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sábado, novembro 03, 2007

Vítimas de violência doméstica podem retirar representação para preservar harmonia familiar

Fonte:  Âmbito Jurídico

  O seu Portal Jurídico da Internet



27/08/2007 13h58

Vítimas de violência doméstica podem retirar representação para preservar harmonia familiar

 

Possibilidade de retratação é prevista na própria Lei Maria da Penha, mas Juiz e Ministério Público devem estar atentos para descobrir se a atitude da vítima é ou não espontânea.


Decisões recentes das duas turmas criminais do TJDFT reconhecem a faculdade que a mulher vítima de violência doméstica tem de se retratar, em juízo, da representação feita contra o companheiro agressor. Segundo os Desembargadores, a possibilidade está prevista no artigo 16 da própria Lei Maria da Penha, mas deve receber atenção especial do Ministério Público e do Juiz. Ambos têm o poder de analisar se a atitude da vítima é ou não espontânea.


O objetivo da retratação, que deve ocorrer em audiência marcada especialmente para esse fim, é permitir a restauração dos laços familiares. Segundo entendimento dos Desembargdores, o papel do Juiz na audiência não é simplesmente homologar o pedido da vítima. “O objetivo da lei, dever do Ministério Público e do Juiz, é perquirir, efetivamente, por todos os meios, a motivação do pedido da vítima”, esclarecem.


Embora faculte à vítima a possibilidade de voltar atrás na sua representação, a lei impõe um momento processual para isso: a retratação deve acontecer antes do recebimento da denúncia. O objetivo desse limite é fiscalizar a vontade das vítimas de violência doméstica, evitando que a retratação aconteça por ingerência e força do agressor.


Mas a faculdade não está aberta para qualquer tipo de violência. Apenas em casos de lesões corporais leves a vítima poderá se retratar da representação feita. Lesões corporais de natureza grave e tentativas de homicídio não estão abrangidas nessa possibilidade. Para essas situações, a ação criminal é incondicionada, o que significa dizer que, independentemente da vontade da vítima em continuar ou não com o processo, o agressor responderá pelo crime na Justiça. Tudo em nome do interesse público.


A natureza da violência é um ponto fundamental para compreender as novas decisões de 2ª instância. Existem crimes em que a violência é evidente e que mesmo assim a vontade da vítima é respeitada. É o caso, por exemplo, dos delitos contra a liberdade sexual, como o estupro e o atentado violento ao pudor.

Ambos dependem de representação da vítima, se esta não tiver condições financeiras para arcar com despesas processuais, caso em que a ação penal será proposta pelo Ministério Público, podendo haver a retratação até o oferecimento da denúncia. Se a mulher, vitimada, tem recursos financeiros, poderá ou não contratar advogado e ingressar com queixa-crime. Por razões de foro íntimo, muitas vítimas preferem não representar ou não ingressar com queixa-crime contra seu algoz.


Importante considerar ainda que, conforme entendimento dos Desembargadores, o magistrado deve recusar a retratação caso exista alguma dúvida quanto à vontade real da mulher agredida quando resolve se retratar. Reiteração da violência doméstica e familiar, maus antecedentes criminais do agressor, seriedade e gravidade das circunstâncias envolvidas no momento da violência são indicadores desfavoráveis à retratação.


Casos concretos


Todas as decisões dependerão da análise de cada caso concretamente. Num dos casos apreciados pela 1ª Turma Criminal, cujo acórdão foi publicado na 1ª semana de agosto, a retratação da vítima foi recusada por unanimidade. Um relatório técnico juntado aos autos informa que as ações de violência contra os filhos e a companheira ocorrem desde 2004.


Segundo o parecer, os filhos do casal estão atualmente vivendo em abrigos para menores em situação de risco, diante da gravidade do quadro familiar. “Nesse contexto, há de se recusar a pretendida retratação, possível em tese, mas seguramente não espontânea no caso concreto e não servindo ao restabelecimento de uma saudável convivência familiar”, destacaram os magistrados.


A 2ª Turma Criminal também analisou situação semelhante em que a vítima, em audiência e na presença do representante do MP e do Juiz, não demonstrou interesse no prosseguimento do feito. No entendimento dos Desembargadores, a vontade da mulher deve ser respeitada, já que nem o Procurador de Justiça apontou vício na manifestação da vontade da vítima. Este julgamento deve ser publicado em breve.


Os dois casos são apenas parâmetros para se ter uma idéia de como a Justiça do Distrito Federal vem tratando o assunto. O objetivo maior a ser alcançado com as decisões é a pacificação social e a estabilidade nas relações familiares, como forma de preservação da dignidade da pessoa humana.

 

Nº do processo:20060910172536 / 20070910008787 / 20060910165978

Fonte: TJDFT

 


Origem

segunda-feira, outubro 16, 2006

Uso de algemas e constrangimento ilegal

Fonte:




Revista Juristas


ano III - número 95


ISSN: 1808-8074




10.10.2006
Uso de algemas e constrangimento ilegal

Luiz Flávio Gomes




Algemas: quando podem ser usadas? Quando configuram constrangimento ilegal? Há algum tempo escrevi um artigo sobre esse assunto, que será reproduzido (na sua parte essencial) em seguida. Mas agora a ele vou incorporar tanto alguns comentários que recebi naquela ocasião (Roberto F.C. de Almeida, Waltenberg Júnior, Rafael L. Guimarães etc.) como uma recente decisão do STF.

O uso de algemas no nosso país ainda continua sendo um assunto tormentoso por falta de uma mais ampla e adequada disciplina jurídica. O artigo 199 da Lei de Execução Penal sinalizou com seu regramento (artigo 199: "O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"), mas até hoje não temos esse decreto federal.

No Estado de São Paulo existem normas específicas, segundo Carlos Alberto Marqui de Queiroz (site ibccrim.com.br, 27.02.02), que afirma: "...o uso de algemas vem sendo normatizado, há muito tempo, com excelentes resultados práticos, desde a edição do Decreto Estadual n.º 19.903, de 30 de outubro de 1950, bem como através dos mandamentos contidos na Resolução do então Secretário de Segurança Pública, Res. SSP-41, publicada no Diário Oficial do Estado de 2 de maio de 1983". De qualquer modo, sabe-se que o regulamento paulista não tem validade nacional.

