Anúncios


Mostrando postagens com marcador Introdução ao Direito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Introdução ao Direito. Mostrar todas as postagens

sexta-feira, setembro 28, 2007

Conceitos de direito e a tridimensionalidade jurídica

Fonte:



www.jus.com.br
Conceitos de direito e a tridimensionalidade jurídica

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2619


Álvaro Mariano da Penha
advogado no Recife (PE)


1 – Introdução

"O direito é o igual múltiplo de si mesmo"

            Pitágoras

            Por meio da abordagem de três definições de direito, vindas todas de correntes específicas de estudo (axiológica, sociológica e normativista), este trabalho tenciona efetuar análise de cada uma delas e, ao final, estabelecer similitudes e/ou divergências com a Teoria Tridimensional de Miguel Reale. Tal intento se justifica pela necessidade de melhor compreender o fenômeno direito que, encerrando conceitos vários ao longo dos séculos, apresenta-nos o desafio de defini-lo a contento, buscando o que lhe é perene sem olvidar sua complexidade e mutabilidade. Além disso, a importância de utilizar-se com exatidão o termo direito, por aqueles que com ele operacionalizam juridicamente, dá-nos sobremodo razão nessa busca de um conceito que venha a apreender sua essência. Como destaca Lourival Vilanova(1), muitos outros conceitos derivam daquele do direito (relação jurídica, sujeito de direito, fato jurídico etc), sendo imprescindível entender este último para que os demais tornem-se inteligíveis.

            Com esse propósito a norteá-la, esta monografia se encontra dividida em sete pontos. O primeiro deles se trata de uma rápida nota distintiva entre conceito e definição. O segundo se dedica à análise daquilo que Emmanuel Kant definiu, numa perspectiva axiológica, como sendo direito. O terceiro examina a definição sociológica de direito formulada por Eugen Ehrlich. O quarto traz a definição de direito dada por Hans Kelsen, numa óptica normativista. O quinto é desenvolvido em torno da Teoria Tridimensional de Miguel Reale, que aborda o direito nos seus aspectos axiológicos, sociológicos e normativos. O sexto ponto, por sua vez, prende-se a considerar a definição de Reale. No final da monografia, o sétimo ponto se constitui numa conclusão onde se avaliarão, a partir de inter-relações, os aspectos de relevo de todas definições apresentadas.

            Ao longo do trabalho, e mormente na sua parte de conclusão, serão levantadas duas questões: 1ª – uma visão globalizante pode entender em profundidade um fenômeno pleno de especificidades com o do direito? 2ª – qual o procedimento, a forma, o método pelo qual se possibilita concretamente o entendimento proposto por Reale? Posto isso, passemos ao ponto que inicia propriamente este conjunto de observações.


2 – O direito por Kant, Ehrlich, Kelsen e o tridimensionalismo realiano

            2.1 – Nota preliminar

            A começar o trabalho, cabe distinguir conceito de definição. Grossíssimo modo, conceito compreende o interior, a essência de um ser ou de uma coisa; enquanto que definição se trata da exteriorização desse conceito. De acordo com Paulo Nader(2), a definição se dá pela verbalização, já o conceito pode ou não se servir de palavras para se expressar. Logo, nosso objeto será primordialmente as definições que, por sua vez, encerrarão diferentes conceitos de direito. Esclarecida esta diferença, vejamos a primeira definição a ser analisada.

            2.2 – Definição de Kant

            "Direito é o conjunto de condições pelas quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma lei geral de liberdade"(3). Como se percebe, há três palavras-chave na asserção: conjunto de condições, arbítrio e liberdade. Segundo este autor, liberdade é a posse de um arbítrio próprio independente do de outrem, é o exercício externo desse arbítrio: arbítrio é o querer(4) consciente de que uma ação pode produzir algo; conjunto de condições ou obrigações jurídicas (aqui Kant revisita Ulpiano) implica ser honesto, não causar lesão/dano a ninguém e entrar em estado onde se assegure, frente a todos, aquilo que cada um possua.

            Com o suporte dessas notas fornecidas pelo próprio Kant e por Recaséns Siches, poderíamos refazer a afirmação: "o direito implica pressupostos (honestidade e respeito à posse de outrem, verbi gratia) que possibilitam a concretização recíproca do querer de cada um e de todos, observando-se que o querer exercido/possuído por cada um encontra como limite o querer de todos". Esta definição, de caráter valorativo/axiológico, reflete a importância do elemento liberdade (posse e exercício de arbítrio). Só há liberdade dentro de limites e estes são impostos pela idéia de preservá-la. Jusnaturalista, Kant não menospreza o papel desempenhado pelo direito posto, contudo afirma ser este direito posterior ao natural, que o legitima(5). Prosseguindo, vejamos uma definição de natureza sociológica.

            2.3 – Definição de Ehrlich

            "O direito é ordenador e o suporte de qualquer associação humana e, em todos os lugares, encontramos comunidades porque organizadas"(6). Ao definir direito, Ehrlich busca o interior, a estrutura da sociedade, para asseverar que nada se põe, nada se firma, nada existe, enfim, desprovido de uma ordem. Dessarte, não existe modo de cindir a ordenação do produto, pois este último só se torna produto por apresentar-se organizado. Com coerência, Ehrlich refuta que o direito posto, como sistema de leis, seja o único direito na sociedade, pois há comunidades que o desconhecem; porém, nenhuma sociedade desconhece as manifestações normativas, a ordem dada por outros fatores/institutos (família, religião, economia etc), que constituem o chamado direito vivo.

            No capítulo XXI do seu Fundamentos da sociologia do direito, Ehrlich discorre sobre esse direito vivo. Trata-se do direito maior na sociedade, abaixo do qual estariam o que ele denomina categorias subalternas (a ordem estatal e as regras de decisão dos tribunais). Vivo ele é por nascer, crescer e desenvolver-se com grande dinamismo no cerne da comunidade; em contrapartida, as duas outras categorias se encontram sempre em atraso e submetidas ao seu vigor. Nesta visão sociológica, o que se nota é o entrelace dos três tipos de direito e a comunidade, sendo que esta última, ao se metamorfosear, modifica a sua ordem, a estrutura que lhe serve de base. A relação direito/sociedade não se configura, pois, como de coordenação mas sim de império, onde se apresentam, em primeiro plano, os fatos sociais a condicionar a ordem jurídica.

            2.4 – Definição de Kelsen

            Diametralmente oposto a Ehrlich, encontramos Hans Kelsen que define direito nos seguintes termos: "o direito se constitui primordialmente como um sistema de normas coativas permeado por uma lógica interna de validade que legitima, a partir de uma norma fundamental, todas as outras normas que lhe integram"(7). Compreender esta definição é compreender sistema, norma coativa, norma fundamental e validade. Sistema pressupõe a existência de partes que, inter-relacionadas, compõem um todo; para que essas partes continuem a se comunicar e a existir como um corpo, necessita-se de uma estrutura que as disponha em ordem, dando hierarquia e dinamicidade ao sistema. Para Kelsen, norma coativa é a que evita conduta por todos indesejada por meio da coação (mal aplicado ao infrator), empregando a força física, se necessário. Por seu turno, norma fundamental é aquela que concede validade, pois, toda norma do sistema tem seu fundamento de validade repousado sobre esta norma originária. E a validade seria a legitimidade do ato criador da norma, cujo procedimento deve estar estabelecido no ordenamento(8).

            Após essas explicações primeiras, cabe verificar que Kelsen, ao formular sua teoria, não ignorava elementos outros que o direito trazia consigo; em os abstraindo, quis ele isolar a porção normativa da fática e da axiológica. Tal propósito se justificava na medida em que buscava ele os fundamentos para uma ciência jurídica independente, onde o rigor científico estaria concentrado na análise à exaustão da norma jurídica; uma ciência a permitir, bem mais justificar, as decisões jurídicas num nexo próprio ao ordenamento, deixando à sociologia a análise do teor político-social e à filosofia, o teor axiológico/valorativo. E aqui se localiza o porém à formulação kelseniana. À guisa de exemplo, Lourival Vilanova(9) aponta, e com ele concordamos, que ao se excluir do direito o que lhe há de psíquico ou sociológico, dificulta-se a compreensão da positividade (respeito à norma pelos seus destinatários). Entre as críticas ao normativismo de Kelsen (como também aos axiologismos e sociologismos no campo jurídico), encontra-se a Teoria Tridimensional de Reale que, como veremos adiante, trata-se de um momento particular no estudo do direito.

            2.5 – O tridimensionalismo de Reale e a sua definição de direito

            Em linhas gerais, a Teoria Tridimensional do Direito formulada por Miguel Reale postula que o fenômeno direito se nos apresenta, e deve em conseqüência ser analisado, por meio de três aspectos inseparáveis e distintos entre si: o axiológico (que envolve o valor de justiça), o fático (que trata da efetividade social e histórica) e o normativo (que compreende o ordenamento, o dever-ser). Quando em estudo é tentado isolar um desses elementos, surgem as concepções jurídicas unilaterais (como o moralismo de Kant, o sociologismo de Ehrlich e o normativismo de Kelsen). Se o resultado desses estudos for apenas aglutinado num único estudo, ter-se-á o tridimensionalismo genérico e abstrato. Mas, se ao contrário, num processo de integração, esse estudo procurar correlacionar os três elementos fundantes do direito, ter-se-á o tridimensionalismo específico e concreto, englobando os problemas de fundamento, eficácia e vigência(10). Reale ainda acrescenta que esses elementos do direito se exercem influência, fazendo surgir pólos autônomos que, numa relação de dialética cultural(11), entram em conflito e, por via do elemento norma, chegam à harmonia; porém, como assinala Marcelo Neves(12), a porção normativa dessa relação de conflito não propicia a superação da tensão (entre valor e fato), ela tende sim a complicá-la.

