2.º, do art. 475-O, não poderá o exeqüente promover a execução provisória da decisão que condena o devedor a pagar alimentos no valor superior a 60 (sessenta) salários mínimos sem que garanta o ressarcimento dos danos causados por uma eventual execução injusta. Isso porque, conforme pondera Dinamarco, quando se trata de valor maior ao teto estabelecido, o crédito passa a ter caráter predominantemente patrimonial, o que contraria os objetivos de tal dispositivo [73].
Em nossa ótica, porém, é preciso que se proceda a uma análise da situação em concreto. Ao fixar o teto de 60 (sessenta) salários mínimos, o legislador presumiu conquanto relativa,ver, desde que constatada a situaç que, constatada a situação de urgência, tal valor seria suficiente para a mantença do necessitado ou de sua família. Sucede, todavia, que é perfeitamente factível que, em alguns casos específicos, esse limite imposto pelo art. 475-O, § 2.º, inciso I, do CPC (sessenta salários mínimos) não seja capaz de suprir todas as necessidades prementes do exeqüente. Imagine-se, por exemplo, uma sentença que condene alguém a pagar alimentos a outrem na importância de 150 (cento e cinqüenta) salários mínimos, sendo que o exeqüente, além de não ter as mínimas condições econômicas de arcar com o valor a ser caucionado, necessita imediatamente dispor de todo esse montante para custear tratamento de um filho menor que, por distúrbio, necessita de alimentação especial para sobreviver. Nessa hipótese em que a quantia ultrapassa o valor de sessenta salários mínimos, poderá o magistrado dispensar o exeqüente de prestar caução?
Não temos dúvida em afirmar que a caução deverá ser dispensada nessa situação, por duas razões: 1.ª) a presunção estabelecida pelo legislador de que o valor de 60 (sessenta) salários mínimos é suficiente para o necessitado prover a própria subsistência ou a de sua família é relativa ((iuris tantum), logo admite prova em contrário; 2.ª) a aplicação rígida do art. 475-O, § 2.º, inciso I, do CPC, nessa hipótese, afronta flagrantemente os princípios da razoabilidade, da isonomia, da dignidade da pessoa humana e do acesso à justiça, todos consagrados na Magna Carta.
Ora, nos dias de hoje, é imprescindível que os operadores do direito trabalhem com a constitucionalização do processo civil de maneira que todas as normas consagradas nesse diploma processual somente terão validade jurídica se estiverem em conformidade com a Lei Maior.
É preciso lembrar, de outro lado, que os alimentos, pela sua própria essência, integram a personalidade humana e têm por objetivo assegurar alguns valores de especial importância para o ordenamento jurídico-constitucional, como o direito à vida, à integridade física e psíquica e, sobretudo, o princípio da dignidade humana.
Impor ao exeqüente a prestação da caução nessa hipótese não só colocariam em risco todos esses bens jurídicos, como também impediria o acesso à ordem jurídica justa daquelas pessoas mais necessitadas e cujos direitos são freqüentemente vulnerados. Com efeito, a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado-juiz não é uma benesse concedida apenas e exclusivamente aos abastados financeiramente, devendo estar à disposição de todos, sobretudo dos excluídos socialmente.
Em sendo assim, entendemos que a limitação de 60 (sessenta) salários mínimos para dispensa da caução, contida no inciso I, § 2.º, do art. 475-O, do CPC, deve ser ampliada nos casos em que ficar provada a extrema necessidade. Essa, aliás, é a única interpretação capaz de dar efetividade aos princípios constitucionais supramencionados [74].
c) que o exeqüente demonstre que se encontra em situação de necessidade: em relação ao revogado § 2.º do art. 588, o inciso I do § 2.º do art. 475-O substituiu a expressão "estado de necessidade" por "situação de necessidade". Entretanto, apesar dessa modificação, o intuito do dispositivo, nesse ponto, permanece o mesmo, qual seja, resguardar aquelas pessoas menos favorecidas economicamente e que necessitam incontinentemente da verba alimentar para prover seu próprio sustento e/ou de sua família.
Conforme acentua Ricardo Hoffmann, para a comprovação da situação de necessidade, basta que o exeqüente exteriorize sua vontade nesse sentido, assim como ocorre com o benefício da assistência judiciária gratuita (art. 4º da Lei n. 1.060/50). Caberá, desse modo, à parte contrária o ônus de provar que tal declaração é inverídica. Nada impede também que o juiz ordene ao exeqüente a produção de prova de tal situação desde que haja indícios da inexistência desta nos autos [75].
O segundo caso de dispensa de caução ocorre quando estiver pendente de julgamento agravo de instrumento interposto contra decisão que não admitiu recurso especial ou extraordinário (vd. inciso II, § 2.º, do art. 475-O c/c o art. 544, ambos do CPC). Aqui, adotou-se claramente o critério da menor probabilidade de que a decisão, objeto de execução provisória, venha a ser reformada. Isso porque, "uma vez proferido o acórdão pelo tribunal local, e não conhecido, na instância recorrida, o recurso extraordinário ou o recurso especial interpostos, muito provavelmente a decisão recorrida será mantida" [76].