Em um país filiado ao sistema da civil law (todo direito deve ser exteriorizado de forma escrita) não há dúvida que constitui fonte de enorme insegurança a falta de um regramento nacional específico sobre cada matéria.

Indispensabilidade, necessidade e justificação

Examinando-se, entretanto, atentamente, todo o direito vigente, vemos que já contamos com um produto legislativo mais do que suficiente para se concluir que podemos fazer "bom" (e moderado) uso das algemas.

Desde logo cabe recordar que o uso de força física está excepcionalmente autorizado em alguns dispositivos legais: (a) CPP, artigo 284 ("Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso"); (b) CPP, artigo 292: ("Se houver...resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência...").

Já pelo que se depreende do texto vigente do CPP nota-se que a força é possível quando indispensável no caso de resistência ou tentativa de fuga. Os meios devem ser os necessários para a defesa ou para vencer a resistência.

Indispensabilidade da medida, necessidade do meio e justificação teleológica ("para" a defesa, "para" vencer a resistência) são os três requisitos essenciais que devem estar presentes concomitantemente para justificar o uso da força física e também, quando o caso (e com muito mais razão), de algemas.

As três exigências que acabam de ser mencionadas acham-se presentes na Lei 9.537/97, que cuida da segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Seu artigo 10 diz o seguinte: "O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: I - impor sanções disciplinares previstas na legislação pertinente; II - ordenar o desembarque de qualquer pessoa; III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga”.

Nosso projeto de Reforma do CPP (que está na Câmara dos Deputados desde 2002) em seu artigo 474 diz: "Não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes".

O Código de Processo Penal Militar, por seu turno, em seu artigo 234 também regulamenta o uso da força, deixando patente que só pode ser empregada em casos extremos, in verbis: Artigo. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga... (omissis).

Quanto ao emprego específico das algemas, o parágrafo 1º do mesmo artigo é categórico: Parágrafo 1º. O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o artigo 242.[1]

Na parte final do parágrafo 1º do artigo 234 o legislador escreveu mais do que devia (“de modo algum será possível o uso de algemas em presos do artigo 242...”). Se ele quiser fugir ou agredir alguém, parece não haver dúvida que também ele deve se submeter ao uso de algemas (tal como ressalvou o STF, em sua recente decisão, abaixo transcrita).

Observe-se, de qualquer modo, que o dispositivo do Código de Processo Penal Militar citado abrange civis. Dele se extrai, ademais, que o emprego das algemas constitui medida profundamente vexatória, tanto que a lei restringe ao máximo o seu emprego. Algemar por algemar é medida odiosa, pura demonstração de arrogância ou ato de exibicionismo que, quando o caso, deve dar ensejo ao delito de abuso de autoridade.

Se um cidadão tiver que ser conduzido a uma delegacia de polícia ou ao fórum ou a um tribunal, que o seja sem atingir-lhe inutilmente o decoro, evitando-se a todo custo aumentar ainda mais a sua aflição. O uso de algemas, por expressa determinação legal, deve ficar restrito aos casos extremos de resistência e oferecimento de real perigo por parte do preso.

Todas as vezes que houver excesso, poderemos estar diante de um “abuso de autoridade”, nos termos dos artigos 3º, "i" (atentado contra a incolumidade do indivíduo) e 4º, "b" (submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei) da Lei 4.898/65 (lei de abuso de autoridade).

E por que toda essa preocupação em não haver abuso no uso de algemas: (a) em primeiro lugar porque esse abuso constitui crime, como vimos; (b) em segundo lugar porque tudo isso decorre de uma das regras do princípio constitucional da presunção de inocência (regra de tratamento), contemplada no artigo 5º, inc. LVII, da CF (ninguém pode ser tratado como culpado, senão depois do trânsito em julgado da sentença condenatória); (c) em terceiro lugar porque a dignidade humana é princípio cardeal do nosso Estado constitucional, democrático e garantista de direito.[2]

Conclusão

Tudo se resume na boa aplicação do princípio da proporcionalidade, que exige adequação, necessidade e ponderação da medida. Em todos os momentos em que (a) não patenteada a imprescindibilidade da medida coercitiva ou (b) a necessidade do uso de algemas ou ainda (c) quando evidente for seu uso imoderado há flagrante violação ao princípio da proporcionalidade, caracterizando-se crime de abuso de autoridade. Cada caso concreto revelará o uso correto ou o abuso. Lógico que muitas vezes não é fácil distinguir o uso lícito do uso ilícito. Na dúvida, todos sabemos, não há que se falar em crime. De qualquer modo, o fundamental de tudo quanto foi exposto, é atentar para a busca do equilíbrio, da proporção e da razoabilidade.

Decisão do STF sobre a matéria

“A Turma deferiu habeas corpus em que conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia denunciado, com terceiros, com base em investigações procedidas na denominada “Operação Dominó” pleiteava fosse a ele garantido o direito de não ser algemado e nem exposto à exibição para as câmeras da imprensa. Na espécie, a Min. Cármen Lúcia, relatora, concedera liminarmente salvo conduto ao paciente para que não fosse algemado em sua condução ao STJ, local onde processada a ação penal contra ele instaurada. Tendo em conta que o paciente encontra-se preso e que o seu pedido estende-se à obtenção da ordem para que as autoridades policiais não voltem a utilizar algemas em qualquer outro procedimento, considerou-se inexistente, nessa parte, o prejuízo da impetração. Em seguida, esclareceu-se que a questão posta nos autos não diz respeito à prisão do paciente, mas cinge-se à discussão sobre o uso de algemas a que fora submetido, o que configuraria, segundo a defesa, constrangimento ilegal, porquanto sua conduta em face da prisão fora passiva e o cargo por ele ocupado confere-lhe status similar ao dos membros da magistratura, o qual, nos termos do Código de Processo Penal Militar, não se sujeita ao uso daquele instrumento. Asseverou-se que as garantias e demais prerrogativas previstas na CF (artigo 73, § 3º) concernentes aos Ministros do Tribunal de Contas da União referem-se ao estatuto constitucional, enquanto os preceitos repetidos, por simetria, na Constituição do referido Estado-membro, à condição legal. Ademais, salientou-se a natureza especial da norma processual penal militar. Afirmou-se, no ponto, que somente por analogia seria permitido o aproveitamento desta para a sua aplicação ao presente caso (STF, HC 89.429/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006)”.