            Tendo em conta o tridimensionalismo específico, eis a definição dada por Reale: "direito é a realização ordenada e garantida do bem comum, numa estrutura tridimensional bilateral atributiva"(13). Analisemos de início o bem comum. Para Luiz Legaz y Lacambra, trata-se de um bem estabelecido a partir de relações entre as pessoas, relações cujo valor é o da realização da justiça. Por sua vez, a bilateralidade atributiva consiste na união que faz relacionarem-se dois ou mais sujeitos, atribuindo-lhes pretensões e estabelecendo-lhes formas de agir e de ser(14)

            Em outros termos, por direito entende-se a totalização de valores e fatos em normas que obrigam os seus destinatários a determinadas condutas, possibilitando a convivência destes em sociedade. O mérito desta definição vê-se de pronto: o fato de uma visão holística ser a que se ajusta o melhor ao estudo do direito. Todavia, cabe fazer-lhe algumas reflexões, que vamos expor como parte de conclusão deste trabalho.


3 – Conclusão

            Considerando as últimas notas, fica claro o escopo realiano. A óptica tridimensional pretende findar com a tendência de setorização de um objeto que se apresenta e constitui-se em multiplicidade. Kant, Ehrlich e Kelsen, e tantos outros estudiosos do mundo jurídico, não ignoravam as facetas do direito, porém, ao elegerem uma delas como sendo a mais importante, comprometeram o entendimento global do fenômeno; isto, contudo, não significou tão-somente insucesso – veja-se que a obra de Kelsen continua a servir de referência aos mais variados trabalhos sobre norma jurídica. Embora não tenham abarcado o todo direito, eles analisaram isoladamente, com maestria e profundidade, as partes que o integravam. Esta observação faz indagar até que ponto é possível, no campo prático e não apenas teórico, em se seguindo a orientação tridimensional, continuar obtendo igual ou maior profundidade na pesquisa jurídica.

            Nesse ponto, como resposta à questão, entendemos que o método a ser seguido, o caminho a trilhar para que se alcance o resultado em mente, é condição sine qua non. Lembremo-nos de que o objeto a ser estudado não traz facilidades, sua constituição é múltipla e suas relações recíprocas, mutantes. A nosso ver, a questão metodológica deveria ter merecido de Reale um tratamento especial – em sua Teoria tridimensional do direito(15), o autor em tela aponta uma possível orientação metodológica, mas não lhe aprofunda a análise. O objetivo que a teoria tridimensional deseja alcançar no conhecimento do direito depende, enormemente, do procedimento de estudo. O como possibilitará o ser. Estabelecer uma postura diante de um determinado objeto é o início; tão importante quanto é definir o modo pelo qual ele será, propriamente, analisado. Isso não se configura como uma mera observação; no caso do tridimensionalismo específico e concreto defendido por Reale, trata-se da sua própria realização, efetivando-se plenamente como teoria.


4 – Referências bibliográficas

            DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 5ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1993.

            EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986.

            KANT, Emmanuel. Introducción a la teoría del derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1954.

            KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado Editora, 1984.

            LEGAZ Y LACAMBRA, Luiz. La filosofia del derecho de Miguel Reale. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. LVI, fasc. II, p. 78-85, 1961.

            NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994.

            NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988.

            REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky-Editora da Universidade de São Paulo, 1973.

            _______. Filosofia do direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993.

            _______. Teoria tridimensional do direito. 5ª ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1994.

            RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del derecho. 4ª ed. México: Editorial Porrúa, 1970.

            VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito do direito. Recife: Imprensa Oficial, 1947.


5.Notas

            1.VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito do direito. Recife: Imprensa Oficial, 1947, p. 35-36.

            2.NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 247.

            3.KANT, Emmanuel. Introducción a la teoría del derecho. Madrid: Instituto de Estudios Políticos, 1954, p. 80.

            4.Este querer é o da determinação radical e primeira que põe em ação mecanismos e atividades humanos (imaginação, vontade etc). Cf. RECASÉNS SICHES, Luis. Tratado general de filosofia del derecho. 4ª ed. México: Editorial Porrúa, 1970, p. 75.

            5.Cf. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 5ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 39-40.

            6.EHRLICH, Eugen. Fundamentos da sociologia do direito. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1986, p. 24-25.

            7.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Coimbra: Armênio Amado Editora, 1984, p. 57.

            8.KELSEN, Hans. Op. cit., p. 60 e 269.

            9.VILANOVA, Lourival. Op. cit., p. 99.

            10.REALE, Miguel. Filosofia do direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 514-515.

            11.Reale diz ser esta a dialética de implicação-polaridade, visto que os pólos valor, fato e norma implicam-se mutuamente e mantêm-se irredutíveis. Cf. Teoria tridimensional do direito. 5ª ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 47 et seq.

            12.NEVES, Marcelo. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 14.

            13.REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. São Paulo: Bushatsky-Editora da Universidade de São Paulo, 1973, p. 88.

            14.LEGAZ Y LACAMBRA, Luiz. La filosofia del derecho de Miguel Reale. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1961, v. LVI, fasc. II, p. 83-84.

            15.REALE, Miguel. Op. cit., p. 63.


Sobre o autor


Álvaro Mariano da Penha

E-mail: Entre em contato


Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº54 (02.2002)
Elaborado em 11.2001.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
PENHA, Álvaro Mariano da. Conceitos de direito e a tridimensionalidade jurídica . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2619>. Acesso em: 28 set. 2007.


 


Origem

segunda-feira, março 19, 2007

O que não é Direito

Fonte:Jus Vigilantibus — jusvi.com

O que não é Direito

Werner Nabiça Coêlho

Advogado, Professor da Faculdade Ideal – FACI, Especialista em Direito Tributário e Mestrando pela Universidade da Amazônia – UNAMA, Belém, Pará.

Sumário: Introdução – 1. Qual Direito? – 2. Que é Ideologia! – 3. Estado de não-direito na práxis marxista – Considerações Finais – Referências.
Resumo: A crise social atual é em parte o produto de uma postura ideológica perante o Direito e sua teoria, que segundo um viés marxista vem favorecendo a criação de um Estado de não-direito, que potencialmente é capaz de suprimir a própria idéia de Estado de Direito e a liberdade individual, conforme o exemplo histórico da Revolução Russa.
Palavras-chave: Direito – Estado de não-direito – Ideologia – Liberdade – Marxismo – Revolução Russa.
INTRODUÇÃO
A perplexidade que experimentamos nestes novos tempos se apresenta na forma de nascentes movimentos sociais que promovem atos denotadores de completo desrespeito ao Direito em todos os seus âmbitos, desde o axiológico ao ontológico, em que se opera uma deontologia e uma teleologia viciadas por valores desagregadores de todos os princípios básicos da convivência civilizada.
Desse modo, conforme o dizer de Martinez (2006) é a patente existência de um Estado Paralelo como forma de Estado de não-direito em frontal oposição ao próprio Estado de Direito.
Trata-se da constatação que hoje há um concorrente governo dos homens violentos (MARTINEZ, 2006), que negam consciente e voluntariamente toda noção de certo e errado, de possível Justiça. Razão pela qual destacamos o ensinamento de Canotilho:

Tomar a sério o Estado de direito implica, desde logo, recortar com rigor razoável o seu contrário – o "Estado de não direito". Três idéias bastam para o caracterizar: (1) é um Estado que decreta leis arbitrárias, cruéis ou desumanas; (2) é um Estado em que o direito se identifica com a "razão do Estado" imposta e iluminada por "chefes"; (3) é um Estado pautado por radical injustiça e desigualdade na aplicação do direito (CANOTILHO, 1999, p. 12, apud, MARTINEZ, 2006).Exemplar fático deste estado de coisas que nos aflige é a declaração de um líder deste Estado de não-direito amplamente noticiado pela imprensa escrita e falada nos seguintes termos, quando se dirigia a uma autoridade policial: “Eu posso te matar, você não pode me matar. O Estado é obrigado a me proteger”, presente na página 48, da Revista Istoé, de 24/05/2006, edição nº 1909. Situação em que se tornou notório e consabido que se travou verdadeiro acordo de paz entre o Estado e o Crime Organizado.
Diante destes fatos nos questionamos acerca de qual fator presente em nosso atual ensino do Direito é um dos possíveis fomentadores de tal desordem cognitiva, quanto aos valores sociais e jurídicos, que vêm sofrendo o presente processo de relativização extremada que favorece a erupção de tantas forças entrópicas a se voltarem contra a ordem constituída, e, com isso, favorecendo o surgimento de um Estado de não-direito.
Uma boa resposta se apresenta quando percebemos que grande parte da cultura jurídica nacional recebe como primeiro fundamento teórico a doutrina marxista que embasa, entre uma miríade de outras, a obra O que é direito, de Roberto Lyra Filho, a qual passaremos a analisar como exemplo de instrumento de doutrinação ideológica que com o passar dos anos abriu o caminho para o futuro que a cada momento se faz mais presente.

1. QUAL DIREITO?

Roberto Lyra Filho (2003, p. 18) propõe-se a explicar a Teoria do Direito sob um enfoque marxista, indicando os interesses de classe como fundamento de dado direito, numa relação de dominação, definindo então que:

A ideologia é fato social (exterior, anterior e superior aos indivíduos), antes de tornar-se um fato psicológico (enquanto invade a formação mental, entretanto, sorrateira, nas profundezas da mente) [...] Porém não se trata de um “aparelho” ideológico [...] Neste caso, o homem seria boneco inerte, fatalmente preso às determinações externas.[...] (LYRA FILHO, 2003, p. 19).Lyra Filho sintetiza que a formação ideológica, enquanto fato-instituição social, advém sobremaneira das contradições da estrutura sócio-econômica, cristalizando-se em um repertório de crenças “que os sujeitos absorvem e que lhes deforma o raciocínio, devido à consciência falsa” (2003, p. 22), neste ponto chamamos a atenção para a definição de “consciência falsa” enquanto “princípios recebidos como evidências e que, na verdade, constituem meras conveniências de classe ou grupo encarapitados em posição de privilégio”.
Consideramos sintomático de uma espécie de “falsa consciência” ideologicamente orientadora de Lyra Filho (2003, p. 25) ao analisar os principais modelos de ideologia jurídica sintetizou milênios de cultura jurídica em apenas dois modelos básicos, ou seja o direito natural e o direito positivo, para indicar que há uma terceira posição a tais posturas, consistente em que: Somente uma nova teoria realmente dialética do Direito evita a queda numa das pontas da antítese (teses radicalmente opostas) entre direito positivo e direito natural [...] Assim, veremos que a positividade do Direito não conduz fatalmente ao positivismo e que o direito justo integra a dialética jurídica, sem voar para nuvens metafísicas, isto é, sem desligar-se das lutas sociais, no seu desenvolvimento histórico, entre espoliados e oprimidos, de um lado, e espoliadores e opressores, de outro (LYRA FILHO, 2003, p.27). (grifos no original)A corroborar a presença de excessivo ideologismo marxista esposado por Lyra Filho destacamos uma interessante ressalva a respeito do “legalismo socialista” que supostamente “[...] apresenta diferenças resultantes do fato de que é socialista, revestindo, portanto, uma estrutura diversa e socialmente mais avançada [...]” (2003, p. 28).
Encontramos em Lyra Filho a seguinte profissão de fé: “[...] As ideologias jurídicas são filosofia corrompida, infestada de crenças falsas e falsificada consciência do que é jurídico, pela intromissão de produtos forjados pelos dominadores [...]” (2003, p. 47).
Após negar a ordem positiva e natural tradicionalmente propostas como explicação do Direito, indica mencionado Autor que: “[...] A concepção dialética há de repensá-lo em totalidade e transformações, numa Filosofia Jurídica, que é a Sociologia [...] e Ontologia do Direito [...]” (2003, p. 48).

