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sexta-feira, setembro 12, 2008

Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

 


Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1645


Sírley Fabiann Cordeiro de Lima Melo
acadêmica de Direito em Recife



1. Anotações sobre a Lei nº 8.069/90

          O Século XVIII trouxe à civilização importantes conquistas. No campo tecnológico, iniciou-se a Revolução Industrial, e, com ela, o capitalismo tomou um notável impulso. No campo político, as chamadas "Grandes Revoluções" firmaram os ideais do Iluminismo como diretrizes de construção dos Estados Modernos.

          No Direito Penal, os princípios iluministas deram origem à Escola Clássica, que entendia o ser humano dotado de livre arbítrio, devendo ser punido em razão dos atos que escolheu praticar, sempre na proporção do mal que causara à sociedade. Para que houvesse punição, era preciso que o delito fosse anteriormente previsto em lei, e que ao acusado fossem dadas as garantias do devido processo legal, dessa forma legalidade eproporcionalidade constituíram-se como os princípios fundamentais dessa nova era.

          Nesta época, crianças e adolescentes eram submetidas às mesmas regras dos adultos para o julgamento e punição dos delitos praticados. Havia apenas uma idade mínima para submeter-se ao castigo (em geral por volta dos nove anos), mas o cumprimento da pena, dava-se nos mesmos locais dos adultos.

          O Século XIX assistiu ao triunfar do positivismo científico, que, no Direito Penal, trouxe a visão do criminoso como um doente social, fruto da sua constituição biológica (fatores endógenos) e do meio em que vivia (fatores exógenos), e o crime era apenas o efeito (reflexo) dessas causas. Logo, a punição do indivíduo não seria regulada pela gravidade do ato – já que não o controlava – mas sim pela necessidade de tratamento do paciente.

          Chegou-se ao extremo de se admitir que um indivíduo fosse submetido à pena sem que houvesse cometido qualquer delito, desde que apresentasse características típicas do criminoso.

          O que refreou o impulso positivista foi a importância política do princípio da legalidade penal e seus corolários (anterioridade e tipicidade), sendo consenso de que não pode existir democracia sem que o direito de punir do Estado tenha tais limitações.A derrota do nazismo e do fascismo enterrou de vez a possibilidade de submeter alguém à privação de liberdade sem que haja praticado um delito (pelo menos em tese, pois sabemos que, hoje, tem-se centenas de pessoas presas injustamente, devido à desorganização do sistema judiciário, mas esta é uma outra questão que será abordada oportunamente).

          Mas se isso funcionou para os adultos, as crianças e adolescentes teriam um tratamento diferente.

          O antigo "Direito do Menor", elaborado a partir das experiências dos chamados Tribunais dos Menores, tinha por função exercer o controle sobre determinados grupos de crianças e adolescentes, excluídos do processo de produção capitalista. A utilização do Direito Penal propriamente dito contra esses grupos, apresentava alguns empecilhos(1). Em primeiro lugar, as crianças e adolescentes excluídos, embora incomodassem a sociedade, nem sempre praticavam atos que podiam ser considerados criminosos, como, por exemplo, perambular pelas ruas.

          Um caminho possível para privar tais pessoas de sua liberdade e, conseqüentemente, "limpar as vistas" da classe mais favorecida, seria criar tipos penais que proibissem tais condutas. Mas aí surgia outro porém: para privar alguém da liberdade, em razão da prática de delito, era necessário garantir o devido processo legal, inclusive com ampla defesa através de profissional habilitado, etc. Isso demandava tempo e trabalho...

          Não sendo possível alterar-se a essência das medidas a serem aplicadas, especialmente a privação de liberdade, a solução encontrada foi mudar os nomes dados a essas medidas. Desta forma, o julgamento viroututela e a prisão virou internamento.