“No tocante à necessidade ou não do uso de algemas, aduziu-se que esta matéria não é tratada, específica e expressamente, nos códigos Penal e de Processo Penal vigentes. Entretanto, salientou-se que a Lei de Execução Penal (artigo 199) determina que o emprego de algema seja regulamentado por decreto federal, o que ainda não ocorreu. Afirmou-se que, não obstante a omissão legislativa, a utilização de algemas não pode ser arbitrária, uma vez que a forma juridicamente válida do seu uso pode ser inferida a partir da interpretação dos princípios jurídicos vigentes, especialmente o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade. Citaram-se, ainda, algumas normas que sinalizam hipóteses em que aquela poderá ser usada (CPP, artigos 284 e 292; CF, artigo 5º, incisos III, parte final e X; as regras jurídicas que tratam de prisioneiros adotadas pela ONU , N. 33; o Pacto de San José da Costa Rica, artigo 5º, 2). Entendeu-se, pois, que a prisão não é espetáculo e que o uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional e que deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. Concluiu-se que, no caso, não haveria motivo para a utilização de algemas, já que o paciente não demonstrara reação violenta ou inaceitação das providências policiais. Ordem concedida para determinar às autoridades tidas por coatoras que se abstenham de fazer uso de algemas no paciente, a não ser em caso de reação violenta que venha a ser por ele adotada e que coloque em risco a sua segurança ou a de terceiros, e que, em qualquer situação, deverá ser imediata e motivadamente comunicado ao STF (STF, HC 89.429/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, j. 22.8.2006).










Notas de Rodapé



[1] O artigo 242, por sua vez, refere-se às seguintes pessoas: ministros de estado, governantes ou interventores, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de polícia, membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados, os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei, os magistrados, os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e do Corpo de Bombeiros, Militares, inclusive da reserva, remunerada ou não, e os reformados, os oficiais da Marinha Mercante Nacional, os diplomados por faculdade ou instituto de ensino nacional, os ministros do Tribunal de Contas, os ministros de confissão religiosa.



[2] No caso concreto do ex-senador Jader Barbalho, que foi apresentado em um aeroporto algemado, salientou-se (para justificar o que o Presidente do STF de então — Marco Aurélio— chamou de "presepada") que os policiais federais estariam obedecendo a normas internacionais da ICAO-OACI —Organização de Aviação Civil Internacional, no tocante a transporte de presos em aeronaves. Mas todas as regras do ordenamento jurídico interno ou internacional só possuem validade na medida em que se compatibilizam com a Constituição Federal.








quarta-feira, outubro 11, 2006

O crime de ameaça e o tratamento complacente da lei

Fonte:


O artigo 147 do Código Penal Brasileiro


Ana Raquel Colares dos Santos Linard
juíza titular do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte(CE)





O artigo 147 do Código Penal Brasileiro define o crime em questão como a conduta de ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave, impondo a mesma a pena de detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.

Nos dias atuais, cujos índices de violência e banalização da vida se mostram crescentes, o tratamento legal imposto a este tipo de conduta tem se revelado muito brando e complacente, impondo, a meu sentir, a necessidade da instituição de uma reprimenda mais severa, apta a refrear este tipo de delito.

Na verdade, trata-se de comportamento que atinge a paz de espírito da vítima e cerceia sua liberdade, na medida em que passa a não mais se conduzir conforme a sua livre vontade, efeitos maléficos estes que se estendem aos seus familiares e àqueles com os quais convive, os quais também passam a ser vítimas do ato criminoso, ampliando de forma incomensurável a amplitude dos danos que acarreta, tornando, assim, de fácil constatação o seu poder ofensivo.

A priori, conclui-se que a natureza subsidiária do delito em questão, em que a conduta, por vezes, é absorvida pelo crime mais grave, teria tornado dispensável, aos olhos do legislador, a adoção de uma repressão mais rigorosa a este tipo de prática.

No entanto, a mudança ocorrida no contexto social, notadamente no tocante ao aumento da criminalidade - denotada pelo incremento do crime organizado, da violência urbana, de uma inacreditável cultura de banalização da vidademonstra, claramente, que o tratamento legal atualmente em vigor se mostra inócuo e ineficaz à satisfação dos anseios da sociedade, a qual, por óbvio, não considera razoável que o autor da ameaça de morte que se efetivou não tenha merecido, no momento oportuno, a reprimenda legal devida e rigorosa o suficiente a esmorecer seu intento criminoso.

De fato, entendo que o tratamento legal ora em vigor se mostra risível ao criminoso de periculosidade reconhecida, já portador de graves antecedentes criminais, o qual, certamente, não se intimidará com a possibilidade de ser processado e eventualmente condenado a uma pena máxima de 06 (seis) meses de detenção.

A bem da verdade, a experiência forense ensina o aplicador a distinguir facilmente a situação de fato em que a reprimenda prevista no artigo 147 se mostra suficiente e adequada daquela em que a mesma se apresenta totalmente ineficaz à repressão do delito.

Na primeira hipótese, estão as proferidas por ocasião de mero acirramento de ânimos, por pessoas destituídas de índole criminosa, no calor da discussão. Facilmente reconhecíveis já que praticadas por pessoas sem antecedentes criminais e onde se constata, de logo, a ocasionalidade da prática.

De outra sorte, verifica-se igualmente o delito que é cometido pelo agressor doméstico contumaz ou pelo criminoso portador de graves antecedentes criminais, cuja ameaça perpetrada se mostra idônea, não se mostrando a pena cominada hábil a reprimir a intenção delituosa previamente anunciada.

De fato, a pena imposta ao delito em questão, de 01 (um) a 06 (seis) meses de detenção, submete o delito em questão à competência jurisdicional dos Juizados Especiais Criminais, mediante ação penal pública condicionada à representação, a qual poderá ser ofertada no prazo de até 06 (seis) meses a partir da data em que vier a saber quem é o autor do crime, cabendo salientar, ainda, que nesse aspecto, tem-se adotado o posicionamento pela contagem do prazo a partir da realização da audiência preliminar, de forma a evitar prejuízo ao direito da vítima, uma vez que a lei impõe este momento como o oportuno para o oferecimento da representação.