2. QUE É IDEOLOGIA?

Tomamos a liberdade de ressaltar que o conceito de totalidade, é por si mesmo, uma realidade filosófica e metafísica, pois o conceito de totalidade não se aplica a um dado individualizável e sujeito à verificação empírica, totalizar é abstrair, é ir para além da experiência sensível, é metafísica, no sentido clássico de ir para além da aparência na busca de respostas extrapoladoras das explicações contingentes, em vista de uma teoria unificadora dos dados singulares coletados pelo pesquisador.
Consideramos que o Direito, enquanto fato social, antes de ser uma realidade social, é uma realidade da vida de cada qual que se direciona para a busca de resposta para questões universais em meio à miríade de dados empíricos, conforme se depreende das palavras de Ortega y Gasset:

O novo fato ou realidade fundamental é “nossa vida”, a de cada qual. [...]; e o filosofar é, por sua vez, forma particular do viver que supõe este mesmo viver – porquanto se faço filosofia é por alguma coisa prévia, porque quero saber que é o Universo, e esta curiosidade, por sua vez, existe graças a que a sinto com um afã de minha vida que está inquieta acêrca de si mesma, que se encontra, talvez, perdida em si mesma. (ORTEGA Y GASSET, 1961, p. 176).Prosseguindo na análise da importância da ideologia marxista na deformação do pensamento jurídico contemporâneo brasileiro, devemos nos reportar a Bertrand de Jouvenel (1978), pesquisador da influência das idéias no desenrolar da história, propondo-se encarar o conceito de ideologia com seu significado originário de ciência da formação de idéias, no dizer de Destutt de Tracy (p. 25), propondo-se a explicar o trajeto das idéias segundo um modelo baseado nos seguintes fenômenos sociais: 1) Nós nos comunicamos por meio de palavras de conteúdo incerto;
2) Vemos as coisas através de idéias, e ainda lhes damos a configuração resultante das idéias que estão dentro de nós;
3) Influenciamos os outros (e somos influenciados) por meio do discurso, que encerra várias espécies de idéias.” (p. 23).
Questionando-se qual o discurso mais simples enfoca o Autor a espécie do imperativo simples, desacompanhado de justificação, adequado quando se implica uma relação de fides (JOUVENEL, 1978, p. 29), entretanto, o tipo de discurso que mais nos interessa é o de natureza persuasiva cujo modelo esquemático comporta quatro movimentos, excluído o quinto movimento, o imperativo, que constitui a conclusão: No primeiro movimento – o indicativo –, o orador indica, explica uma situação real, pra a qual quer chamar a atenção.
No segundo movimento – o qualificativo –, o orador formula um julgamento de valor desfavorável sobre a situação que acaba de descrever, mais precisamente, sobre o aspecto da situação por ele enfatizado. É esse julgamento desfavorável que justifica o apelo à ação.
Esses primeiro dois movimentos formam uma fase do discurso, que designei como “a fase moral”, para distingui-los da fase de características diversas formada pelo segundo par de movimentos.
Ao terceiro movimento dei o nome de movimento prospectivo. Por quê? Porque enuncia um futuro melhor que o presente; e esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo. Geralmente esse futuro é apontado sob a forma de um objetivo [...].
As condições e os meios de realização do futuro melhor são enunciados no quarto movimento, por isso mesmo chamado de movimento processativo. Qual é o processo de realização do futuro melhor? Qual o caminho que conduz a ele? Qual a estratégia que deve ser adotada para alcançá-lo?
[...] a fase composta pelos dois movimentos seguintes é de caráter diferente. A ela darei o nome de fase pragmática (BERTRAND DE JOUVENEL, 1978, p. 30) (grifos no original)
Ao tratar das diferentes categorias de idéias Bertrand de Jouvenel nos apresenta a seguinte classificação (1978, p. 34-6):
1) Idéias morais que dominam a fase moral do discurso e engendram idéias normativas e assim modelam fortemente os objetivos indicados no movimento prospectivo, primeiro da fase pragmática, são deontológicas;
2) Idéias descritivas (ou cognitivas) que são representações de estruturas que levam em conta os dados concretos, enquanto ser;
3) Idéias processativas dizem respeito a processos, ao “como fazer?”, enquanto razão prática.
Bertrand de Jouvenel realça que as idéias morais e descritivas formam modelos estáticos ou de configuração e as idéias processativas, modelos dinâmicos ou de conseqüência, aduzindo que: São idéias do mesmo tipo do mesmo tipo das que são adotadas nas ciências em geral. Tal qual as idéias de que nos valemos em outras áreas de investigação, elas são inadequadas, mas perfectíveis. E como se realiza seu aperfeiçoamento? Pela observação e pela experiência, pelo confronto com a realidade. Neste ponto peço licença para apresentar ao leitor um adágio todo meu: “O espírito humano não tende para a verdade: choca-se com ela” (JOUVENEL, 1978, p.. 36)Após o quê, já de posse de tais recursos conceituais, Jouvenel questiona-se acerca das espécies de idéias que Marx se cogitava, respondendo com as seguintes assertivas: [...] Uma vez que Marx diz que as idéias que dominam determinada época gozam dessa primazia por serem as da classe materialmente dominante, conclui-se que as idéias a que se refere o autor são “valores” ou idéias normativas. Se vê apenas as manifestações, não os princípios motores, estará aludindo às idéias processativas. Na verdade, a modificação da sociedade (e, através dela, a das idéias normativas), os próprios meios de produção só se modificarão através do progresso das idéias processativas, das idéias sobre o “como fazer?”, e essas idéias processativas não dizem respeito somente às maneiras de explorar a natureza, mas também às maneiras de organizar os homens para esse fim. (JOUVENEL, 1978, p.. 37)Ora, observamos até este momento que a pensamento presente no espírito de Roberto Lyra Filho é completamente concordante com um discurso persuasivo de natureza marxista, e, que tal viés ideológico procede pela proposta metodológica de extirpar da fase moral do discurso o processo de produção de idéias normativas, buscando vincular a produção das idéias normativas à fase pragmática, isto é, em nome da luta pelo socialismo e/ou comunismo, vincula-se a luta pelo direito, só e tão somente, ao processo de luta de classes, promovendo-se a extirpação de qualquer limite principiológico, ignorando-se regras éticas tradicionais fundadas na razão e na experiência, para a consecução dos objetivos pragmáticos de luta pelo poder.

3. ESTADO DE NÃO-DIREITO NA PRÁXIS MARXISTA


A fundamentar as assertivas acima exaradas, colacionamos o testemunho do Historiador Richard Pipes (1997, p.215), estudioso especializado nos desenvolvimentos da Revolução Bolchevique de 1917, que nos servirá de contraprova empírica acerca da valia da proposta teórica esboçada por Roberto Lyra Filho, que em certo passo é muito claro quando afirma que “o Direito de revolução é, por assim dizer, o carro-chefe de todo o materialismo histórico” (LYRA FILHO, 2003, p.80)
Pipes esclarece com base em sua investigação, ao descrever o processo de desenvolvimento revolucionário apresenta a definição de que o terror vai muito além de pura e simples utilização de violência física, como no caso das execuções em massa, seu significado mais profundo é a “permanente atmosfera de ilegalidade” (1997, p. 217), na qual a minoria governante submete a maioria governada, restando-lhe somente a impotência.
Pipes noticia que o primeiro passo na introdução do terror em massa foi o banimento da lei “e sua substituição pela ‘consciência revolucionária’ implementando a definição dada por Lênin à ‘ditadura do proletariado’, como ‘governo não restringido pela lei’” (1997, p. 217), tal supressão do princípio da legalidade deu-se mediante o Decreto de 22 de novembro de 1917 que:

[...] dissolveu todas as cortes e acabou com as profissões associadas ao sistema judiciário. Isso não invalidou explicitamente os códigos legais – o que seria feito um ano depois – mas foi como se o fizesse, desde logo, pois instruiu os juízes (comissionados) a se “guiarem, na tomada de decisões e sentenças, pelas leis do governo derrubado que não tivessem sido anuladas pela Revolução e não contradissessem a consciência revolucionária, ou o sentido revolucionário da legalidade” [...] Crimes políticos eram tratados pelos Tribunais Revolucionários, instituídos em novembro de 1917, segundo o modelo da Revolução Francesa. Essa categoria englobava uma ampla variedade de atividades econômicas consideradas prejudiciais aos interesses do Estado. Os juízes que os presidiam, com o poder de aplicar a pena de morte, precisavam apenas saber ler e escrever [...] A Rússia soviética, de 1917 a 1922, teve cortes distintas, para crimes comuns e crimes contra o Estado, sem leis que as guiassem; os cidadãos eram julgados por juízes sem qualificação profissional e por delitos que não estavam definidos em nenhum código. Os princípios orientadores da jurisprudência ocidental (e da Rússia, desde 1864) – não há crime sem lei e não há pena sem lei – nullum crimen sine lege e nulla poena sine lege – foram abolidos. O judiciário, encarregado da distribuição da justiça, transformou-se em uma agência do terror. Não era outra a intenção de Lênin; em 1922, quando a Rússia soviética finalmente ganhou o seu código penal, o Comissariado de Justiça foi instruído de que a tarefa do judiciário comunista consistia na “justificativa do terror [...] A corte não é para eliminar o terror [...] mas para substanciá-lo e legitimá-lo [...] (PIPES, 1997, p. 217) (destacamos).Configura-se, portanto, que em nome de um futuro socialista a sociedade política passa a ser submetida ao arbítrio da autoridade do momento sob condições mais severas que aquelas descritas por Beccaria (1997), num tempo em que o princípio da legalidade, em particular em matéria criminal, era somente um sonho distante objeto de especulações filosóficas, das quais fornecemos um estrato comparativo com o relato supracitado. Quando as leis forem fixas e literais, quando apenas confiarem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, para indicar se esses atos são conformes à lei escrita, ou se a contrariam; quando, finalmente, a regra do justo e do injusto, que deve orientar em todos os seus atos o homem sem instrução e o instruído, não constituir motivo de controvérsia, porém simples questão de fato, então não se verão mais os cidadãos submetidos ao poder de uma multidão de ínfimos tiranos, tanto mais intoleráveis quanto menor é a distância entre o opressor e o oprimido; que se fazem tanto mais cruéis quanto maior resistência encontram, pois a crueldade dos tiranos é proporcional, não às suas forças, porém aos entraves que lhes são opostos; e são tanto mais nefastos quanto não há quem possa libertar-se de seu jugo senão submetendo-se ao despotismo de um só (p. 23).
Se a arbitrária interpretação das leis constitui um mal, a sua obscuridade o é igualmente, pois precisam ser interpretadas. Tal inconveniente ainda é maior quando as leis não são escritas em língua comum” (p. 24).
Mas, qual a razão desta guerra contra o Direito, dito burguês ou pequeno-burguês, promovida pelo imenso sistema teórico e pragmático do marxismo que predomina no ensino jurídico atual?
A resposta a esta questão já fora prefigurada por nossa pena em outro artigo publicado no meio virtual (COÊLHO, 2003) em que já definíamos que o Direito em acepção comum nos remete à idéia de posse e/ou propriedade.
Posse e/ou propriedade conforme uma concepção sociológica, que valora o fato social enquanto fundamento material e substancial do fenômeno jurídico, que formaliza um dado concreto da realidade, nos indicará que é pretensão fundada num título, formal ou informal, real ou imaginário, ou seja, é o produto de uma manifestação de vontade, livre ou vinculada, sobre algo ou alguém, com a finalidade de usar, gozar, dispor ou consumir (PIPES, 2001, p. 32), em suma, o Estado de não-direito nega à pessoa humana a dignidade de sequer ser dona de si mesma.
Mais uma vez devemos nos socorrer de dados histórico que nos forneçam a constatação empírica de verdades encobertas pelos rodeios panfletários de todo o marxismo teórico, qual seja, que o conceito de ideologia do marxismo é uma idéia processativa destinada a fundamentar o como fazer a conquista do poder sem levar em consideração o conjunto de idéias normativas destinadas a preservar os direitos e garantias fundamentais, que resultam na criação de uma sociedade de escravos em substituição da sociedade civil, tal qual a descrita por Pipes: Evidentemente, uma economia controlada, com planejamento central da produção e monopólio estatal do comércio não podia coexistir com um mercado de trabalho livre. Os controles tinham que abarcar a mão-de-obra. Trotski, que freqüentemente passava para o papel o pensamento de Lênin, colocou a questão da seguinte forma: “Pode-se dizer que o homem é uma criatura bastante preguiçosa. Em geral, empenhada em evitar o trabalho [...]. O único modo de atrair a força de trabalho exigida pelas tarefas econômicas é introduzir o serviço de trabalho compulsório”.[...] O Comissariado do Trabalho, determinou, em 1922, que seria “fornecida mão-de-obra de acordo com um plano e, consequentemente, sem levar em conta peculiaridades e desejos individuais do operário” [...] (grifos no original) (PIPES, 1997, p. 200-1).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o presente trajeto teórico e histórico podemos constatar que o Direito não se presta a mero jogo ideológico de luta pelo poder político sem que com isso não surjam conseqüências extremamente graves para a paz e a tranqüilidade de toda a sociedade.
A progressiva relativização dos valores sociais representados nas idéias normativas vem criando ambiente propício ao crescimento não de pura e simples anomia, mas, de um nascente Estado de não-direito que nada mais é que uma séria ameaça a todas as liberdades públicas e aos direitos humanos, pois negam a liberdade individual em favor de um coletivismo que nada mais faz que suprimir o próprio Direito.
Necessitamos retornar ao estudo do Direito em todos os seus campos, sem exclusão de nenhum, pois a física só se explica pela abstração em conceitos cuja natureza discursiva já são patentemente metafísicos, dado que especulativos, e, por outro lado, o próprio positivismo é a aceitação de uma doutrina filosófica, limitada metodologicamente pela aceitação da norma como única fonte normativa, mas, ainda assim, passível de discussão mediante o debate sistemático de idéias que sói podem ocorrer no Estado de Direito que contemple a propriedade mais fundamental da pessoa, sua liberdade de viver seus direitos.


REFERÊNCIAS


BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2002.
COÊLHO, Werner Nabiça. Princípios jurídicos e direito natural. Proposta para fornecer um conteúdo ético à norma fundamental pressuposta. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4361>. Acesso em: 12 jun. 2006.
JOUVENEL, Bertrand de. As origens do estado moderno: uma história das idéias políticas no século XIX. Tradução de Mamede de Souza Freitas. Col. Biblioteca de Cultura Histórica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
MARTINEZ, Vinício C.. Estado de não-Direito: a negação do Estado de Direito. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1075, 11 jun. 2006. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8501>. Acesso em: 12 jun. 2006 .
ORTEGA Y GASSET, José. Que é filosofia? : obras inéditas. 1ed.. Rio de Janeiro: Ed. Livro Ibero-Americano Ltda, 1961.
PIPES, Richard. História concisa da Revolução Russa; tradução de T. Reis. Rio de Janeiro: Record, 1997.
PIPES, Richard. Propriedade & liberdade; tradução de Luis Guilherme B. Chaves e Carlos Humberto Pimental Duarte da Fonseca. Record: Rio de Janeiro, 2001.
REVISTA ISTOÉ. Rio de Janeiro: Ed. Três, n.1909, maio 2006.

17/03/2007

Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:

(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)

COÊLHO, Werner Nabiça. O que não é Direito. Jus Vigilantibus, Vitória, 17 mar. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/23787>. Acesso em: 19 mar. 2007.

Estudando o Direito - Por Raphael S. Andrade:

Origem

sexta-feira, março 02, 2007

O significado da batida do martelo do juiz e a compreensão da realidade do Direito

Fonte:




Ivo Aguiar Lopes Borges
advogado em Cuiabá (MT), professor de Faculdade de Direito da Universidade de Cuiabá, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), membro da Comissão de Estudos Tributários e de Defesa do Contribuinte da OAB/MT











Introdução


Também chamado de malhete, o martelo do juiz é, juntamente com a deusa Thêmis e a balança da justiça comutativa, um dos mais fortes e conhecidos símbolos do direito e da justiça. Em franco desuso, perceptível é seu abandono nos gabinetes dos juízes das mais diversas competências, praticamente não sendo possível encontrar exemplares nos juízos cíveis, trabalhistas ou criminais. Porém, seu uso em outras instituições ainda é ostensivo, a exemplo da maçonaria e do Lions Clube, instituição filantrópica de origem alienígena.


Mas qual sua origem? E, principalmente, qual seu significado?


Não são poucas as hipóteses alusivas ao seu surgimento.


Alguns autores ligam-no à mitologia grega, como NAYLOR, para quem a figura do martelo liga-se à figura do deus Hefestos, conforme trecho de sua obra:





Sobre os antigos monumentos era esse deus representado pela figura de um operário musculoso, barbado, com a cabeleira pouco tratada, envolto numa ligeira túnica que não lhe chegava senão aos joelhos, trazendo na cabeça um barrete redondo e pontudo e tendo às mãos um martelo e uma tenaz. Se bem que, segundo a lenda, fosse coxo, os artistas suprimiam esse defeito. O mostravam apenas sensível: assim é ele representado de pé sem nenhuma deformidade aparente. Algumas vezes se lhe põe junto um leão, cujo rugido invoca o ronco surdo dos vulcões.


Os sacrifícios que se ofereciam a Hefestos eram principalmente holocaustos: a vítima toda inteira era consumida pelo fogo.Suas festas se realizavam no mês de Agosto, no momento da canícula (no hemisfério norte é verão) [01].


Outra corrente vincula a figura do martelo ao antigo cajado utilizado pelos sacerdotes judeus e cristãos, que, quando presidindo os cultos ou reuniões públicas, o utilizavam para chamar a atenção da assembléia. Para tais, o martelo assumiu o lugar do cajado, pois, fruto do desenvolvimento tecnológico, possui igualmente a capacidade de ressoar, produzindo ruidosos sons.


Neste artigo, analisando a realidade do direito e o fenômeno de subsunção da norma ao fato e sua produção de concretos efeitos invadindo o mundo naturalístico, proporemos um novo significado para o uso deste instrumento. Não se trata de advogar pelo retorno da ruidosa ferramenta. Trata-se, porém, de utilizar este poderoso símbolo do direito para auxiliar a compreensão da realidade de nossa ciência e seu objeto de estudo fundamental: a norma jurídica.




A realidade do direito positivo



O problema da realidade do direito e sua compreensão se erguem como a pedra angular de nossa ciência. É o primeiro problema com o qual se deparam os acadêmicos nos primeiros anos da graduação, nem sempre superado a contento.


Ao longo dos séculos precedentes, inúmeras escolas de pensamento permearam as discussões a respeito da realidade ôntica do direito, sempre se impondo a pergunta: o que é o direito?