          Para operacionalizar esses conceitos, foram utilizados dois institutos jurídicos: a menoridade e a situação irregular. Assim, o menor em situação irregular passaria à égide do Juiz de Menores, que, em seu "favor", aplicar-lhe-ia as medidas para sua "proteção". O menor, assim, não era julgado, mas tutelado; não era condenado, mas sim protegido e não era preso, mas internado. Não se admitia que o menor fosse estigmatizado pela sentença penal, assim, exorcizava-se o juízo criminal pelos aspectos retributivo e punitivo, mas encaminhavam-se crianças e adolescentes a celas iguais às da pior carceragem, sem garantir um dos mais elementares dos direitos: o devido processo legal. Garantias como tipicidade, antijuridicidade, culpabilidade, presunção de inocência eram ignoradas, tudo em nome do superior interesse do menor.

          Até o Ministério Público quando pleiteava "internação" como resposta pela prática de atos delinquenciais, rotulados de "desvios de conduta", estava "defendendo"os interesses do menor.

          A despeito de atentarem contra a inteligência, tais conceitos perduraram em nosso direito por quase um século, e ainda constituem a base da legislação menorista em inúmeros países. Em virtude disso, as Nações Unidas promoveram amplas discussões sobre o tema e editaram, através de convenções subscritas e ratificadas por quase todos os seus integrantes, uma extensa normativa internacional.

          No Brasil, o Código de Menores, que foi substituído pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, data de 1979, justamente quando foi comemorado o Ano Internacional da Criança, com grandes promessas de melhor proteção ao menor carente, abandonado e infrator(2).

          Deflagrou-se, a partir daí, um grande movimento político, reunindo pessoas das mais diversas áreas do conhecimento, e que resultou na aprovação, pela Assembléia Constituinte, dos arts. 227 e 228 da Constituição Federal, e, posteriormente, pelo Congresso Nacional, da Lei nº 8.069/90 – o nosso Estatuto da Criança e do Adolescente.

          O novo sistema se restringe aos limites do Estado Democrático de Direito, onde as decisões judiciais para terem validade, carecem do pressuposto da fundamentação, onde os operadores têm papéis definidos: Juiz é o experto em Direito que julga de acordo com a hermenêutica; o Ministério Público, o titular das ações necessárias à defesa dos interesses da sociedade e dos incapazes e, o advogado, o representante (junto com o Ministério Público) e defensor de direitos, que atua, como os demais, na constituição do devido processo legal.

          O Estatuto da Criança e do Adolescente ("nova esperança" (3)) trasladou as garantias do Direito Penal, propiciando como resposta à delinqüência juvenil, em vez da severidade das penas criminais, medidas predominantemente pedagógicas.


2. O papel do Ministério Público no E.C.A. – Críticas

          O Ministério Público, instituição da qual fazem parte os Promotores e os Procuradores de Justiça, é essencial à função jurisdicional do Estado e a ele incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É o que está escrito no artigo 127 da Constituição Federal.

          Ao Promotor de Justiça, entre outras atribuições, compete zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados à criança e ao adolescente, atuando em todos os casos em que houver necessidade de defesa desses interesses, bem como nos casos em que se atribui ao adolescente a prática de ato infracional. Sim, porque não é verdade o que se costuma dizer no sentido de que nada acontece ao adolescente autor de ato infracional.

          O adolescente que pratica ato infracional é apresentado ao Promotor de Justiça que pode, dependendo da hipótese, promover o arquivamento dos autos, conceder a remissão ou representá-lo ao Juiz para aplicação de medida sócio-educativa. Essa representação dará início ao processo, no qual o adolescente poderá se defender e será sempre representado por advogado. Ao final, ao jovem poderá ser aplicada medida de proteção ou sócio-educativa.

          Entretanto, apesar de reconhecida a grandeza do Ministério Público e a sua importância, encontra-se, não raro, alguns comportamentos funcionais intoleráveis para quem exerce uma parcela da soberania estatal(4).