Sucede, todavia, que, mesmo não tendo o Tribunal conhecido do recurso extraordinário e/ou do recurso especial, é possível que o conteúdo da decisão exeqüenda não esteja em conformidade com os julgados do STJ e do STF, o que aumentará consideravelmente as chances de reversão do provimento exeqüível provisoriamente. Diante disso, a lei, preocupada em resguardar eventuais direitos do executado, impõe ao exeqüente a necessidade de prestar caução para proceder à execução provisória (art. 475-O, § 2.º, in fine: "[...] salvo quando da dispensa possa (rectius: puder) manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação").
2.4.3 Momento de prestação da caução
Conquanto a lei não estabeleça expressamente o momento em que deva ser prestada a caução, tem-se entendido que o depósito de tal garantia deve ocorrer no momento anterior à modificação jurídica, isto é, antes de ser efetivado o ato danoso ao executado, tal como se dá nas hipóteses de levantamento de depósito em dinheiro ou da prática de atos que importem alienação de propriedade [77].
2.4.5 Procedimento de prestação da caução
A caução do inciso III do art. 475-O do CPC deve ser prestada nos próprios autos da execução provisória, por meio de um incidente processual simples e sumário. Isso significa que as normas previstas nos arts. 826 a 838 do CPC, que trata do processo cautelar autônomo para a constituição da caução, serão aplicadas somente naquilo que couberem.
Uma primeira questão que surge diz respeito à possibilidade de o juiz, de ofício, obrigar a prestação da caução.
Desde o advento da Lei n.º 10.444/02, que trouxe importantes alterações à disciplina da execução provisória, tal tema já era discutido em sede doutrinária.
Havia quem sustentasse que a caução não podia ser determinada de ofício, dependendo, para ser prestada, de requerimento do executado. Os principais fundamentos para a adoção desse entendimento residiam: 1) na cláusula "a ser requerida" contida no inciso II do art. 588 do CPC; e 2) "na disciplina geral das cauções, que no sistema atuam como elemento de compensação e equilíbrio de riscos (contracautelas)" [78]. Outros, porém, embora não admitissem, do mesmo modo, o poder de o juiz impor a prestação de caução ex officio, assinalavam que o requerimento desta era um ônus atribuído não ao executado, e sim ao exeqüente [79]. Por fim, uma terceira diretriz ressaltava que o importante é que essa garantia fosse prestada nos próprios autos da execução provisória, seja por meio de provocação do executado, seja por determinação do juiz ou, até mesmo, através de requerimento do exeqüente [80].
Pela nova disposição dada pela Lei n.º 11.232/05, o art. 475-O, inciso III, estabelece que a caução deverá ser "arbitrada de plano pelo juiz", suprimindo-se a expressão "requerida" constante do revogado inciso II do art. 588. Diante da redação desse novo preceito, tem-se a impressão de que a caução deverá ser determinada, sempre e sempre, de ofício pelo magistrado [81].
Cassio Scarpinella assinala que, mesmo diante da nova disposição legal, não há motivo algum para a caução ser determinada de ofício pelo juízo. Isso porque, para esse doutrinador, tal garantia só poderá ser exigida quando estiver caracterizado o chamado risco processual, vale dizer, "quando o executado estiver na iminência de sofrer algum dano ou, quando menos, ameaça a direito seu" e ninguém melhor do que ele (executado) para avaliar a necessidade de prestação dessa garantia [82].
Em nossa perspectiva, quando houver levantamento de depósito em dinheiro ou prática de atos que importem alienação de propriedade, por ser o risco processual presumido (presunção iures et de iure) nessas duas hipóteses, não há dúvidas de que é possível ao magistrado impor, de ofício, a caução a ser prestada pelo exeqüente para resguardar o executado contra eventuais prejuízos que advierem de uma eventual execução injusta. O problema surge nas situações em que os atos praticados puderem causar grave dano ao executado. Nesse caso, poderá o juiz impor, de ofício, a prestação de caução pelo exeqüente para que este proceda ao cumprimento provisório da sentença?
Para nós, mesmo nesse caso deverá o juiz, ex officio, obrigar o exeqüente a prestar caução para proceder ao cumprimento provisório da sentença. Isso porque, após a Constituição de 1988, estamos vivenciando num Estado Democrático de Direito, onde ganha relevo não só a concepção publicista do processo, como também a função social desempenhada por este. Diante disso, não se justifica que, havendo possibilidade de a execução provisória causar graves danos ao executado, e percebendo o magistrado tal situação, fique ele inerte, passivo, apenas observando, indiferentemente, as atitudes tomadas pelos litigantes. Com efeito, se o cumprimento provisório da sentença é uma técnica que procura conciliar exigências contrapostas – de um lado, o direito de o exeqüente-vencedor ver seu direito reconhecido em um menor espaço de tempo; de outro, o direito de o executado-vencido ser reparado de eventuais danos causados por essa antecipação executiva injusta –, o juiz deve ser diligente para não permitir que o processo seja um instrumento a serviço apenas dos interesses do exeqüente. Deve ele empregar todos os esforços para que, na hipótese de reforma ou anulação da sentença objeto da execução provisória, seja o executado ressarcido de eventuais prejuízos que lhe forem causados por esta. E, para isso, deve exigir caução do exeqüente quando se fizer presente o denominado risco processual. Só assim estará ele cumprindo efetivamente seu papel, mantendo não só a integridade do ordenamento jurídico, como, outrossim, contribuindo para o alcance da tão desejada paz social [83].
