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terça-feira, maio 27, 2008

Jus Navigandi - Doutrina - Considerações sobre o reexame necessário no processo civil brasileiro

 


Considerações sobre o reexame necessário no processo civil brasileiro

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11235


Clemilton da Silva Barros
Advogado da União. Pós-graduado em Direito Processual Civil, em Direito do Trabalho e em Direito Processual do Trabalho. Professor da Universidade Estadual do Piauí. Autor de diversos trabalhos jurídicos.



Resumo: O texto remete a um breve histórico da remessa necessária, apontando as diversas normas que a prevêem no nosso ordenamento jurídico, além do art. 475 do Código de Processo Civil, com uma abordagem das suas principais características e natureza jurídica, desaguando na velha polêmica estabelecida em torno do princípio da "non reformatio in pejus". O autor defende a impossibilidade de agravamento da situação do ente público em sede de remessa necessária, especialmente por força do princípio da adstrição ou da congruência (arts. 128 e 460 do CPC), sempre evidenciando o entendimento expressado no âmbito da doutrina e da jurisprudência.

Palavra-chave: Fazenda Pública; remessa necessária; non reformatio in pejus; interesse público.

Sumário: 1 Introdução; 2 Evolução histórica; 3 Denominações; 4 Natureza jurídica; 4.1 A remessa obrigatória e as espécies recursais; 4.1.1 O aspecto da voluntariedade dos recursos; 4.1.2 Os pressupostos recursais; 4.1.3 A reapreciação da matéria e os efeitos suspensivo e devolutivo; 4.1.4 Legitimidade para a remessa necessária; 4.1.5 Os princípios recursais; 4.1.6 A remessa necessária como condição de validade e de eficácia da sentença; 5 O objeto do reexame necessário e as suas hipóteses de cabimento; 5.1 O art. 475 do CPC após as alterações da lei 10.352/01; 5.2 Outras hipóteses de remessa necessária; 6 A remessa necessária no contexto das reformas das decisões judiciais; 6.1 O princípio da non reformatio in pejus; 6.2 O princípio da non reformatio in pejus e a remessa necessária; 7 Conclusão; 8 Referências.


1 INTRODUÇÃO

            Predomina entre nós a regra segundo a qual, esgotados os recursos possíveis, ou decorrido o prazo de sua interposição, as decisões judiciais fazem coisa julgada, e aí se tornam imutáveis. Aliás, essa é a mais típica das características da jurisdição. E, uma vez transitada em julgado, a decisão judicial passa a produzir plenamente seus efeitos.

            Mas a essa regra, ou regras, o ordenamento jurídico opõe algumas exceções. A ação rescisória, por exemplo, observado o prazo decadencial de dois anos, tem o condão de revolver a matéria, embora já estando sob o manto da coisa julgada.

            Uma outra exceção emerge do art. 475 do CPC, o qual relaciona nos seus incisos I e II situações em que a sentença, conquanto já decorrido o prazo de interposição do competente recurso, não alcança o trânsito em julgado, e não produzirá efeito algum antes de ser reapreciada pelo Tribunal, situação que caracteriza o chamado duplo grau obrigatório de jurisdição, nominado pela doutrina de "remessa obrigatória" ou simplesmente "reexame necessário" – só alcançando as sentenças, na forma do art. 162, § 1º, do CPC, nunca as decisões interlocutórias.

            Tal fenômeno era chamado de "apelação de ofício" pelo Código de Processo Civil de 1939, consistindo em condição de eficácia da sentença, que não fará coisa julgada antes de reexaminada pelo Tribunal. Ou seja, a qualquer tempo a matéria poderá ser revolvida, e se vierem a ser satisfeitos os termos da sentença sem a apreciação do órgão revisor, essa satisfação estará eivada de vício insanável.

            Conforme veremos, há ainda muita controvérsia envolvendo alguns aspectos do reexame necessário, sobretudo no tocante à sua natureza jurídica, alguns doutrinadores entendendo tratar-se de uma espécie recursal, o que é combatido por outros. Desse questionamento vem a indagação: os seus efeitos estão restritos a beneficiar a Fazenda Pública ou a qualquer das partes? Esta indagação constitui o objeto nuclear deste estudo, na medida em que, na hipótese de o Tribunal vir a agravar a situação da Fazenda Pública pela via da remessa necessária, para uns estaria caracterizada a reformatio in pejus, o que seria vedado pelo ordenamento processual vigente; outros, ao contrário, entendem perfeitamente possível tal agravamento.

            Tecidas essas considerações, passaremos à análise do reexame necessário, seu disciplinamento em nosso ordenamento jurídico, evolução histórica, natureza jurídica, terminologia e a possibilidade de aplicação do princípio non reformatio in pejus, no que também buscaremos os apontamentos da doutrina e da jurisprudência sobre o tema.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

            O instituto do reexame obrigatório adotado por nosso ordenamento jurídico tem suas origens encravadas no Direito Lusitano, datada a lei que o criou de 12 de março de 1355.

            Num primeiro momento, a sua aplicação se restringiu ao ambiente das questões processuais penais, com a finalidade de conter eventuais excessos da parte dos magistrados quando do julgamento de matéria criminal. Logo mais, com esses mesmos fins, integraria as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, então chamado de "apelação ex officio".

            No Brasil, conforme anota Jorge Tosta (2001, p. 12), a primeira norma jurídica a consagrar o referido instituto é datada de 04/10/1831 (Lei nº 04/1831, art. 90), impondo ao juiz a obrigação de apelar nas causas em que restasse vencida a Fazenda Pública. Nesse momento histórico, ao recorrer de ofício, o juiz operava efetivamente na defesa dos interesses da Fazenda Pública, assemelhando-se a uma espécie de causídico desta, e o que se buscava objetivamente era a reforma do julgado, e não a sua simples revisão pelo Tribunal no sentido de aperfeiçoamento da sentença, como é hoje.

            Mais de um século depois de introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, o reexame obrigatório integraria o nosso primeiro grande diploma de normas procedimentais, o Código de Processo Civil de 1939. Trinta anos depois, o Decreto-Lei nº 779/1969 disciplinaria a sua aplicação também no âmbito do Processo do Trabalho.

            O Código de Processo Civil de 1939 assim dispunha:

            Art. 822 – A apelação necessária ou ex officio será interposta pelo juiz mediante simples declaração na própria sentença.

            Parágrafo único. Haverá apelação necessária:

            I – Das sentenças que declararam a nulidade de casamento.

            II – Das que homologam o desquite amigável.

            III – Das proferidas contra a União, o Estado ou o Município.

            Não é difícil notar a realidade social insculpida no texto revogado, sob a histórica preponderância do princípio inquisitório, e a importância do poder religioso, chegando este a se confundir com o próprio poder estatal. A previsão era nitidamente autoritária, deixando os direitos dos cidadãos comuns em posição infinitamente inferior, revelando um total desprezo aos princípios do contraditório, da isonomia e do devido processo legal.

            Daí em diante, como bem noticia Samir José Caetano Martins [01], diversas leis extravagantes trouxeram disposições semelhantes, sempre associadas à tutela do erário, citando a Lei nº 2.664, de 03/12/1955, que dispõe sobre ações judiciais decorrentes de atos das Mesas das Câmaras do Congresso Nacional e da Presidência dos Tribunais Federais; a Lei nº 6.014, de 27/12/1973, que inseriu a previsão do duplo grau obrigatório na Lei nº 1.533, de 31/12/1951 (Lei do Mandado de Segurança) e na Lei nº 4.717, de 29/07/1965 (Lei da Ação Popular); a Lei nº 6.071, de 03/07/1974, que inseriu a previsão do duplo grau obrigatório no Decreto-Lei nº 3.365, de 21/07/1941 (Lei Geral das Desapropriações) e a Lei nº 8.437, de 30/06/1992 (que dispõe sobre medidas cautelares contra atos do Poder Público). Em 17 de abril de 1963, pelo Decreto nº 3.069, tal instituto viria a se estender também às causas matrimoniais.

            O legislador de 1973, seguindo de perto a evolução político-social e atentando para uma linguagem tecnicamente mais satisfatória aos intentos jurídicos, reeditou o instituto do "reexame necessário" ou "remessa oficial", também conhecida por "remessa necessária" e "duplo grau de jurisdição obrigatório", outrora "recurso de ofício" ou "apelação de ofício". O fato é que, com o novo Código de Processo Civil, o instituto em destaque ganhou feições bem mais apropriadas aos preceitos processuais antes ignorados.

            Com efeito, no texto original do Código de 1973 ainda figurou a previsão do reexame necessário de sentença que anulasse casamento (art. 475, I), expressando a manutenção da influência do poder religioso. Mas a revisão produzida pela Lei nº 10.352, de 26/12/2001, excluiu tal previsão, no que o legislador também teve o cuidado de estabelecer situações limitadoras, como consta do atual texto:

            Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).

            I - proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público; (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).

            II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). (Redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).

            § 1o Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

            § 2o Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001)

            § 3o Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula deste Tribunal ou do tribunal superior competente. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001).

            Vê-se que é notável a evolução, a começar pelo abandono à antiga terminologia.


3 DENOMINAÇÕES

            Como declinado, muitas denominações têm sido atribuídas ao instituto do reexame necessário, ora sendo chamado de remessa obrigatória, ora de remessa oficial, remessa necessária, recurso de ofício (ou ex officio), apelação de ofício, e ainda de duplo grau de jurisdição obrigatório.

            Todas essas expressões buscam apenas traduzir o modo como o instituto se lança concretamente no mundo jurídico, alcançando as hipóteses a que se destina, por norma revestida de imperatividade absoluta, tendo em vista o interesse público, obrigando o juiz a submeter seu entendimento singular à avaliação de um entendimento colegiado, buscando amparar não exatamente o indivíduo, mas o interesse de toda a sociedade, concretizado na prestação jurisdicional que venha a conter o maior grau de correção possível.

            Até mesmo por força de hábito, todas essas denominações ainda são bastante utilizadas. Embora algumas se afigurem impróprias, em face do atual tratamento normativo, doutrinário e jurisprudencial, não há no meio jurídico quem desconheça qualquer delas. Entretanto, como estamos a falar de um instituto jurídico, portanto, inserto no âmbito de uma ciência, impõe-se que sejamos o mais didático e objetivo possível, embora nunca descuidando do cunho científico, eis que no estudo de qualquer ciência os nomes dos seus institutos têm sempre fundamental relevo.

            Com efeito, os institutos tanto devem ter um nome específico, quanto esse nome deve se situar o mais próximo possível da sua natureza e do seu objeto. Nesse diapasão, desde logo afastaremos as expressões "recurso de ofício" (ou ex officio) e "apelação de ofício", como assim já procedeu o Legislador de 1973, abrindo mão das terminologias adotadas pelo Código anterior.