          Nenhum problema há com um escritor, professor ou ator, que não tenha compromisso com a realização da justiça, não é sua função, porém tal característica é incompatível com quem exerce qualquer função pública, notadamente quando revestida do poder de influir no destino das pessoas, ou melhor, no destino das pessoas que legitimam os "operadores" das leis a trabalharem em seu benefício.

          Já dizia o Ministro Luis Vicente Cernicchiaro que, "o Direito é o trânsito para concretizar o justo". De fato, é afirmado que os juristas, de uma forma geral, constituem uma elite intelectual, supostamente habilitada a encontrar ou apontar a solução justa para todo conflito. O que se vê é tal inteligência, muitas vezes, servindo como um mero produto de raciocínio lógico e matemático, despido de qualquer avaliação crítica e valorativa do caso concreto. Às vezes, culpa-se o legislador pelas suas falhas e lacunas, como se a lei não admitisse múltiplas interpretações.

          Assim o é na aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Muitas vezes, aqueles que deveriam fiscalizar e aplicar o que dispõe este diploma legal, simplesmente se esquecem da sua finalidade, qual seja a garantia de todos os direitos fundamentais e sociais, principalmente de proteção, decorrência de se encontrarem (os sujeitos daquela lei) na posição de pessoas em desenvolvimento e, ainda, qual o caráter das medidas (sócio-educativas e de proteção) ali previstas – essencialmente pedagógicas e construtivas.

          Agindo assim, não fiscalizam os estabelecimentos onde estas crianças e adolescentes ficam internados, quando é o caso de internação (é só assistir à televisão e perceber que quase toda semana há rebeliões nos "estabelecimentos destinados à recuperação" dos menores infratores), não atentando para o fato de que esses jovens lá estão para se tornarem pessoas melhores e se desenvolverem de acordo com as regras da sociedade (que muitas vezes nem são tão justas como querem aparentar); não se preocupam com o destino daquele "cheira-cola" que é posto novamente no convívio da família, muitas vezes problemática, o que se constata pelas estatísticas, sendo ela (a família) um dos maiores fatores que levam esses jovens a permanecerem nas ruas.

          Abre-se o olho quando o fato ilícito é atribuído aos adolescentes, principalmente depois do advento do ECA - posto que se criou o mito da impunidade devido às regras protecionistas que lhe formam o conteúdo -, mas fecha quando o agente da ilicitude é o poder público que não cumpre a lei; familiares negligentes e adultos corruptores.

          O Ministério Público, como defensor desses interesses, tem uma verdadeira arma poderosa – o ECA – para realizar e fazer cumprir todas as normas ali presentes. A lei está feita e é muito boa, o que falta é o compromisso, de muitos, com a sua realização, em todos os seus termos e condições.


3. Das Medidas de Proteção

          A partir do artigo 98 da Lei nº 8.069/90 (ECA) são estabelecidas medidas de proteção à criança e ao adolescente, quando estes tiverem direitos reconhecidos na Lei ameaçados ou violados, tais medidas escalonam os menores em três categorias: os carentes ou em situação irregular, os menores vítimas e aqueles que praticam atos infracionais.

          As medidas de proteção à criança e adolescente são genéricas e específicas.

          As genéricas decorrem da ação ou omissão da sociedade ou do Estado, da falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, e da conduta do menor, com a finalidade de protegê-lo.

          As específicas estão previstas no art. 101, incisos I a VIII, e serão determinadas pela autoridade competente.

          O primeiro caso previsto pelo art. 98 é daquelas crianças ou adolescentes que têm seus direitos violados/ameaçados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, tratando basicamente dos menores carentes.

          O Juiz de Menores de Brasília, Prof. José Manuel Coelho, conceitua esta categoria como "aqueles que são pobres, porque pobres são os seus pais", podendo, por isso, serem abandonados por conta da indigência dos pais, que os inabilita para o exercício do pátrio poder.

          Muitos desses menores que se tornam mendigos, no sentido exato da palavra, assim o são por falta de melhores condições materiais e até emocionais de seus pais. Estes menores "abandonados" à própria sorte,problema que não é só deles, mas de todas as nações, tornam-se "perigosos vadios", encontrando nas ruas todos os "ensinamentos" necessários para se tornarem elementos negativos e maginalizados.