De qualquer modo, independentemente de a caução ser requerida pelo exeqüente ou pelo executado ou, até mesmo, determinada, de ofício, pelo juiz, o importante é que caberá a este o dever de arbitrar de plano o valor dessa garantia.
Arbitramento é "usado na linguagem jurídica para expressar o procedimento que se promove no sentido de apreciar-se o valor de determinados fatos ou coisas, de que não se têm elementos certos de avaliação" [84].
Dessa forma, solicitada ou imposta a caução como forma de assegurar o executado da reparação dos prejuízos causados por uma eventual execução provisória injusta, deverá o juiz determinar, de imediato, o valor de tal garantia para que o exeqüente [85] possa prestá-la nos próprios autos. Isso não quer dizer, entretanto, que tal decisão será tomada sem que se possibilite a manifestação de ambas as partes [86]. É perfeitamente admissível e até normal que o magistrado tenha dúvidas em relação à extensão dos danos que deverão ser caucionados. Em razão disso, é possível que o valor por ele encontrado seja elevado a ponto de desencorajar o exeqüente de proceder à execução provisória do decisum, ou, então, desprezível, o que colocaria o executado em uma situação extremamente desfavorável, já que a caução não seria apta a cumprir sua finalidade. Daí por que se faz mister a observância do princípio do contraditório, ensejando-se às partes o direito de serem ouvidas e de influenciarem na decisão do magistrado, seja através de argumentos, seja por meio de provas destinadas à constatação do valor a ser caucionado [87] [88]-. Note-se, destarte, que, ao adotar essa postura de diálogo com as partes [89] (princípio da cooperação), o magistrado estará participando ativamente do contraditório e diminuindo o perigo de imposição de uma caução inidônea e insuficiente [90]. Em outras palavras, conquanto possa o juiz impor, de ofício, a caução a ser prestada pelo exeqüente, isso não significa que ele poderá arbitrar o valor dessa garantia sem a oitiva das partes [91], sob pena de violar os princípios do contraditório e da cooperação.
Ultrapassada essa fase do procedimento, o exeqüente indicará, por meio de petição, a espécie de garantia a ser prestada, se real ou fidejussória [92] [93]-, devendo o magistrado abrir prazo para o executado se manifestar. Nessa manifestação, poderá ser questionada tanto a suficiência quanto a idoneidade da caução [94]. Só então poderá o juiz decidir se a aceita ou não. Em caso afirmativo, o exeqüente deverá comparecer em cartório para assinatura do respectivo termo judicial [95].
Ainda que não tenha poder de determinar a espécie de caução a ser prestada [96], se real ou fidejussória, o juiz poderá exercer amplo controle sobre a qualidade da garantia, podendo até obstar, na sua insuficiência, o prosseguimento da execução provisória [97].
Na hipótese de ocorrer desfalque da garantia prestada pelo exeqüente ou por terceiro, é possível que haja o seu reforço (art. 837 do CPC).
2.5 Procedimento da execução provisória
O procedimento da execução provisória, antes do advento da Lei n.º 11.232/05, era regulado pelos arts. 589 e 590 do CPC.
O revogado art. 589 estabelecia que a execução provisória fosse feita nos autos suplementares, onde os houvesse, ou por carta de sentença, extraída do processo pelo escrivão e assinada pelo juiz.
Via de regra, a execução provisória era processada mediante carta de sentença, haja vista que os autos suplementares já não possuíam a mesma serventia doutrora.
Ocorre, entretanto, que essa regra não era absoluta. Admitia-se, excepcionalmente, que, em algumas hipóteses, a execução provisória fosse feita nos autos principais. É o que ocorria quando se efetivava a decisão que antecipava os efeitos da tutela, ou, então, no caso de indeferimento de apelação, de recurso especial ou de recurso extraordinário, contra o qual havia sido interposto agravo de instrumento [98].
Por outro lado, o antigo art. 590 elencava, nos seus incisos, os documentos necessários para instruir a execução provisória, entre os quais se incluíam a petição inicial, procuração das partes, contestação, sentença exeqüenda e o despacho do recebimento do recurso. Tal rol era meramente exemplificativo de modo que se admitia cópia de outras peças consideradas essenciais.
Lapidar é o ensinamento do professor Cândido Dinamarco que, mesmo antes da nova sistemática imposta pela Lei n.º 11.232/05, já tecia duras críticas ao expediente de que ora se trata. Vamos às suas palavras:
Carta de sentença é uma velharia burocrática e cartorária que clama por extinção. Em tempos de xerox e demais recursos técnicos para a reprodução de documentos, é preciso deixar de lado essa exigência que só retarda o exercício da jurisdição e permitir que a execução provisória se apóie em meras cópias fornecidas pelo exeqüente (autenticadas se for o caso) [grifos do autor] [99].
Sensível a tais considerações, o legislador reformista acolheu a sugestão proposta e pôs fim ao instituto da carta de sentença. Doravante, caberá ao exeqüente, ao requerer a execução provisória, instruir a petição com cópias autenticadas das peças do processo previstas nos incisos do § 3.º do art. 475-O, podendo, inclusive, seu advogado declarar a autenticidade das mesmas (cf. art. 544, § 1.º).