Para dar resposta à indagação acima, inúmeras correntes do pensamento jurídico se instituíram, apontando para seis direções fundamentais[02]: racionalismo metafísico ou jusnaturalista; empirismo exegético; historicismo casuístico; sociologismo eclético; racionalismo dogmático e egologia existencial.


A despeito das considerações feitas pelas citadas escolas, afigura-se-nos claro que, em se tratando do direito, necessária a distinção entre dois aspectos desta disciplina: o direito positivo e a ciência do direito. Ambos erguem-se como sistemas, porém indicando realidades distintas. CARVALHO afirma a distinção entre a ciência do direito e o direito positivo, afirmando que


São dois mundos que não se confundem, apresentando peculiaridades tais que nos levam a uma consideração própria e exclusiva. São dois corpos de linguagem, dois discursos lingüísticos, cada qual portador de um tipo de organização lógica e de funções semânticas e pragmáticas diversas. [03]



Ainda PAULO DE BARROS CARVALHO [04] nos chama a atenção para a existência de dois tipos de sistemas: os reais ou empíricos e os proposicionais. Aqueles são constituídos pelos objetos do mundo físico, enquanto estes, por proposições.


Os sistemas reais dirigem-se à descrição da realidade, tanto natural como social, atinentes àquilo que pode ser apreendido pela percepção humana enquanto objetos de existência concreta. A ciência do direito pertence ao conjunto dos sistemas ditos reais, posto que sua finalidade é descrever a estrutura do direito, as inter-relações de seus elementos e os postulados lógicos que governam a interação das várias unidades do sistema de modo a produzir o que chamamos de direito.


Já os sistemas proposicionais são constituídos pelo conjunto dos objetos abstratos modelados pela racionalidade humana, tais como a Gramática, na Lingüística, a Teoria da Relatividade, na Física e o conjunto de Normas Jurídicas, no Direito Positivo. No sistema proposicional, encontram-se os subsistemas prescritivos, de peculiar interesse neste trabalho, conforme se verá em seu desenvolvimento. De ressaltar-se, também, que o sistema de direito positivo é um sistema do tipo proposicional prescritivo.


Com efeito, o Direito Positivo "é o conjunto de normas estabelecidas pelo poder político que se impõem e regulam a vida social de um dado povo em determinada época" [05]. Em nosso país, coexistem quatro sistemas de direito positivo: a) o sistema nacional; b) o sistema federal; c) os sistemas estaduais ; d) e os sistemas municipais [06]; cada um destes constituído por um plexo de normas, tendo como ponto de apoio a Constituição Federal, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas Municipais. Cada um destes sistemas têm, como ponto de apoio, normas de superior hierarquia na pirâmide normativa de KELSEN. Cada norma possui fundamento de validade numa outra, de hierarquia mais alta, a sua norma fundamental.


O festejado autor propõe ainda um axioma, como fundamento de validade das normas Constitucionais, de mais alta hierarquia, teorizando a existência de uma norma máxima fictícia, a norma hipotética fundamental[07].




A norma jurídica como realidade do direito positivo



As normas jurídicas são objeto de acurado estudo de inúmeros pensadores. Entre estes, especialmente destacamos KELSEN e REALE.


HANS KELSEN, procurando decantar o direito, distinguindo-o de todas os demais ramos do conhecimento, produziu obra de inenarrável estatura, intitulada Teoria Pura do Direito [08].


Em suas próprias palavras, o pensador destacou que:



Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao
seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a ciência do jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos
[09].


KELSEN, assim, procurou delimitar o Direito à sua unidade essencial: a norma jurídica.


Remontando às raízes, temos que o Direito objetiva conformar a vida em sociedade. É, pois, mais uma ferramenta tecnológica a serviço do homem na consecução de seus objetivos. Tais objetivos, relacionados ao Direito, dizem
respeito à determinação da conduta humana, fruto de sua vontade.



Em determinado momento, movido pelo ciúme, Caim matou Abel. Viu-se que o resultado morte de Abel, exteriorização da vontade de Caim era mau. Deveria ser coibido. Assim, os atos valorados como maus, frutos da vontade
desviada do homem, deveriam ser controlados. Nutriente repetir que o homem exterioriza sua vontade enquanto sujeito consciente e cognoscente através do ato. O ato permite a interpenetração do abstrato (vontade) no concreto. É a palavra em sua concretude. A unidade básica e componente da interação do homem com outro homem é a conduta humana, exteriorizada por atos.


O Direito, como mola mestra de uma complexa engenharia social, objetiva organizar a vida do homem em sociedade determinando os atos que estes devam praticar e os atos dos quais devam se abster. O homicídio, por exemplo, não deve ser praticado. Mas, como conseguir o Direito a determinação da prática de alguns atos e a abstenção de outros?


Consegue-se tal intento através da prescrição das condutas socialmente aceitas. KELSEN assim sintetiza esta possibilidade ao enunciar:



Na verdade, o Direito, que constitui objeto deste conhecimento, é uma ordem normativa da conduta humana, ou seja, um sistema de normas que regulam o comportamento humano. Com o termo ‘norma’ se quer
significar que algo deve ser ou acontecer, especialmente que um homem se deve conduzir de determinada maneira. É este o sentido que possuem determinados atos humanos que se dirigem intencionalmente à conduta de outrem
[10].




Porém, não basta que se prescrevam simplesmente as condutas aceitas. É necessário adicionar-se um elemento a esta prescrição para que se possa obter a efetividade esperada consistente na coibição da prática dos atos
não socialmente aceitos.

Os atos humanos, referenciados no tempo e no espaço consubstanciam os fatos. Tais fatos estão no domínio do ser. Eles simplesmente acontecem, são. Porém, diante da ocorrência de fatos que, valorados pela sociedade humana, não são queridos por esta, surge a necessidade de determinar quais fatos são permitidos e quais são proibidos. Impende-se dirigir a conduta humana!


A conduta prescrita, ou seja, a que se declara como querida pela comunidade, situa-se no domínio do dever-ser. É o que deve ser. Para KELSEN nítida a distinção entre ser e dever ser:



A distinção entre ser e dever-ser não pode ser mais aprofundada. É um dado imediato da nossa consciência. Ninguém pode negar o enunciado: tal coisa é – ou seja, o enunciado através do qual descrevemos um ser fático – se distingue essencialmente do enunciado: algo deve ser – com o qual descrevemos uma norma – e que da circunstância de algo ser não se segue que algo deva ser, assim como da circunstância de que algo deve ser se não segue que algo seja [11].



E como conseguir que ocorra a observância das condutas desejadas, prescritas?


A resposta do direito, de tempos imemoriais até nossa era é apenas uma: através da utilização da violência, prevista na possibilidade de aplicação de uma sanção [12].


Pois bem, a sanção prevista na norma é a ferramenta utilizada pelo direito para o implemento do dever-ser. Dessa assertiva depreende-se talvez a característica mais marcante da norma jurídica: o autorizamento, acerca do
qual trataremos logo adiante.


Assim, o mecanismo planejado pelo Direito para a consecução de seus objetivos, a organização da sociedade, deve, em tese, prever os fatos indesejados e prescrever a conseqüência: a sanção [13].


Então, para que se atinja a eficácia da proposição dever-ser e se atinja o fim colimado, qual seja, a prática de determinadas condutas consideradas lícitas e a abstenção da prática de determinadas condutas consideradas ilícitas, criou-se o mecanismo da norma jurídica que enceta, em si, a possibilidade de coação.


Tal mecanismo, de acordo com a estrutura Kelseniana refinada pelos inúmeros pensadores que o sucederam, pode ser representada da seguinte forma:


Se F é, deve ser P;


Se -P, deverá ser SP



Traduzindo-se o modelo acima temos que a ocorrência de um fato (F), fruto da conduta humana, acarreta o dever de efetuar uma prestação (P). Esta é a norma primária ou ENDONORMA.


O descumprimento da norma primária (não prestação ou –P) acarreta a necessidade de aplicação de uma sanção (SP). Esta é a norma secundária ou PERINORMA.


Assim, resumidamente as normas podem ser entendidas como a hipótese, que descreve o fato e o conseqüente, que prescreve a prestação. Então temos:


Hipótese ð Conseqüente


Ou,


Descritor ð Prescritor


Como exemplo, podemos trazer à colação as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, previstas no Código Civil [14], que resumidamente prescrevem:



Aquele que praticar ato ilícito e causar dano ð Deverá indenizar



REALE contribui significativamente para a teoria normativista de KELSEN, observando que, entre o fato descrito e a conduta prescrita pela norma situa-se uma medida de valor axiológica. Em outros termos, a norma é a medida entre o fato e o valor. Nas palavras de REALE:



a norma é, por assim dizer, uma ponte elástica e flexível entre o complexo fático axiológico, que condicionou sua gênese, e os complexos fáticos axiológicos a que visa atender, no desenrolar do processo histórico. [15]




Assim, REALE indica a realidade do Direito calcada no fato (sociológico), no valor (axiológico, portanto, filosófico) que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo, e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra aquele elemento ao outro, o fato ao valor.




O direito positivo e Matrix



O direito positivo, como sistema proposicional prescritivo, erige-se como um sistema de normas jurídicas destinadas a prescrever a conduta dos indivíduos objetivando conformá-las à prática do socialmente aceito. E como tal, o direito é um sistema abstrato, fruto da racionalidade humana vertido em linguagem.


Queremos com isto dizer que o Direito se ergue acima de nossas cabeças como um mundo paralelo ao mundo real dos objetos corpóreos.


Tal mundo paralelo, diferentemente do mundo real constituído pela matéria, possui como substrato a linguagem. Com efeito, as normas jurídicas, células do direito positivo, são enunciadas com o uso de símbolos, característicos da linguagem.


Maria Helena Diniz evidencia este fato ao asseverar que "a ciência jurídica encontra na linguagem a sua possibilidade de existir" [16]. Isto porque a única possibilidade de transmitirmos a outrem um enunciado prescritivo é através da linguagem, falada, escrita ou dos símbolos.



Assim, por exemplo, se quisermos informar a alguém a necessidade de parar, com seu automóvel, em um cruzamento, o faremos através de uma placa indicativa da ação de parar. Se quisermos indicar a alguém a possibilidade de aplicação de uma sanção pela prática do homicídio, o faremos através da palavra escrita.


