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quarta-feira, junho 11, 2008

Validade da norma no Ordenamento Jurídico brasileiro - Jusvi

 

Quarta-feira, 11 de junho de 2008

Validade da norma no Ordenamento Jurídico brasileiro

por Davi Souza de Paula Pinto

 

      SUMÁRIO: Introdução; I. A Validade Formal Da Norma Jurídica; I.A. Quanto à Promulgação E Publicação; I.B. Quanto Ao Fim Da Norma; II. Validade Fática Da Norma Jurídica; III. Validade Ética Ou Fundamento Axiológico; III.A. Modalidades De Justiça; IV.Conclusão; V. Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa pressupõe sobre o tema: validade da norma jurídica, dispondo algumas colocações de doutrinadores de tamanha experiência sobre o assunto.

Procuramos falar de forma direta utilizando palavras concisas, ou seja, sem circular o assunto. Este procedimento dificulta a compreensão do leito.

Dividimos esta pesquisa em três partes. Primeiro iremos dispor sobre a validade formal da norma e seus subtítulos, posteriormente sobre a validade fática, e por fim, sobre o fundamento axiológico da norma jurídica, e suas modalidades de justiça.

I. A VALIDADE FORMAL DA NORMA JURÍDICA

Em suma, veremos que “para sua validade, é necessário que todas as etapas legais de sua elaboração tenham sido obedecidas” (VENOSA, 2007, p.103). Partindo do pressuposto de que normas jurídicas nascem, existem e morem, podemos estabelecer o objeto do nosso trabalho.

Começando pelo âmbito da vigência, ou seja, da “existência especifica da norma, indicando uma propriedade das relações entre normas” (DINIZ, 2006, p 393), observamos alguns requisitos que devem ser preenchidos segundo a autora. Vejamos:

    “1º) elaboração por um órgão competente, que é legitimo por ter sido constituído para tal fim;

    2º) competência ratione materiae do órgão, isto é a matéria objeto da norma deve estar contida na competência do órgão;

    3º) observância dos processos ou procedimentos estabelecidos em lei para sua produção.” (DINIZ, 2006, p 394)

Observando os requisitos acima, pressupõe-se a validade formal da norma em sentido amplo. Que a princípio é “uma relação entre normas (em regra, inferior superior) no que diz respeito à competência dos órgãos e ao processo de elaboração (...) emanada do poder competente” (DINIZ, 2006, p 394)

Em sua feliz colocação, Tercio Sampaio Ferras Junior, menciona que uma norma é valida ainda que

    “o conteúdo não seja cumprido, é respeitada, sendo tecnicamente imune a qualquer descrédito. Logo o valer de uma norma não depende da existência real e concreta das condutas que prescreve: mesmo sendo descumprida, ela vale’ (FERRAZ Jr. 2006, p 199)

Está ai, destacado as principais afirmações do campo formal de validação da norma jurídica. Onde a norma é elaborada por um órgão competente, ou seja, legitimo, respeitando-se o objeto contido na competência de tal órgão, e observando também os procedimentos para produção da norma.

A fim de facilitar aos leitores dividimos o titulo principal em dois subtítulos que nos irão articular a respeito da integração de uma norma no ordenamento, de sua permanência, e por fim, sobre o fim de uma norma ou somente de alguns de seus dispositivos.

I.a. QUANTO À PROMULGAÇÃO E PUBLICAÇÃO

Como vimos anteriormente, as normas jurídicas têm uma vida própria. A este subtítulo cabe sobre o aparecimento dela e de sua permanência no mundo jurídico.

Sabemos, que as normas “nascem com a promulgação, mas só começam a vigorar com sua publicação no Diário oficial” (DINIZ, 2006, p 395). A promulgação é a superação do veto, atestando então, a existência de uma norma. A publicação de uma lei no Diário Oficial “é requisito fundamental para sua validade. É a forma pela qual o diploma legal se torna conhecido da sociedade” (VENOSA, p.104), portanto, é o meio pelo qual demonstra a validade da norma ao saber de todos.

Entre a data de sua publicação e de sua entrada em vigor, que tornará valida a obrigatoriedade da norma, e inclusive, atestará o inicio de sua permanência no ordenamento jurídico chama-se vocatio legis. Deste liame, conseguimos observar duas formas para que uma lei entra em vigência: prazo progressivo, prazo único.

Pelo prazo progressivo “a lei entra em vigor em diferentes lapsos de tempo, nos vários estados do País” (DINIZ, 2006, p 396). Pelo prazo único se não houver previsão legal Art. 1º da Lei de Introdução ao Código Civil “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinto) dias depois de oficialmente publicada” (VENOSA, p.105)

È importante mencionar que para uma lei ser “valida sob o prisma material, há de estar de acordo com a constituição, norma superior (...) e deve estar integrada no ordenamento” (VENOSA. p.103)

I.b. QUANTO AO FIM DA NORMA

Notamos duas hipóteses para se findar uma norma jurídica: de vigência temporária, vigência sem prazo determinado.

Primeira possibilidade, diz respeito às normas temporárias, estás já se tem fixado um tempo de duração, e “desaparecem do cenário jurídico com o decurso pra preestabelecido” (DINIZ, 2006, p 397)

A segunda finda com a revogação, tornando assim, sem efeito uma norma ou alguns de seus dispositivos. Tem-se assim aplicação o art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, onde “não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou a revogue” (VENOSA, p.110).

É importante lembrar que a revogação abrange duas possibilidades: a derrogação (parcial) e a ab-rogação (total). Na derrogação “a lei apenas revoga parcialmente lei anterior. Na ab-rogação a revogação atinge completamente lei anterior” (VENOSA. 2007 p.111).

II. VALIDADE FÁTICA DA NORMA JURÍDICA

Sobre a validade fática da norma jurídica, verificaremos de forma sucinta dois planos: da eficácia e da condição de vigência da norma.

No Primeiro plano consistea eficácia no fato real da aplicação da norma, tendo, portanto, um caráter experimental” (DINIZ, 2006, p 402). No segundo plano, que diz respeito à condição de vigência da norma, bastante apropriado citar à doutrina de Venosa. O autor menciona que tal condição ocorre quando a norma é observada em instancia de validade social. Quando a norma é efetivamente observada pelo grupo, diz-se que possui eficácia” (VENOSA, 2007, p.106). Na mesma ordem, Tercio Sampaio Ferraz Jr. Dispõe que a norma:

    “não se reduzindo à obediência, a efetividade ou eficácia social tem antes o sentido de sucesso normativo, o qual pode ou não exigir obediência. Se o sucesso normativo exige obediência” e tendo “observância espontânea e a observância por imposição de terceiros (por exemplo, sua efetiva aplicação pelos tribunais)” (FERRAZ Jr. P.200) tem-se uma norma eficaz.

Nesta feliz colocação de Ferraz Jr., pode-se dizer que há uma norma eficaz quando a obediência e observância espontânea ou não pela sociedade. Observa-se, portanto que há um vinculo muito forte entre os dois planos destacados. Para se ter eficácia a norma deve ser observada e respeitada/seguida pela sociedade, caso contrário, não há justificativa para sua vigência. Maria Helena Diniz esposa que “se ela nunca puder ser aplicada pela autoridade competente nem obedecida pelo seu destinatário, perderá a sua vigência” (DINIZ, 2006, p 403).

A guise de conclusão pode-se dizer que Portanto “uma norma se diz socialmente eficaz quando encontra na realidade condições adequadas para produzir seus efeitos” (FERRAZ Jr,2003, p199). Vale dizer, que o mínimo de eficácia é uma condição de vigência da norma em um ordenamento jurídico,

III. VALIDADE ÉTICA OU FUNDAMENTO AXIOLÓGICO

A norma não deve ter somente validade fática, deve-se, observar também as condições ético-sociais no que tange a sua existência e aplicação. Ou seja, a norma anseia por justiça atendendo aos valores de uma sociedade dentro de um contexto histórico.