            Bom ressaltar que o Código de Processo Civil de 1973 não atribuiu denominação alguma ao instituto em comento, limitando-se a descrever as suas hipóteses de incidência, conforme se nota pela disposição do art. 475, cuja atual redação é fruto da Lei nº 10.352, de 26/12/2001. Por outro lado, também não acolheu a terminologia adotada pelo Código revogado (apelação ex officio). Diante disso, a doutrina já foi quem se incumbiu de lhe atribuir nomes, ora chamando-o de reexame necessário, ora de remessa necessária e ainda de reexame obrigatório, denominações estas que expressam o mesmo grau de significância, adequando-se perfeitamente ao seu objeto, à sua natureza jurídica e ao seu conteúdo.

            "Reexame necessário" parece-nos a expressão mais conveniente, inclusive, sendo a mais preferida da doutrina e da jurisprudência.


4 NATUREZA JURÍDICA

            A definição da natureza de um dado instituto inicia-se com a tentativa de sua identificação perante os demais institutos que lhes são similares, considerando o seu universo científico. Nisto, parte-se de um procedimento de simples comparação, individualizando-o e detectando suas particularidades e características mais singularizadas, até se saber em que ramo ou sub-ramo da ciência ele se insere e a que regras se submete. Consiste, portanto, tal procedimento em se definir a real posição do instituto considerado dentro de um sistema, categorizando-o, identificando seu endereçamento no universo em que se encontra, tudo em face do seu conteúdo e das suas características.

            Sendo assim, o universo dos institutos jurídicos que poderíamos dizer similares ao reexame necessário é aquele no qual se encontram os recursos. Aliás, a primeira idéia que se tem acerca do reexame necessário é a de que se trata de uma espécie recursal. E isto é inevitável, haja vista o tradicional tratamento dado ao referido instituto pelo ordenamento jurídico brasileiro, bem assim pelo seu próprio objeto, consistente na reanálise do julgado pelo órgão revisor, objeto este muito peculiar aos dos recursos.

            É de se lembrar que no Código de Processo Civil de 1939 o reexame necessário foi disciplinado com feições de recurso, inclusive figurando naquele Código entre as espécies recursais (art. 822) e com nome de recurso (apelação ex officio), o que lhe rendeu muitas críticas durante toda a sua vigência.

            Atento a esse equívoco teórico-legislativo, como já ressaltado, o legislador de 1973 procedeu às devidas retificações, não somente alterando a terminologia do instituto em comento, mas também a sua localização no contexto do novo Código, inscrevendo-o no Título VIII, distinto, portanto, daquele destinado a tratar dos recursos (Título X).

            4.1 A remessa obrigatória e as espécies recursais

            Conforme vimos, o novo CPC caminhou no sentido de exterminar a controvérsia que girava em torno da natureza jurídica da remessa oficial, porquanto, dentre os muitos reclames da doutrina, os mais comoventes acentuavam faltarem-lhe os requisitos próprios dos recursos, que os tornam os verdadeiros instrumentos de impugnação das decisões judiciais adotados pelo nosso ordenamento jurídico. Não afastou de todo as controvérsias, mas admitamos que amenizou sobremaneira os debates e as críticas.

            4.1.1 O aspecto da voluntariedade dos recursos ausente na remessa necessária

            A bem da verdade, a nova disposição legal sobre já seria mais do que suficiente para privar do reexame necessário a idéia de similaridade com as espécies recursais. Basta a simples observância da sistemática adotada pelo legislador de 1973 para concluir-se que foi clara a intenção de distanciá-lo dos recursos em geral, inscrevendo-os em títulos distintos. Todavia, há ainda quem defenda tratar-se de uma autêntica espécie de recurso.

            Pela simples definição de "recursos" não é fácil de se delimitar a exata distinção entre estes e o reexame necessário. Isto porque todos têm basicamente o mesmo alcance prático, encampando também o mesmo conteúdo teórico.

            A doutrina expressa diversos definições para os recursos. Uns os definem como remédios processuais postos pela lei à disposição das partes, do Ministério Público ou de terceiros, submetendo a decisão judicial a um novo julgamento por órgão judicial hierarquicamente superior àquele que a proferiu.

            Frederico Marques (2003, p. 381), por exemplo, ao definir recurso, pontifica:

            Um procedimento que se forma para que seja revisto pronunciamento jurisdicional contido em sentença, decisão interlocutória ou acórdão. O mencionado autor prossegue (ob. cit. p. 387), expressando que se trata de um "quase-recurso", inclusive, com efeito devolutivo e efeito suspensivo e, em relação ao julgamento nele proferido, aplicam-se as regras concernentes à apelação, pois se trata de remédio destinado a rever sentenças de primeira instância. Por isso mesmo, o vencido, ainda que não tenha interposto apelação voluntária, pode entrar com embargos infringentes, se for o caso.

            Para Humberto Theodoro Júnior (1992, p. 542), na sua acepção técnica e restrita, o recurso é um "meio ou poder de provocar o reexame de uma decisão, pela mesma autoridade judiciária, ou por outra hierarquicamente superior, visando obter a sua reforma ou modificação, ou apenas a sua invalidação".

            Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 55), citando Babosa Moreira, acentua que recurso é "o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna".

            Da análise de todas essas citações podemos destacar, sobretudo, que os recursos são movidos pela interesse da parte, daí a consagração da alcunha "remédio voluntário", o que, efetivamente não se observa em relação ao reexame necessário.

            Na verdade, a doutrina é amplamente majoritária no sentido de negar natureza recursal ao reexame necessário, no que citamos Nelson Nery Júnior e Rosa Nery (2003, p. 813), para quem a natureza jurídica do referido instituto é de "condição de eficácia da sentença que, embora existente e válida, somente produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal".

            4.1.2 Os pressupostos recursais

            Bom, nessa idéia de distinção, é importante invocar os chamados requisitos de admissibilidade dos recursos (alguns preferem pressupostos recursais) para que se dê o provimento jurisdicional, indispensáveis, pois, aos recursos e ausentes no reexame necessário. Tais requisitos (ou pressupostos) são classificados em intrínsecos e extrínsecos.

            Os primeiros operam como prolongamento das condições da ação, tendo em vista que o direito de recorrer se traduz em expressa manifestação do direito de ação. Os pressupostos intrínsecos, portanto, estão relacionados com o cabimento do recurso, a legitimação das partes e com interesse de agir (interesse de recorrer).

            Já os requisitos extrínsecos operam como prolongamento dos pressupostos processuais. São fatores externos à decisão que se busca reformar, mais voltados, pois, para as questões procedimentais, atinentes à tempestividade, ao preparo, à inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer; à regularidade formal etc.

            Enquanto o regular processamento dos recursos em geral depende da caracterização dos requisitos recursais, no reexame necessário não se cogita de tais requisitos. O juiz prolator da sentença, ao contrário do que ocorre na hipótese de recurso, apenas remete os autos ao órgão ad quem, por simples despacho, por força da disposição legal, sem perquirir os pressupostos recursais.

            4.1.3 A reapreciação da matéria e os efeitos suspensivo e devolutivo

            Se tomássemos como referencial apenas a reapreciação da matéria e a presença dos efeitos suspensivo e devolutivo, até seria possível enquadrar o reexame necessário nas definições de recursos. É que estes parecem-nos ser os únicos pontos em comum entre os recursos e o reexame necessário. Já as particularidades são inúmeras, tornando-os por demais distintos, impedindo que lhes sejam dados tratamentos idênticos.

            4.1.4 Legitimidade para a remessa necessária

            A análise de um único requisito atinente aos recursos já seria bastante para evidenciar a distinção entre estes e o reexame necessário.

            Vejamos, por exemplo, o tocante à legitimidade para a interposição do recurso. Nos termos do art. 499 do CPC, detêm legitimidade para recorrer a parte vencida, o terceiro prejudicado (entenda-se terceiro interessado) e o Ministério Público.

            No caso do reexame necessário, podemos dizer que a legitimidade recai sobre o próprio juiz prolator da sentença, a quem caberá a iniciativa de envio dos autos ao juízo ad quem. E mais, esta legitimidade se dá exclusivamente por força de lei, e não por prerrogativa ou ônus.

            4.1.5 Os princípios recursais

            Os princípios recursais constituem outro ponto de distinção entre os recursos e a remessa necessária.

            Sobre os recursos incidem diversos princípios específicos, como o princípio da unicidade ou da singularidade, segundo o qual para cada pronunciamento jurisdicional a previsão é de uma única espécie recursal; o princípio da taxatividade, garantindo que toda espécie recursal deve estar prevista em lei; o princípio da fungibilidade, que permite, no caso de dúvida objetiva, o conhecimento de um recurso por outro; o já anunciado princípio da voluntariedade, que exige a iniciativa da parte; o princípio non reformatio in pejus, pelo qual não é permitido agravar a situação do recorrente. Enfim, são diversos os princípios aplicáveis aos recursos. E como já destacado, tais princípios não são aplicados ao reexame necessário.

            4.1.6 A remessa necessária como condição de validade e de eficácia da sentença

            Como já declinado, é amplamente majoritário o entendimento que nega ao reexame necessário a natureza de recurso. Tal entendimento partiria do próprio legislador de 1973, que o deslocou do capítulo pertinente aos recursos para o capítulo concernente à sentença e à coisa julgada.

            Desse modo, afastada a natureza recursal e reconhecida a singularidade do reexame necessário, a conclusão da doutrina é de que se trata de um instituto sui generis, cuja natureza jurídica é de elemento condicional da eficácia da sentença, e não de uma espécie de recurso, bastando mencionar a ausência do elemento volitivo, indissociável dos recursos em geral.

            Aliás, enfatiza Nelson Nery Júnior (2003, p. 813) que à remessa necessária faltam a voluntariedade, a tipicidade, a dialeticidade, o interesse em recorrer, a legitimidade, a tempestividade e o preparo, características e pressupostos de admissibilidade dos recursos. De outro modo, nenhum dos princípios recursais é aplicados à remessa obrigatória.

            Há, porém, quem entenda tratar-se o reexame necessário de uma autêntica espécie recursal, a exemplo de Sérgio Bermudes, em sua obra Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª ed., vol. VII, São Paulo: RT, 1977, pp. 32-33, citado por Alexandre Câmara (2007, p. 3), que o acompanha nesse entendimento. Ambos, porém, fazem parte de corrente minoritária.

            Em suma, os verdadeiros meios de impugnação das decisões judiciais são os recursos. O reexame necessário não. Este é apenas condição de validade e eficácia da sentença nas causas em que seja expressamente consignada a sua incidência, nos termos do CPC, art. 475, e das demais hipóteses previstas no ordenamento jurídico. A exceção, especialmente no tocante à eficácia, flui da Lei 1.533/51, art. 12, parágrafo único, em se tratando de ação de mandado de segurança, em que a sentença produzirá efeitos de imediato, com a sua publicação, antes mesmo da remessa dos autos ao Tribunal para o reexame necessário.