A complacência da lei com o autor deste tipo de infração, por vezes, coloca o magistrado, bem como o promotor de justiça atuantes no feito, em situação de absoluta e insuportável impotência em face da situação de perigo iminente e real em que se encontra a vítima, uma vez que, tratando-se de delito sob a competência dos Juizados Especiais Criminais, descabida se mostra, em regra geral, a decretação de prisão temporária ou preventiva, como também não existe amparo legal para a adoção de medidas de proteção às vítimas, de forma a possibilitar uma maior resguardo da incolumidade física destas, as quais ficam inteiramente à mercê da índole criminosa do acusado.

E mesmo quando este se encontra custodiado, em razão do cometimento de outros crimes, ainda não há razão para que a vítima respire aliviada, eis que, é publica e notória a extensão da rede criminosa que atende prontamente ao comando dos líderes encarcerados.

A sensação de impotência do aplicador novamente se apresenta, com a mesma intensidade, quando o acusado compartilha do convívio diário da vítima ou tem estreito acesso à esta, como no caso do agressor doméstico.

Geralmente dotado de valores deturpados no que se refere á afeição e sentimentos de afeto, bem como imbuído de extremo conceito machista que lhe outorga, aos seus olhos, a condição de proprietário da vítima – geralmente esposa ou ex-esposa – acredita, piamente, ser detentor do poder de vida e morte sobre aquela, não admitindo qualquer manifestação que seja de vontade própria ou independência, de logo reprimida pela ameaça de morte, a qual, infelizmente, por vezes se concretiza, sem a adoção de quaisquer providências cautelares necessárias, por inexistência de amparo legal que as autorizassem.

Que o tratamento legal em vigor se mostra ineficaz e imprestável à repressão do delito é evidente, como também a necessidade de uma inovação legal apta a imprimir um tratamento mais rigoroso a todo aquele que o comete, incentivado pela brandura da reprimenda imposta.

Mas, em vista das circunstâncias acima aludidas, qual seria a solução a ser adotada para minorar esse sentimento de impunidade e impotência reinante no tocante ao delito em questão?

A criação de uma espécie de situação agravante que majorasse a pena imposta, abrangidas as situações de fato acima aludidas, não se afigura como a solução esperada eis que estas circunstâncias majorantes da pena não podem eleva-la além do máximo penal abstrato, segundo leciona Damásio de Jesus. (Código Penal Anotado, Ed. SARAIVA, pág. 164)

Igualmente, a criação de um delito de ameaça qualificado, com a conseqüente majoração da pena, nas hipóteses mencionadas - sem prejuízo de outras que o legislador entendesse oportunas - acarretando a conseqüente exclusão da competência dos Juizados Especiais Criminais, para processo e julgamento do delito, nestes casos, poderia ser uma das soluções adotadas pelo legislador, eis que o juiz condutor do feito na Justiça Comum teria ao seu dispor a possibilidade de adotar as medidas cautelares possíveis e outras que poderiam ser adotadas pela lei de forma a tornar eficaz a proteção estatal à vítima.

A pretensão aqui defendida surge da inafastável sensação de impotência experimentadas diuturnamente por juízes e promotores de justiça, impossibilitados, pela carência de amparo legal, de adotar medidas protetivas de proteção à vitima deste tipo de crime, sendo ainda cobrados e, pior, responsabilizados, pela vulnerabilidade a que ficou exposta àquela, tornando-se alvo fácil do acusado.

O que ora se defende é a implementação de medidas efetivas de combate ao delito de ameaça, cujo tratamento atual não ostenta a eficácia necessária e desejada, iniciando-se pela devida alteração do texto legal, mediante processo legislativo ordinário, de forma a possibilitar aos aplicadores da lei a adoção de medidas repressivas mais contundentes, aptas a atender aos anseios da sociedade.



Texto inserido no Jus Navigandi nº 462 (12.10.2004).
Elaborado em 07.2004
Ana Raquel Colares dos Santos Linard




Liberdade ameaçada

Fonte:


Estado tem poder de punir e exigir prática de condutas




Em um Estado Democrático de Direito reside o monopólio estatal do direito de punir e de exigir compulsoriamente a prática de alguma conduta. De sorte que se o particular incide em tal prática, perpetra efetivamente o tipo previsto no art. 345 do CP que é o crime de exercício arbitrário das próprias razões.

São tais crimes objeto do Capítulo VI do Código Penal e subdividem-se em: crimes contra a liberdade pessoal; contra a inviolabilidade de domicílio, da correspondência e de segredos.

O CP não considera como crimes contra a liberdade individual os denominados crimes eleitorais. Ainda que estes afetem a ordem política e sejam inseridos na classificação de crimes políticos e regulados por legislação especial.

A liberdade é direito assegurado expressamente pela atual Carta Magna (ex vi art. 5o, caput) e previsto como a possibilidade de cada ser humano se autodeterminar. Aliás, sobre a liberdade em termos filosóficos também se pode consultar um artigo da mesma autora sob o título Liberdade, a genuína expressão humana, também disponível no site www.direito.com.br. Como bem disse Sartre, estamos condenados a ser livres.



Constrangimento ilegal

O crime de constrangimento ilegal é previsto no art. 146 CP se traduz como um crime sui generis. Pois independentemente do meio obtido ou utilizado para perpetrar a privação de liberdade, este será punido de forma unitária.

Se, no entanto, ocorre a vis corporalis com resultado lesivo à vítima, dá-se evidentemente o concurso material de crimes. Constranger significa forçar alguém a fazer alguma coisa ou tolher seus movimentos para que deixe de fazer.

A pena é agravada se na execução houver a reunião de mais de três pessoas ou tiver havido emprego de armas. Não configura tal crime, o tratamento médico arbitrário se justificado por iminente perigo de vida, e a coação exercida para impedir o suicídio.

Trata-se de crime comum, pois pode ser praticado por qualquer pessoa. Se o agente criminoso é funcionário público, no exercício de suas funções, é responsabilizado por outros delitos previstos nos arts. 322 e 350 do CP e, ainda no art. 3o da Lei 4.898/65.

Como vítima é necessário que possua capacidade de querer constranger. Ficam excluídos os doentes mentais, os menores, o ébrio total e contumaz, as pessoas por qualquer motivo inconscientes.

Podem tais pessoas serem objeto do crime praticado contra seus representantes legais. A conduta típica no art. 146 do CP é a de coagir, impelir, compelir, não é a de tolerar que se faça alguma coisa.