Segundo Maria Helena Diniz a norma

    “deve ser sempre uma tentativa de realização de valores (utilidade, liberdade, ordem, segurança, saúde etc.), visando à consecução de fins necessários ao homem e à sociedade” (DINIZ, 2006, p 403)

O mesmo que afirmar que, “de fato, a norma desempenha (...) sua função social, qual seja manter a ordem e distribuir justiça” (VENOSA, p.106). Na mesma posição de Maria Helena Diniz e Venosa, Paupério coloca que:

    “a norma além de ser válida, há assim de possuir valor, isto é, alem de ser válida formalmente, (...) deve sê-lo também sobre o ângulo material. Além da validade, a norma jurídica há de ter valor, através de seu conteúdo ético (..) dever ser concretizado pelos critérios de justiça e de legitimidade” (PAUPÉRIO, 1977, p167)

Através destes doutos doutrinadores, não nos resta duvida acerca de que a norma jurídica deve ser expressão de justiça e que depende das condições sociais de um dado momento.

Resta-nos verificar, quais são as modalidades de justiças presentes na sociedade.

III.a. MODALIDADES DE JUSTIÇA

Sabendo então, que há também prevalência de valores e anseio por justiça implícita ou expressa em uma norma jurídica. Observamos e destacamos algumas formas de justiça. Maria Helena Diniz nos exemplifica algumas modalidades: objetiva, comutativa, distributiva e social. Vejamos:

A justiça Objetiva ocorre quando “indica uma qualidade da ordem social. (...) Pode ainda significar a própria legislação (justiça penal, trabalhista, etc.) ou o órgão encarregado de sua aplicação” (DINIZ, 2006, p 406)

Ocorre Justiça Comutativa

    “se um particular dá a outro particular o bem que lhe é devido, (...) um direito próprio da pessoa (p.ex. o direito da personalidade, (...), pagamento de certa quantia em dinheiro etc.)” (DINIZ, 2006, p 408).

Ocorre justiça Distributiva “quando a sociedade dá a cada particular o bem que lhe é devido segundo uma igualdade proporcional ou relativa” (DINIZ, 2006, p 408). E por fim, a justiça social ocorre quando

    “as partes da sociedade, isto é, governantes e governados, indivíduos e grupos sociais, dão a comunidade o bem que lhe é devido, observando uma igualdade proporcional. (..) dão a esta sua contribuição para o bem comum” (DINIZ, 2006, p 409)

IV. CONCLUSÃO

Concluímos com a presente pesquisa, que para se ter validade formal deve ser preenchida alguns requisitos, ou seja, todas as etapas legais, passando, portanto, pela elaboração de um órgão competente, tendo uma matéria especifica e por fim como já dito observar os procedimentos legais.

Verificamos que a norma possui uma vida própria, começando pelo estágio de promulgação, que atesta a existência da norma, posteriormente passando para o estágio da publicação, onde lança uma lei no Diário Oficial com a finalidade de tornar a lei conhecida por todos da sociedade. Por fim, concluímos também que o terceiro estágio (fim da norma), que pode vir acontecer ou não. Na lei que determina um tempo de vigência a validade da norma termina com o tempo estipulado. Na lei sem tempo predeterminado a norma cessa através de revogação.

Quanto à validade da norma no mundo real, concluímos que um a norma só é eficaz quando produz na realidade algum efeito. Ou seja, quando a sociedade a obedece seja por vontade própria ou por vontade da própria lei (órgãos)

Concluímos que a norma jurídica deve expressar a justiça e os valores da sociedade, em suas modalidades. Fazendo valer o bem comum.


V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DINIZ, Maria Helena, Compêndio De Introdução À Ciência Do Direito, 18º edição, Saraiva, São Paulo, 2006

FERRAZ JR. Tercio Sampaio, Introdução ao Estudo do Direito, Técnica, decisão, dominação. 4º Edição, Atlas, São Paulo, 2003

PAUPÉRIO, A Machado. Introdução axiológica ao direito. Forense, Rio de Janeiro -1977

VENOSA, Silvio de Salvo, Introdução ao Estudo do Direito, Primeiras Linhas, 2º edição, Atlas, São Paulo 2007


Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 10 de junho de 2008


Sobre o autor

Davi Souza de Paula Pinto

Estudante de Direito da Pontifícia Universidade católica de Minas Gerais, Estagiário de Direito do Escritório Edison Urbano Mansur.

email


Jusvi

 

 

 

quarta-feira, outubro 24, 2007

Expectativa de direito: um nada jurídico

Fonte:



Expectativa de direito:
um nada jurídico

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9675


Thomaz Thompson Flores Neto
advogado em Porto Alegre (RS)


            A locução é recorrente na jurisprudência desde as mais altas cortes do País, assim como presente em respeitáveis textos doutrinários, contudo, "expectativa de direito", por consistir em um nada jurídico, não poderia se prestar a fundamento de quaisquer teses no campo do Direito, muito menos respaldar decisões judiciais.

            A pessoa pode ser titular de direitos, ou de direitos adquiridos: os primeiros exercitáveis de plano, os segundos, incorporados ao patrimônio pessoal e não-exercitáveis antes de cumprida certa condição ou transcorrido tempo predeterminado.

            Cumprida a condição ou transcorrido o lapso temporal, o que antes era direito adquirido passa a ser, automática e simplesmente, direito. Enquanto se processa o cumprimento da condição ou o transcurso do tempo, não há expectativa de direito, vez que o direito já foi adquirido, muito menos, por igual razão, direito em aquisição ou direito em formação, como, por vezes, ouve-se falar.

            A propósito, da jurisprudência do STF colhe-se: "Nesse contexto, considerando que os reclamantes, à época da alteração constitucional, ainda não tinham implementado a condição prevista na legislação anterior, resulta inequívoco o fato de que possuíam mera expectativa de direito, não havendo que se falar, portanto, em existência de direito adquirido à percepção de aposentadoria integral." (AI 398620-SP, DJ 15/10/2004, Relator Ministro Sepúlveda Pertence)

            Em outras palavras, diz a Corte Suprema que a pessoa enquanto cumpre a condição imposta ou aguarda o transcurso do lapso temporal, tem "mera expectativa de direito" (como já referido, nada, juridicamente falando), só vindo a nascer o direito adquirido quando reunir os requisitos.

            Ora, a insubsistência da tese é explícita: é evidente que reunidos os requisitos o direito torna-se exercitável, portanto descabido falar-se, aí, em direito adquirido.

            Reunidos os requisitos, logo, havendo nascido o direito (exercitável), se o titular deliberadamente não o exercer, o risco que corre não é o do surgimento de lei nova que venha a alterar as bases normativas sob as quais foi constituído, o risco é, tão-só, o de decair daquele seu direito, caso haja limite legal de tempo previsto para exercitá-lo.

            Outro exemplo, também da jurisprudência do STF: "A aprovação em concurso público não gera, em princípio, direito à nomeação, constituindo mera expectativa de direito. Esse direito surgirá se for nomeado candidato não aprovado no concurso, se houver o preenchimento de vaga sem observância de classificação do candidato aprovado (Súmula 15-STF) ou se, indeferido pedido de prorrogação do prazo do concurso, em decisão desmotivada, for reaberto, em seguida, novo concurso para preenchimento de vagas oferecidas no concurso anterior cuja prorrogação fora indeferida em decisão desmotivada." (RMS 22975-DF, DJ 09.11.2006, Relator Ministro Gilmar Mendes).

            Nesta hipótese, em verdade, o direito do candidato eventualmente aprovado em primeiro lugar no concurso (de ser o primeiro nomeado) não nasce ao ser nomeado candidato não aprovado ou outro com classificação inferior, o que surge aí é a violação ao direito, que é preexistente, nascendo a pretensão de vê-lo cumprido.