Questão que se levanta diz respeito às conseqüências advindas da deficiência de instrução das peças acostadas à petição que requer a execução provisória. Tem prevalecido o entendimento de que, ausente alguma peça processual considerada indispensável, poderá o exeqüente suprir tal defeito, ficando suspensa a execução provisória até que isso ocorra [100]. Se o exeqüente não emendar a petição no prazo de 10 (dez) dias, o juiz, aplicando o art. 616 do CPC por analogia, deverá extinguir o processo sem julgamento de mérito. Nada impede, aliás, que se determine mais de uma emenda, se a primeira correção não foi satisfatória [101].
Notas
- Conforme salienta Dinamarco, "o escopo de pacificar pessoas mediante a eliminação de conflitos com justiça é, em última análise, a razão mais profunda pela qual o processo existe e se legitima na sociedade" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, vol. 1, p. 128).
- LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 179-181. Tratando dessa problemática, no âmbito recursal, conferir: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. 5, p. 229.
- DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 1, p. 142.
- Tecnicamente, não se afigura correta a utilização da expressão execução provisória para retratar o fenômeno de que se trata. A razão reside no fato de que, com seu emprego, transmite-se uma idéia equivocada de que esta execução será substituída, posteriormente, por uma definitiva. Certamente, não é a execução que é provisória, e sim o título que a fundamenta, suscetível de modificação em virtude de recurso pendente de julgamento, recebido apenas no efeito devolutivo.
- Configura-se a execução provisória quando se permite que o título executivo, que lhe serve como fundamento, produza efeitos imediatos, apesar da possibilidade de, posteriormente, alterar-se a situação do exeqüente, ante a tramitação do recurso interposto pelo executado.
- No sentido do texto, entendendo que a execução provisória da sentença deveria ser a regra no CPC, manifestam-se na doutrina pátria, entre outros, os seguintes autores: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 501; NOGUEIRA, Antonio de Pádua Soubhie. Execução provisória da sentença: caracterização, princípios e procedimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 294; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 354.
- Sobre o tempo do processo como fator prejudicial ao autor que tem razão, vide as críticas dirigidas por tais professores, in MARINONI; ARENHART, op. cit., p. 500.
- Ibidem, p. 497-501. Nesse mesmo sentido: NOGUEIRA, op. cit., p. 24; SILVA RIBEIRO, Leonardo Ferres da. Execução provisória no Processo Civil. São Paulo: Método, 2006, p. 266.
- Tal projeto de lei iniciou tramitação em março de 2007 e sua redação ainda está sujeita a aprovação.
- Para Dinamarco, as sentenças condenatórias são as únicas passíveis de execução provisória, já que as demais não são título para execução alguma (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 763). De acordo: HOFFMANN, Ricardo. Execução provisória. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 94; LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. 6, t. II, p. 423.
- DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, vol. 3, p. 229.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil – 2.ª série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 167.
- Admitindo a antecipação de efeitos secundários ou indiretos da declaração: LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 373-374; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 224. Em sentido contrário: NOGUEIRA, op. cit., p. 128-129; HOFFMANN, op. cit., p. 95; DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 3, p. 219-220.
- Defendendo a natureza declaratória da sentença de investigação de paternidade: DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 3, p. 220, 228. Afirmando a preponderância da natureza constitutiva dessa sentença: MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, t. III, p. 22.
- Evidentemente, se a decisão não mencionar o quantum devido, admitir-se-á a sua liquidação a fim de se encontrar o respectivo valor.
- Conforme ao exposto: WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 165-167; JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 172-174; LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Sentença e liquidação no CPC: Lei n. 11.232/2005. Material da 4ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG, p. 8-9; 1.ª Seção do STJ, EREsp n.º 609266/RS, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. 23.08.2006, DJ 11.09.2006, p. 223; Disponível em : Acesso em: 02 mar. 2007. Contrariamente: BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. 1, p. 136; CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 92-97.
- Cf. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 375. O professor Dinamarco, a princípio, não admite a execução imediata de sentenças constitutivas. Entretanto, excepcionalmente, entende ser possível a provisória exeqüibilidade dessas decisões: 1) quando houver expressa previsão legal; 2) mesmo para os casos não indicados em lei, desde que ocorra grave urgência e sendo extremamente provável a existência do direito afirmado na sentença, poderá o magistrado ou o relator antecipar o momento da imperatividade das sentenças constitutivas com base no art. 273 do CPC (DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 3, p. 256-257).
- Admitindo a natureza constitutiva da sentença que decreta a interdição vide por todos BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 478-479; CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, vol. 3, p. 539-540.
- Nesse mesmo sentido: NOGUEIRA, op. cit., p. 131.
- Cf. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 375-376.
- De acordo: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004, vol. 4, p. 774-775; NOGUEIRA, op. cit., p. 201-205; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 366-367; LIMA, op. cit., p. 433.
- No mesmo sentido: DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 763; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 365.
- Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 763-764.