          Antônio Chaves(5), em seu livro, mostra as estatísticas desastrosas destas afirmações: cerca de 20 milhões em todo o Brasil, 7 milhões só em São Paulo, o menor carente apresenta uma parcela de 17% da população. Só isso já seria mais do que suficiente para que o problema fosse encarado com maior seriedade e preocupação.

          Ressalte-se, ainda, a enorme confusão que se faz entre menor carente e menor delinqüente, esclarecendo que tal fato contribui ainda mais para a descriminação e estigmatizarão desses jovens.

          O mesmo autor se questiona a respeito do futuro das nações que não dão a devida importância aos problemas de suas crianças, justamente o segmento da população responsável por esse futuro. E conclui profetizando que, se nada mudar, nossos filhos e netos vão pagar uma conta muita cara pela nossa omissão.

          O segundo caso previsto pelo referido artigo diz respeito aos menores vítimas dos pais ou responsáveis, seja pela falta, omissão ou abuso.

          Como já foi dito anteriormente, muitas vezes os próprios pais ou responsáveis também são vítimas, fazendo, por conseqüência, de seus filhos, vítimas como eles.

          É notório o fato de que a maior parte da violência e dos maus tratos contra crianças, são cometidos por aquelas famílias de menor condição social. Na maior parte das vezes, não há estrutura familiar estabelecida e, quando há, é formada de pessoas desequilibradas moral e emocionalmente, pois como já dizia o mestre Tobias Barreto: " A dor da fome é maior do que a dor moral". Dessa forma, a criança se desenvolve em ambiente pouco propício à honestidade e ao discernimento.

          Utilizando a mesma linha de raciocínio, observamos que a última categoria abordada pelo artigo em tela, é a dos menores infratores. Ora, se o menor vive numa sociedade profundamente desumana e injusta, como exigir que ele não delinqua e tenha comportamento louvável? Como já dizia Tobias Barreto...

          Ninguém nasce menor infrator. Para se chegar à delinqüência, passa-se pelo abandono e vai dos pequenos furtos até o latrocínio.

          É por essas e outras reflexões, que o Estatuto se propõe a estabelecer medidas de proteção de caráter, essencialmente, pedagógico, levando em consideração a peculiaridade dos sujeitos-objetos das mesmas.

          O art. 101 da Lei, determina que são medidas de proteção:

I. Encaminhamento aos pais ou responsáveis à não se trata de mero documento burocrático, tendo em vista que as diretrizes são traçadas por uma equipe interdisciplinar. Aconselha-se dar preferência a essa medida, porque ela permite que o menor permaneça em seu meio natural, junto à família e na sociedade, desde que este não seja prejudicial à sua educação e desenvolvimento de sua personalidade.

          A concessão da medida está condicionada ao estudo social do caso, em que se verifique a preponderância de fatores positivos em prol da permanência do menor no lar, devendo-se atentar para a ausência de situações perigosas, bem como a certeza de que os pais são capazes de satisfazer as necessidades básicas do filho.

II. Orientação, Apoio e Acompanhamento Temporário à esta medida está implícita na primeira, o encaminhamento aos pais. Pode ocorrer tanto na família, como em estabelecimentos de educação ou aprendizagem profissional. Isto porque se sabe que nem sempre a família, instituição primeira e mais importante na formação da personalidade, está apta a oferecer condições a um perfeito desenvolvimento educacional, moral e físico ao menor, sendo que, situações de risco como a falta de investimento afetivo por parte dos pais, a sua ausência, a rejeição do filho, são casos nos quais se encontram em perigo a sua segurança, saúde e formação moral.