            Concluindo, do STJ, tem-se que: "Em respeito ao direito adquirido, se o trabalhador laborou em condições adversas e a lei da época permitia a contagem de forma mais vantajosa, o tempo de serviço assim deve ser contado". (REsp 912593-MG, DJ 21.03.2007, Relator Ministro Hamilton Carvalhido)

            Na verdade, em tal circunstância a contagem do tempo deve ser conforme a lei vigente à época do serviço prestado, não por se tratar de direito adquirido (direito pendente de condição ou termo), nem de simples direito (direito exercitável), e sim em respeito ao princípio da irretroatividade das leis.

            Diante dessas singelas considerações, forçoso reconhecer o acerto do célebre jurisconsulto italiano Túlio Ascarelli, ao preconizar: "A desgraça da Ciência Jurídica está nas imprecisões terminológicas".


Sobre o autor


Thomaz Thompson Flores Neto

E-mail: Entre em contato


Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1369 (1.4.2007)
Elaborado em 03.2007.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
FLORES NETO, Thomaz Thompson. Expectativa de direito: um nada jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1369, 1 abr. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9675>. Acesso em: 24 out. 2007.


 


Origem

segunda-feira, março 19, 2007

O que não é Direito

Fonte:Jus Vigilantibus — jusvi.com

O que não é Direito

Werner Nabiça Coêlho

Advogado, Professor da Faculdade Ideal – FACI, Especialista em Direito Tributário e Mestrando pela Universidade da Amazônia – UNAMA, Belém, Pará.

Sumário: Introdução – 1. Qual Direito? – 2. Que é Ideologia! – 3. Estado de não-direito na práxis marxista – Considerações Finais – Referências.
Resumo: A crise social atual é em parte o produto de uma postura ideológica perante o Direito e sua teoria, que segundo um viés marxista vem favorecendo a criação de um Estado de não-direito, que potencialmente é capaz de suprimir a própria idéia de Estado de Direito e a liberdade individual, conforme o exemplo histórico da Revolução Russa.
Palavras-chave: Direito – Estado de não-direito – Ideologia – Liberdade – Marxismo – Revolução Russa.
INTRODUÇÃO
A perplexidade que experimentamos nestes novos tempos se apresenta na forma de nascentes movimentos sociais que promovem atos denotadores de completo desrespeito ao Direito em todos os seus âmbitos, desde o axiológico ao ontológico, em que se opera uma deontologia e uma teleologia viciadas por valores desagregadores de todos os princípios básicos da convivência civilizada.
Desse modo, conforme o dizer de Martinez (2006) é a patente existência de um Estado Paralelo como forma de Estado de não-direito em frontal oposição ao próprio Estado de Direito.
Trata-se da constatação que hoje há um concorrente governo dos homens violentos (MARTINEZ, 2006), que negam consciente e voluntariamente toda noção de certo e errado, de possível Justiça. Razão pela qual destacamos o ensinamento de Canotilho:

Tomar a sério o Estado de direito implica, desde logo, recortar com rigor razoável o seu contrário – o "Estado de não direito". Três idéias bastam para o caracterizar: (1) é um Estado que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em que o direito se identifica com a "razão do Estado" imposta e iluminada por "chefes"; (3) é um Estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito (CANOTILHO, 1999, p. 12, apud, MARTINEZ, 2006).Exemplar fático deste estado de coisas que nos aflige é a declaração de um líder deste Estado de não-direito amplamente noticiado pela imprensa escrita e falada nos seguintes termos, quando se dirigia a uma autoridade policial: “Eu posso te matar, você não pode me matar. O Estado é obrigado a me proteger”, presente na página 48, da Revista Istoé, de 24/05/2006, edição nº 1909. Situação em que se tornou notório e consabido que se travou verdadeiro acordo de paz entre o Estado e o Crime Organizado.
Diante destes fatos nos questionamos acerca de qual fator presente em nosso atual ensino do Direito é um dos possíveis fomentadores de tal desordem cognitiva, quanto aos valores sociais e jurídicos, que vêm sofrendo o presente processo de relativização extremada que favorece a erupção de tantas forças entrópicas a se voltarem contra a ordem constituída, e, com isso, favorecendo o surgimento de um Estado de não-direito.
Uma boa resposta se apresenta quando percebemos que grande parte da cultura jurídica nacional recebe como primeiro fundamento teórico a doutrina marxista que embasa, entre uma miríade de outras, a obra O que é direito, de Roberto Lyra Filho, a qual passaremos a analisar como exemplo de instrumento de doutrinação ideológica que com o passar dos anos abriu o caminho para o futuro que a cada momento se faz mais presente.

1. QUAL DIREITO?

Roberto Lyra Filho (2003, p. 18) propõe-se a explicar a Teoria do Direito sob um enfoque marxista, indicando os interesses de classe como fundamento de dado direito, numa relação de dominação, definindo então que:

A ideologia é fato social (exterior, anterior e superior aos indivíduos), antes de tornar-se um fato psicológico (enquanto invade a formação mental, entretanto, sorrateira, nas profundezas da mente) [...] Porém não se trata de um “aparelho” ideológico [...] Neste caso, o homem seria boneco inerte, fatalmente preso às determinações externas.[...] (LYRA FILHO, 2003, p. 19).Lyra Filho sintetiza que a formação ideológica, enquanto fato-instituição social, advém sobremaneira das contradições da estrutura sócio-econômica, cristalizando-se em um repertório de crenças “que os sujeitos absorvem e que lhes deforma o raciocínio, devido à consciência falsa” (2003, p. 22), neste ponto chamamos a atenção para a definição de “consciência falsa” enquanto “princípios recebidos como evidências e que, na verdade, constituem meras conveniências de classe ou grupo encarapitados em posição de privilégio”.
Consideramos sintomático de uma espécie de “falsa consciência” ideologicamente orientadora de Lyra Filho (2003, p. 25) ao analisar os principais modelos de ideologia jurídica sintetizou milênios de cultura jurídica em apenas dois modelos básicos, ou seja o direito natural e o direito positivo, para indicar que há uma terceira posição a tais posturas, consistente em que: Somente uma nova teoria realmente dialética do Direito evita a queda numa das pontas da antítese (teses radicalmente opostas) entre direito positivo e direito natural [...] Assim, veremos que a positividade do Direito não conduz fatalmente ao positivismo e que o direito justo integra a dialética jurídica, sem voar para nuvens metafísicas, isto é, sem desligar-se das lutas sociais, no seu desenvolvimento histórico, entre espoliados e oprimidos, de um lado, e espoliadores e opressores, de outro (LYRA FILHO, 2003, p.27). (grifos no original)A corroborar a presença de excessivo ideologismo marxista esposado por Lyra Filho destacamos uma interessante ressalva a respeito do “legalismo socialista” que supostamente “[...] apresenta diferenças resultantes do fato de que é socialista, revestindo, portanto, uma estrutura diversa e socialmente mais avançada [...]” (2003, p. 28).
Encontramos em Lyra Filho a seguinte profissão de fé: “[...] As ideologias jurídicas são filosofia corrompida, infestada de crenças falsas e falsificada consciência do que é jurídico, pela intromissão de produtos forjados pelos dominadores [...]” (2003, p. 47).
Após negar a ordem positiva e natural tradicionalmente propostas como explicação do Direito, indica mencionado Autor que: “[...] A concepção dialética há de repensá-lo em totalidade e transformações, numa Filosofia Jurídica, que é a Sociologia [...] e Ontologia do Direito [...]” (2003, p. 48).