A coação pode constituir-se de violência direta ou imediata (vias de fato, lesões corporais) como também a indireta ou mediata, utilizando o agente de ameaça ou qualquer outro meio como bebida alcoólica, narcótico para o constrangimento.

Não há ilicitude no caso de coação juridicamente justificada como é o caso de estrito cumprimento do dever legal. É ilícito o constrangimento destinado a obstar um ato imoral que não seja ilícito. È indispensável o nexo causal entre o emprego da violência ou da grave ameaça ou qualquer outro meio e o resultado, ou seja, a submissão do ofendido.

O tipo subjetivo corresponde ao dolo, ou seja, a vontade de coagir. Não existe a forma culposa. Guilherme de Souza Nucci e outros doutrinadores renomados não acreditam que não existe elemento subjetivo do tipo específico.

As expressões "a não fazer o que lei permite" e "a fazer o que não manda" constituem elementos objetivos do tipo e não subjetivos.

Diferentemente da ameaça na qual o medo é o próprio objetivo do agente criminoso, no constrangimento ilegal o medo é meio através do qual se alcança o fim almejado, subjugando-se a vontade da vítima e obrigando-a a fazer aquilo a que foi constrangida (RT 616/360).

Corroborando com a inexistência de um dolo específico há também um pronunciamento jurisprudencial que é pertinente e que convém citar in verbis: "Inocorrem os crimes de roubo ou constrangimento ilegal se a ação do agente tem por objetivo um constrangimento indeterminado, pois para a caracterização do delito contra o patrimônio é necessária a intenção de apoderar-se definitivamente de um bem, e, para a configuração da infração prevista no art. 146 do CP tipicamente subsidiária, exige-se que a conduta seja realizada com o fim de que a vítima não faça o que a lei permite ou faça o que ela não determina" RJTACrim 39/324(SP).

Considera-se o crime de constrangimento ilegal consumado quando o ofendido faz ou deixa de fazer o que não deseja em virtude de conduta do agente. Estará caracterizada a tentativa quando apesar da violência, ameaça ou quaisquer outro meios empregados, a vítima não se submete a vontade do agente criminoso.

O tipo previsto no art. 146 CP é tipicamente subsidiário, só ocorrendo quando o ato não constitui ilícito mais grave (como roubo, extorsão, estupro, desobediência). No caso de atuar o agente com o fim de obter o que poderia ser conseguido por meios legais, haverá o crime de exercício arbitrário das próprias razões que absorve a prática do crime de constrangimento ilegal.

Constitui crime de tortura sancionado com reclusão de 2 a 8 anos, constranger alguém com emprego de violência ou ameaça grave, causando-lhe sofrimento físico ou mental, com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa para provocar ação criminosa ou em razão de discriminação racial ou religiosa (art. 1o, I, a, b e c da Lei 9.445 de 7/4/1997).

Não é porque a lei impõe um dever a alguém que a outra pessoa está autorizada a forçá-lo ao cumprimento deste, com violência ou grave ameaça.

Num Estado Democrático de Direito reside o monopólio estatal do direito de punir e de exigir compulsoriamente a prática de alguma conduta. De sorte que se o particular incide em tal prática, perpetra efetivamente o tipo previsto no art. 345 do CP que é o crime de exercício arbitrário das próprias razões.

O objetivo jurídico é a liberdade física ou psíquica do ser humano. Dentre a classificação doutrinária o tipo previsto no art.146 CP é: crime comum, de forma livre, material (pois se exige resultado naturalístico), comissivo (constranger em geral implica em ação positiva) e, excepcionalmente comissivo por omissão (ou omissivo impróprio); é crime instantâneo, de dano (é pois, consuma-se somente com a efetiva lesão à liberdade do ofendido), unissubjetivo, plurissubsistente e admite tentativa.

O preceito secundário do tipo prevê a alternância da pena privativa de liberdade ou multa. No entanto, se presentes a reunião de mais de três pessoas ou de emprego de armas, impões-se a acumulação de penas, por ser a modalidade qualificada reveladora de um caráter mais perigoso do agente criminoso.

O conceito de arma não foi especificado no tipo penal, mas incide a figura da majoração de pena. Se houver arma própria (como, por exemplo, as armas de fogo) ou ainda a arma imprópria (como a faca de cozinha, canivete, um porrete).

A prática de intervenção cirúrgica justificada por iminente perigo de vida ou a coação para impedir suicídio são fatos atípicos. Mesmo sem a menção expressa da lei, tais fatos seriam causas de exclusão de ilicitude por corresponderem ao estado de necessidade ou a legítima defesa conforme o caso.

"Obrigado a motorista, sob ameaça de arma a conduzir o agente a determinado lugar configura-se crime de constrangimento ilegal na forma qualificada; e não o de seqüestro, já que esses delitos diferenciam-se pelo elemento subjetivo: enquanto o constrangimento ilegal reclama a simples voluntariedade do fato e um fim imediato específico expressamente enunciado na lei; o seqüestro exige vontade consciente e dirigido à ilegítima privação ou restrição da liberdade alheia" (RT 651/269 e, ainda RT 564/373 TJSP).



As ameaças

Na conceituação do crime de ameaça (art. 147 do CP) não é preciso que o mal prometido constitua crime, bastando que seja injusto e grave. Não é somente incriminada a ameaça verbal ou por escrito, mas também a ameaça real ou a simbólica.

Ameaça do latim vulgar minacia, ameaça, prenúncio de acontecimento desagradável, promessa de castigo. O francês ménace e o italiano minaccia estão mais próximo da antiga origem. Já em espanhol amenaza lembra a forma portuguesa. Às vezes é empregado em sentido irônico, como quando dizemos que um escritor medíocre nos ameaça com um novo livro.(In : "A vítima íntima das palavras de Deonísio da Silva).

A ameaça é crime comum e conforme as circunstâncias pode caracterizar o abuso de autoridade (delito previsto no art. 3o da Lei 4.898, de 9.12.1965). Como vítima pode ser qualquer pessoa apta a entender a ameaça, restando sujeita à intimidação. Sendo o ofendido o presidente da República, presidente do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal ocorrerá crime contra a segurança nacional previsto pela Lei 7.170 de 14.12.1983 em seu art. 28.