5 O OBJETO DO REEXAME NECESSÁRIO E AS SUAS HIPÓTESES DE CABIMENTO

            Conforme já estudamos no item anterior, o vigente Código de Processo Civil prevê o reexame necessário no seu art. 475, cujo objeto primordial, como se extrai do próprio texto da lei, consiste no resguardo do interesse público, traduzido no máximo de certeza e justiça das sentenças em que haja sucumbência da Fazenda Pública. Assim, verificada tal situação, independentemente de haver provocação da parte interessada, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, sob pena de a sentença não produzir seus respectivos efeitos. Não o fazendo o juiz da causa, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

            Mesmo antes das inovações trazidas pela Lei nº 10.352/2001, não se cogitava de outro elemento ensejador da remessa necessária que não fosse o interesse público. Na antiga redação do art. 475 do CPC, a remessa necessária era obrigatória também em caso de sentença anulatória de casamento, matéria outrora reputada de elevado interesse público, merecendo também um grau mais elevado de atenção por parte do Estado. Todavia, mediante a Lei nº 10.352/2001, o legislador reformador entendeu que tal hipótese já não requer tanta proteção.

            É preciso, porém, ressaltar que esse interesse público de que falamos sofre variações de acordo com o objeto da remessa necessária na hipótese considerada. Expliquemos: é que o instituto da remessa necessária não é exclusividade do CPC, tendo previsão também em diversos outros diplomas normativos, e em todos eles sempre em prol do interesse público, mas nem sempre esse interesse público se traduz na defesa da Fazenda Pública.

            Com efeito, todas as situações de cabimento da remessa necessária previstas no nosso ordenamento jurídico seguem o mesmo procedimento, resumido no encaminhamento dos autos, pelo próprio juiz que proferir a sentença, ao órgão revisor para a devida reapreciação. Mas o objeto nem sempre é o mesmo, embora em todas as situações o fim último seja sempre o interesse público.

            Veja-se que o interesse público efetivamente objetivado pela remessa necessária prevista no CPC, art. 475, de fato está centrado na defesa da Fazenda Pública. Noutro giro, no caso da remessa necessária em sede de Ação Popular, o interesse público protegido tem seus reflexos voltados para a verificação minuciosa do pedido popular e da causa de pedir popular, de modo a proporcionar um novo exame sobre a matéria, quando a sentença extinguir o processo por carência ou julgar improcedente o pedido popular.

            Na ação de mandado de segurança, igualmente, o interesse público protegido com a remessa necessária não corresponde exatamente à defesa da Fazenda Pública, mas da Administração Pública. Enfim, existem diversas hipóteses em que o interesse público protegido na remessa necessária é distinto do interesse da Fazenda Pública, embora também seja interesse público.

            5.1 O art. 475 do CPC após as alterações da Lei 10.352/01

            As hipóteses originalmente dispostas no Código sofreram alterações pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001. Foi então excluído o inciso I (que aplicava a remessa necessária às sentenças declaratórias de nulidade do casamento); reescrito o inciso II, que passaria a ser inciso I, nele sendo incluídas outras figuras da Fazenda Pública, substituindo-se a expressão "proferida contra a União, o Estado e o Município", por "proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as autarquias e fundações de direito público".

            Vê-se que foram incluídas expressamente no contexto da norma as autarquias e fundações públicas, o que há muito já era admitido na prática forense, de modo que a inovação deu-se apenas para positivar a matéria, não se tratando, efetivamente, de alargamento das hipóteses de cabimento da remessa necessária, mesmo porque nunca fez sentido a exclusão desses dois entes, também de direito público, e que, igualmente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sempre gozaram de outros privilégios processuais, a exemplo do prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer, execução mediante precatório etc. Aliás, o que fez a lei a Lei nº 10.352/01 foi simplesmente trazer para o bojo do Código de Processo Civil um consenso da prática jurídica, que, inclusive, já havia sido positivado pela Lei nº 9.469/97 (art. 10º).

            Nesse mesmo sentido, a expressa inclusão do Distrito Federal no rol dos beneficiários da remessa necessária, que se deu apenas para reparar a lacuna deixada pelo legislador de 1973, porquanto ninguém jamais duvidou de que ao Distrito Federal seria estendido o mesmo tratamento conferido aos demais entes federativos.

            Com a referida Lei nº 10.352/01, o inciso III passou a ser inciso II, com modificação do texto. Antes constava:

            III – que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, número VI).

            Após a reforma vigora a seguinte redação:

            II - que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI).

            Foi substituída a expressão "que julgar improcedente a execução" pela expressão "que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução". A alteração buscou apenas corrigir a imprecisão literal existente no texto anterior, que se referia impropriamente à "improcedência da execução". Para muitos, na execução não se deve falar em improcedência do pedido satisfativo, pois não há uma apreciação cognitiva propriamente. É possível sim, em certas situações, falar-se em improcedência dos embargos à execução, pois nestes é que há uma efetiva atividade cognitiva. O legislador lapidou a literalidade do comando legal para então adequá-lo à devida técnica.

            O novo texto, ao falar dos embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública, repetiu a remissão ao art. 585, inciso VI, que trata dos títulos executivos extrajudiciais. Tal dispositivo, com a Lei nº 11.382/06, foi renomeado, deixando de ser inciso VI e passando a figurar como inciso VII do referido artigo, constando a seguinte redação:,

            VII - a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei;

            Pois bem, a situação a que se refere o inciso II do art. 475 remete-nos à execução fiscal, regulada pela Lei nº 6.830/80, consistindo no processo de execução da dívida ativa da Fazenda Pública de qualquer das esferas da federação. Deve-se entender por dívida ativa, conforme dispõe o art. 2º da lei mencionada, toda aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, ou seja, qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às suas respectivas autarquias e fundações públicas. Em suma, é dívida ativa todo crédito devido à Fazenda Pública.

            O referido inciso VII do art. 585 do CPC é quem define o título executivo apto a deflagrar a execução, que se inicia, obviamente, pela apresentação de uma petição inicial devidamente instruída com a Certidão de Dívida Ativa. Citado o devedor, este poderá opor embargos à execução, na forma do art. 16 da citada Lei de Execução Fiscal. Do julgamento destes, na forma do art. 475, inciso II, é que caberá a remessa necessária, caso a sentença acolha, total ou parcialmente, as alegações do executado embargante, ou seja, julgue contrariamente à Fazenda Pública.

            Convém alertar que, para os fins do disposto do art. 475, inciso II, do CPC, a sentença que acolher a exceção de executividade (ou pré-executividade) interposta pelo devedor equivale à sentença de procedência dos embargos. Neste sentido, Costa Machado (2006, p. 677).

            É oportuno ressaltar que, em se tratando de embargos do devedor opostos pela Fazenda Pública, mesmo sendo estes julgados improcedentes, não há o duplo grau obrigatório, porquanto, em tal hipótese certamente teríamos um caso de execução de título judicial, com a Fazenda Pública operando na qualidade de executada, e aí já restaria superada a fase cognitiva, quando, possivelmente teria se dado o uso da remessa necessária. Desse modo, a previsão de uma nova remessa necessária, diante da sucumbência da Fazenda Pública nos embargos do devedor, corresponderia à duplicação do instituto. Veja-se que a hipótese do art. 475, II, do CPC está restrita ao caso do art. 585, inciso VII, que trata de uma das espécie de título extrajudicial, cuja execução se procede sem que tenha havido uma fase cognitiva, como é curial nas execuções de títulos extrajudiciais.

            A lei modificadora também transformou o parágrafo único em parágrafo 1º e incluiu os parágrafos 2º e 3º, cujos teores traduzem dois freios ao cabimento da remessa necessária. Assim, embora sucumbente a Fazenda Pública, não haverá reexame obrigatório sempre que a condenação, ou o direito controvertido, corresponder a valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor, e também quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal ou em súmula do tribunal superior competente.

            Na primeira hipótese, o legislador apenas seguiu a linha das chamadas "causas de pequeno valor", já adotada para definir a nova alçada do procedimento sumário, prevista no inciso I do art. 275 do CPC, visando, sobretudo, desafogar os tribunais, dispensando a remessa necessária quando a condenação ou o direito controvertido não superar 60 salários mínimos.

            Já no caso do § 3º, o critério vislumbrado está relacionado com a plausibilidade do direito discutido, numa clara homenagem à jurisprudência do STF e dos Tribunais Superiores, evitando assim o retardamento da prestação jurisdicional. Nos moldes da norma anterior, não fazia qualquer sentido o duplo obrigatório quando a sentença, para condenar a Fazenda Pública, fundava-se em jurisprudência do STF ou em súmula do Tribunal Superior competente, uma vez que instância especial seria confirmada a sucumbência.

            5.2 Outras hipóteses de remessa necessária

            A remessa necessária não se limita às previsões dos incisos I e II do art. 475 do CPC. Diversas outras hipóteses são previstas no ordenamento jurídico, conforme demonstraremos a seguir.

            O art. 2º, parágrafo único, da Lei 1.533/51 (Lei da Ação de Mandado de Segurança) também prevê a remessa necessária, assim dispondo:

            Art. 12 - Da sentença, negando ou concedendo o mandado cabe apelação. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)

            Parágrafo único. A sentença, que conceder o mandado, fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, podendo, entretanto, ser executada provisoriamente. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 1974).

            Do mesmo modo, a Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), cujo art. 19 prevê a remessa obrigatória quando a sentença concluir pela carência ou pela improcedência da ação:

            Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973).

            Na previsão do art. 19 da Lei da Ação Popular, a remessa necessária não busca propriamente a proteção da Fazenda Pública mas, sim, da sociedade, do interesse público. Sendo qualquer cidadão parte legítima para propor ação popular, que, em tese, busca proteger o interesse geral, a norma estabelece a revisão obrigatória de sentença que extinguir o feito por carência ou que julgar improcedente o pedido popular. Aqui fica bem clara a distinção entre interesse da Fazenda Pública e interesse público.

            Também nas causas relativas à especificação da nacionalidade brasileira, nos termos do art. 4º, § 3º, da Lei nº 818/1949 (regula a aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalidade, e a perda dos direitos políticos), com as alterações produzidas pela Lei nº 5.145/1966 e pela Lei nº 6.014/1973, in verbis:

            Art. 4º - O filho de brasileiro, ou brasileira, nascido no estrangeiro e cujos pais ali não estejam a serviço do Brasil, poderá após a sua chegada ao País, para nele residir, requerer ao juízo competente do seu domicilio, fazendo-se constar deste e das respectivas certidões que o mesmo o valerá, como prova de nacionalidade brasileira, até quatro anos depois de atingida a maioridade. (Redação dada pela Lei nº 5.145, de 20/10/66).

            § 1º O requerimento será instruído com documentos comprobatórios da nacionalidade brasileira de um dos genitores do optante, na data de seu nascimento, e de seu domicilio do Brasil. (Incluído pela Lei nº 5.145, de 20/10/66);

            § 2º Ouvido o representante do Ministério Público Federal, no prazo de cinco dias, decidirá o juiz em igual prazo. (Incluído pela Lei nº 5.145, de 20/10/66);

            § 3º Esta decisão estará sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo Tribunal. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 27/12/73). Grifamos.