2. QUE É IDEOLOGIA?

Tomamos a liberdade de ressaltar que o conceito de totalidade, é por si mesmo, uma realidade filosófica e metafísica, pois o conceito de totalidade não se aplica a um dado individualizável e sujeito à verificação empírica, totalizar é abstrair, é ir para além da experiência sensível, é metafísica, no sentido clássico de ir para além da aparência na busca de respostas extrapoladoras das explicações contingentes, em vista de uma teoria unificadora dos dados singulares coletados pelo pesquisador.
Consideramos que o Direito, enquanto fato social, antes de ser uma realidade social, é uma realidade da vida de cada qual que se direciona para a busca de resposta para questões universais em meio à miríade de dados empíricos, conforme se depreende das palavras de Ortega y Gasset:

O novo fato ou realidade fundamental é “nossa vida”, a de cada qual. [...]; e o filosofar é, por sua vez, forma particular do viver que supõe este mesmo viver – porquanto se faço filosofia é por alguma coisa prévia, porque quero saber que é o Universo, e esta curiosidade, por sua vez, existe graças a que a sinto com um afã de minha vida que está inquieta acêrca de si mesma, que se encontra, talvez, perdida em si mesma. (ORTEGA Y GASSET, 1961, p. 176).Prosseguindo na análise da importância da ideologia marxista na deformação do pensamento jurídico contemporâneo brasileiro, devemos nos reportar a Bertrand de Jouvenel (1978), pesquisador da influência das idéias no desenrolar da história, propondo-se encarar o conceito de ideologia com seu significado originário de ciência da formação de idéias, no dizer de Destutt de Tracy (p. 25), propondo-se a explicar o trajeto das idéias segundo um modelo baseado nos seguintes fenômenos sociais: 1) Nós nos comunicamos por meio de palavras de conteúdo incerto;
2) Vemos as coisas através de idéias, e ainda lhes damos a configuração resultante das idéias que estão dentro de nós;
3) Influenciamos os outros (e somos influenciados) por meio do discurso, que encerra várias espécies de idéias.” (p. 23).
Questionando-se qual o discurso mais simples enfoca o Autor a espécie do imperativo simples, desacompanhado de justificação, adequado quando se implica uma relação de fides (JOUVENEL, 1978, p. 29), entretanto, o tipo de discurso que mais nos interessa é o de natureza persuasiva cujo modelo esquemático comporta quatro movimentos, excluído o quinto movimento, o imperativo, que constitui a conclusão: No primeiro movimento – o indicativo –, o orador indica, explica uma situação real, pra a qual quer chamar a atenção.
No segundo movimento – o qualificativo –, o orador formula um julgamento de valor desfavorável sobre a situação que acaba de descrever, mais precisamente, sobre o aspecto da situação por ele enfatizado. É esse julgamento desfavorável que justifica o apelo à ação.
Esses primeiro dois movimentos formam uma fase do discurso, que designei como “a fase moral”, para distingui-los da fase de características diversas formada pelo segundo par de movimentos.
Ao terceiro movimento dei o nome de movimento prospectivo. Por quê? Porque enuncia um futuro melhor que o presente; e esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo. Geralmente esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo [...].
As condições e os meios de realização do futuro melhor são enunciados no quarto movimento, por isso mesmo chamado de movimento processativo. Qual é o processo de realização do futuro melhor? Qual o caminho que conduz a ele? Qual a estratégia que deve ser adotada para alcançá-lo?
[...] a fase composta pelos dois movimentos seguintes é de caráter diferente. A ela darei o nome de fase pragmática (BERTRAND DE JOUVENEL, 1978, p. 30) (grifos no original)
Ao tratar das diferentes categorias de idéias Bertrand de Jouvenel nos apresenta a seguinte classificação (1978, p. 34-6):
1) Idéias morais que dominam a fase moral do discurso e engendram idéias normativas e assim modelam fortemente os objetivos indicados no movimento prospectivo, primeiro da fase pragmática, são deontológicas;
2) Idéias descritivas (ou cognitivas) que são representações de estruturas que levam em conta os dados concretos, enquanto ser;
3) Idéias processativas dizem respeito a processos, ao “como fazer?”, enquanto razão prática.
Bertrand de Jouvenel realça que as idéias morais e descritivas formam modelos estáticos ou de configuração e as idéias processativas, modelos dinâmicos ou de conseqüência, aduzindo que: São idéias do mesmo tipo do mesmo tipo das que são adotadas nas ciências em geral. Tal qual as idéias de que nos valemos em outras áreas de investigação, elas são inadequadas, mas perfectíveis. E como se realiza seu aperfeiçoamento? Pela observação e pela experiência, pelo confronto com a realidade. Neste ponto peço licença para apresentar ao leitor um adágio todo meu: “O espírito humano não tende para a verdade: choca-se com ela” (JOUVENEL, 1978, p.. 36)Após o quê, já de posse de tais recursos conceituais, Jouvenel questiona-se acerca das espécies de idéias que Marx se cogitava, respondendo com as seguintes assertivas: [...] Uma vez que Marx diz que as idéias que dominam determinada época gozam dessa primazia por serem as da classe materialmente dominante, conclui-se que as idéias a que se refere o autor são “valores” ou idéias normativas. Se vê apenas as manifestações, não os princípios motores, estará aludindo às idéias processativas. Na verdade, a modificação da sociedade (e, através dela, a das idéias normativas), os próprios meios de produção só se modificarão através do progresso das idéias processativas, das idéias sobre o “como fazer?”, e essas idéias processativas não dizem respeito somente às maneiras de explorar a natureza, mas também às maneiras de organizar os homens para esse fim. (JOUVENEL, 1978, p.. 37)Ora, observamos até este momento que a pensamento presente no espírito de Roberto Lyra Filho é completamente concordante com um discurso persuasivo de natureza marxista, e, que tal viés ideológico procede pela proposta metodológica de extirpar da fase moral do discurso o processo de produção de idéias normativas, buscando vincular a produção das idéias normativas à fase pragmática, isto é, em nome da luta pelo socialismo e/ou comunismo, vincula-se a luta pelo direito, só e tão somente, ao processo de luta de classes, promovendo-se a extirpação de qualquer limite principiológico, ignorando-se regras éticas tradicionais fundadas na razão e na experiência, para a consecução dos objetivos pragmáticos de luta pelo poder.

3. ESTADO DE NÃO-DIREITO NA PRÁXIS MARXISTA


A fundamentar as assertivas acima exaradas, colacionamos o testemunho do Historiador Richard Pipes (1997, p.215), estudioso especializado nos desenvolvimentos da Revolução Bolchevique de 1917, que nos servirá de contraprova empírica acerca da valia da proposta teórica esboçada por Roberto Lyra Filho, que em certo passo é muito claro quando afirma que “o Direito de revolução é, por assim dizer, o carro-chefe de todo o materialismo histórico” (LYRA FILHO, 2003, p.80)
Pipes esclarece com base em sua investigação, ao descrever o processo de desenvolvimento revolucionário apresenta a definição de que o terror vai muito além de pura e simples utilização de violência física, como no caso das execuções em massa, seu significado mais profundo é a “permanente atmosfera de ilegalidade” (1997, p. 217), na qual a minoria governante submete a maioria governada, restando-lhe somente a impotência.
Pipes noticia que o primeiro passo na introdução do terror em massa foi o banimento da lei “e sua substituição pela ‘consciência revolucionária’ implementando a definição dada por Lênin à ‘ditadura do proletariado’, como ‘governo não restringido pela lei’” (1997, p. 217), tal supressão do princípio da legalidade deu-se mediante o Decreto de 22 de novembro de 1917 que:

[...] dissolveu todas as cortes e acabou com as profissões associadas ao sistema judiciário. Isso não invalidou explicitamente os códigos legais – o que seria feito um ano depois – mas foi como se o fizesse, desde logo, pois instruiu os juízes (comissionados) a se “guiarem, na tomada de decisões e sentenças, pelas leis do governo derrubado que não tivessem sido anuladas pela Revolução e não contradissessem a consciência revolucionária, ou o sentido revolucionário da legalidade” [...] Crimes políticos eram tratados pelos Tribunais Revolucionários, instituídos em novembro de 1917, segundo o modelo da Revolução Francesa. Essa categoria englobava uma ampla variedade de atividades econômicas consideradas prejudiciais aos interesses do Estado. Os juízes que os presidiam, com o poder de aplicar a pena de morte, precisavam apenas saber ler e escrever [...] A Rússia soviética, de 1917 a 1922, teve cortes distintas, para crimes comuns e crimes contra o Estado, sem leis que as guiassem; os cidadãos eram julgados por juízes sem qualificação profissional e por delitos que não estavam definidos em nenhum código. Os princípios orientadores da jurisprudência ocidental (e da Rússia, desde 1864) – não há crime sem lei e não há pena sem lei – nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege – foram abolidos. O judiciário, encarregado da distribuição da justiça, transformou-se em uma agência do terror. Não era outra a intenção de Lênin; em 1922, quando a Rússia soviética finalmente ganhou o seu código penal, o Comissariado de Justiça foi instruído de que a tarefa do judiciário comunista consistia na “justificativa do terror [...] A corte não é para eliminar o terror [...] mas para substanciá-lo e legitimá-lo [...] (PIPES, 1997, p. 217) (destacamos).Configura-se, portanto, que em nome de um futuro socialista a sociedade política passa a ser submetida ao arbítrio da autoridade do momento sob condições mais severas que aquelas descritas por Beccaria (1997), num tempo em que o princípio da legalidade, em particular em matéria criminal, era somente um sonho distante objeto de especulações filosóficas, das quais fornecemos um estrato comparativo com o relato supracitado. Quando as leis forem fixas e literais, quando apenas confiarem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, para indicar se esses atos são conformes à lei escrita, ou se a contrariam; quando, finalmente, a regra do justo e do injusto, que deve orientar em todos os seus atos o homem sem instrução e o instruído, não constituir motivo de controvérsia, porém simples questão de fato, então não se verão mais os cidadãos submetidos ao poder de uma multidão de ínfimos tiranos, tanto mais intoleráveis quanto menor é a distância entre o opressor e o oprimido; que se fazem tanto mais cruéis quanto maior resistência encontram, pois a crueldade dos tiranos é proporcional, não às suas forças, porém aos entraves que lhes são opostos; e são tanto mais nefastos quanto não há quem possa libertar-se de seu jugo senão submetendo-se ao despotismo de um só (p. 23).
Se a arbitrária interpretação das leis constitui um mal, a sua obscuridade o é igualmente, pois precisam ser interpretadas. Tal inconveniente ainda é maior quando as leis não são escritas em língua comum” (p. 24).
Mas, qual a razão desta guerra contra o Direito, dito burguês ou pequeno-burguês, promovida pelo imenso sistema teórico e pragmático do marxismo que predomina no ensino jurídico atual?
A resposta a esta questão já fora prefigurada por nossa pena em outro artigo publicado no meio virtual (COÊLHO, 2003) em que já definíamos que o Direito em acepção comum nos remete à idéia de posse e/ou propriedade.
Posse e/ou propriedade conforme uma concepção sociológica, que valora o fato social enquanto fundamento material e substancial do fenômeno jurídico, que formaliza um dado concreto da realidade, nos indicará que é pretensão fundada num título, formal ou informal, real ou imaginário, ou seja, é o produto de uma manifestação de vontade, livre ou vinculada, sobre algo ou alguém, com a finalidade de usar, gozar, dispor ou consumir (PIPES, 2001, p. 32), em suma, o Estado de não-direito nega à pessoa humana a dignidade de sequer ser dona de si mesma.
Mais uma vez devemos nos socorrer de dados histórico que nos forneçam a constatação empírica de verdades encobertas pelos rodeios panfletários de todo o marxismo teórico, qual seja, que o conceito de ideologia do marxismo é uma idéia processativa destinada a fundamentar o como fazer a conquista do poder sem levar em consideração o conjunto de idéias normativas destinadas a preservar os direitos e garantias fundamentais, que resultam na criação de uma sociedade de escravos em substituição da sociedade civil, tal qual a descrita por Pipes: Evidentemente, uma economia controlada, com planejamento central da produção e monopólio estatal do comércio não podia coexistir com um mercado de trabalho livre. Os controles tinham que abarcar a mão-de-obra. Trotski, que freqüentemente passava para o papel o pensamento de Lênin, colocou a questão da seguinte forma: “Pode-se dizer que o homem é uma criatura bastante preguiçosa. Em geral, empenhada em evitar o trabalho [...]. O único modo de atrair a força de trabalho exigida pelas tarefas econômicas é introduzir o serviço de trabalho compulsório”.[...] O Comissariado do Trabalho, determinou, em 1922, que seria “fornecida mão-de-obra de acordo com um plano e, consequentemente, sem levar em conta peculiaridades e desejos individuais do operário” [...] (grifos no original) (PIPES, 1997, p. 200-1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o presente trajeto teórico e histórico podemos constatar que o Direito não se presta a mero jogo ideológico de luta pelo poder político sem que com isso não surjam conseqüências extremamente graves para a paz e a tranqüilidade de toda a sociedade.
A progressiva relativização dos valores sociais representados nas idéias normativas vem criando ambiente propício ao crescimento não de pura e simples anomia, mas, de um nascente Estado de não-direito que nada mais é que uma séria ameaça a todas as liberdades públicas e aos direitos humanos, pois negam a liberdade individual em favor de um coletivismo que nada mais faz que suprimir o próprio Direito.
Necessitamos retornar ao estudo do Direito em todos os seus campos, sem exclusão de nenhum, pois a física só se explica pela abstração em conceitos cuja natureza discursiva já são patentemente metafísicos, dado que especulativos, e, por outro lado, o próprio positivismo é a aceitação de uma doutrina filosófica, limitada metodologicamente pela aceitação da norma como única fonte normativa, mas, ainda assim, passível de discussão mediante o debate sistemático de idéias que sói podem ocorrer no Estado de Direito que contemple a propriedade mais fundamental da pessoa, sua liberdade de viver seus direitos.


REFERÊNCIAS


BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2002.
COÊLHO, Werner Nabiça. Princípios jurídicos e direito natural. Proposta para fornecer um conteúdo ético à norma fundamental pressuposta. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4361>. Acesso em: 12 jun. 2006.
JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MARTINEZ, Vinício C.. Estado de não-Direito: a negação do Estado de Direito. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1075, 11 jun. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8501>. Acesso em: 12 jun. 2006 .
ORTEGA Y GASSET, José. Que é filosofia? : obras inéditas. 1ed.. Rio de Janeiro: Ed. Livro Ibero-Americano Ltda, 1961.
PIPES, Richard. História concisa da Revolução Russa; tradução de T. Reis. Rio de Janeiro: Record, 1997.
PIPES, Richard. Propriedade & liberdade; tradução de Luis Guilherme B. Chaves e Carlos Humberto Pimental Duarte da Fonseca. Record: Rio de Janeiro, 2001.
REVISTA ISTOÉ. Rio de Janeiro: Ed. Três, n.1909, maio 2006.

17/03/2007

Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:

(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)

COÊLHO, Werner Nabiça. O que não é Direito. Jus Vigilantibus, Vitória, 17 mar. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/23787>. Acesso em: 19 mar. 2007.

Estudando o Direito - Por Raphael S. Andrade:

Origem

segunda-feira, setembro 25, 2006

Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro

Fonte:







Gisele Leite



Formada em Direito pela UFRJ, em Pedagogia pela UERJ, Mestre em Direito, em Filosofia, professora universitária da Universidade Veiga de Almeida e outras do Rio de Janeiro. Articulista dos sites:
www.estudando.com;
www.jusvi.com;
www.direito.com.br; e,
www.mundojuridico.adv.br.





É um dos temais relevantes para a Teoria Geral do Direito a questão da personalidade jurídica, pois ao regular sua caracterização, obramos a premissa de todo e qualquer debate inserido no âmbito do direito privado.



É forçoso admitir que todo ser humano e destinatário final da norma, portando o estudo da personalidade jurídica é primafacie tanto da pessoa natural como da pessoa jurídica.