Este universo paralelo do direito paira sobre nossas cabeças e já foi representado das mais diversas formas possíveis. PONTES DE MIRANDA referia-se ao "mundo dos pensamentos" ao enunciar sua teoria da incidência automática e infalível da norma:



A incidência da lei, pois que se passa no mundo dos pensamentos e nele tem de ser atendida, opera-se no lugar, tempo e outros ‘pontos’ do mundo, em que tenha de ocorrer, segundo as regras jurídicas. É, portanto, infalível. Tal o jurídico, em sua especificidade, frente aos outros processos sociais de adaptação. A incidência ocorre para todos, posto que não a todos interesse: os interessados é que têm de proceder, após ela, atendendo-a, isto é, pautando de tal maneira a sua conduta que essa criação humana, essencial à evolução do homem e à sua permanência em sociedade, continue de existir. [17]




Mais recentemente, uma trilogia cinematográfica que recebeu o nome de MATRIX, dos irmãos Andy e Larry Wachowski, nos forneceu mais uma fonte de inspiração para a representação do Direito.


Nesta obra, Neo, personagem representado pelo ator Keanu Reeves, liberta-se de seu casulo no qual permanecia preso fornecendo energia a um sistema inteligente central, o MATRIX. Neste mesmo casulo, o personagem encontra-se conectado por cabos ao sistema central de modo a interagir com este imerso na ilusão da existência de um mundo real, enquanto seu cérebro e corpo eram usados para produzir energia. O mundo ilusório de MATRIX coexiste com a realidade física dos objetos corpóreos, distinguindo-se completamente por representar a realidade tal qual a conhecemos, compondo-a com objetos imagéticos existentes somente no mundo da simbologia binária dos circuitos eletrônicos de computadores.


Da mesma maneira, o direito positivo, mundo ilusório composto pelos objetos produzidos no processo de elaboração da norma jurídica coexiste separado do mundo real e corpóreo, chapado por PONTES DE MIRANDA de mundo do
pensamento.


A comunicação entre o mundo físico e o mundo abstrato e lingüístico do Direito Positivo existe e se dá em duas vias: do mundo corpóreo para o mundo abstrato do direito e vice-versa.


Do mundo corpóreo para o "mundo do pensamento" fluem as normas jurídicas que se inscrevem no Direito Positivo através dos veículos introdutores de normas jurídicas, categoria muito bem explicitada por CARVALHO, que afirma:



(...) regra jurídica alguma ingressa no sistema de direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, que chamaremos, daqui avante, de "veículo introdutor de normas" (...) as fontes do direito serão os acontecimentos do mundo social, juridicizados por regras do sistema e credenciados para produzir normas jurídicas que introduzam no ordenamento outras normas, gerais e abstratas, gerais e concretas, individuais e abstratas ou individuais e concretas [18].




Assim, existem normas de estrutura autorizadoras da produção normativa, como aquelas normas Constitucionais que disciplinam a edição de Leis Ordinárias, Leis Complementares, Emendas à Constituição e Medidas Provisórias.
Fruto do trabalho legislativo, o documento escrito que contém a lei, devidamente aprovada pelo legislativo e sancionada pelo executivo, é o veículo que carregará a norma do mundo real (atos de produção legislativa realizados pelo legislador) para o mundo abstrato, o "mundo do pensamento", o mundo do Direito, o MATRIX. Outros veículos introdutores de normas jurídicas são conhecidos, como os atos administrativos tais como as portarias de abertura de inquérito, os autos de infração imposição de multa e as sentenças.


Da mesma maneira, a comunicação entre os dois aludidos mundos pode se dar na via contrária, do mundo abstrato para o mundo real. E isto ocorre no momento da aplicação da norma ao caso concreto, como veremos à seguir.




Conclusão: a aplicação da norma como significado da batida do martelo do juiz




A norma jurídica, como enunciado prescritivo, possui a descrição do fato e a prescrição da conseqüência, como visto alhures.


Ocorrendo um fato que contenha todos os requisitos previstos na norma, ocorrerá o fenômeno da subsunção, ou seja, a aplicação do prescritor da norma ao caso concreto.


Trazendo novamente à baila o exemplo da responsabilidade civil extracontratual veremos que, praticando alguém um ato ilícito, instituir-se-á uma relação obrigacional entre dois sujeitos, o ofendido ou vítima que sofreu o dano pela prática do ato e o agente ou ofensor que praticou o ilícito e causou dano. Daí a característica bilateral da norma jurídica.


Tal relação consubstancia-se no direito do ofendido de exigir o cumprimento de uma prestação prevista na norma, no exemplo, o dever de indenizar restituindo-se a situação prevista na norma, no exemplo, o dever de indenizar restituindo-se a situaçgue inquidamente aprovada pelo legislativo e sancio fática ao status quo ante. Esquemáticamente:



Relação Jurídica Obrigacional


Sa ? O ? Sp


Onde:

Sa
= Sujeito Ativo

O
= Obrigação

Sp
= Sujeito Passivo



Exsurge que, pela ocorrência do fato previsto na norma, sujeita-se o ofensor ao dever de cumprir a prestação. Em nosso exemplo, a obrigação consubstancia-se no dever do sujeito passivo (ofensor) de entregar determinada quantia em dinheiro à titulo de reparação (retorno ao status quo ante) para o ofendido. E ao ofendido (sujeito ativo) outorga-se o direito de recorrer ao poder jurisdicional para que o Estado-Juiz declare seu direito de receber o objeto da prestação. Esta possibilidade de exigir o cumprimento da prestação dá à norma jurídica a sua característica de autorizamento, conforme enuncia MARIA HELENA DINIZ ao afirmar que "a norma jurídica autoriza que o lesado pela sua violação exija o seu cumprimento ou a reparação pelo mal causado"[19].



Submetido o litígio ao Estado-Juiz, sua tarefa será dizer a quem compete o direito. Di-lo-á de acordo com os preceitos contidos na norma jurídica. Como exemplo, ao declarar o Estado-Juiz o dever de indenizar por parte de quem praticou ato ilícito e causou dano, aplica-se o preceito normativo subsumindo-o ao caso concreto. Ocorre que tal comando judicial situa-se ainda no abstrato "mundo dos pensamentos", incapaz de realizar seus efeitos concretos "comunicando-se" com o mundo real.


A interpenetração da norma no mundo real dar-se-á quando o sujeito passivo da prestação negar-se a cumprir o comando judicial, hipótese em que se sujeitará à excussão forçada de seus bens para o cumprimento da obrigação. É o momento em que se dá a aplicação da norma secundária ou perinorma.


Somente quando, através do comando judicial o Estado-Juiz mobilizar se necessário o aparato estatal para excutir os bens do devedor utilizando a violência (sanção prevista na norma), se preciso, é que o preceito normativo irradiará seus efeitos no mundo corpóreo, viajando do abstrato para o real.


Nossa proposta é que a batida do martelo do juiz ao prolatar a sentença, percutindo na madeira e deslocando uma massa de ar causando ruído, represente justamente a atuação da norma no mundo real e concreto. É o abstrato, a idéia, invadindo o mundo da matéria.


No exemplo, o juiz, ao prolatar a sentença declarando que o agente praticou ato ilícito e que houve dano, determinará a aplicação da norma da responsabilidade civil extracontratual, cuja conseqüência concreta é a transferência de riqueza do ofensor para o ofendido a título de reparação. A batida do martelo, logo após a prolação da sentença, representaria, então, a transformação do mundo material (pelo deslocamento de ar e o conseqüente ruído) causada pela norma.


Utilizando tal representação, acreditamos que a compreensão do Direito como sistema proposicional prescritivo composto por construções lingüísticas abstratas – a norma jurídica - se torne mais palatável para a comunidade jurídica e, principalmente para nossos graduandos, desejosos que estão de perscrutar as vísceras desta nossa genial, complexa e apaixonante ciência.




BIBLIOGRAFIA



CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário.São Paulo:Saraiva, 2003


DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999


DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999


KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999


MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I. 2. ed. Campinas : Bookseller, 2000


NAYLOR, Mário Guedes. Pequena Mythologia. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia Editores. 1933


REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo:Saraiva, 1998


VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo:Atlas, 2004




Notas



01 NAYLOR, Mário Guedes. Pequena Mythologia. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia Editores. 1933, p. 57



02 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 35



03 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo:Saraiva, 2003, p.133



04 Ibidem, p. 1



05 DINIZ, op. cit. p. 243



06 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso op. cit., p.55



07 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Martins Fontes, 1999, p. 217



08 A posição Kelseneana sofre críticas, como as formuladas por VENOSA: "Embora Hans Kelsen tenha tentado demonstrar que há uma teoria pura do direito, livre de qualquer ideologia política, o quadro do
dia-a-dia do Direito traduz outra realidade" (VENOSA, Sílvio de Salvo. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo:Atlas, 2004, p.27). Para nós, seguindo os novos postulados científicos, anuímos com a necessidade de tratamento holístico e sistêmico dos fenômenos por parte da ciência, abandonando a leitura positivista do mundo e crendo na necessidade de sua leitura sistêmica. Porém, assim como os engenheiros e arquitetos, cônscios da necessidade do estudo das variáveis sociológicas para a solução do problema da habitação não podem prescindir do uso das ferramentas matemáticas para o cálculo estrutural de suas edificações (construção positivista), os profissionais do direito não podem desconhecer a teoria pura do direito.



09 KELSEN, Hans. op. cit., p. 1



10 Ibidem, p. 5



11 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo:Atlas, 1999, p. 6



12 A bem da verdade, acreditamos que existam outros mecanismos mais eficazes de evitar a prática do ilícito.



13 Importante salientar que as normas jurídicas podem ou não prever sanções. À respeito, Maria Helena Diniz classifica as normas jurídicas, quanto ao autorizamento em mais que perfeitas, perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas, estas últimas não prevendo qualquer sanção, consideradas por Goffredo Telles Jr. como não propriamente normas jurídicas. DINIZ, Maria Helena, op. cit. p. 377-378



14 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.