Ameaçar significa intimidar, anunciar ou prometer castigo ou malefício, a denominada violência moral. Pode a ameaça ser direta ou indireta ou reflexa. Pode ser condicional, se não constituir elemento do crime de constrangimento ilegal ou outro qualquer crime embora já se tenha jurisprudencialmente decidido o contrário.

Nada impede também a ameaça à distância (por telefone, e-mail, e, etc) ou transmitida à vítima por terceiro. Relevante é que a ameaça deva ser idônea e capaz de abalar a tranqüilidade psíquica da vítima.

Jurisprudencialmente firmou-se o conceito do tipo penal de ameaça através do TACrimSP (vide JTACrim 36/351-2) e consiste em o sujeito anunciar à vítima a prática de mal injusto e grave, consistente num dano físico, econômico ou moral (RT 597/328). É crime contra a liberdade pessoal do sujeito passivo e visa a lei proteger a paz de espírito e a tranqüilidade da vítima, deve-se referir a um mal futuro de efeito perdurável.

Não há de se cogitar em ameaça proferida e executada no momento de entrevero ou de contenda.

Mesmo ante a arma de brinquedo, está caracterizado o delito previsto no art. 147 do CP. Principalmente quando o revólver utilizado reproduza e guarda estreita semelhança com o verdadeiro, sendo capaz de incutir um justo temor e apto a intimidar a vítima.

Já quanto à ameaça por gesto com arma pesa a controvérsia. Pois há entendimento jurisprudencial que não considera séria e idônea tal ameaça e, outros (majoritário) entende por ser suficiente para plenamente caracterizar o delito de ameaça.

É indispensável a configuração delitiva a promessa de mal injusto grave e futuro (JTACrim 3/22). Outra polêmica acirrada cinge-se também a ameaça condicional, pois uns a admitem e outros não. Estes últimos entendem que "o crime de ameaça não se caracteriza se o agente condiciona a ação de ameaçar a um mal futuro e a ato que venha a ser praticado pelo rival' (RT 702/372).

Outra jurisprudência esclarece in verbis: "A ameaça não admite condições. Assim, não se caracteriza o delito se o agente condiciona a ação de praticar mal futuro à vítima caso esta porventura lhe fizer algum, visto que basta a vítima se omitir em sua ação, para que a ameaça não se caracterize." RT 580/354.

O mal prometido há de ser grave, sério e apto a intimidar, a atemorizar a vítima. Leva-se em consideração também as condições pessoais do ofendido (sua idade, sexo, cultura, compleição física e estado psíquico) que pode ou não determinar que seja intimidade efetivamente pelo agente criminoso.

A ameaça deve ser crível, verossímil e referir-se a um mal iminente e não remoto. E será avaliada sob o critério do homo medius. A figura típica do art. 147 do CP exige assim que o mal seja futuro (JTACrim 78/191). A ameaça é justificada não só nas hipóteses da legítima defesa e de estado de necessidade, mas também a que seja utilizada para evitar lesão ou a repetição de lesão de um interesse jurídico ameaçado ou para constranger outrem à iniqüidade. Simples desaforos com injúrias recíprocas não configuram o delito de ameaça. O dolo do crime de ameaça é a vontade de praticar a intimidação.

Não configura também o crime, portanto, a simples bravata ou a presença do animus jocandi.Existe jurisprudência no sentido de que não constitui o crime do art. 147 do CP a ameaça vaga feita sob o império de cólera passageira, uma vez que sua tipificação exige o ânimo calmo e refletido. O mesmo se tem decidido a respeito da ameaça partida de pessoa embriagada.

Em sentido diametralmente oposto, também se tem afirmado nos tribunais que a ira e a embriaguez não anulam a vontade de intimidar e de infundir temor injusto à vítima.

O crime de ameaça é formal, de forma que se consume no momento em que a vítima toma conhecimento da ameaça, independentemente da intimidação. Basta que seja idônea e suficiente capaz de intimidar.

Quando a ameaça é meio executório de outro crime, como por exemplo do constrangimento ilegal, roubo, extorsão fica este delito absorvido por estes mais gravosos. Não é punida, pois como crime autônomo. Se a ameaça atinge a várias pessoas, existirá concurso formal de crimes. Nada impede que haja crime continuado onde ocorre ameaças subseqüentes.



Barrar a liberdade

Difere da extorsão onde há a exigência de pagamento de certo valor. Apura-se mediante ação penal condicionada , exigindo-a representação da vítima ou seu representante legal. Permite-se a retratação antes da denúncia.

O seqüestro e o cárcere privado previstos no art. 148 CP apresenta como núcleo do tipo o significado de tolher, impedir, tirar o gozo da liberdade, desapossar. È uma restrição ao direito de ir e vir no aspecto físico e, não no intelectual.

Há uma insistência proposital na construção desse tipo penal incriminador, tanto assim que o legislador utilizou o mesmo verbo na configuração do delito de extorsão mediante seqüestro (ex vi ao art. 159 CP).

O seqüestro não tem o significado de tolhimento de liberdade de expressão. Exige-se a situação de permanência, tanto assim que é doutrinariamente classificado como delito permanente (ou seja, aquele que se consome e se prolonga no tempo).

Se ocorre a conduta instantânea de impedir que alguém faça alguma coisa que a lei lhe autoriza concretizar, segurando-a por alguns minutos, configura o delito de constrangimento ilegal. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, não existindo a forma culposa.

O seqüestro é a conduta gênero da qual é espécie o cárcere privado. Manter alguém em cárcere privado é o mesmo que encerra-la em uma prisão ou cela, ou recinto fechado, isolando-a, sem a possibilidade de livre locomoção.

A completa classificação doutrinária do crime de seqüestro envolve: crime comum, material (exige pois tão-somente a privação da liberdade da vítima e, não, por exemplo, o pedido de resgate e nem mesmo o seu pagamento), de forma livre, comissivo ou omissivo, permanente, unissubjetivo, plurissubsistente. Mas não se afasta a possibilidade de ser cometido num único ato unissubsistente, admite também a tentativa na forma comissiva, embora de difícil comprovação.

O consentimento do ofendido elide a privação da liberdade. Não se trata de direito indisponível, a liberdade, salvo se ofender a ética e ao bom senso e, neste caso, o consentimento da vítima não surtirá o efeito de eliminar a ilicitude do fato.