Em psicologia entende-se por personalidade, a estrutura ou a silhueta psíquica individual, ou mais amiúde, “o modo peculiar de ser eu”.



No Dicionário eletrônico de Psicologia está consignada a seguinte significação sobre personalidade, in verbis:



[De personal(i)- + -dade.]

S. f. Psicologia. Organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Personalidade de base: Sociologia. Configuração psicológica própria dos membros de uma determinada sociedade, e que se manifesta por um certo estilo de vida. Personalidade psicopática: Psicol.1. Personalidade caracterizada por tendência constitucional ao desenvolvimento de uma psicose.



É certo que a personalidade para Teoria Geral do Direito não é um direito, é, de fato, o que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, o primeiro bem da pessoa, para que a pessoa seja o que exatamente é.



San Tiago Dantas doutrinador arguto preleciona que personalidade jurídica é “uma ossatura destinada a ser revestida de direitos” Sem dúvida, a personalidade é parte integrante da pessoa permitindo que o titular venha adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender interesses.



Francisco Amaral consagra a personalidade jurídica como valor jurídico que se reconhece nos indivíduos e em grupos legalmente constituídos materializando-se na capacidade jurídica.



A preleção de Clóvis Beviláqua adiantava: “a personalidade jurídica tem por base a personalidade psíquica (...)” Mas obtempera que não se confundem o conceito jurídico e o conceito psicológico de personalidade.



É óbvio que se enxerga na personalidade jurídica a projeção de personalidade psíquica, ou outro campo onde esta se afirma, dilatando-se e adquirindo novas qualidades.



Há na personalidade jurídica intervenção de um elemento a ordem jurídica, do qual depende essencialmente, e do qual recebe a existência, forma, extensão e força ativa operante. A personalidade jurídica além de psíquica, é, pois uma criação social posta em movimento pelo aparelho jurídico, é portanto moldada pela ordem jurídica.



Para Teoria Geral do Direito traduz-s a personalidade por ser aptidão genérica para titularizar direitos e contrair obrigações, é atributo necessário para ser sujeito de direito.



Esclarece Ulhoa que sujeito de direito é gênero e pessoa é espécie, isto é, nem todo sujeito de direito é pessoa, embora toda pessoa seja sujeito de direito. Sujeito de direito é o titular dos interesses em sua forma jurídica, é o centro de imputação de direitos e obrigações, se referindo as normas jurídicas com a finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente, homens e mulheres.



Os conflitos de interesses ainda que mediados por titulares não humanos, dão-se sempre entre humanos. A complexidade das relações econômicas e sociais, contudo, exige do direito a construção de conceitos abstratos, destinados a dar forma jurídica para a titularidade dos interesses. Nem todo sujeito de direito é pessoa e nem todas as pessoas, para o direito, são seres humanos.



Quando, por exemplo, o condomínio edilício é sujeito de direito, está tratando de modo racional a convergência de interesses dos homens e mulheres que moram num mesmo edifício. São sujeitos entre outros as pessoas naturais (homens e mulheres nascidos com vida), as pessoas jurídicas (sociedades empresárias, cooperativas, fundações etc.), o condomínio edilício, a massa falida e outros. Todos esses aptos a titularizar direitos e obrigações em variadas medidas e se cumpridas diferentes formalidades.



Os sujeitos de direito podem ser pessoas (personificados) ou não (despersonificados). A pessoa pode fazer tudo o que não está proibido. Já os sujeitos não personificados podem praticar somente os atos inerentes à sua finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam especificamente autorizados.



A nova tábua axiológica preconizada pela Constituição Federal Brasileira vigente baseada na afirmação da cidadania e dignidade da pessoa humana, como valores supremos, dá um contorno mais amplo a personalidade que não se esgota na possibilidade de o titular ser sujeito de direitos, mas por igual, relaciona-se com o próprio ser humano.



Não é apenas um novo reduto de poder do indivíduo, nem apenas o valor máximo modelador da autonomia privada, sobretudo é capaz de submeter toda atividade econômica a novos critérios de validade.



A personalidade jurídica é também valor ético de origem constitucional especialmente relacionada com a dignidade da pessoa humana inserida num contexto social. O reconhecimento da personalidade jurídica imposta no reconhecimento dos direitos que tocam ao ser humano desde sua existência.



Conexo ao conceito de personalidade esclarecer o autor que escreve sempre com clareza solar, Cristiano Chaves de Farias, porém, sem com este conceito se confunda , surge a idéia de capacidade.



Enquanto a personalidade é generalizante, reconhecida como valor jurídico atribuído a todos os seres humanos (e também aos grupos) exprimindo a idéia de aptidão genérica, a capacidade jurídica concerne à possibilidade daqueles que são dotados de personalidade a praticarem pessoalmente os atos da vida civil.



É possível se reconhecer a personalidade jurídica sem capacidade, é o caso do recém-nascido. No que tange à pessoa natural ou física, o Código Civil Brasileiro de 2002 substitui a expressão “homem” por “pessoa”, entrando na vertente da linguagem politicamente correta, e compatível coma nova ordem constitucional paritária (art. 1º., do C.C./2002).



Daí se infere que a personalidade é atributo de toda e qualquer pessoa (seja natural ou jurídica) vez que a norma substantiva não faz tal distinção. Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais.



As pessoas são, a priori, capazes e podem, assim, praticar os atos e negócios por si mesmas. Como ensina Caio Mário a capacidade é a regra e a incapacidade a exceção.



A incapacidade é situação excepcional prevista expressamente em lei com objetivo de proteger determinadas pessoas. Os incapazes são considerados, por lei, não inteiramente preparados para dispor e administrar seus bens e interesses sem a mediação de outra pessoa (representante ou assistente).



Com relação aos direitos fundamentais ou direitos da personalidade é pontual frisar que não há eficácia direta e imediata das normas constitucionais de direito privado, mas sim uma complementação do preceito geral por um mais específico.



Ex positis, os direitos fundamentais são diretrizes gerais, garantias de todo o povo – como sociedade em se ver livre do poder excessivo do Estado, enquanto os direitos da personalidade que são frutos da captação desses valores fundamentais regulados no interior da disciplina civilística.



Os direitos fundamentais desempenham as funções normais, como proibições e imperativos da tutela. O desprestigio da dignidade da pessoa humana somado a inúmeros atentados contra a personalidade por particulares em razão dos progressos técnicos da era moderna, os tribunais da Alemanha do pós-guerra passaram a agir em proteção da pessoa humana utilizando-se de artigos da Constituição Federal, numa forma de dever geral de personalidade.



Alguns direitos da personalidade tratados no relacionamento entre Estado e cidadão recebem o nome de liberdades públicas, sendo os direitos de personalidade do ponto de vista da tipificação, mas analisados em planos distintos; As liberdades públicas são acrescidas de outros direitos econômicos, sociais e políticos.



Assevera Tepedino que as regras constitucionais condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte, dando uma releitura aos direitos da personalidade e afirmando a presença de uma autêntica cláusula geral de personalidade ( a dignidade da pessoa humana).



Os direitos de personalidade ultrapassam a clássica distinção dicotômica de público e privado. Assim, consagra Cristiano Chaves de Farias que os direitos da personalidade são atinentes à tutela da pessoa humana, considerados essenciais à sua dignidade e integridade.



Caracterizam-se tais direitos pro serem absolutos, indisponíveis, relativamente imprescritíveis e extrapatrimoniais.



São absolutos posto que sua eficácia erga omnes, oponível a todos impondo a coletividade o dever de respeitá-los. È um dever geral de abstenção dirigido a todos. Sua relativa disponibilidade impede que o titular possa deles dispor em caráter permanente ou total, preservando a sua própria estrutura física, psíquica e intelectual.