- Dinamarco pondera que a provisória executividade das sentenças genéricas é possível: "a) quando pendente recurso contra a sentença condenatória genérica ou b) quando, mesmo havendo essa sentença passada em julgado, pender recurso contra a sentença liqüidatória" (Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 764).
- Admitindo a liquidação provisória antes do advento da Lei n.º 11.232/05: NOGUEIRA, op. cit., p. 233-236; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 365.
- Adotam esse posicionamento: JORGE; DIDIER JR.; RODRIGUES, A terceira etapa da reforma processual civil, p. 89; BUENO, op. cit., p. 43-45; ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 108-109; CÂMARA, A nova execução de sentença, p. 84.
- WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 148.
- Cf. ASSIS, op. cit., p. 144; BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 477.
- NOGUEIRA, op. cit., p. 66-67; ASSIS, op. cit., p. 144.
- DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 763; ASSIS, op. cit., p. 144; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 341-343.
- No mesmo sentido: ASSIS, op. cit., p. 144; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 342, 344.
- Cf. NOGUEIRA, op. cit., p. 145-146.
- Cf. ASSIS, op. cit., p. 150. Cassio Scarpinella ressalta, outrossim, a necessidade de se proceder a uma interpretação e aplicação flexíveis das regras constantes do art. 475-O (A nova etapa da reforma do código de processo civil, vol. 1, p. 148).
- De acordo, ASSIS, op. cit., p. 162.
- Vide NOGUEIRA, op. cit., 147; HOFFMANN, op. cit., p. 124.
- Adota esse posicionamento: BUENO, op. cit., p. 149; Apesar de não falar expressamente que a disciplina contida na Lei 11.232/05 se aplica ao cumprimento da sentença provisória, o professor Lucon entende que "a multa de 10% (dez por cento) é exigível em execução provisória ou definitiva" (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Nova execução de títulos judiciais e sua impugnação. Material da 9ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG, p. 2 e 3).
- Ao se permitir a execução provisória, o intuito do legislador é conferir às decisões jurisdicionais eficácia imediata para que sejam cumpridas em um menor espaço de tempo possível, desestimulando, com isso, a interposição de recursos com caráter meramente protelatório. Desse modo, por ter caráter preponderantemente coercitivo, a multa prevista no art. 475-J é um importante mecanismo em prol da efetividade e tempestividade do processo, já que sua finalidade maior é compelir, por meio de pressão psicológica, o executado a cumprir, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, o direito já reconhecido por sentença. É preciso observar, contudo, que, para a incidência dessa multa, faz-se mister requerimento do exeqüente dando início à execução provisória.
- Para que o exeqüente seja responsabilizado pelo desfazimento da execução provisória, é preciso que o novo provimento lhe seja desfavorável, concedendo ao devedor alguma vantagem antes não concedida. Assim: LIMA, op. cit., p. 437.
- Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 769-770. LIMA, op. cit., p. 436.
- Assim, NOGUEIRA, op. cit., p. 159-160.
- De acordo: BUENO, op. cit., p. 150; JORGE; DIDIER JR.; RODRIGUES, A terceira etapa da reforma processual civil, p. 180.
- Nesse sentido: NOGUEIRA, op. cit., p. 155; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 188.
- Pronunciam-se desse modo: FERREIRA, William Santos. Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 259-260; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 184-185.
- Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 770; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 419.
- CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 281.
- Enquanto o erro de juízo (error in iudicando) resulta de "uma má-apreciação da questão de direito ou questão de fato, ou de ambas", com o conseqüente pedido de reforma da decisão; o error in procedendo (ou erro de procedimento) decorre do vício de atividade do juiz, capaz de ensejar a anulação (ou invalidação) da decisão por ele emitida, tendo em vista que esta viola frontalmente a lei (BARBOSA MOREIRA, op. cit., p. 267).
- STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 1013.
- Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 471.
- De acordo: CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 280. Deve-se ressalvar, todavia, os casos em que o magistrado pratica uma das condutas elencadas nos incisos I e II do art. 133 do CPC, quando terá o dever de indenizar a parte prejudicada.
- De acordo: LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 420; NOGUEIRA, op. cit., p. 147.
- LIMA, op. cit., p. 445.
- Conclui da mesma maneira, porém utilizando apenas esse último argumento, BUENO, op. cit., p. 150-151.
- WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 180.
- Ibidem, p. 180.
- Nesse sentido: LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 418; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 190; HOFFMANN, op. cit., p. 136-137; ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões sobre as reformas do CPC. Salvador: JusPODIVM, 2007, p. 116-120. Em sentido contrário, é o entendimento de Cândido Dinamarco, para quem "havendo sido expropriado o bem penhorado, a desconstituição do ato de alienação frustrará a expectativa do adquirente (arrematante, remidor etc.), mas desse risco ele estará ciente porque o edital de praça deve conter ‘a menção da existência de ônus, recurso ou causa pendente sobre os bens a serem arrematados’ (CPC, art. 686, inc. V); havendo assumido o risco ao participar do processo de expropriação do bem, não terá direito algum além da devolução do dinheiro que houver depositado" [grifos do autor] (Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 769). Ora, se fosse assim, qual seria a necessidade de o exeqüente prestar caução para proceder ao cumprimento provisório da sentença? Ademais, como bem acentua Antonio de Pádua, "o fato de constar no edital a pendência de recurso contra a sentença exeqüenda não está a significar que, desfeita a execução provisória, o adquirente terá de entregar o objeto arrematado, pois a advertência constante do edital somente poderá ensejar preocupação ao adquirente, quanto à eventual perda do bem comprado, se neste sentido o direito material determinar, a exemplo do que ocorre no caso de hipoteca ou de ação reivindicatória pendente (aqui sim há de se lidar com os riscos da evicção)" [grifos do autor] (Execução provisória da sentença, p. 215).