            Na hipótese acima aventada, a subida dos autos em remessa necessária independerá de a sentença ser de procedência ou de improcedência. O intento da norma é, pois, reavaliar a matéria, buscando alcançar o máximo de certeza, objetivando a segurança jurídica e não exatamente a proteção da Fazenda Pública.

            O Decreto-Lei nº 779/1969, que dispõe sobre a aplicação de normas processuais trabalhistas à União Federal, aos Estados, Municípios, Distrito Federal e Autarquias ou Fundações de direito público que não explorem atividade econômica, traz a previsão da remessa necessária, no seu art. 1º, inciso V, ao que chama de "recurso ordinário ex officio", tratando-o expressamente como um dos "privilégios" processuais da Fazenda Pública, como se vê:

            Art. 1º Nos processos perante a Justiça do Trabalho, constituem privilégio da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das autarquias ou fundações de direito público federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica:

            [...];

            V - o recurso ordinário "ex officio" das decisões que lhe sejam total ou parcialmente contrárias;

            [...].

            A Lei nº 8.437, de 30.06.1992, que dispõe sobre a concessão de medidas cautelares contra atos do Poder Público, também prevê a incidência da remessa necessária, ainda nominando-a de "recurso ex officio", como fazia o Código de Processo Civil de 1939, conforme consta do seu art. 3º:

            Art. 3° O recurso voluntário ou ex officio, interposto contra sentença em processo cautelar, proferida contra pessoa jurídica de direito público ou seus agentes, que importe em outorga ou adição de vencimentos ou de reclassificação funcional, terá efeito suspensivo.

            Temos ainda a hipótese do Decreto-Lei nº 3.365/1941, conhecido doutrinariamente como "Lei Geral das Desapropriações", cujo art. 28, § 1º, também prevê a remessa necessária, assim dispondo:

            Art. 28. Da sentença que fixar o preço da indenização caberá apelação com efeito simplesmente devolutivo, quando interposta pelo expropriado, e com ambos os efeitos, quando o for pelo expropriante.

            § 1 º A sentença que condenar a Fazenda Pública em quantia superior ao dobro da oferecida fica sujeita ao duplo grau de jurisdição. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 1974).

            [...].

            Alerta-se para o fato de que, em todas as hipóteses citadas, a remessa necessária tem como alvo o resguardo do interesse público, e não exatamente a proteção da Fazenda Pública.

            À exceção da sentença que decreta a carência da ação popular, que extingue o processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC), em todas as demais hipóteses somente as sentenças de mérito estão sujeitas à remessa necessária. E mais, somente as sentenças, nunca os acórdãos. Veja-se que o caput do art. 475 menciona expressamente o termo "sentença", a indicar que se trata de decisão prolatada pelo juiz singular (CPC, art. 162, § 1º). Os acórdãos, decisões próprias dos colegiados, mesmo em se tratado de competência originária, não estão sujeitos ao reexame obrigatório.

            Não se incluem, portanto, nas hipóteses de remessa necessária, com a exceção já mencionada, as decisões que extinguem o processo sem resolução do mérito (art. 267 do CPC), bem assim todas as demais decisões não definitivas, como é o caso dos provimentos liminares concedidos em ação de mandado de segurança, ação cautelar, ação popular, ação civil pública e até mesmo em sede de tutela antecipada. Todas essas decisões, sendo prolatadas contra o Poder Público, embora de caráter provisório, poderão, em regra, observadas as exceções legais, ser cumpridas de imediato, não se submetendo ao regime do duplo grau obrigatório de jurisdição.

            Cabe ainda acrescentar que a exceção ou limite imposto à remessa necessária pelo CPC, no parágrafo 2º do seu art. 475, ou seja, na hipótese de condenação a valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, só se aplica às hipóteses de remessa necessária do próprio CPC (art. 475, incisos I e II). Nas hipóteses disciplinadas pelos demais diplomas legais, conforme acima demonstrado, não se cogita de tal limitação, porquanto configuram situações sui geniris, normalmente refletindo obrigações de fazer, não fazer ou dar coisa, fora do contexto econômico-financeiro próprio das condenações pecuniárias, nas quais, encontrando-se o poder público no pólo passivo da condenação, entra em cena a Fazenda Pública.

            Enfim, o objeto da remessa necessária não se traduz exatamente na proteção à Fazenda Pública, mas na proteção do interesse público, do ordenamento jurídico, como forma de manifestação do princípio da segurança jurídica.


6 A REMESSA NECESSÁRIA NO CONTEXTO DAS REFORMAS DAS DECISÕES JUDICIAIS

            As decisões judiciais, uma vez impugnadas, podem ser mantidas, reformadas, anuladas ou integradas. Diz-se que é mantida quando o órgão ad quem expressa a sua confirmação. É reformada quando merece do órgão revisor outra solução que a substitua. Dá-se a anulação quando verificada a inobservância de procedimento reputado essencial ao regular prosseguimento do feito, causando dano às partes, caso em que será proferida nova decisão. Por último, a integração ou esclarecimento supõe uma situação em que, por regra, nem é reforma, nem é nulidade, efetivando o juízo revisor uma espécie de interpretação do ato decisório, normalmente por força de embargos de declaração que, excepcionalmente, poderá ensejar nova decisão, o chamado efeito modificativo ou translativo nos embargos de declaração.

            A doutrina aponta três categorias de instrumentos de impugnação das decisões judiciais, quais sejam, os recursos, as ações autônomas e os sucedâneos recursais, sendo os recursos os mais utilizados.

            Há uma estreita relação de simetria entre um recurso e a própria causa (ação), sobretudo no que toca aos chamados elementos da ação (partes, pedido e causa de pedir).

            No recurso, se o recorrente alega vício na decisão atacada, diz-se que a causa de pedir é error in procedendo e o pedido há de ser de invalidade da decisão. Se alega erro de análise da matéria, erro de escolha da decisão, a discussão então envolverá o conteúdo da decisão. Diz-se que causa de pedido é erro in judicando, e o pedido será reforma da decisão.

            Neste estudo, vamos nos prender mais à hipótese de error in judicando, que, conforme já disposto, está relacionado com a matéria de fundo, com o juízo de valor expressado na decisão acerca do direito substancial invocado, e não com o procedimento. E se é assim, se a imperfeição da decisão é atribuída a uma valoração considerada inadequada do direito substancial alegado pelo autor, seja por erro na análise da matéria, seja por má escolha da norma incidente, a decisão será tida como injusta, não se cogitando de invalidade, mas de reforma. Parte da doutrina pátria sustenta que em tal hipótese é impossível a correção ex officio, ou seja, a alteração do julgado somente poderá ser procedida mediante iniciativa da parte interessada, por reflexo do princípio da inércia.

            Outros defendem a possibilidade de se reformar tal decisão sem a necessária intervenção das partes. Indicam as hipóteses em que incide o reexame obrigatório, conforme já estudamos nos itens anteriores, bem como em se configurando as situações previstas no art. 267, § 3º do CPC, quando então o juiz estará autorizado a conhecer de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, da matéria constante dos incisos IV (ausência de pressupostos processuais), V (perempção, litispendência ou coisa julgada) e VI (quando não concorrer qualquer das condições da ação).

            Não se duvida que o juiz possa operar de ofício na forma do art. 267, § 3º, para sanar as irregularidades ali apontadas. Isto, evidentemente, não contraria qualquer princípio processual, pois o objetivo é apenas sanar defeito de forma ou vício, e não modificar o juízo de valor expressado acerca do direito material discutido. A hipótese é, pois, de error in procedendo, não de error in judicando.

            Se a imperfeição atribuída à decisão caracterizar error in judicando, aí sim, tal decisão somente poderá ser revista mediante intervenção da parte, à exceção dos casos de cabimento da remessa necessária, que constitui verdadeira exceção a esse a essa

            Intervindo a parte interessada mediante a interposição do competente recurso, o órgão que o apreciar ficará limitado a dar-lhe provimento para melhorar a situação do recorrente ou a julgá-lo improcedente, mantendo aquilo que a sentença já havia concedido. Nunca, sob pena de nulidade, poderá o órgão revisor piorar a situação do recorrente, por força do princípio non reformatio in pejus, próprio das espécies recursais.

            Discute-se, porém, se essa limitação do órgão revisor é levada a efeito em se tratando de remessa necessária, sabendo-se que esta não constitui uma espécie recursal e, portanto, não estaria sujeita ao princípio non reformatio in pejus, como dito, próprio dos recursos.

            6.1 O princípio da non reformatio in pejus

            A proibição da "reformatio in pejus" consiste na impossibilidade de a instância revisora reformar a decisão judicial revisanda, resultando uma situação de piora para a parte recorrente. Objetiva, pois, garantir ao recorrente a mantença daquilo já lhe foi concedido na decisão recorrida, só sendo permitido ao órgão revisor negar provimento ao recurso, mantendo assim o que já concedido, ou reformar a decisão recorrido em benefício do recorrente, nunca para retirar o que já lhe tenha sido concedido na sentença.

            Dito isso, podemos concluir que o princípio em destaque é manifestação do princípio da congruência ou adstrição (CPC, art. 128 e 640) na fase recursal, limitando objetivamente a decisão do órgão revisor aos termos do pedido formulado nas razões recursais, como ocorre na sentença em relação à petição inicial. Disso, pode-se concluir que o recurso é também um projeto do acórdão do mesmo modo que a petição inicial é um projeto da sentença.

            Segundo os princípios acima mencionados, bem assim o princípio do dispositivo, é inadmissível tanto a reformatio in pejus, como também a reformatio in mellius, pois não pode o tribunal piorar nem tampouco melhorar a situação do recorrente além dos limites por ele mesmo fixado em seu recurso.

            Mas é preciso lembrar que não se inclui nessa regra a possibilidade de serem conhecidas de ofício as questões de ordem pública, relacionadas às hipóteses de error in procedendo, sobre que já discorremos no início deste item 6. Nesse caso, evidentemente, a modificação do julgado independerá de manifestação de qualquer das partes, não importando a quem vá prejudicar ou beneficiar, a exemplo do que ocorre na detecção da falta de condição da ação ou de pressuposto processual.

            6.2 O princípio da non reformatio in pejus e a remessa necessária

            A abrangência da proibição de reforma in pejus em sede de "reexame obrigatório" não é consenso, em se tratando de error in judicando, situação caracterizada por equívoco na decisão, erro no julgamento, na apreciação do direito material discutido, tratando-se, portanto, de acerto ou desacerto na avaliação da causa, e não de invalidade. Mas já não se discute sobre a atuação do órgão revisor nas questões de ordem pública, havendo erro in procedendo, ainda que não levantadas pelas partes, como comentado no item 6.1, situação em que se cogita de nulidade processual e não de acerto ou desacerto na avaliação da causa. Portanto, aqui analisaremos a modificação da sentença apenas sob a ótica do error in judicando.

            Segundo orientação firmada pelo STJ (Súmula 45) e pelo STF (RTJ 114/913 e 108/1266; RT 598/260, 584/272 e 478/229), o "reexame obrigatório" é instituído em benefício exclusivo do ente público, não podendo o Tribunal agravar a situação daquele como resultado da remessa oficial, em face do princípio da proibição da reformatio in pejus. Todavia, ainda há muita controvérsia.