Assim, é que o art. 11 do C.C.de 2002 dispõe que com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis. No entanto, é permitido ao titular ceder o exercício e não a titularidade de alguns dos direitos da personalidade.



È o caso do direito de imagem que pode ser cedida à título oneroso ou gratuito durante certo lapso temporal. E nesse sentido o Enunciado 4 da Jornada de Direito Civil CFJ não aceita a limitação voluntária que seja permanente ou geral aos direitos da personalidade.



Admite-se, outrossim, a doação de órgãos humanos duplos, bem como a cessão dos direitos autorais o que bem denota a relativa indisponibilidade de tais direitos.



Cristiano Chaves de Farias relata evento curioso que se deu em França, num prosaico jogo de “arremesso de anões”, no qual as referidos seres humanos eram arremessados à distância por canhões de pressão.



A Casa Judicial francesa impôs uma vedação administrativa impondo proibição dessa diversão pública, contra tal ato, os anões em litisconsórcio com os promotores do jogo propugnaram requerendo a liberação do certame.



O que fez a Casa Judicial francesa reconhecer que o respeito à dignidade humana, é conceito absoluto e que não pode cercar-se de concessões e nem de apreciações subjetivas de cada um.



Por sua natureza intrínseca, a dignidade da pessoa humana está fora do comércio. Afora isto, garante o caráter de imprescritibilidade que a lesão ao direito da personalidade venha convalescer com decurso do tempo.



Curial é não confundir a imprescritibilidade da lesão do direito da personalidade, com prescritibilidade da pretensão indenizatória de eventual dano decorrente da violação do direito da personalidade e que ocorre normalmente em três anos (art. 206, § 3º, V C.C.).



É imprescritível o exercício do direito da personalidade, e sua respectiva pretensão garantidora desse exercício. Mas não é imprescindível a pretensão que busca indenização pecuniária por dano sofrido.



Outras duas características dos direitos da personalidade são assinaláveis, a saber: a essencialidade e a preeminência indicando expressamente a tutela preferencial em face da essencialidade de seu objeto.



Por derradeiro, classificamos também os direitos da personalidade como vitalícios extinguindo-se naturalmente com a morte de seu titular. Não obstante se reconhecer também os direitos de personalidade dos mortos conforme bem assinala o parágrafo único do art. 12 do C.C. de 2002, legitimando os chamados lesados indiretos a reclamar quer a tutela repressiva, quer a tutela inibitória.



Convém discernir os direitos da personalidade que são estudados na órbita do direito privado das chamadas liberdades públicas que são estudadas propriamente na órbita do direito público.



Enquanto que os direitos da personalidade são garantias mínimas da pessoa humana para suas atividades internas e respectivas projeções para a sociedade.



Por outro lado, as liberdades públicas são condutas individuais ou coletivas de forma autodeterminada mediante a autorização explícita ou implícita conferida pelo Estado, é a garantia mínima da cidadania.



Os direitos da personalidade são tendentes a assegurar a integral proteção da pessoa humana em múltiplos aspectos (corpo, alma e intelecto).



A classificação dos direitos da personalidade criteriza-se nos aspectos fundamentais da personalidade que são: a integridade física (direito à vida, ao corpo, à saúde, a inteireza corporal, direito ao cadáver); a integridade intelectual (direito à autoria, científica ou literária, a liberdade religiosa e de expressão), e demais manifestações do intelecto e, a integridade moral ou psíquica (direito à privacidade, ao nome, à imagem, etc.).



Considerando o alto estágio tecnológico da ciência, é mister afirmar um direito geral de personalidade, impedindo o exaurimento das espécies de direitos da personalidade que não podem ser esgotados e nem mesmo limitados. Frise-se que nenhum direito subjetivo sobrevive como completamente absoluto pelo imperativo da sociabilidade.



Trabucchi com sua notável sensibilidade reconhece um direito geral da personalidade reportando-se ao 2º, da Constituição Italiana in verbis: ”A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, seja como sujeitos singulares ou considerados na formação social onde desenvolve sua personalidade, e, por isso, requer a observância dos deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social.”



O mesmo fez o art. 1º, inciso III da Lei Maior brasileira, permitindo a cláusula geral protetiva e seu reconhecimento em qualquer situação concreta.



O direito à vida, como direito da personalidade nos remete a um direito à vida digna. O art. 1º, III da CF/1988 é uma autêntica cláusula geral de proteção da personalidade que é também encontrada no ordenamento português e italiano.



O Direito Civil Contemporâneo é marcado pela despatrimonialização do direito privado e a necessária repersonalização do ser humano merecendo uma tutela privilegiada, multifacetada e abrangente.



É sempre bom lembrar que a defesa da vida com dignidade é objetivo constitucionalmente assegurado pelo Poder Público.



A necessária vinculação da noção de direitos da personalidade com a noção dos direitos humanos acaba por derrubar o muro de Berlim que antes separava inexoravelmente o direito público do direito privado.



Em face da multiplicidade de situações que se expõe a pessoa humana no mundo pós-moderno somente o reconhecimento de uma cláusula geral de proteção de forte conteúdo principiológico, a ser preenchido no caso concreto pela jurisprudência auxiliada pela doutrina, é capaz de garantir, eficazmente a tutela da pessoa humana.



O direito à integridade física refere-se à proteção jurídica do corpo humano (incluindo o corpo vivo e o corpo morto), além de tecidos, órgãos e partes sucessíveis de separação e individualização.



Tal proteção tem início desde a concepção até a morte. Porém, convém lembrar as disposições legais sobre o cadáver previstas na Lei 9.434/97 que exige a manifestação de vontade para haver doação de ser órgãos para depois da morte. Não a havendo em vida, tal direito transmite-se para os herdeiros ( vide ainda art. 14 C.C./2002).



As partes do corpo (seja vivo ou morto) integram a personalidade humana, caracterizando coisa extra commercium sendo vedado ato de disposição oneroso (art. 199, § 4º, CF, art. 1º, da Lei 9.434/97). Sendo admitida a disposição gratuita para fins terapêuticos e não causar prejuízo ao titular.



É perfeitamente possível perante o Direito de partes destacáveis do corpo humano renováveis (leite, medula, óssea, pele, óvulo, esperma, fígado) ou não, para salvar a vida ou preservar a saúde do interessado ou de terceiros, ou para fins científicos ou terapêutico, sempre a título gratuito conforme exige a lei.



É curial distinguir a doação em vida da doação post mortem. O art. 9º, da Lei 9.434/97 permite à pessoa maior e capaz dispor de pessoa de seu corpo, de forma gratuita para fins terapêuticos ou de transplantes e, se não importar em risco de vida ou a saúde do doador.



Somente as partes do corpo renováveis podem ser objeto de doação em vida. Deve tal doação preferencialmente ser feita por escrito.



No entanto, se o devedor for incapaz será necessária a autorização judicial com a prévia oitiva do MP de modo a preservar os interesses do incapaz.



Na doação em vida é possível a escolha do beneficiário, diferentemente da doação post mortem, onde o caráter altruístico é mais intenso e imposto pelo art. 2º, § único da Lei 9.434/97 e art. 24 § 1º, ao § 5º., do Dec. 2.268/97 que impõe fila de espera.



A morte que se refere à legislação atinente é encefálica que é detectada pela cessação definitiva da atividade cerebral. A nova dicção legal do art. 4º, da Lei 9.434/97 alterou a regra ab initio promulgada que permitia a chamada doação presumida, assim a Lei 10.211/2001 passou a exigir a autorização expressa do cônjuge, companheiro ou parente próximo, se não houve doação em vida pelo titular.



Ulhoa esclarece que se em vida o titular expressa vontade de não ser doador em hipótese nenhuma, não poderá seus familiares autorizá-la. A lei reconheceu a plena eficácia do ato apesar do sumário egoísmo.



Em que pese outras ponderações são distintos os conceitos referentes a transplante que consiste na amputação ou ablação de órgão, com função própria, de organismo para ser instalado em outro, no qual cumprirá as mesmas funções. Temos como exemplos: os transplantes de córneas, de rim, de coração e, etc...