III. Matrícula e Freqüência Obrigatória em Estabelecimento de Ensino Fundamental à a matrícula e freqüência em estabelecimento fundamental caracterizam-se como medida de higiene social, porque previne o analfabetismo e a marginalidade. Tal medida tem em vista o fato de que, muitos atribuem à má educação ou à falência da escola, a crescente criminalidade, defendendo a tese de que a escola é um dos meios de socialização, e o seu fracasso responderá por muitos casos de delinqüência.

          De fato, a escola é o primeiro sistema oficial da sociedade com o qual o menor toma contato; através dela fará o conceito positivo ou negativo da sociedade. Entretanto, é também na escola que o menor verifica pela primeira vez se é igual ou diferente dos outros e, se essa diferença é natural ou criada pela estratificação social, gerando, daí, um complexo de inferioridade.

          Sob esse prisma, a escola pode até vir a ser a fonte de um conflito cultural, causando um comportamento anti-social, reação à inferioridade. Dessa forma, a escola deve ter muito cuidado em não acentuar esse tipo de diferença, mas tão-somente aquilo que houver em comum.

IV. Programa Comunitário à o art. 101, incisos IV e VI, prevê dois tipos de programa comunitário: um de auxílio à família e ao menor e outro de tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

          Trata-se de instrumento eficaz da comunidade, através do qual se efetiva a participação ativa da sociedade com o Estado na execução da política social de proteção à infância e à adolescência.

V. Tratamento Médico, Psicológico ou Psiquiátrico à o tratamento tutelar, sob o enfoque médico, psicológico e psiquiátrico, é específico das medidas sócio-educativas, por se tratar de um tipo de internação provisória, visando à saúde do menor. Na aplicação desta medida, o órgão responsável terá que se certificar da eficácia e cumprimento da mesma e das condições do serviço a ser prestado, posto que se assim não o for, ter-se –ia um retrocesso ao eufemismo do antigo Código de Menores: internação para fins meramente paliativos, sem finalidade nenhuma.

VI. Orientação e Tratamento a Alcoólatras e Toxicômanos à no caso em tela, prefere-se o tratamento ambulatorial, pois está comprovada a nocividade da instituição psiquiátrica.

          O legislador teve essa preocupação porque está comprovada a correlação entre alcoolismo e criminalidade, encarando o mesmo como uma enfermidade psíquica, tratando-se, portanto, de uma patologia e, assim, devendo ser tratada como tal.

          O alcoólatra é uma pessoa dependente e, por isso, deve ser tratado como tal, necessitando de apoio psicológico e ambulatorial por um longo período.

          O álcool ou a droga não é causa de criminalidade somente quando se está sob seus efeitos, mas a própria abstinência pode levar ao crime, tendo em vista as reações orgânico-fisiológicas que acarreta. Ressalte-se, ainda, que num meio desequilibrado é muito difícil se libertar do vício, provando-se, assim, a necessidade de verdadeiro apoio e tratamento.

VII/VIII . Abrigo em Entidade/Colocação em Família Substituta à o abrigo é medida provisória e excepcional, caracterizando-se como fase de transição ou preparação para a sociedade (colocação em família substituta). Trata-se de medida inconveniente e contra-indicada para a formação da personalidade do menor. Entretanto, é um mal necessário e provisório, posto que na maioria das vezes, quando se determina a colocação do menor em família substituta, é porque a família natural realmente não tinha condições de educar e manter o menor. Ressaltando que, o menor só deve ser internado em último caso.


4. Das Medidas Sócio-Educativas

          As medidas sócio-educativas destinam-se ao menor "delinqüente". Entretanto, as medidas de proteção também são medidas sócio-educativas, sendo que o que distingue as duas espécies é que as primeiras são aplicadas pelo Conselho Tutelar, enquanto que as segundas pelo Juiz de Menores.

          São modalidades do tratamento tutelar: o institucional, o de semiliberdade (meio aberto) e o meio livre. Das medias do art.112, incluem-se em meio aberto a advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade; em regime meio aberto, as de inserção em regime aberto ; e como fechado, a de internação em estabelecimento educacional.