            Nelson Nery Júnior (2003, p. 814) é enfático ao defender a plena possibilidade de agravamento da Fazenda Pública pelo Tribunal em sede remessa necessária. Para este doutrinador, tal agravamento não caracterizaria a reformatio in pejus, tratando-se apenas da "incidência do interesse público do reexame integral da sentença", por força do efeito translativo a que estão sujeitas as questões de ordem pública.

            A discussão é de extrema importância em matéria processual, principalmente diante da nova corrente que se forma para fazer frente aos chamados "privilégios do Poder Público", dentre os quais, segundo muitos pensadores, inclui-se por excelência a "remessa necessária", principalmente do modo como vem sendo admitida, em exclusivo benefício da Fazenda Pública.

            O próprio legislador já vem se mostrando cauteloso quanto ao referido instituto, como se pode notar pela disposição da Lei nº 10.352/2001, que reformou o art. 475 do CPC, encolhendo as hipóteses de aplicação da remessa necessária, numa clara ênfase à interpretação restritiva do instituto.

            Uns poucos doutrinadores, bem como uns e outros magistrados, em julgamentos isolados, defendem a possibilidade de ser piorada a situação da Fazenda Pública em sede de remessa necessária. Entendem não caracterizar propriamente reformatio in pejus, ao fundamento de que a remessa necessária é uma manifestação do princípio inquisitório, e desse modo estaria o órgão revisor apenas aperfeiçoando o julgado, e não propriamente agravando a situação da Fazenda Pública, embora esse aperfeiçoamento viesse concretamente a produzir uma piora na condenação do ente público.

            Outros, que também admitem a reforma para pior, fazem-no ao fundamento de que o agravamento na condenação é exatamente a reformatio in pejus, proibida apenas para os recursos, sendo plenamente possível em sede de remessa necessária, eis que esta não se trata de recuso. Neste sentido também leciona Barbosa Moreira (1998, p. 426), asseverando que a proibição da reformatio in pejus é um instituto inerente aos recursos, e não sendo a remessa obrigatória uma espécie de recurso, na sua seara não há que se falar em proibição de reforma para pior.

            Novamente invocamos Nelson Nery Júnior (2003, p. 813-814), para quem não se pode falar em reformatio in pejus na remessa oficial, porque o princípio proibitivo da reforma para pior é conseqüência direta do princípio dispositivo aplicável aos recursos, e a remessa oficial tanto não é espécie recursal quanto não é informada pelo princípio dispositivo, e sim, pelo inquisitório, onde ressalta a incidência do interesse público no reexame integral da sentença.

            Vê-se que a corrente defensora da proibição da reforma para pior na remessa necessária sustenta a clara existência do pleno efeito devolutivo nesta, e que o princípio inquisitivo está presente no sistema recursal brasileiro da mesma maneira como se manifesta na instrução processual em primeira instância.

            Significa dizer que, conquanto prevaleça o princípio do dispositivo em algumas fases do procedimento, não podem ser ignoradas eventuais manifestações do princípio inquisitivo, decorrentes do caráter público do processo e do interesse do Estado na melhor prestação jurisdicional, estando o princípio inquisitivo manifestamente presente tanto nos procedimentos de primeira instância, quanto nos procedimentos recursais. E o efeito devolutivo, inerente aos recursos, embora se manifeste predominantemente no princípio dispositivo, não deixa de apresentar certas configurações típicas do princípio inquisitivo, a exemplo das manifestações de ofício na condução do processo. Portanto, para esta corrente, nada obsta que se fale em efeito devolutivo da remessa oficial, eis que o aludido efeito comporta nuanças tanto do princípio dispositivo quanto do inquisitivo.

            A conclusão dessa doutrina favorável à reforma para piorar a situação da Fazenda Pública, pois, é de que a remessa necessária flui do princípio inquisitivo, ao passo que a regra proibitiva da reformatio in pejus está relacionada com o princípio dispositivo.

            Entretanto, é indiscutivelmente majoritária a corrente contrária a esses posicionamentos – aliás, corroborada pela jurisprudência, no que citamos a Súmula nº 45 do STJ e a Súmula nº 14 do TRF da 2ª Região:

            Súmula n.º 45 (STJ) - No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública.

            Súmula n.º 14 (TFR da 2ª Região) - A remessa necessária não pode ser provida para agravar a condenação imposta à Fazenda Pública, haja ou não recurso voluntário das partes.

            A orientação firmada também pelo STF [02] é no sentido de que a proibição da reformatio in pejus estende-se às hipóteses de remessa necessária, não podendo a entidade pública ter sua situação agravada como resultado da remessa necessária, instituída em exclusivo benefício do poder público. Neste sentido, as lições de Humberto Theodoro Júnior (1992, p. 538).

            Um dos dos argumentos da corrente majoritária se enverga sobre os motivos (fins) que teriam dado origem ao instituto da remessa necessária, concluindo que, se o referido instituto foi arquitetado e instituído no interesse da Fazenda Pública, seria incoerente admitir-se que esta viesse a ter sua situação agravada em sede de reexame. Seria mais uma razão para se afirmar a proibição da reformatio in pejus na remessa necessária.

            Em suma, seja nas hipóteses do art. 475 do CPC, em que a remessa necessária busca proteger o interesse da Fazenda Pública, seja nas demais hipóteses previstas nas diversas normas citadas, em que a remessa necessária busca proteger não exatamente a Fazenda Pública, mas o interesse público, é amplamente majoritário o entendimento pela incidência do princípio non reformatio in pejus, igualmente como se dá nas espécies recursos.


7 CONCLUSÃO

            A remessa necessária, prevista no art. 475 do CPC, bem como em diversos outros diplomas normativos, a exemplo da Lei nº 1.533/51 (Lei da Ação de Mandado de Segurança); da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular), e do Decreto-Lei nº 779/1969 (dispõe sobre a aplicação de normas processuais trabalhistas), é hoje vista por alguns doutrinadores como mais um dos injustificáveis privilégios processuais do Poder Público, objeto de violação da isonomia dentro do processo.

            É consenso na doutrina e na jurisprudência o entendimento que nega natureza recursal à remessa necessária, tratando-se de um instituto sui generis, destinado a reavaliar a condenação imposta por sentença à Fazenda Pública, especialmente nas hipóteses do art. 475 do CPC, e a proteger o interesse geral nas demais hipóteses.

            Têm sido estabelecidos fervorosos debates em torno do referido instituto, principalmente no que diz respeito à possibilidade de agravamento da condenação imposta à Fazenda Pública ou ao interesse público, quando a matéria é remetida ao órgão revisor por força da remessa necessária.

            Com respaldo na jurisprudência do STJ e do STF, a doutrina é majoritária no sentido da impossibilidade de piora da condenação em remessa necessária, eis que consistiria em afronta ao prestigiado princípio da non reformatio in pejus. Contudo, cresce o número de julgados adotando entendimento contrário.

            Efetivamente, podemos dizer que três correntes discutem o tema. A primeira delas, na qual se inserem as jurisprudências do STF e do STJ, indiscutivelmente majoritária, coíbe qualquer reforma no sentido de agravamento à Fazenda Pública em remessa necessária.

            Uma segunda corrente defende a possibilidade de reforma para piorar a situação do condenado, ao fundamento de que a remessa necessária não seria informada pelo princípio dispositivo, pois o procedimento se dá por força de norma imperativa absoluta, agasalhando-se, portanto, tal instituto, na seara do princípio inquisitório, e por isto também não se pode falar em simples efeito devolutivo, mas em efeito translativo, devolvendo-se toda a matéria ao órgão jurisdicional revisor e não apenas a parte que afeta o ente público. Para os defensores deste pensamento, dentre os quais Nelson Nery Júnior, o agravamento da Fazenda Pública não teria qualquer relação com a proibição da reformatio in pejus. Seria uma espécie de imperativo da norma em busca da perfeição dos provimentos jurisdicionais.

            Uma terceira corrente emerge da segunda, radicalizando-a. Defende o cabimento da própria reformatio in pejus, por não se tratar a remessa obrigatória de um recurso, propriamente, e sim, de um instrumento que busca alcançar o interesse público, cujo fim último é a máxima justeza dos provimentos jurisdicionais.

             Ora, dizer-se que a remessa necessária aproveita ao estrito interesse do ente estatal seria excluir o verdadeiro intento do legislador, que estaria assentado no interesse geral, o qual vai além do mero interesse da pessoa jurídica de Direito Público. O interesse público abrange tanto o interesse do ente estatal, porque este é patrimônio de todos, como também os interesses e objetivos do Estado Brasileiro, consubstanciado no ordenamento jurídico como um todo, em especial no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, que expressa como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

             Não traduziria absurdo algum admitir-se que a remessa necessária está muito acima do mero interesse da pessoa jurídica de Direito Público, porquanto materializa a tentativa de se entregar à sociedade uma prestação jurisdicional o mais próximo possível dos sentimentos de justiça, independendo, assim, de se agravar ou não a situação do ente público.

             Todavia, da forma em que foi concebida e se encontra positivada no nosso ordenamento jurídico, nos termos do art. 475 do CPC, especificamente para reavaliar uma condenação imposta contra a Fazenda Pública, que por sua vez representa o interesse geral, a conclusão há de ser pela incidência do princípio non reformatio in pejus.

             O contrário disso, ou seja, admitir-se que a revisão do julgado em sede de remessa necessária possa piorar a condenação imposta à Fazenda Pública, equivale admitir-se que a outra parte possa disso se beneficiar, aumentando seu quinhão na sentença sem ter para tanto promovido o competente recurso, o que efetivamente esbarraria no princípio da demanda ou da inércia da jurisdição.

            De fato, aparentemente há uma certa impertinência falar-se em proibição de reforma para pior em sede de remessa necessária, pois não se trata de uma espécie recursal, e o princípio da non reformatio in pejus é atinente aos recursos. Ora, mas não há norma superior estabelecendo essa exclusividade do princípio em destaque aos recursos e nem proibindo a sua extensão à remessa necessária.

            Tudo gira em torno dos interesses mais relevantes no âmbito do Estado, o interesse geral, que se traduz na defesa do patrimônio público, este materializado nas suas diversas dimensões, justificando-se perfeitamente a existência de um instituto próprio a dar uma maior expressão de certeza à sentença, quando esteja em jogo o patrimônio público, o interesse geral, a exemplo do que ocorre na ação popular, quando a sentença extingue o processo por carência de ação ou julga improcedente o pedido popular, vindo a remessa necessária não exatamente para resguardar o interesse do ente público, mas o interesse da coletividade, que na hipótese afigura-se mais relevante do que o interresse do próprio ente estatal.