Enxerto, por sua vez, é a retirada de porção orgânica para ser instalada no mesmo organismo é exemplo clássico as “pontes de safena”. Implante se caracteriza pela integração de tecidos mortos ou conservados no corpo de alguém. A norma que disciplina a matéria, no entanto, não diferencia um procedimento de outro.



Importantíssimo lembrar que é indispensável para a retirada de órgãos humanos post mortem, que o falecido venha devidamente identificado pelos documentos listados pelos

§ 1º, ao 6º, do art. 14 do Dec. 2268/97 e, ainda, arts. 5º, e 6º, da Lei 9.434/97.



A realização de cirurgias em transexuais que pretende redefinição do estado sexual é reputada proibida conforme uma primeira leitura do art. 13 do Código Civil, embora represente tal dispositivo legal uma afronta a garantia da dignidade da pessoa humana. Pois o transexual possui direito da personalidade que é o direito à integridade física e psíquica.



O paciente transexual encontrará o equilíbrio emocional, e se livrará das tormentosas angústias quando finalmente redefinir o seu sexo. Recentemente, em 2002, o conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução 1.652 que autoriza as cirurgias de mudanças de sexo também chamadas de transgenitalização, em casos de transexualismo comprovado. Exigindo-se que o paciente tenha mais de 21(vinte e um) anos e deve ter diagnóstico comprovado clinicamente de seu transgenitalismo e, ainda não possuir o paciente características físicas inapropriadas para a cirurgia.



Além disso, deverá a cirurgia ser antecedida necessariamente de laudo de equipe médica composta de psiquiatra, cirurgião, endocrinologista e psicólogo e, ainda, assistente social que avaliará o paciente transexual pelo menos por dois anos contínuos.



A cirurgia do feminino para o masculino só poderá ocorrer em hospitais universitários ou públicos. Já a cirurgia do masculino para o feminino, no entanto, só poderá ocorrer em hospitais públicos ou privados, independente de atividade de pesquisa (arts. 5º, e 6º, da Resolução CFM 1652/2002) e, ambas as hipóteses cirúrgicas independem de autorização judicial.



Ultimada a cirurgia, tem-se obviamente que se adequar o estado sexual registral e o nome do paciente que se fará por meio de jurisdição voluntária perante o juízo de família (ação de estado) acobertada pelo segredo de justiça.



Há Projeto de Lei 70-B de autoria do deputado José Coimbra que pretende disciplinar a licitude da cirurgia de mudança de sexo, além de prever também a possibilidade de averbação do novo sexo, vedando a emissão de certidão com referências ao estado anterior ou mesmo a origem cirúrgica (sigilo de registro).



Só há no horizonte um delicado busilis se o transexual operado eventualmente tiver filhos (e, como ficarão seus respectivos registros civis). Por tal razão, as legislações alemãs e suecas vedam a redesignação sexual quando o operado é casado ou tem filhos.



Outro caso interessante é o referente aos adeptos e seguidores da Igreja Testemunhas de Jeová que, por sua crença, (lembremos cuja liberdade é assegurada constitucionalmente) não admitem o recebimento de transfusões de sangue, há de se reconhecer a possibilidade da recusa à terapia hematológica.



Configura-se, in casu, verdadeiro conflito de valores clamando pela aplicação do princípio da ponderação de valores para se encontrar melhor solução.



Também quanto ao tema o CFM editou a Resolução 1.021/1980 e, ainda, há a previsão dos arts. 45 e 56 do Código de Ética Médica autorizando os médicos a praticar a transfusão de sangue em seus pacientes, independentemente de consentimento, se houver iminente perigo de vida.



Nesse sentido, se posiciona a maioria esmagadora da jurisprudência pátria, principalmente se comprovado o efetivo perigo de vida do paciente. Sacrificar a liberdade de religião em detrimento da intangibilidade do direito à vida e ao corpo é desconsiderar um aspecto essencial e também indisponível da personalidade, seria reduzir a vida a uma dimensão física da pessoa.



Interessante e intrigante é a questão de “barriga de aluguel” que se dá quando a gestação se desenvolve em útero alheio. É procedimento que viabiliza a maternidade a certas pessoas com restrições sérias biológicas.



Sob contundentes objeções da Igreja Católica (instrução Donun vitae de 22.02.1987 aprovada pelo Papa João Paulo II) , o CFM editou a Resolução 1.358/92 autorizando o médico realizar a gestação em útero alheio respeitados certos requisitos:



a) realizar-se entre parentes até 2º grau; b) a cessão do útero será forçosamente gratuita; c) que tenha finalidade médica aplicada em face de pessoas que não podem gestar e, não por razões meramente estéticas ou egoísticas ( como a vaidade feminina).



Deve-se evitar o “comércio de órgãos humanos” atendidos os requisitos da resolução do CFM há de se conferir juridicidade à maternidade de substituição. É de relevância também a questão do registro civil com base na declaração fornecida pelo médico que inscreverá a declaração do nascido vivo (art. 46 da Lei 6.015/1973), o nome da mãe biológica ou social.



Problemático será, no entanto, se o médico parteiro não souber da gestação em útero alheio, somente prover a referida declaração em favor da mãe parturiente (ou seja, a mãe hospedeira). E, nesse caso, os interessados, a mãe biológica ou genética, o pai, o MP suscitarão o procedimento de dúvida (art. 296 c/c art. 198 a 204 da Lei 6.015/1973).



Deve a referida gestação em útero alheio ser fruto de consentimento informado e expresso, o que possibilitará a alteração pertinente do registro de nascimento junto à Vara de Registros Públicos.



A reprodução assistida pode ocorrer por inseminação artificial (em laboratório) ou no corpo da mulher. Ambas as modalidades podem se concretizar na forma homologa ou heteróloga.



Será homóloga se utilizado material genético do próprio cônjuge ou companheiro, com sua expressa anuência. Será heteróloga, se o sêmen é de terceiro, sempre a título gratuito (Resolução 1.358/1992 do CFM).



A autorização prévia e expressa do cônjuge funciona como adoção prévia suficiente para gerar a presunção de paternidade do art. 1.597 do C.C. de 2002. Devido ao princípio do anonimato ou do sigilo do doador de sêmen (Resolução CFM 1.358/2002) que o motivo da vedação ao uso da reprodução assistida heteróloga em mulheres não casadas ou em união estável foi evitar o movimento de filhos sem pai.



No entanto, novamente verificamos uma afronta ao direito da personalidade de se ter liberdade psíquica e de planejamento familiar, e, ainda por importar em discriminação injustificada em face de mulheres solteiras ou conviventes em união estável.



Portanto, a reprodução assistia heteróloga não servirá o que na gíria chamamos de “produção independente”, o que certamente excluiria os homossexuais.



O Projeto de Lei 90 acende polêmica pois contempla o direito da criança conhecer o doador do sêmen, só quando atingir a maioridade civil, ou quando da morte dos pais ou na hipóteses do pai contratante não promover o registro civil de nascimento. Também pretende obrigar a transferência de todo material genético preparado laboratorialmente para o corpo da mulher, impedindo os chamados embriões excedentários.



Uma pergunta sucinta Ulhoa, o embrião fecundado in vitro e não implantado no útero é sujeito ou objeto de direito? Não há ainda uma resposta consensual, na tecnologia jurídica, para essa complexa questão.



Enquanto o embrião não é implantado num ambiente orgânico propício ao seu desenvolvimento como ser biologicamente independente, ele não pode ser considerado como tal. A decorrência lógica desse enfoque é a que embrião in vitro não é sujeito de direito, mas bem da propriedade comum dos fornecedores do espermatozóide e óvulo (alguns os chamam de “pais”, mas esta não parece ser a melhor designação; vou chamá-los de “genitores”).



... (Continua)


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