Aplicar-se-á pena mais grave ao agente que pratica crime contra seus familiares, pode o parentesco ser natural ou civil pois a lei não faz a distinção. Em função do estrito cumprimento ao princípio da legalidade que vige em Direito Penal, não se aceita a inclusão dos concubinos ou mesmo dos companheiros.

A internação fraudulenta é também alvo de reprovação penal. A privação da liberdade a mais de 15(quinze) dias, na consideração do legislador pátrio, merece igualmente maior reprovabilidade com a conseqüente majoração da pena.

O art. 148 § 2o do CP que prevê maus-tratos e a natureza da detenção cogita de um resultado qualificador pelo resultado. Trata-se de meio particular de execução delituosa, causando a vítima além da privação da liberdade, um particular sofrimento físico ou moral, impondo-se igualmente a majoração de pena nestes casos.

A redução de condição análoga a de escravo é definido no art. 149 do CP também chamado de delito de plágio. Plágio é a sujeição de uma pessoa ao domínio de outra. Não se trata de sujeito submeter a vítima a escravidão. É situação similar a de escravo apenas. O tipo penal visa a um estado de fato e, não a uma situação jurídica.

É irrelevante o consentimento do ofendido uma vez que a liberdade do homem constitui interesse preponderante do Estado. Há de se lembrar que a vontade do cidadão que dá poder ao Estado para se constituir e se perpetuar enquanto instituição.

A norma incriminadora não faz nenhuma restrição ou exigência à qualidade pessoal do autor ou do ofendido. Só é punível a título de dolo que consiste na vontade de exercer domínio, sobe outra pessoa, suprimindo-lhe a liberdade fática embora ainda possua a liberdade jurídica. Tal delito atinge o momento consumativo quando o agente criminoso efetivamente reduz a vítima à condição similar a de escravo. Admite-se no entanto a tentativa.



Invasão de domicílio

Sob a rubrica de "crimes contra a inviolabilidade do domicílio", na verdade temos apenas a descrição de um só delito previsto no art. 150 CP. Apesar de possuir formas simples e qualificadas descritas nos parágrafos primeiro e segundo do art respectivo artigo do Código Penal Brasileiro, não constituem crimes autônomos, mas simplesmente tipos de uma figura central, que é a violação de domicílio.

Aliás, a norma penal vem sancionar o Direito Constitucional que através da Carta Magna vigente prevê expressamente que "a casa é asilo inviolável do indivíduo( ...) " em seu art. 5o., XI, (...) salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

Tal tipo penal não protege nem a posse e nem também a propriedade e, sim a tranqüilidade doméstica. Tanto assim que não constitui crume a entrada ou permanência em casa alheia desabitada.

Jaz importante distinção entre casa desabitada e a casa na ausência de seus moradores, nesta hipótese, subsiste o crime de violação de domicílio. Estando a casa desabitada, inexiste delito, pois não há o fato típico e nem lesão à paz doméstica.

A violação de casa desabitada consiste no delito previsto no art. 161 do CP (usurpação).O tipo penal não protege, pois o domicílio em sua acepção cível conceituado tanto como o lugar onde a pessoa reside com ânimo definitivo, sendo a sede jurídica quer da pessoa física ou jurídica.

É possível, portanto a pluralidade de domicílios. O legislador penal procurou proteger o lar, a casa, quer seja um barraco, quer seja uma luxuosa mansão. Tutela-se o direito ao sossego, no local de habitação, seja permanente, seja transitório ou mesmo eventual.

Esclarece Damásio Evangelista de Jesus que a empregada que deixa o amante penetrar em seu quarto efetivamente comete o crime previsto no art. 150 do CP, caput, onde se presume o dissentimento do dono da casa.

Diferentemente, porém, a esposa que na ausência do marido, permite o ingresso do amante na residência, esta não comete o delito, pois conforme os termos do art. 226, § 5o, da CF/88 encontra-se em igualdade jurídica em relação ao marido, podendo a esposa anuir com a entrada do amante. De sorte que o consentimento do ofendido exclui o crime (RTJ 47/734).

Diante do conflito horizontal de autoridades, havendo o condomínio ou a coletividade forçada, quanto às partes comuns como átrios, corredores, saguão, jardins. Qualquer um tem o direito de permitir e autorizar a entrada ou permanência de terceiros.

Entretanto, sendo condomínio fechado existe a violação de domicílio no caso de ocorrer a entrada não autorizada em partes que são individualizadas. Se um condômino permite e, outro proíbe, aplica-se o princípio de que melhor é a condição de quem proíbe.

Restará ao violador que agiu de boa fé, demonstrar que não praticou a violação domiciliar com dolo. Na casa de família, os titulares do jus prohibendi que são os pais. Entretanto os filhos podem admitir ou de excluir nas dependências a eles pertencentes.

O patrão tem o direito de penetrar no quarto da empregada, desde que para fins morais e lícitos, ainda que contra a vontade dela. Não constituindo violação de domicílio tal prática.

O locador que invade a casa de seu inquilino contra a sua vontade, comete a violação do domicílio, pois tem ofendida sua tranqüilidade doméstica. Casa significa qualquer compartimento habitado, ainda no caso de habitação coletiva, compartimento não aberto ao público, onde alguém pode exercer profissão ou atividade laboral.

Não merecem a proteção penal a hospedaria, a estalagem, ou qualquer outra habitação coletiva enquanto aberta. A proteção penal paira também sobre as dependências do domicílio tais como os jardins, varandas, alpendres, adegas, garagens, quintais, pátios, etc...desde que fechados cercados ou haja obstáculos visíveis que impeçam a passagem (quer seja correntes, telas, etc.).

A entrada e a permanência podem ser francas, astuciosas ou clandestinas (e neste caso o dissentimento é presumido). A violação de domicílio é mera conduta; segundo Damásio E. de Jesus nem é crime material e nem formal.

É preciso observar que o tipo penal não descreve qualquer conseqüência da entrada ou permanência. È delito instantâneo na modalidade "entrar", já na de "permanecer" é crime permanente. Não se trata de crime subsidiário.

O art. 150 do CP prevê forma qualificada se cometida a violação domiciliar durante a noite, ou em lugar ermo ou com emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas. A pena é de detenção de seis meses a dois anos, além da correspondente à violência.