            Enfim, seja qual for a situação, fica afastada a possibilidade de reforma da sentença para agravar a situação daquele a quem a remessa necessária deve aproveitar, seja a Fazenda Pública (nas hipóteses art. 475 do CPC), seja o interresse geral (nas hipóteses previstas nas demais normas). E isto, não por se tratar a remessa necessária de uma espécie recursal, mas por uma questão de razoabilidade, não se podendo admitir que aquele em função de quem foi criado um dado instituto seja em função deste prejudicado. Também, não há qualquer norma que estabeleça exclusividade do princípio non reformatio in pejus às espécies recursais, podendo este ser muito bem estendido à remessa necessária, eis que neste particular é similar aos recursos.

            Por último, não cabe falar-se em reforma para pior, em sede de remessa necessária, por força do disposto nos arts. 128 e 460 do CPC, princípio da adstrição ou da congruência entre a decisão e o pedido, não podendo o tribunal conceder providências que não foram postuladas, ou seja, não poderá melhorar a situação da parte contrária à Fazenda Pública se esta sequer recorreu.

            Não seria demais invocar também o princípio da inércia da jurisdição, perfeitamente aplicável na esfera recursal, vedando a atividade jurisdicional sem a correspondente provocação da parte (CPC, art. 2º), princípio este intimamente ligado ao já citado princípio da congruência, de modo que a parte não poderá ser agraciada com uma decisão ser formular, expressa e especificamente, pedido algum ao tribunal, sendo a este vedada a prolação de decisão infra, extra ou ultra petita, nos termos do art. 460 do CPC.


8 REFERÊNCIAS

            CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16ª. ed., vol. I, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

            DONIZETTI, Elpídio. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

            FUX, Luís. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

            GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 15 ed. Vol. 2, São Paulo: Saraiva, 2002.

            MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Interpretado. 5ª ed. Barueri-SP: Manole, 2006.

            MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

            MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 10 ed. vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

            NERY JR., Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

            THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1992.

            TOSTA, Jorge. Do reexame necessário no Direito Processual Civil. Dissertação de mestrado. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: 2001.


NOTAS

            01 MARTINS, Samir José Caetano. Em torno do duplo grau de jurisdição obrigatório. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1242, 25 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9215>. Acesso em 31 jul.2007.

            02 STF (RTJ 114/913 e 108/1266; RT 598/260, 584/272 e 478/229).


Sobre o autor


Clemilton da Silva Barros

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Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1770 (6.5.2008)
Elaborado em 09.2007.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
BARROS, Clemilton da Silva. Considerações sobre o reexame necessário no processo civil brasileiro . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1770, 6 maio 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11235>. Acesso em: 27 maio 2008.


Jus Navigandi - Doutrina - Considerações sobre o reexame necessário no processo civil brasileiro

 

 

quarta-feira, maio 21, 2008

Jus Navigandi - Doutrina - Execução provisória contra a Fazenda Pública

 


Execução provisória contra a Fazenda Pública

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11064


Edmara de Abreu Leão
Procuradora do Município de Manaus (AM)



RESUMO

          Trata-se no presente trabalho de natureza acadêmico-científica da execução provisória contra a Fazenda Pública, tendo como problema qual o posicionamento da doutrina e da jurisprudência quanto à execução provisória fundada em título executivo judicial contra entes públicos, após o advento da Emenda Constitucional n° 30/2000. O trabalho tem por objetivo explicar o que vem ser execução definitiva e provisória, execução fundada em título executivo judicial e extrajudicial, a natureza da execução após o cabimento de recurso sem efeito suspensivo e a posição doutrinária e jurisprudencial acerca do problema. Afirma-se que não cabe execução provisória fundada em título executivo judicial contra entes públicos, após o advento da Emenda Constitucional n° 30/2000. Divide-se o trabalho em 3(três) tópicos: Execução Provisória, Execução Provisória contra a Fazenda Pública e Definitividade da Execução contra a Fazenda Pública mesmo com a oposição de Embargos. O trabalho é realizado através de pesquisa explicativa, quanto aos fins e bibliográfica quanto aos meios. Afinal, conclui-se pela impossibilidade de execução provisória fundada em título executivo judicial contra a Fazenda Pública, com o advento da Emenda Constitucional n° 30/2000 e pela definitividade da execução, ante a oposição de embargos.

          PALAVRAS-CHAVE: execução provisória; Fazenda Pública, definitividade da execução.


INTRODUÇÃO

          O presente estudo será destinado à análise da execução provisória contra a Fazenda Pública, sobretudo em face da nova Lei nº 11.232/2006 que introduziu o artigo 475-O no Código de Processo Civil.

          Em linhas gerais, contextualizar-se-á execução provisória contra a Fazenda Pública, explicando que a execução é atividade jurisdicional do Estado, de índole essencialmente coercitiva, desenvolvida por órgão competente, de oficio ou mediante iniciativa do interessado, com o objetivo de compelir o devedor ao cumprimento da obrigação contida na sentença condenatória transitada em julgado ou em título extrajudicial, previsto em lei.

          O problema em destaque no presente estudo é: "Como vem se posicionando a doutrina e a jurisprudência quanto à execução provisória contra a Fazenda Pública, seja ela fundada em título judicial ou extrajudicial?".

          A partir deste ponto, será explicada a incompatibilidade do instituto da execução provisória quando o devedor for ente público, pois este trabalha para a sociedade e almeja alcançar os interesses públicos, prevalecendo o princípio orçamentário e o da isonomia face aos detentores de créditos de natureza definitiva.

          O estudo será realizado procurando explicar a execução provisória e a sua diferença ante a execução definitiva, bem como a natureza definitiva que adere a execução, mesmo sendo esta objeto de embargos.

          Na pesquisa, quanto aos fins, será utilizado o método explicativo, verificando, conforme o entendimento doutrinário e jurisprudencial arrolado, a análise da execução provisória contra a Fazenda Pública.

          Da mesma forma, a pesquisa, quanto aos meios, será bibliográfica, eis que se recorrerá ao uso de materiais acessíveis ao público em geral, como livros, artigos e revistas publicados, acórdãos e decisões judiciais, visando à fundamentação teórico-metodológica do trabalho.

          A vista do explicado e procurando o desenvolvimento do problema proposto, o presente trabalho foi dividido em 3 (três) tópicos.

          Assim, no tópico primeiro, será acentuada a diferença entre a execução definitiva e a execução provisória, procurando explicar o que vem a ser esta última, bem como as suas características específicas e procedimentos adotados. Também será ressaltada a inovação trazida pela Lei nº 11.232/2006.

          No segundo tópico, abordar-se-á sobre o posicionamento da doutrina e da jurisprudência quanto à execução provisória contra a Fazenda Pública à luz da modificação introduzida pela Emenda Constitucional nº 30/200, explicando a fundamentação teórica e jurisprudencial sobre o assunto, sem se esquecer de correlacionar as opiniões em sentido contrário.

          No terceiro e último tópico, será defendida e explicada a tese de que a execução, seja fundada em titulo judicial, seja fundada em extrajudicial, não perde o seu caráter definitivo mesmo com a oposição de embargos à execução, mesmo havendo entendimento doutrinário em sentido oposto.

          Por fim, concluir-se-á o presente estudo ratificando as questões trazidas e a posição defendida de impossibilidade de execução provisória contra entes públicos.


1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

          1.1 EXECUÇÃO PROVISÓRIA

          Atua o Estado, na execução, como substituto, promovendo uma atividade que competia ao devedor exercer, qual seja, a satisfação da prestação a que tem direito o credor. Somente quando o obrigado não cumpre voluntariamente a obrigação é que ocorre a intervenção do órgão judicial executivo. Daí a denominação de "execução forçada", adotada pelo Código de Processo Civil, no artigo 566, qual se contrapõe à idéia de "execução voluntária" ou "cumprimento" da prestação, que vem a ser o adimplemento.

          Enquanto no processo de conhecimento o juiz examina a lide para "descobrir e formular a regra jurídica concreta que deve regular o caso", no processo de execução providencia "as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo daquela regra, para modificar os fatos da realidade, de modo a que se realize a coincidência entre as regras e os fatos" (Teodoro Júnior, 2004, p. 285).

          No processo executivo, o Estado busca sempre a realização da sanção, seja entregando ao credor o bem devido, seja reparando-lhe o prejuízo decorrente da impossibilidade de realizar a prestação in natura.

          Nesse sentido, a execução forçada rege-se pelas seguintes disposições informativas, de acordo com o que a doutrina costuma apontar:

          a) Toda execução é real;

          b) Toda execução tende apenas à satisfação do direito do credor;

          c) Toda execução deve ser útil ao credor;

          d) Toda execução deve ser econômica;

          e) A execução deve ser específica;

          f) A execução deve ocorrer a expensas do devedor;

          g) A execução deve respeitar a dignidade humana do devedor; e

          h) O credor tem a livre disponibilidade da execução.

          A execução pode ser classificada em execução definitiva e execução provisória. A execução definitiva é aquela fundada em título executivo extrajudicial ou em título executivo judicial que já transitou em julgado; provisória é a execução fundada em decisão judicial impugnada mediante recurso sem efeito suspensivo. É a definição que se abstrai do artigo 475-O, introduzido ao Código de Processo Civil pela Lei n˚ 11.232/2006.

          Na execução provisória, a decisão judicial está pendente de recurso que, entretanto, não tem feito suspensivo (Ex: apelação nas hipóteses do artigo 520; recurso especial; recurso extraordinário; agravo contra denegação de recurso especial ou extraordinário e etc.). Então, uma vez que os efeitos da decisão não estão suspensos, pode ser dado início ao processo executivo. Mas, nessa hipótese, a execução se funda em título que é provisório, pois ainda pode ser alterado ou mesmo deixar de existir; se o recurso for provido, desaparecerá o título (e, conseqüentemente, a execução não poderá prosseguir e terá de ser desfeita).

          A execução provisória apresenta peculiaridades em relação à definitiva. Nela, o credor terá que ressarcir os danos que o devedor sofreu, caso posteriormente o título executivo provisório seja reformado ou cassado. O credor, portanto, assume o risco de executar título que ainda não é definitivo. Os prejuízos do executado serão liquidados no mesmo processo por arbitramento (artigo 475-O, incisos I e II).

          Assim, no caso de eventual recurso vir a ser provido, desfaz-se o título executivo e a execução provisória fica sem efeito. As coisas retornam ao estado em que se encontravam antes do início da execução provisória. Se houver apenas a reforma ou cassação parcial da decisão que servia de título executivo, apenas nessa parte ficará sem efeito a execução (artigo 475-O, parágrafo 1°). Se o devedor vier a sofrer danos por causa da execução, o credor terá que repará-los. A responsabilidade do credor é objetiva, ou seja, arcará com a indenização mesmo sem ter agido com culpa ou má-fé quando pleiteou a execução provisória.

          Ainda, na execução provisória, poderão ocorrer atos que impliquem a expropriação de bens do devedor desde que o credor preste caução idônea, nos próprios autos da execução (artigo 475-O, inciso III). O credor também terá o ônus de prestar caução idônea quando pretender proceder ao levantamento de dinheiro. Nesse caso, a penhora recai diretamente sobre dinheiro, não tendo havido anterior caução, de modo que, para levantar o dinheiro no momento oportuno, o credor terá de prestar a caução. Ademais, o código prevê a prestação de caução em qualquer outra hipótese em que, no curso da execução provisória, surja o risco de grave dano ao executado (artigo 475-O, inciso III). Em todos esses casos, ficará dispensado da caução o exeqüente de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, no valor de ato 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, que se encontrar em estado de necessidade (artigo 457-O, parágrafo 2°, inciso I).