15 REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo:Saraiva, 1998, p. 564



16 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 169



17 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo I. 2. ed. Campinas : Bookseller, 2000, p.62



18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo:Saraiva, 2003, p. 46



19 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo:Saraiva, 1999, p. 372






segunda-feira, dezembro 18, 2006

A ciência do Direito

Fonte:




Ronaldo Sérgio Moreira da Silva
juiz de Direito em São Paulo, mestrando em Direito Processual Penal na PUC/SP





Constitui este trabalho um breve estudo acerca da Ciência do Direito. Qual motivo o inspira ? Unicamente o desiderato de apreender o conhecimento em torno da temática. Imprescindível estudar para conhecer precisamente um determinado objeto. [01]

A Ciência do Direito [02], classificada entre as disciplinas jurídicas fundamentais [03], constitui um conjunto ordenado e sistemático [04] de princípios e regras que tem por tarefa definir e sistematizar o ordenamento jurídico (Direito positivo ou direito posto [05], vale dizer, produzido pelo Estado) que o Estado impõe à sociedade e apontar solução para os problemas ligados à sua interpretação e aplicação. [06]

Seu objeto [07] é o Direito positivo (ou direito posto), mas considerado o Direito positivo de um Estado determinado, num dado momento histórico-cultural, ou como direito em certo ponto do espaço-tempo, com suas peculiaridades histórico-sócio-culturais. [08]

O Direito-objeto, além de estudado e descrito pela ciência, énormativo. Já a ciência que o estuda e descreve, no entanto, não é normativa, porém descritiva, como ensina o preclaro jurista Eros Roberto Grau. [09]- [10]- [11]Dir-se-á, com o eminente jusfilósofo Miguel Reale, que a "Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias". [12]A Ciência do Direito preocupa-se com o estudo da norma jurídica positiva. Contudo, divide-se em duas partes: a regra jurídica não é somente objeto do conhecimento teórico, mas também do saber essencialmente prático ou técnico, do qual emergem os problemas relativos à sua aplicação. Denomina-se a parte teórica de sistemática jurídica, enquanto à prática empresta-se a denominação de técnica jurídica. [13]Importa anotar a advertência de Daniel Coelho de Souza no sentido de que a Ciência do Direito, como sistemática jurídica, tem caráter dogmático, a justificar uma de suas denominações como dogmática jurídica, consistindo em que a realização da atividade estritamente científica pelo jurista importa aceitação da regra jurídica como dogma, devendo, pois, aceitá-la e interpretá-la. [14]Aliás, como bem preleciona Wilson de Souza Campos Batalha, o "cientista do Direito, estritamente como cientista do Direito, aceita o ordenamento jurídico como um "dado" que elabora, com vistas à sistematização, mas que não pode alterar e que admite com sua indiscutível imperatividade. Daí a denominação de Dogmática Jurídica atribuída à Ciência do Direito". [15]

Essa aceitação, no entanto, não significa que o jurista não possa empreender esforços com vistas a alcançar a revogação da lei. Mas não é este o escopo próprio daquele profissional no campo científico, máxime porque toda atividade científica é neutra, de mera sensibilidade voltada para o real, e não há de ser afetada por juízos críticos com comprometimento da pureza ascética da ação avalorativa. De qualquer modo, a aceitação de que se trata assenta-se na imprescindibilidade de que o jurista reconheça como ponto de partida os dogmas estabelecidos pela escola jurídica, tais como valores, modelos e regras preexistentes. [16]

Bem por isso, explicita Legaz y Lacambra que o jurista tem uma função valoradora que é imprescindível, tem a faculdade de criticar o dogma, de valorá-lo sob diversos pontos de vista, assinalando suas injustiças, suas imperfeições técnicas, sua inadequação às necessidades sociais, sua falta de vinculação aos antecedentes históricos [17], sempre com o escopo de aprimorá-la e adequá-la aos mais puros anseios da sociedade.

Sob o enfoque ainda do dogmatismo, convém lembrar a observação do preclaro jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, no sentido de que "os juristas, em termos de um estudo estrito do direito, procurem sempre compreendê-lo e torná-lo aplicável dentro dos marcos da ordem vigente. Esta ordem que lhes parece como um dado, que eles aceitam e não negam, é o ponto de partida inelutável de qualquer investigação. Ela constitui uma espécie de limitação, dentro da qual eles podem explorar as diferentes combinações para a determinação operacional de comportamentos juridicamente possíveis". [18]Caracteriza-se a Ciência do Direito pelo aspecto reprodutivo, pois não cria as normas, que são o seu objeto [19]- [20], mas apenas cuida de reproduzi-las. Essa reprodução evidentemente não se fará com base num plano abstrato. Porém, acontecerá tendo em mira os valores eleitos pela comunidade e, pois, a expressão de modelos sociais de comportamento. [21]Cabe ressaltar que a Ciência do Direito adota vários métodos [22], em especial devido à sua natureza investigativa, como o analítico, o sintético, o analógico, para alcançar os seus fins consistentes em construir um sistema jurídico adequado à realidade atual, não correspondente ao momento histórico em que foram construídas as suas partes, como enfatiza Paulo Dourado de Gusmão. [23] A essa tríade, Miguel Reale acrescenta os métodos indutivo e dedutivo, que de há muito já eram defendidos por Enrico Ferri [24], os quais se completam na tarefa científica, lembrando que nossa época caracteriza-se pelo pluralismo metodológico. [25]

Diferencia-se da Filosofia do Direito e da Teoria Geral do Direito. Com relação à primeira, dela se distingue por ser a Ciência do Direito eminentemente valorativa. Ademais, a Filosofia do Direito erige-se à condição de crítica do Direito positivo, enquanto que a Ciência do Direito o analisa e descreve. E à Filosofia do Direito cumpre analisar e criticar os pressupostos da Ciência do Direito, ao passo que esta considera indiscutíveis aqueles pressupostos. Também o método desta é indicado por aquela.

Enquanto a Ciência do Direito tem em mira o estudo do sistema de Direito positivo de um determinado Estado, num dado momento histórico-cultural - como o Direito romano, o Direito brasileiro, o Direito francês etc. -, a Teoria Geral do Direito dedica-se ao estudo dos Direitos positivos existentes, atuais ou passados, com vistas a identificar as suas semelhanças e, pelo método de indução, generalizar princípios fundamentais, de caráter lógico, válidos para todos eles. [26]- [27] Oportuno registrar, também, que não existe apenas uma Ciência do Direito, mas, sim, uma gama de Ciências do Direito, dentro de cujo contexto encontram-se a Filosofia do Direito, a Teoria Geral do Direito, a História do Direito, a Sociologia do Direito, a Dogmática Jurídica etc., todas elas dotadas de linguagens próprias que se denominam metalinguagens. [28]

Convém observar que o que o homem busca e anseia com o Direito repousa na paz e na segurança sociais. O Direito representa instrumento que visa a assegurar a coexistência pacífica na sociedade. [29] Isso deixa evidente que o Direito, longe de constituir-se num fim, erige-se inequivocamente à condição de meio, como corretamente emerge do pensamento kelseniano. Para Kelsen, a função do Direito está na realização de fins sociais inatingíveis senão através dessa forma de controle social, fins esses que variam de sociedade para sociedade, de época para época. [30]Nada obstante cuidar-se de um ramo do conhecimento humano dotado de objeto, sistematização e metodologia próprios, a Ciência do Direito é contestada por alguns que não a reconhecem como ciência. Expressão desse posicionamento é o alemão Julius Herman von Kirchmann [31], que se vale para tanto de célebre frase: "bastariam três palavras retificadoras do legislador e bibliotecas inteiras se transformariam em papel sem valor". [32]

Olvidou, contudo, o jurista tedesco que a revogação de uma norma juridica não significa necessariamente a profligação dos princípios jurídicos que a fundamentaram ou informaram. É válido anotar que as transformações em um sistema jurídico opera-se de maneira paulatina, como observa Ángel Latorre. [33] Cabe acrescentar, também, um dado importante consitente na "persistência duma tradição doutrinal, de métodos, sistemas e conceitos, que se mantêm atráves dos tempos", sobrevivendo às leis e condicionando o legislador. [34]

Isto mostra, à saciedade, como o argumento impugnativo da cientificidade do Direito peca pela base, partindo de premissa caracterizada pela falta de compromisso com a verdade (portanto, premissa falsa). E, aliás, a verdade é o valor supremo que a ciência sempre teve em mira. Tudo isso, sem contar que tal jurista cometeu o desatino de considerar o Direito Positivo como se fora o Direito na sua mais ampla abrangência e significação gnosiológica, esquecendo-se de que o Direito Positivo não significa senão um dos múltiplos aspectos da Ciência do Direito ou, como preconiza o eminente Ministro Eros Roberto Grau, o Direito produzido pelo Estado. [35] Assim, sem razão Kirchmann.

Por isso mesmo, merece referência o escólio de Machado Neto, para quem, contrário à postura doutrinária de Kirchmann, "o certo é que a subseqüente história do pensamento jurídico não confirmou sua desenganada negação da ciência jurídica, embora o jurista contemporâneo ainda persevere na atitude de má consciência acima aludida". [36]

Não bastasse isso, a Ciência do Direito ou Jurisprudência possui caráter científico, sob rigorosa perspectiva epistemológica, notadamente por ser um conhecimento sistemático, metodicamente obtido e demonstrado, dirigido a um objeto determinado, que é separado por abstração dos demais fenômenos. E mais, nela avulta a sistematicidade como argumento eloqüente para afirmar a cientificidade do conhecimento jurídico. [37]


Bibliografia:

1. Azevedo, Plauto Faraco – Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1989, 5ª reimpressão.

2. Batalha, Wilson de Souza Campos - Introdução ao Estudo do Direito - Os Fundamentos e a visão histórica, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 2ª edição, 1986.

3. Diniz, Maria Helena - A Ciência Jurídica, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1995.

4. Diniz, Maria Helena - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1991.

5. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990.

6. Ferraz Júnior, Tércio Sampaio - A Ciência do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 2ª edição/11ª tiragem, 1980.

7. Ferri, Enrico - Princípios de Direito Criminal, Campinas, Bookseller Ed. e Dist., 2ª edição, 1999, p. 90.

8. Grau, Eros Roberto - O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Editora Malheiros, 5ª edição, 2003.

9. Guimarães, Ylves José de Miranda - Direito Natural - Visão Metafísica e Antropológica, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1a. edição, 1991, p. 197-198).