O emprego de violência também qualifica o crime, é tanto a exercida contra a pessoa quanto a coisa. Diferentemente o art. 157 CP que prevê expressamente a violência contra a pessoa.

A pena majorada de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, ou poderá se constituir abuso de poder. O § 3o do art. 150 CP prevê as causas especiais da exclusão da antijuridicidade se ocorrer durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou diligência; a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.

É lícita a entrada ou permanência em casa alheia, a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. Quanto à prisão em flagrante delito tanto de crime como de contravenção.

Não há violação de domicílio quando o fato é cometido em estado de necessidade, legítima defesa e o exercício regular de direito. Presente o consentimento do morador, o fato é atípico. A ação penal pública é incondicionada.

O consentimento de menor é inválido se contraria a vontade do chefe da família (RT 544/398). Também inválido o consentimento da empregada onde é presumido o dissenso tácito do proprietário à violação de seu lar (RT568/335).

O conceito de domicílio para fins penais não corresponde ao domicílio civil, mas a casa de moradia, o local reservado à vida íntima do indivíduo ou à sua atividade privada, seja ou não coincidente com o domicílio (RT 469/411).

A inviolabilidade domiciliar não se aplica a lares desvirtuados, como cassinos clandestinos, aparelhos subversivos, casa de tolerância, locais de comércio clandestino, de drogas ou entorpecentes (...) RTESP 69/386.

Em invasão de domicílio o empurrão contra a pessoa para o ingresso na casa integra o próprio tipo penal, não configurando separadamente, a contravenção de vias de fato (RT 626/305).

No art. 151, caput do Código Penal Brasileiro define-se o crime de violação de correspondência, mas o tipo penal foi substituído com a mesma redação pelo art. 40 da Lei 6.538, de 22/6/1978 que dispõe sobre os serviços postais, prevendo pena mais rigorosa que é de detenção de 6 meses, ou multa de até 20 dias-multa.

Já no parágrafo primeiro do mesmo artigo, a conduta é apossar-se da correspondência com o fim de escondê-la ou desviá-la ou para inutilizá-la, no todo ou em parte. É necessário que a conduta seja indevida e nada impede a tentativa.



Violar a comunicação

São várias as condutas típicas contempladas no art. 151, parágrafo primeiro divulgar a comunicação telegráfica ou radioelétrica; transmitir o conteúdo à pessoa determinada, ainda que reservadamente; e utilizar o conhecimento da mensagem, de qualquer forma, desde que o fato não configure crime mais grave, como o de extorsão, por exemplo.

As mensagens protegidas são as transmitidas por telégrafo, telefone ou por ondas hertzianas (rádios, televisão, etc.) quando não dirigidas ao público em geral.

O dolo corresponde a vontade de violar a lei, praticar as condutas incriminadas sendo irrelevante o fim pretendido pelo agente criminoso. Consuma-se o crime com a mera divulgação do conteúdo, inerentemente da obtenção de qualquer vantagem.

A interceptação telefônica passou a ser disciplinada pela Lei 9.296 de 24.7.96 que regulamentou o art. 5o, XII parte final da CF; tal lei em seu art. 10 criminaliza conduta de interceptar ligações telefônicas, de informática e quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial prévia, e com objetivos não autorizados em lei, aplica a pena de dois a quatro anos de reclusão e multa.

Júlio Fabrini Mirabete entende que tal lei especial não revogou o art. 151, §1o, II do CP que pode ser aplicado não ao interceptador mas a terceiro que não colaborou com tal conduta. A conduta típica enunciada em lei especial é interceptar a comunicação (por escuta ou por gravação, ou qualquer outro meio) ainda que não haja divulgação ou transmissão a terceiro.

Aliás, quanto a prova ilícita, discorri mais amiúde sobre o tema em artigo também publicado em 8/8/2002 no site www. direito.com.br sob o título de "O princípio da proibição da prova ilícita".

Também é crime impedir a comunicação ou conversação efetivada por telégrafo, rádio ou telefone. Qualquer pessoa pode cometer o delito, eis que é crime comum e mesmo a autoridade não pode embaraçar a liberdade de radiodifusão ou da televisão (exceto nos casos legalmente amparados por lei) e incidirá no que couber na sanção do art. 322 do CP (violência arbitrária).

O art. 151, §1o, inciso IV do CP foi substituído pelo art. 70 da Lei 4.117 do 27/8/62 que disciplinou o Código Brasileiro de Telecomunicações com a redação dada pelo Decreto-Lei 236 de 28-2-67. O artigo pune com detenção de um ano a dois anos, aumentada da metade, se houver dano a terceiro a instalação ou utilização de telecomunicações sem a observância da lei e dos regulamentos aplicáveis.

É indispensável para a caracterização típica a comprovação do dano. Devem tais dispositivos serem interpretados à luz da nova definição legal prevista no art. 183 da Lei 9.472 de16/7/1997 que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações e dá outras providências.

Acrescente-se ainda o Decreto 2615, de 3/6/1998 onde foi aprovado o Regulamento do Serviço de radiodifusão comunitária. De acordo com o art. 223 CF, a Lei 9.612 de 19/2/98, a Lei 4.117, de 27/8/62 modificada pelo Decreto-Lei 236/1997 e, ainda pelo Decreto 3.241 de 11/1/1999 onde foi promulgada a Convenção Interamericana sobre a Permissão Internacional de Radioamador, concluída em Montrouis, Haiti, em 8-6-1995.

É qualificado o crime quando o agente pratica a violação com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico, não se confundindo com o crime de abuso de autoridade previsto no art. 3o, da Lei 4.898/65.

A ação penal é sempre pública, condicionada a representação da vítima. Nos demais casos é obrigatória a representação da autoridade administrativa do Ministério Público Federal, sob pena de responsabilidade art. 45 da Lei 6.538.

O delito previsto no art. 152 CP referente à correspondência comercial é crime próprio. Pois só pode ser praticado pelo sócio ou o empregado do estabelecimento remetente ou destinatário da correspondência.

Apura-se o crime mediante ação penal pública condicionada à representação da pessoa jurídica ofendida, mas pode fazê-lo o sócio diretamente lesado pelo crime.

A divulgação de segredo prevista no art. 153 do CP é também crime próprio. E a conduta típica é divulgar por qualquer forma, sendo crime...



Revista Consultor Jurídico, 8 de janeiro de 2003

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