          De acordo com Wambier (2006, p.141), "a Lei n˚ 11.232/2006 instituiu uma nova hipótese de dispensa de caução: quando o título executivo judicial "provisório" for objeto apenas de agravo de instrumento perante o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal, excetuados os casos em que a dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação (artigo 457-O, parágrafo 2°, inciso I)".

          Quando a execução do título é definitiva, ela se faz, em regra, nos próprios autos em que se proferiu a condenação a ser executada. Todavia, na hipótese de execução provisória, os autos geralmente estarão no tribunal, em virtude do recurso.

          Com a Lei n° 11.232/2006, foi atribuído ao próprio requerente da execução provisória o ônus de fazer o seu requerimento acompanhar-se de cópia das peças relevantes para tanto, não mais sendo necessário que a execução se faça em autos suplementares ou em carta de sentença.

          A execução provisória, embora assim denominada, não se destina a ser substituída por outra, definitiva. Trata-se mais propriamente de execução imediata, de adiantamento da execução ou de antecipação da eficácia executiva. Provisório é o título; não a execução nele fundada. Há, pois, títulos executivos provisórios, afastando a idéia de que todo título executivo haveria de se fundar em cognição definitiva.

          1.2. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

          Conforme o explicado no tópico anterior, o Código de Processo Civil, no artigo 475-O, inserido pela Lei nº 11.232/2006, prevê a possibilidade da execução provisória, prescrevendo algumas regras para sua efetivação.

          "Artigo 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

          I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

          II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

          III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

          § 1o No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução.

          § 2o A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:

          I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade;

          II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (artigo 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

          § 3o Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do artigo 544, § 1o:

          I – sentença ou acórdão exeqüendo;

          II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo;

          III – procurações outorgadas pelas partes;

          IV – decisão de habilitação, se for o caso;

          V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias".

          A execução provisória é uma exceção à regra e tem por finalidade a penhora de bens, de modo a garantir o cumprimento da obrigação estabelecida na sentença pendente de recurso ou, segundo as palavras do Theodoro Júnior (2004, p.285):

          "A lei, no entanto, abre certas exceções, porque leva em conta a distinção que se pode fazer entre eficácia e imutabilidade da sentença. Assim, em circunstâncias especiais, confere eficácia a determinadas decisões, mesmo antes de se tornarem imutáveis. É o que se passa quando o recurso interposto é recebido apenas no efeito devolutivo, já que, em certas ocasiões, seria mais prejudicial o retardamento da execução do que o risco de se alterar o conteúdo da sentença com o reflexo sobre a situação de fato decorrente dos atos executivos".

          Em regra, o título executivo nessa modalidade de execução é o judicial, ou seja, sentença condenatória transitada em julgado. Aliás, o artigo 100 da Constituição Federal expressamente menciona "os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária". Isso se verifica, pois na execução contra a Fazenda, não há risco de não ser alcançada a tutela jurisdicional após o trânsito em julgado, vez que o ente público é essencialmente solvente e o pagamento de suas dívidas judiciais se dá por meio de precatório, não podendo haver penhora de seus bens.

          Constata-se que a execução provisória não tem qualquer finalidade contra a Fazenda Pública, sendo-lhe inclusive prejudicial, eis que a inclusão do precatório (derivado de decisão judicial pendente de recurso, sem efeito suspensivo) na ordem cronológica, e posteriormente em orçamento, impedirá que o valor requisitado seja utilizado para as finalidades intrínsecas do Estado, tais como educação, segurança, saúde e etc.

          A definitividade não só da sentença de conhecimento, mas especialmente do valor requisitado decorre de princípio orçamentário segundo o qual o poder público não deve ser instado ao desembolso de quantias ou créditos provisórios, que poderiam ser destinados a outras finalidades. Além disso, permitir que seja expedido um precatório em sede de execução provisória é, indiretamente, um meio de burlar a ordem de preferência, "guardando lugar na fila" para favorecer aqueles que têm expectativa de direito, em detrimento dos que já obtiveram um título definitivo.

          Assim, a expedição de precatório em execução provisória provoca o paradoxo de que depósitos venham a ser efetuados nesses autos antes do pagamento de débitos fixados por sentença que transitou em julgado, portanto, imutável, não havendo qualquer dispositivo legal que admite a execução provisória contra a Fazenda Pública. Como exceção à regra que é não pode ser aplicada extensivamente.

          Cabe lembrar também que a exigência do trânsito em julgado, para fins de execução de sentença judicial que condenar pessoa jurídica de direito público ao pagamento de obrigação pecuniária, só ingressou no nosso ordenamento jurídico através da Emenda Constitucional nº 30, de 13.09.2000, uma vez que no texto original da Constituição promulgada em 1988 tal exigência não existia e a modificação nela introduzida pela EC nº 20/98 só se referia ao termo "sentença judicial transitada em julgado" para os pagamentos desse tipo de obrigação definidas em lei como de pequeno valor.

          Com o advento da Emenda Constitucional nº 30, e a conseqüente redação do parágrafo 1o do artigo 100 da CF/88 trazida pela mesma, passou a ser exigido o trânsito em julgado da lide, não mais sendo admissível a execução (provisória) de sentença que condenasse entidades de direito público à prestação de natureza pecuniária, quando tal decisão ainda não estivesse transitado em julgado.

          Destarte, já não é o bastante a simples confirmação, pelo tribunal ad quem, da sentença proferida pelo juízo de primeiro grau para ter início tal espécie de execução. Agora, para a execução das obrigações da natureza pecuniária oriundas de sentenças condenatórias contra entes de direito público, é indispensável que tenham sido julgados, pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, os eventuais recursos especial e extraordinário eventualmente interpostos contra acórdãos proferidos por tribunais de segundo grau. Em suma, é indispensável o trânsito em julgado para se iniciar a execução fundada em título executivo judicial contra a Fazenda Pública.

          Hoje a questão está pacificada na jurisprudência, ante o artigo 100, parágrafo 1º, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional n. 30/2000, que exige o trânsito em julgado da sentença que declara valores contra a Fazenda Pública.

          Nesse sentido, o julgamento do Recurso Especial nº 464332, em que a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou possibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública, a decisão foi da relatora, ministra Eliana Calmon. Na primeira instância, o juiz entendeu ser possível a execução provisória. Ao julgar recurso do Estado, o Tribunal de São Paulo manteve a decisão de primeiro grau. Tendo sido rejeitado recurso de embargos de declaração, o Estado de São Paulo recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, onde sustentou, entre outros pontos, violação de artigos do Código de Processo Civil. O acórdão registrou que apenas se faz definitiva a execução após o trânsito em julgado, porque só é possível a inclusão no orçamento de débitos oriundos de sentença transitada em julgado. "Assim, antes do trânsito em julgado da sentença, não se pode falar em requisitório", esclareceu a ministra. Concluiu que "é bem verdade que a questão é constitucional, mas também é verdade que a Constituição tem aplicação imediata, de tal sorte que há de prevalecer o entendimento dado pelos paradigmas na interpretação aos artigos 730 e 731 do CPC, ou seja, não há execução provisória contra a Fazenda Pública".

          Conjugam também desse entendimento os seguintes arestos:

          "Ao tempo do cálculo ainda não havia trânsito em julgado da sentença, sem razão da interposição de recurso de agravo contra o indeferimento do processamento do recurso especial. A expedição de precatório pressupõe a existência de sentença condenatória passada em julgado, descabendo execução provisória contra a Fazenda Pública" (TJESP, 9ª Câmara, Apelação Cível n. 248.602-2/4, j. 22.9.94, rel. Celso Bonilha).

          "Vistos. Maria Lúcia Marcondes Mauri, pela petição de fls. 707, requer a expedição de carta de sentença, obviamente com o objetivo de proceder à liquidação do julgado, a fim de ser expedido o precatório. Ocorre, porém, que o precatório somente pode ser expedido após o trânsito em julgado da r. decisão, por força do que dispõe o artigo 100 da Constituição Federal. Aliás, se o precatório é expedido para que o valor nele consignado seja pago no ano seguinte, observada a ordem cronológica, possível não é, no caso, pendente recurso, esta inclusão até porque não será possível prever a época do julgamento. Assim, correto o v. acórdão trazido à colação pela Fazenda do Estado, razão por que indefiro a execução da carta de sentença" (TJESP, Recurso Especial n. 225.061.2/9-01, j. 20.4.95, 4º Vice Presidente do TJ – Sérgio Augusto Nigro Conceição).

          "Em primeiro lugar, o recurso especial manifestado pela Fazenda do Estado de São Paulo foi admitido (fls. 224). Ao depois, é evidente que a execução provisória, no caso, mediante a expedição do precatório implica, desde logo, a indisponibilidade de recursos orçamentários, que poderiam ser direcionados pelo Estado, a empreendimentos de interesse público. Acaso fosse provido o especial, o erário seria onerado pela União no orçamento do Estado da quantia que não lhe era exigível, impedindo-o de dispendê-la em outras atividades essenciais. Defiro, pois, a liminar, para atribuir ao especial já admitido, efeito suspensivo, na forma do pedido" (Superior Tribunal de Justiça, Medida Cautelar n. 491/SP (96.0025936-4) j. 20.5.96, Min. Demócrito Reinaldo).

          "1 - A execução contra as Fazendas Públicas é sempre definitiva. 2 - Não há execução provisória contra as Fazendas Públicas. 3 - As execuções contra as Fazendas Públicas têm rito próprio previsto nos artigos 730 e 731 do CPC, que guardam conformidade com a norma constitucional do artigo 117 da CF/69 e artigo 100 da CF/88. 4 - A norma constitucional exige para a execução contra a Fazenda Pública sentença judicial transitada em julgado. 5 - Agravo provido" (TRF-1ª Região, 4ª T., AI n. 89.01.23596-0/MG, rel. Juiz Gomes da Silva, Boletim AASP n. 2.035, de 29.12 a 4.1.98).

          Cumpre salientar, todavia, que há entendimento doutrinário e jurisprudencial em sentido diverso, autorizando a propositura de execução provisória contra a Fazenda Pública, em face da interposição de recurso desprovido de efeito suspensivo, mencionando-se a obra de Cássio Escarpinella Bueno nesse sentido, "Execução Provisória contra a Fazenda Pública (Revista de Processo 81:240-245. São Paulo: RT, 1996) e a orientação do Superior Tribunal de Justiça, proferida no Resp 56.239-2/PR, relator-ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 24/4/1995, p. 10.38897. Assim, defendem: "O artigo 730 do Código de Processo Civil não impede a execução provisória de sentença contra a Fazenda Pública".