- Não obstante a execução de título executivo extrajudicial iniciar-se com caráter definitivo, para nós, ao serem opostos embargos pelo executado, tal execução, rigorosamente, passa a ser provisória, haja vista que o título que a fundamenta passa a uma situação de instabilidade (PIRES, Jorge Antônio Cheim. A execução provisória de título executivo extrajudicial: em defesa do novo art. 587 do CPC. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Revista dialética de direito processual. São Paulo: Dialética, 2007, n. 48, p. 50-53). Sucede, todavia, que, por opção política, o legislador apenas considerou como provisória a execução de título executivo extrajudicial, enquanto pendente de julgamento a apelação interposta contra a sentença de improcedência dos embargos do executado, recebidos com efeito suspensivo (art. 739-A, § 1.º). Dessa forma, ao ser proferida tal sentença, a execução, até então suspensa, volta a correr provisoriamente, desde que o exeqüente manifeste vontade no sentido de se valer desse mecanismo célere de satisfação de direitos. Percebe-se, destarte, que, para o CPC, se os embargos do executado não forem recebidos com efeito suspensivo, a execução que se iniciou definitiva permanece com esse mesmo caráter. Ora, se isso realmente fosse veraz, qual seria a necessidade da ressalva constante do art. 694, caput, in fine e da disposição contida no § 2.º desse mesmo artigo? Na verdade, diante da possibilidade de desconstituição do título executivo que fundamenta tal execução, o legislador temeroso de que os atos executivos já praticados viessem a ser desfeitos previu de forma categórica que " [...] a arrematação considerar-se-á perfeita, acabada e irretratável, ainda que venham a ser julgados procedentes os embargos do executado". Assim, no caso de tais embargos serem acolhidos, a execução ficará sem efeito apenas entre as partes do processo de execução em que se realizou a alienação, e não em relação ao terceiro-arrematante. Para nós, melhor teria sido que o legislador considerasse como provisória a execução fundada em título executivo extrajudicial em que está pendente de julgamento os embargos do executado, independentemente destes serem recebidos no efeito suspensivo. Nos casos em que isso não ocorresse, isto é, quando tais embargos não fossem recebidos com tal efeito, bastava ter criado mais um inciso no § 2.º do art. 475-O dispensando o exeqüente de prestar caução.
- Acreditamos que o teor desse dispositivo deve ser estendido para alcançar a execução provisória fundada em título executivo judicial (cf. art. 475-R). Desse modo, no caso de procedência do recurso interposto pelo executado ao qual não foi atribuído efeito suspensivo, o terceiro-adquirente não será obrigado a restituir o bem adquirido. Restará ao executado, se assim desejar, apenas o direito de haver do exeqüente o valor por este recebido como produto da arrematação.
- Cf. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 418-419. De acordo: ARAÚJO, op. cit., p. 117.
- No mesmo sentido: BUENO, op. cit., p. 151-152. Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Wambier e José Garcia Medina defendem que, nessa hipótese, "o intuito do legislador é no sentido de que, sempre que possível, o juiz arbitre o valor da indenização, tal como ocorre na hipótese referida no art. 475-A, § 3.º, do CPC (Breves comentários à nova sistemática processual civil – 2.ª série, p. 189)."
- LIMA, op. cit., p. 439.
- Nesse sentido: LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 415-416; NOGUEIRA, op. cit., p. 173; 6.ª T. do STJ, REsp 30.507-3-SP, rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 29.3.93, não conheceram, v.u., DJU 10.5.93, p. 8.655; 5.ª T. do STJ, REsp 67.697-RS, rel. Min. Felix Fischer, j. 18.3.97, deram provimento, v.u., DJU 5.5.97, p. 17.069, in NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo civil e legislação processual em vigor. 35. ed. atual. até 13 de janeiro de 2003. São Paulo: Saraiva, 2003, nota 6 ao art. 588, p. 668.
- Cf. LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 213.
- Vide DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 771-772; HOFFMANN, op. cit., p. 126.