10. Gusmão, Paulo Dourado - Introdução à Ciência do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Editora Forense, 5ª edição, 1972.

11. Gusmão, Paulo Dourado - Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1ª edição, 1984.

12. Hessen, Johannes - Teoria do Conhecimento, Armenio Amado Editor, Coimbra/Portugal, Tradução de António Correia, 7ª edição, 1980.

13. Machado Neto, A.L. - Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 6ª edição, 1988.

14. Machado, Hugo de Brito – Uma Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Dialética, 2000.

15. Nader, Paulo - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 24a. edição, 2004.

16. Nunes, Luiz Antonio Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a edição, 2000.

17. Paupério, A. Machado, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 3a edição, 1993.18. Poletti, Ronaldo - Introdução ao Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 1991.

19. Reale, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990.

20. Soares, Orlando - Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1ª edição, 1991.

21. Souza, Daniel Coelho de - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988.


Notas

01 Importante anotar que o conhecimento, sob o vértice do objeto, consiste na transferência das propriedades do objeto para o sujeito. Aliás, a função do sujeito está em apreender oobjeto e a deste ser apreendido por aquele (Johannes Hessen, Teoria do Conhecimento, Armenio Amado Editor, Coimbra/Portugal, Tradução de António Correia, 7ª edição, 1980, p. 26-27).

02 A expressão "Ciência do Direito" não teve nascimento em tempos primevos, mas foi criada pelos alemães da Escola Histórica, no século XIX, no afã de conceder tratamento científico a seus estudos jurídicos (Tércio Sampaio Ferraz Júnior, A ciência do direito, São Paulo, Atlas, 1980, p. 18; Ronaldo Poletti, Introdução ao Direito, São Paulo, Saraiva, 1991, p. 64). É bom lembrar, no entanto, que a ciência jurídica durante muito tempo teve a denominação de Jurisprudência, que lhe foi emprestada pelos romanos, para cujos jurisconsultos tratava-se do "conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto (divinarum et humanarum rerum notitia, justi, justi atque injusti scientia) (cf. Maria Helena Diniz, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Saraiva, 3ª edição, 1991, p. 198). Contudo, há quem atribua a esse saber científico a denominação de Ciência Dogmática do Direito, por ter como dogma as fontes formais do direito, tais como Código, leis, regulamentos, precedentes judiciais, tratados etc. (Paulo Dourado de Gusmão, Filosofia do Direito, Rio de Janeiro, Forense, 1ª edição, 1985, p. 20).

03 Em sua Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Editora Forense, 24ª edição, 2004, p. 9, Paulo Nader explica que as disciplinas jurídicas se dividem em fundamentais (Ciência do Direito, Filosofia do Direito e Sociologia do Direito) e auxiliares (História do Direito, Direito Comparado, entre outras), ao passo que Ronaldo Poletti, em sua Introdução ao Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 1991, p. 46-47, considera como disciplinas básicas e, portanto, fundamentais do direito apenas a Ciência do Direito e a Filosofia do Direito, situando a Sociologia do Direito entre as auxiliares. .

04 Cabe considerar, com Maria Helena Diniz, que a sistematicidade constitui o principal argumento para afirmar a cientificidade de um saber ou conhecimento, incluído aí o jurídico (Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 3ª edição, 1991, p. 16 e 31).

05 Eros Roberto Grau prefere referir-se ao direito positivo como direito posto, é dizer, direito produzido pelo Estado (O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003).

06 Nader, Paulo - Introdução... cit., p. 10.

07 Alguns doutrinadores, como Miguel Reale, Ronaldo Poletti e Tércio Sampaio Ferraz Jr., usam a expressão "fenômeno jurídico" para designar o objeto da Ciência do Direito (Lições cit., p. 16; Introdução cit., p. 63; Introdução cit., p. 44, respectivamente). Já Carlos Cossio explica ser objeto do Direito a "conduta humana em interferência intersubjetiva", cujo esquema interpretativo repousa na norma (apud Wilson de Souza Campos Batalha, Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, 1986, p. 172-173).

08 Reale, Miguel - Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 17ª edição, 1990, p. 17.

09 O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003, p. 36-37.

10 Tércio Sampaio Ferraz Júnior, depois de defender o caráter científico do Direito - cientificidade essa negada de maneira confusa e desordenada por Kirchmann -, salienta que se trata de ciência interpretativa e, ainda, normativa, possibilidade essa assaz discutida pela Filosofia da Ciência (A Ciência do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 2ª edição, 1980, p. 15-16).

11 Também a profª Maria Helena Diniz, após exaustivo e profundo estudo, classifica a Ciência do Direito do ciência normativa, mas chama a atenção para as três acepções dessa expressão: a) "ciência que estabelece normas (Wundt)"; b) ciência que estuda normas (Kelsen)"; c) ciência que conhece a conduta através de normas (Cossio)" (A Ciência Jurídica, Editora Saraiva, 3ª edição, 1995, p. 159).

12 Lições Preliminares de Direito, Editora Saraiva, São Paulo, 17ª edição, 1990, p. 17.

13 Preleciona Paulo Dourado de Gusmão consistir a técnica jurídica na "arte de construir, com elementos fornecidos pela ciência jurídica, a regra de direito, integrando-a com as demais regras e princípios jurídicos, concentrando-os e sistematizando-os de modo a criar um corpo orgânico de normas". E acrescenta que a técnica jurídica divide-se em: a) técnica de formulação do direito; b) técnica da Ciência do Direito; c) técnica de aplicação do direito (Introdução à Ciência do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Editora Forense, 5ª edição, 1972, p. 13).

14 Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 88.

15 Introdução ao Estudo do Direito - Os Fundamentos e a visão histórica, Forense, 2ª edição, 1986, p. 233.

16 Nunes, Luiz Antonio Rizzatto, Manual de Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Ed. Saraiva, 3a edição, 2000, p. 43-45, para cujo professor, aliás, o "saber jurídico aponta, assim, para amplo controle social, no qual se instrumentaliza o próprio cientista jurídico, que passa a ser um técnico, cujo acesso ao Direito se faz somente pelo manejo de ferramentas – regras de intepretação – sem as quais não tem como realizar seu trabalho, que desempenha depois de aceitar os pontos de partida (dogmas) estabelecidos pela escola jurídica" (p. 43).

17 Filosofia del Derecho, p. 69.

18 Introdução ao Estudo do Direito, São Paulo, Editora Atlas, 1ª edição/3ª tiragem, 1990, p. 49.

19 Vale enfatizar, com Eros Roberto Grau, a distinção consistente em que a Ciência do Direito não é normativa, mas o seu objeto, sim, o é, consoante, aliás, salientado alhures (O direito posto... cit., p. 36-37).

20 Carlos Cossio discorda do entendimento de que as normas são o objeto do Direito, explicando que a conduta humana é que é o objeto da Ciência Jurídica (apud Ylves José de Miranda Guimarães, Direito Natural - Visão Metafísica e Antropológica, São Paulo/Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1ª edição, 1991, p. 197-198; Wilson de Souza Campos Batalha, Introdução ao Estudo do Direito - Os fundamentos e a visão histórica, Rio de Janeiro, Forense, 2ª edição, 1986, p. 172-173; A.L. Machado Neto, Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Saraiva, 6ª edição, 1988, p. 50-59).

21 Souza, Daniel Coelho - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 88.

22 Significativa é a importância do método para a ciência, máxime porque "possibilita fundamentar a certeza e a validade desse saber, por demonstrar que os enunciados científicos são verdadeiros", consoante emerge da ensinança de Maria Helena Diniz (Compêndio... cit., p. 17).

23 Gusmão, Paulo Dourado - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo/Rio de Janeiro, Editora Forense, 5ª edição, 1972, p. 12.

24 Princípios de Direito Criminal, Campinas, Bookseller Ed. e Dist., 2ª edição, 1999, p. 90.

25 Lições Preliminares de Direito, São Paulo, Saraiva, 17ª edição, 1990, p. 83-86.

26 Souza, Daniel Coelho de - Introdução à Ciência do Direito, São Paulo, Editora Saraiva, 5ª edição, 1988, p. 89.

27 Miguel Reale bem explica que a Ciência Jurídica "estuda o fenômeno jurídico tal como ele se concretiza no espaço e no tempo", enquanto que a Teoria Geral do Direito constitui a parte geral do Direito, "na qual se fixam os princípios ou diretrizes capazes de elucidar-nos sobre a estrutura das regras jurídicas e sua concatenação lógica, bem como sobre os motivos que governam os distintos campos da experiência jurídica" (Lições... cit., p. 17 e 18).

28 Grau, Eros Roberto - O direito posto... cit., p. 37.

29 Paupério, A. Machado, Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 3a edição, 1993, p. 37.

30 Grau, Eros Roberto - O direito posto... cit., p. 105.

31 Segundo Orlando Soares, Kirchmann opôs o mais vigoroso ataque à Ciência do Direito, em conferência realizada em 1847, quando era procurador do rei da Prússia, insurgindo-se precipuamente contra o caráter mutável do Direito e a atuação da Justiça (Introdução ao Estudo do Direito, Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1ª edição, 1991, p. 100-101).

32 Apud Diniz, Maria Helena, em seu Compêndio...cit., p. 30, nota 61; Ferraz Jr., Tércio Sampaio, em su''A ciência do direito cit., p. 16.

33 Apud Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, Sérgio Antonio Fabris Editor, 5ª reimpressão, 1989, p. 32-33.

34 Apud Plauto Faraco de Azevedo, Crítica à Dogmática e Hermenêutica Jurídica cit., p. cits.

35 Eros Roberto Grau prefere referir-se ao direito positivo como direito posto, é dizer, direito produzido pelo Estado (O Direito Posto e o Direito Pressuposto, São Paulo, Malheiros Editores, 5ª edição, 2003).

36 Machado Neto, A.L-Compêndio de Introdução à Ciência do Direito cit., p. 15.

37 Diniz, Maria Helena- Compêndio...cit., p. 30-31; Ferraz Jr., Tércio Sampaio - A ciência do direito cit., p. 63.

Anúncio AdSense