O que não é Direito
Advogado, Professor da Faculdade Ideal – FACI, Especialista em Direito Tributário e Mestrando pela Universidade da Amazônia – UNAMA, Belém, Pará.
Sumário: Introdução – 1. Qual Direito? – 2. Que é Ideologia! – 3. Estado de não-direito na práxis marxista – Considerações Finais – Referências.
Resumo: A crise social atual é em parte o produto de uma postura ideológica perante o Direito e sua teoria, que segundo um viés marxista vem favorecendo a criação de um Estado de não-direito, que potencialmente é capaz de suprimir a própria idéia de Estado de Direito e a liberdade individual, conforme o exemplo histórico da Revolução Russa.
Palavras-chave: Direito – Estado de não-direito – Ideologia – Liberdade – Marxismo – Revolução Russa.
INTRODUÇÃO
A perplexidade que experimentamos nestes novos tempos se apresenta na forma de nascentes movimentos sociais que promovem atos denotadores de completo desrespeito ao Direito em todos os seus âmbitos, desde o axiológico ao ontológico, em que se opera uma deontologia e uma teleologia viciadas por valores desagregadores de todos os princípios básicos da convivência civilizada.
Desse modo, conforme o dizer de Martinez (2006) é a patente existência de um Estado Paralelo como forma de Estado de não-direito em frontal oposição ao próprio Estado de Direito.
Trata-se da constatação que hoje há um concorrente governo dos homens violentos (MARTINEZ, 2006), que negam consciente e voluntariamente toda noção de certo e errado, de possível Justiça. Razão pela qual destacamos o ensinamento de Canotilho:
Diante destes fatos nos questionamos acerca de qual fator presente em nosso atual ensino do Direito é um dos possíveis fomentadores de tal desordem cognitiva, quanto aos valores sociais e jurídicos, que vêm sofrendo o presente processo de relativização extremada que favorece a erupção de tantas forças entrópicas a se voltarem contra a ordem constituída, e, com isso, favorecendo o surgimento de um Estado de não-direito.
Uma boa resposta se apresenta quando percebemos que grande parte da cultura jurídica nacional recebe como primeiro fundamento teórico a doutrina marxista que embasa, entre uma miríade de outras, a obra O que é direito, de Roberto Lyra Filho, a qual passaremos a analisar como exemplo de instrumento de doutrinação ideológica que com o passar dos anos abriu o caminho para o futuro que a cada momento se faz mais presente.
1. QUAL DIREITO?
Roberto Lyra Filho (2003, p. 18) propõe-se a explicar a Teoria do Direito sob um enfoque marxista, indicando os interesses de classe como fundamento de dado direito, numa relação de dominação, definindo então que:
Consideramos sintomático de uma espécie de “falsa consciência” ideologicamente orientadora de Lyra Filho (2003, p. 25) ao analisar os principais modelos de ideologia jurídica sintetizou milênios de cultura jurídica em apenas dois modelos básicos, ou seja o direito natural e o direito positivo, para indicar que há uma terceira posição a tais posturas, consistente em que:
Encontramos em Lyra Filho a seguinte profissão de fé: “[...] As ideologias jurídicas são filosofia corrompida, infestada de crenças falsas e falsificada consciência do que é jurídico, pela intromissão de produtos forjados pelos dominadores [...]” (2003, p. 47).
Após negar a ordem positiva e natural tradicionalmente propostas como explicação do Direito, indica mencionado Autor que: “[...] A concepção dialética há de repensá-lo em totalidade e transformações, numa Filosofia Jurídica, que é a Sociologia [...] e Ontologia do Direito [...]” (2003, p. 48).
2. QUE É IDEOLOGIA?
Tomamos a liberdade de ressaltar que o conceito de totalidade, é por si mesmo, uma realidade filosófica e metafísica, pois o conceito de totalidade não se aplica a um dado individualizável e sujeito à verificação empírica, totalizar é abstrair, é ir para além da experiência sensível, é metafísica, no sentido clássico de ir para além da aparência na busca de respostas extrapoladoras das explicações contingentes, em vista de uma teoria unificadora dos dados singulares coletados pelo pesquisador.
Consideramos que o Direito, enquanto fato social, antes de ser uma realidade social, é uma realidade da vida de cada qual que se direciona para a busca de resposta para questões universais em meio à miríade de dados empíricos, conforme se depreende das palavras de Ortega y Gasset:
2) Vemos as coisas através de idéias, e ainda lhes damos a configuração resultante das idéias que estão dentro de nós;
3) Influenciamos os outros (e somos influenciados) por meio do discurso, que encerra várias espécies de idéias.” (p. 23).
No segundo movimento – o qualificativo –, o orador formula um julgamento de valor desfavorável sobre a situação que acaba de descrever, mais precisamente, sobre o aspecto da situação por ele enfatizado. É esse julgamento desfavorável que justifica o apelo à ação.
Esses primeiro dois movimentos formam uma fase do discurso, que designei como “a fase moral”, para distingui-los da fase de características diversas formada pelo segundo par de movimentos.
Ao terceiro movimento dei o nome de movimento prospectivo. Por quê? Porque enuncia um futuro melhor que o presente; e esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo. Geralmente esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo [...].
As condições e os meios de realização do futuro melhor são enunciados no quarto movimento, por isso mesmo chamado de movimento processativo. Qual é o processo de realização do futuro melhor? Qual o caminho que conduz a ele? Qual a estratégia que deve ser adotada para alcançá-lo?