          Nesse sentido, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, analisando o caso ajuizado por Ubirajara Keutenedjian e outros, em razão de desapossamento administrativo decorrente da criação do Parque Estadual da Serra do Mar, entendeu ser viável a execução provisória contra a Fazenda Pública, mesmo sem trânsito em julgado, nas ações ajuizadas antes de Emenda nº 30/2000. O relator, ministro Teori Albino Zavascki, afirmou que "no caso examinado, a execução provisória teve início antes da Emenda Constitucional n. 30⁄2000, quando não havia, na Constituição, a exigência do trânsito em julgado como condição para a expedição de precatório". Para o ministro, "a Emenda 30 é um significativo divisor de águas", já que inseriu, após o termo "débitos", o acréscimo: "oriundos de sentenças transitadas em julgado". Revelou que "a jurisprudência do STF, anterior à citada Emenda, admitia a execução provisória" - entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, tanto na 1ª quanto na 2ª Turma.

          Conclui-se, por todos os ângulos que se analise a questão, a par da antiga doutrina e jurisprudência em contrário, ser inviável a execução provisória fundada em título executivo judicial quando o devedor for a Fazenda Pública, em razão ao advento da Emenda Constitucional n° 30/2000, que deu nova redação ao artigo 100 da CF/88.

          1.3. DEFINITIVIDADE DA EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA MESMO COM A OPOSIÇÃO DE EMBARGOS

          De início, relembre-se que, em caso de sentença condenando entes de direito público à obrigação de pagar, somente é possível dar início à sua execução após o trânsito em julgado da decisão; de sorte que não mais subsiste a modalidade provisória de execução.

          Pois bem, partindo desse pressuposto, chega-se à inevitável conclusão de que a Fazenda Pública, em casos de obrigação de pagar, somente embargará execuções de natureza definitiva, já que não mais existe a modalidade provisória para tais casos.

          A determinação contida no parágrafo 1o do artigo 100 da CF/88, bem como no artigo 475-O do Código de Processo Civil, exige, na verdade, é o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida em anterior processo cognitivo, posto ser ela a sentença a ser executada. Exigir-se o trânsito em julgado da sentença que rejeita os embargos, seria verdadeiramente tolher a eficácia do artigo 520, inciso V do Código de Processo Civil, uma vez que ele determina que a apelação interposta de sentença que rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes será recebida somente no efeito devolutivo, do que decorre que tal decisão estará apta a produzir todos os efeitos que lhes são inerentes independentemente de ulterior confirmação pelo órgão ad quem.

          Assim, não existe lógica em se fazer interpretação no sentido de que a Emenda Constitucional nº 30/2000 obstaculizou a execução definitiva já iniciada, pois causa alguma transmuda a natureza definitiva da execução fundada em decisão transitada em julgado; nem mesmo a superveniência de interposição de embargos do devedor, muito menos eventual interposição de recurso apelatório contra sentença de indeferimento liminar, extintiva ou definitiva de improcedência dos embargos no primeiro grau de jurisdição.

          O que a interposição dos embargos provoca é simplesmente a suspensão do curso da execução, suspensão esta que, em face do artigo 520, inciso V do Código de Processo Civil só perdura até a prolação da sentença de indeferimento liminar, extintiva ou de improcedência dos embargos.

          Outra questão que merece ser analisada é a possibilidade de execução contra a Fazenda Pública fundada em título extrajudicial, havendo inúmeros julgados admitindo tal execução, sob o fundamento de que os títulos executivos extrajudiciais se equiparam à sentença condenatória transitada em julgado, não sendo óbice a obrigatoriedade do reexame necessário. Argumenta-se que não parece justo obrigar o credor, que já tem título executivo extrajudicial, a ajuizar ação de conhecimento, para obter aquilo que já tem: título executivo. Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 279, admitindo execução fundada em título extrajudicial contra a Fazenda. Pública.

          Nesse caso, qual seria a natureza da execução fundada em título extrajudicial, uma vez interposto recurso, sem efeito suspensivo, da decisão que rejeita liminarmente ou julga improcedentes embargos do devedor (artigo 520, inciso V do Código de Processo Civil)?

          Lanes (2004, p.78) afirma que execução que nasce definitiva permanece definitiva. Não se transmuda em provisória.

          Esse entendimento também é compartilhado por sólida doutrina, sintetizada em Comentários ao Código de Processo Civil, precisamente ao seu artigo 587:

          "Execução definitiva. Quando iniciada a execução, por título judicial transitado em julgado ou por título extrajudicial, é sempre definitiva. Iniciada definitiva, não se transmuda em provisória, nem pela oposição de embargos do devedor, nem pela interposição de recurso contra sentença que julgar improcedentes os embargos ou rejeitá-los liminarmente (CPC 520, V). É que a sentença transitada em julgado e o título extrajudicial têm plena eficácia executiva e gozam de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade. Com a rejeição liminar ou a improcedência dos embargos, essa presunção resta reforçada e confirmada, de sorte que a execução deve prosseguir sem a suspensividade operada pela oposição dos embargos e/ou pela interposição de recurso recebido apenas no efeito devolutivo. Provido o recurso, resolve-se em perdas e danos em favor do devedor" (NERY JÚNIOR e NERY, 2003, p. 982.)

          Como quer que seja, a 3a Turma do Superior Tribunal de Justiça (Resp. 38.687-0/GO, Relator Min. Waldemar Zveiter, DJU 28.03.94) assentou que, julgados improcedentes os embargos, a execução prosseguirá em caráter definitivo, se e quando fundada em título extrajudicial, equiparada esta, inclusive, àquela com suporte em sentença trânsito em julgado.

          Ademais, a mesma turma já sedimentou o entendimento de que, julgados improcedentes os embargos, deve a execução proceder na modalidade definitiva ainda que contra ela pese recurso de apelação recebido apenas no efeito devolutivo, regra que, por inexistir expressa exceção a respeito, também é aplicável à Fazenda Pública, como se nota a seguir:

          "PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO FUNDADA EM TITULO EXTRAJUDICIAL - EMBARGOS A EXECUÇÃO. 1. Assentado na doutrina e na jurisprudência o entendimento no sentido de que, julgados improcedentes os embargos, a execução prosseguirá em caráter definitivo, se ou quando fundada em título extrajudicial, equiparada esta, inclusive, àquela com suporte em sentença transitada em julgado. 2. Recurso conhecido e provido"(SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REsp 38687/GO, Rel. Min WALDEMAR ZVEITER, 3a Turma, DJU 28.03.1994, p. 6317).

          Em sentido contrário, Marques (2000, p. 64) entende que "a execução baseada em titulo extrajudicial que iniciou definitiva, torna-se provisória, o que ocorre, no entanto, não em razão do título executivo, mas em razão dos embargos que foram opostos".

          Mas é provisória a execução dos ônus da sucumbência decorrente de rejeição liminar ou improcedência dos embargos à execução, porque fundada, não em título extrajudicial, mas em decisão judicial que não transitou em julgado.

          Destarte, conclui-se que, havendo o trânsito em julgado de uma sentença condenatória de obrigação de pagar proferida contra a Fazenda Pública ou havendo título extrajudicial contra esta, inicia-se sua execução definitiva, não se transformando por qualquer motivo em execução provisória.


CONCLUSÃO

          Percebeu-se a diferença de procedimentos entre a execução definitiva e a execução provisória, possuindo cada uma delas características específicas, como a necessidade de caução na execução provisória, salvo se crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, no valor de ato 60 (sessenta) vezes o salário mínimo, quando credor se encontrar em estado de necessidade.

          Verificou-se também, as inovações trazidas pela Lei n° 11.232/2006, ao incluir o artigo 475-O no Código de Processo Civil, não sendo mais necessário que a execução provisória se faça em autos suplementares ou em carta de sentença.

          Conclui-se ainda, pela impossibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública, devendo a execução ser sempre definitiva, seja ela fundada em título executivo judicial ou extrajudicial, eis que a definitividade não só da sentença de conhecimento, mas especialmente do valor requisitado faz-se necessária para que o poder público exerça o seu papel de garantidor do interesse público, haja vista que o desembolso de quantias ou créditos provisórios poderia ser destinado a outras finalidades sociais, além de provocar a burlar da ordem de preferência, "guardando lugar na fila" para favorecer aqueles que têm expectativa de direito, em detrimento dos que já obtiveram um título definitivo.

          Observou-se também que, com o advento da EC n° 30/2000, passou a ser exigido o trânsito em julgado da sentença que condena a Fazenda Pública à obrigação de pagar; não mais sendo admissível a execução (provisória) de sentença que condene entidades de direito público à prestação de natureza pecuniária.

          O que se exigiu foi o trânsito em julgado da sentença condenatória proferida em anterior processo cognitivo, posto ser ela a sentença a ser executada. Exigir-se o trânsito em julgado da sentença que rejeita os embargos, seria verdadeiramente tolher a eficácia do artigo 520, inciso V do Código de Processo Civil, eis que ele determina que a apelação interposta de sentença que rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes será recebida somente no efeito devolutivo, estando apta a produzir todos os efeitos que lhes são inerentes independentemente de ulterior confirmação pelo órgão ad quem.

          Também, constatou-se que a sentença que rejeita os embargos à execução de título judicial, oposto pela Fazenda Pública, não está sujeita ao reexame necessário, entendimento este compatível com a regra do Código de Processo Civil (artigo 520, inciso V), que impõe o recebimento da apelação apenas no efeito devolutivo. Assim, a execução definitiva, uma vez iniciada e, posteriormente, suspensa pela interposição de embargos, voltará a ter seu curso natural após o advento de sentença que julgar improcedente tais embargos, pois esta não está sujeita ao duplo grau obrigatório e a eventual apelação contra a mesma interposta somente pode ser recebida no efeito devolutivo. Da mesma forma, percebeu-se quanto à execução contra a Fazenda Pública fundada em título executivo extrajudicial.

          Assim, conclui-se que uma vez interpostos embargos à execução contra a Fazenda Pública, seja fundada em título judicial ou em extrajudicial (equiparada esta, inclusive, àquela com suporte em sentença transitada em julgado), a execução prosseguirá em caráter definitivo, pois a execução que nasce definitiva não se transforma em provisória, mesmo com a suspensão provocada pela oposição dos embargos.


REFERÊNCIAS

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          MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Claudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa em Direito. Florianópolis: Saraiva, 2003. 310 p.

          NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante. 7ª ed. rev. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. 982 p.

          RICHARDSON, Roberto Jarry. Pesquisa Social: Métodos e Técnicas. São Paulo: Atlas, 1999. 333 p.

          TEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 36ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. 2. 285 p.

          VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. São Paulo: Atlas, 2000.

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          ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1997. 96 p.


Sobre a autora


Edmara de Abreu Leão

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Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1721 (18.3.2008)
Elaborado em 02.2007.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
LEÃO, Edmara de Abreu. Execução provisória contra a Fazenda Pública . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1721, 18 mar. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11064>. Acesso em: 18 mar. 2008.


Jus Navigandi - Doutrina - Execução provisória contra a Fazenda Pública

 

 

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