- Interessante notar, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça tem dispensado a Fazenda Pública de prestar caução para proceder à execução provisória, argumentando que tal ente goza de presunção de idoneidade financeira, o que não invibializaria o direito de indenização do executado na hipótese de provimento do recurso interposto contra a decisão exeqüenda (2.ª T. do STJ, REsp n.º 53145/SP, rel. Min. Peçanha Martins, j. 24.10.96, DJ 16.12.1996, p. 50827; 2.ª T. do STJ, REsp n.º 64218/SP, rel. Min. Helio Mosimann, j. 02.06.1998, DJ 29.06.1998, p. 135; Disponíveis em www.stj.gov.br> Acesso em 02.03.2007). Para Cândido Dinamarco, "essa orientação, fundada na premissa de que o fisco é sempre solvente, seria legítima e politicamente correta se a Fazenda pagasse seus débitos como faz uma pessoa de bem e o credor não fosse obrigado a ficar na angustiosa espera do cumprimento dos problemáticos precatórios" (Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 774). Em nosso sentir, nada justifica tamanho privilégio processual concedido à Fazenda Pública. Impor ao executado a via morosa dos precatórios para a reparação dos prejuízos causados por uma execução injusta transgride não só o princípio do devido processo legal, como também o da isonomia. É claro que essa caução não poderá incidir sobre os denominados bens públicos, tendo em vista a impenhorabilidade e a inalienabilidade dos mesmos. Isso, entretanto, não constitui óbice para que esse ente ofereça uma outra espécie de garantia, como, por exemplo, a fiança bancária ou, até mesmo, o depósito de soma em dinheiro (Cf. NOGUEIRA, op. cit., p. 177-179).
- HOFFMANN, op. cit., p. 115.
- Nesse sentido: ASSIS, op. cit., p. 153-154; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; RIBEIRO LOPES, Maurício Antonio. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 291-292.
- Assim: DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 773; HOFFMANN, op. cit., p. 130; NOGUEIRA, op. cit., p. 170.
- Araken de Assis averba que "a referência a crédito ‘decorrente de ato ilícito’, inserida no art. 475-O, § 2.º, I, se aplica no dano à coisa. Por exemplo: à condenação de alguém por dano patrimonial ou moral verificado em acidente de trânsito (art. 275, II, d)" (Cumprimento da sentença, p. 156).
- Importante observar que, em se tratando de efetivação da sentença que reconhece a obrigação de pagar alimentos decorrentes de parentesco ou de mútua assistência, parece haver uma antinomia entre o inciso I, § 2.º, do art. 475-O e os arts. 732, parágrafo único, e 734, todos do CPC. Isso porque esses dois últimos dispositivos não impõem ao exeqüente a prestação de caução para levantamento do valor postulado, já que lhe outorgam ou a penhora de dinheiro, ou a determinação de desconto em folha de pagamento. E o mais importante: tais preceitos não limitam o valor que pode ser postulado pelo alimentando (Cf. SHIMURA, Sérgio; MOREIRA, Alberto Camiña; NEVES, Daniel A. Assunção; ORIONE NETO, Luiz. Nova reforma processual civil comentada. São Paulo: Método, 2002, p. 398).
- LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 304.
- Cf. BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito de família. São Paulo: CPC, 2003, p. 139-140.
- Nesse sentido: DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 773-774; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 210-211. Em sentido contrário, entendendo que, se o valor (total) ultrapassar 60 salários mínimos, a caução deverá abranger a totalidade do crédito, e não apenas a parcela excedente: SHIMURA; MOREIRA; NEVES; ORIONE NETO, op. cit., p. 329.
- Cf. DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 773. Do mesmo modo, não admitindo a execução provisória nessa hipótese sem que o exeqüente preste caução: NOGUEIRA, op. cit., p. 171.
- De acordo: ARAÚJO, op. cit., p. 122-123.
- HOFFMANN, op. cit., p. 133. Do mesmo modo, entendendo ser bastante a simples alegação do exeqüente, não se exigindo a produção de provas vide ASSIS, op. cit., p. 156. Em sentido contrário, entendendo que caberá ao exeqüente o ônus de demonstrar que se encontra em situação de necessidade, por meio de um incidente processual no qual se faculta o contraditório ao executado: NOGUEIRA, op. cit., p. 170-171.
- WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 191.
- WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 187-188; DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 258; NOGUEIRA, op. cit., p. 175-176; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 201-202; 1.ª T. do STJ, REsp n.º 20054/SP, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 18.05.92, DJ 22.06.1992, p. 9730; 6.ª T. do STJ, REsp 29716/SP, rel. Min. Pedro Acioli, j. 30.08.93, DJ 27.09.93, p. 19835; Disponíveis em : Acesso em: 2 mar. 2007.
- Nesse sentido: DINAMARCO, A reforma da reforma, p. 257-258. O professor Ricardo Hoffmann adota esse mesmo entendimento quando se trata da prática de atos dos quais possa resultar grave dano ao executado. Porém, em se tratando de levantamento de depósito em dinheiro e de prática de atos que importem alienação de domínio, defende ser mais razoável que a prestação de caução parta do próprio exeqüente em razão do presumido risco de dano ao executado (Execução provisória, p. 134).
- JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 318.
- NOGUEIRA, op. cit., p. 192.
- Pronunciam-se na doutrina no sentido de que é dever do juiz arbitrar a caução, independentemente de requerimento da parte, desde que presente o denominado risco processual: ASSIS, op. cit., p. 164; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 196.
- BUENO, op. cit., p. 154-155.
- Sobre a concepção publicista do processo e o papel a ser desempenhado pelo juiz vide GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. In: TUBENCHLAK, James. Doutrina 7. Rio de Janeiro: Instituto de Direito, 1999, p. 191.
- SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 75.
- A caução poderá ser prestada tanto pelo exeqüente quanto por terceiro (vide art. 828 do CPC).