[...] a fase composta pelos dois movimentos seguintes é de caráter diferente. A ela darei o nome de fase pragmática (BERTRAND DE JOUVENEL, 1978, p. 30) (grifos no original)
1) Idéias morais que dominam a fase moral do discurso e engendram idéias normativas e assim modelam fortemente os objetivos indicados no movimento prospectivo, primeiro da fase pragmática, são deontológicas;
2) Idéias descritivas (ou cognitivas) que são representações de estruturas que levam em conta os dados concretos, enquanto ser;
3) Idéias processativas dizem respeito a processos, ao “como fazer?”, enquanto razão prática.
Bertrand de Jouvenel realça que as idéias morais e descritivas formam modelos estáticos ou de configuração e as idéias processativas, modelos dinâmicos ou de conseqüência, aduzindo que:
3. ESTADO DE NÃO-DIREITO NA PRÁXIS MARXISTA
A fundamentar as assertivas acima exaradas, colacionamos o testemunho do Historiador Richard Pipes (1997, p.215), estudioso especializado nos desenvolvimentos da Revolução Bolchevique de 1917, que nos servirá de contraprova empírica acerca da valia da proposta teórica esboçada por Roberto Lyra Filho, que em certo passo é muito claro quando afirma que “o Direito de revolução é, por assim dizer, o carro-chefe de todo o materialismo histórico” (LYRA FILHO, 2003, p.80)
Pipes esclarece com base em sua investigação, ao descrever o processo de desenvolvimento revolucionário apresenta a definição de que o terror vai muito além de pura e simples utilização de violência física, como no caso das execuções em massa, seu significado mais profundo é a “permanente atmosfera de ilegalidade” (1997, p. 217), na qual a minoria governante submete a maioria governada, restando-lhe somente a impotência.
Pipes noticia que o primeiro passo na introdução do terror em massa foi o banimento da lei “e sua substituição pela ‘consciência revolucionária’ implementando a definição dada por Lênin à ‘ditadura do proletariado’, como ‘governo não restringido pela lei’” (1997, p. 217), tal supressão do princípio da legalidade deu-se mediante o Decreto de 22 de novembro de 1917 que:
Se a arbitrária interpretação das leis constitui um mal, a sua obscuridade o é igualmente, pois precisam ser interpretadas. Tal inconveniente ainda é maior quando as leis não são escritas em língua comum” (p. 24).
A resposta a esta questão já fora prefigurada por nossa pena em outro artigo publicado no meio virtual (COÊLHO, 2003) em que já definíamos que o Direito em acepção comum nos remete à idéia de posse e/ou propriedade.
Posse e/ou propriedade conforme uma concepção sociológica, que valora o fato social enquanto fundamento material e substancial do fenômeno jurídico, que formaliza um dado concreto da realidade, nos indicará que é pretensão fundada num título, formal ou informal, real ou imaginário, ou seja, é o produto de uma manifestação de vontade, livre ou vinculada, sobre algo ou alguém, com a finalidade de usar, gozar, dispor ou consumir (PIPES, 2001, p. 32), em suma, o Estado de não-direito nega à pessoa humana a dignidade de sequer ser dona de si mesma.
Mais uma vez devemos nos socorrer de dados histórico que nos forneçam a constatação empírica de verdades encobertas pelos rodeios panfletários de todo o marxismo teórico, qual seja, que o conceito de ideologia do marxismo é uma idéia processativa destinada a fundamentar o como fazer a conquista do poder sem levar em consideração o conjunto de idéias normativas destinadas a preservar os direitos e garantias fundamentais, que resultam na criação de uma sociedade de escravos em substituição da sociedade civil, tal qual a descrita por Pipes:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o presente trajeto teórico e histórico podemos constatar que o Direito não se presta a mero jogo ideológico de luta pelo poder político sem que com isso não surjam conseqüências extremamente graves para a paz e a tranqüilidade de toda a sociedade.
A progressiva relativização dos valores sociais representados nas idéias normativas vem criando ambiente propício ao crescimento não de pura e simples anomia, mas, de um nascente Estado de não-direito que nada mais é que uma séria ameaça a todas as liberdades públicas e aos direitos humanos, pois negam a liberdade individual em favor de um coletivismo que nada mais faz que suprimir o próprio Direito.
Necessitamos retornar ao estudo do Direito em todos os seus campos, sem exclusão de nenhum, pois a física só se explica pela abstração em conceitos cuja natureza discursiva já são patentemente metafísicos, dado que especulativos, e, por outro lado, o próprio positivismo é a aceitação de uma doutrina filosófica, limitada metodologicamente pela aceitação da norma como única fonte normativa, mas, ainda assim, passível de discussão mediante o debate sistemático de idéias que sói podem ocorrer no Estado de Direito que contemple a propriedade mais fundamental da pessoa, sua liberdade de viver seus direitos.
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2002.
COÊLHO, Werner Nabiça. Princípios jurídicos e direito natural. Proposta para fornecer um conteúdo ético à norma fundamental pressuposta. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4361>. Acesso em: 12 jun. 2006.
JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MARTINEZ, Vinício C.. Estado de não-Direito: a negação do Estado de Direito. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1075, 11 jun. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8501>. Acesso em: 12 jun. 2006 .
ORTEGA Y GASSET, José. Que é filosofia? : obras inéditas. 1ed.. Rio de Janeiro: Ed. Livro Ibero-Americano Ltda, 1961.
PIPES, Richard. História concisa da Revolução Russa; tradução de T. Reis. Rio de Janeiro: Record, 1997.
PIPES, Richard. Propriedade & liberdade; tradução de Luis Guilherme B. Chaves e Carlos Humberto Pimental Duarte da Fonseca. Record: Rio de Janeiro, 2001.
REVISTA ISTOÉ. Rio de Janeiro: Ed. Três, n.1909, maio 2006.
17/03/2007
Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:
(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)
COÊLHO, Werner Nabiça. O que não é Direito. Jus Vigilantibus, Vitória, 17 mar. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/23787>. Acesso em: 19 mar. 2007.
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