- De acordo: BUENO, op. cit., p. 155-156; ASSIS, op. cit., p. 165; JORGE; DIDIER JR.; RODRIGUES, A terceira etapa da reforma processual civil, p. 181
- Tratando do contraditório como direito de as partes participarem e influenciarem as decisões judiciais vide DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006, vol. 1, p. 58-59.
- Tais provas não podem, evidentemente, dar ensejo a uma cognição aprofundada.
- Essa postura de diálogo pode, inclusive, se dar com os demais sujeitos do processo, sendo perfeitamente admissível que o juiz recorra a um perito para auxiliá-lo no arbitramento. De acordo: Assis, op. cit., p. 165.
- Sobre o princípio da cooperação vide DIDIER JR., Curso de direito processual civil, vol. 1, p. 71-74.
- "Uma coisa é o juiz poder conhecer de ofício, poder agir de ofício, sem provocação da parte. Essa é uma questão. Outra questão é poder agir sem ouvir as partes. É completamente diferente. Poder agir de ofício é poder agir sem provocação, sem ser provocado para isso; não é o mesmo que agir sem provocar as partes. Esse poder não lhe permite agir sem ouvir as partes" (Ibidem, p. 62).
- Em sentido contrário, posiciona-se o professor Lucon, para quem não é possível a prestação de caução pessoal ou fidejussória (LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 417).
- O art. 827 do CPC estabelece, a título exemplificativo, que a caução poderá ser prestada mediante "depósito em dinheiro, papéis de crédito, títulos da União ou dos Estados, pedras e metais preciosos, hipoteca, penhor e fiança".
- As expressões "suficiente" e "idônea" são sinônimas, pois ambas transmitem a idéia de que a caução prestada deve garantir o amplo ressarcimento dos danos causados ao executado em razão da execução adiantada. Em sentido semelhante: WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 184.
- Cf. NOGUEIRA, op. cit.,, p. 182; SILVA RIBEIRO, op. cit., p. 202.
- De acordo: NOGUEIRA, op. cit., p. 185; LUCON, Eficácia das decisões e execução provisória, p. 417.
- Cf. NOGUEIRA, op. cit., p. 186.
- WAMBIER; WAMBIER; MEDINA, op. cit., p. 191.
- DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, vol. 4, p. 768.
- Assim: BUENO, op. cit., p. 161; NOGUEIRA, op. cit., 258.
- NEGRÃO; GOUVÊA, op. cit., nota 5 ao art. 284, p. 375.
Referências bibliográficas
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões sobre as reformas do CPC. Salvador: JusPODIVM, 2007.
ASSIS, Araken de. Cumprimento da sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao código de processo civil. 11. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003, vol. 5.
BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito de família. São Paulo: CPC, 2003.
BUENO, Cassio Scarpinella. A nova etapa da reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 2006, vol. 1.
CÂMARA, Alexandre Freitas. A nova execução de sentença. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
_____. Lições de direito processual civil. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, vol. 3.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 15. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 6. ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed. Salvador: JusPODIVM, 2006, vol. 1.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, vols. 1 e 3.
_____. A reforma da reforma. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2003.
_____. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2004, vol. 4.
FERREIRA, William Santos. Aspectos polêmicos e práticos da nova reforma processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias; RIBEIRO LOPES, Maurício Antonio. Comentários à lei dos juizados especiais cíveis e criminais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do juiz no processo penal acusatório. In: TUBENCHLAK, James. Doutrina 7. Rio de Janeiro: Instituto de Direito, 1999.
HOFFMANN, Ricardo. Execução provisória. São Paulo: Saraiva, 2004.
JORGE, Flávio Cheim; DIDIER JR., Fredie; RODRIGUES, Marcelo Abelha. A nova reforma processual. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
_____. A terceira etapa da reforma processual civil. São Paulo: Saraiva, 2006.
LIMA, Alcides de Mendonça. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, vol. 6, t. II.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
_____. Sentença e liquidação no CPC: Lei n. 11.232/2005. Material da 4ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
_____. Nova execução de títulos judiciais e sua impugnação. Material da 9ª aula da Disciplina Cumprimento das decisões e processo de execução, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Processual Civil – UNISUL – IBDP – REDE LFG.
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972, t. III.
NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto Ferreira. Código de Processo civil e legislação processual em vigor. 35. ed. atual. até 13 de janeiro de 2003. São Paulo: Saraiva, 2003.
NOGUEIRA, Antonio de Pádua Soubhie. Execução provisória da sentença: caracterização, princípios e procedimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
PIRES, Jorge Antônio Cheim. A execução provisória de título executivo extrajudicial: em defesa do novo art. 587 do CPC. In: ROCHA, Valdir de Oliveira. Revista dialética de direito processual. São Paulo: Dialética, 2007, n. 48.
SHIMURA, Sérgio; MOREIRA, Alberto Camiña; NEVES, Daniel A. Assunção; ORIONE NETO, Luiz. Nova reforma processual civil comentada. São Paulo: Método, 2002.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
SILVA RIBEIRO, Leonardo Ferres da. Execução provisória no processo civil. São Paulo: Método, 2006.
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
WAMBIER; Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil – 2.ª série. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
_____. Sentença civil: liquidação e cumprimento. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.