          A advertência (art. 115) é a primeira medida judicial aplicada ao menor que delinqüe e, consiste numa entrevista do mesmo com o Juiz, tendo sentido essencialmente educativo. Não se trata de simples "conversa de rotina", tendo em vista que dela resultará um termo de advertência, no qual estarão contidos os deveres do menor e as obrigações do pai ou responsável, com vista a sua recuperação, sendo-lhe permitido permanecer em seu meio natural.

          O art. 116 prevê a obrigação de reparar o dano, com finalidade essencialmente educativa, despertando e desenvolvendo o senso de responsabilidade do menor em face do que não lhe pertence. Entretanto, deve-se ter em vista que tal medida será muito pouco aplicada, porque a grande maioria de menores que praticam atos infracionais, é de famílias bem pobres e que não têm condições de reparar o dano que causaram. Para casos assim, o parágrafo único do citado artigo prevê a substituição dessa medida por outra adequada, ficando ao arbítrio do Juiz.

          Uma alternativa que pode ser dada a esses casos é a prestação de serviços à comunidade, prevista pelo art. 117. Tal medida, ao meu ver, é das mais eficazes, pois ao se encontrar trabalhando (prestando serviços), o menor, sente-se útil e inserido dentro da sociedade (dos meios de produção), de forma que, em não ficando ocioso, não tem tempo para pensar na descriminação que recai em si próprio; ter contato com elementos perversos e corruptores, sem falar que está colaborando, de certa forma, para a melhoria de uma sociedade que não deixa de ser sua. Alguém já disse que o trabalho engrandece o homem.

          Há casos de menores infratores que não comportam total liberdade de ação, sendo que, mesmo que permaneça em meio à sociedade, necessitam de maior fiscalização e acompanhamento. É o que prevê o art. 118, na liberdade assistida.

          Aqui, o menor não é privado do convívio familiar o que é muito saudável (em alguns casos), sendo que sua liberdade e alguns de seus direitos são limitados, tendo em vista a reeducação e a não reincidência.

          Sob o enfoque das ciências humanas, a liberdade assistida se caracteriza como modalidade de tratamento tutelar em meio livre, com prévio estudo médico-psicológico e social, elaboração do programa de tratamento e execução por pessoal especializado.

          A liberdade assistida deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de infrações e que demonstrem tendência para reincidir, já que os primários devem ser apenas advertidos, com a entrega aos pais ou responsável.

          Tal medida não comporta prazo máximo, devendo perdurar enquanto houver necessidade da assistência.

          O art. 120 prevê o regime de semi-liberdade, ou melhor, dois regimes de semi-liberdade: o que é determinado desde o início, e o que representa a transição para o meio aberto.

          No primeiro tipo, semi-liberdade propriamente dita, o menor passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo, que é o semi-internato, o menor passa da liberdade para a instituição, onde o "menor" deveria passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à noite ao estabelecimento.

          A aplicação da medida de regime de semi-liberdade deve ser acompanhada de escolarização e profissionalização obrigatórias.

          Convém salientar que, tal medida pressupõe casas especializadas e preparadas para o recebimento desses jovens e, infelizmente, não se dispõe dessas casas para o recolhimento dos jovens, como forma de transição para o regime aberto, que seria o da liberdade assistida.

          Ora, não existem "prisões suficientes, casas de albergado, recolhimento de menores e abrigos de velhos, e demais prédios indispensáveis, previstos em diversas leis (...). Os próprios legisladores têm conhecimento de nossa realidade ao promulgarem determinada lei, mas assim mesmo a aprovam, conscientes de que não será devidamente cumprida, o que concorre para que seja desmoralizada, tornando-se inexeqüível" (6).

          O problema está no fato de que nossos governantes sofrem pressões de todos os lados, de forma que têm de responder às reivindicações da população de alguma forma, sendo que a solução por eles encontrada é a edição de leis que muitas vezes não têm como serem cumpridas e não passam de letra morta(7).

          A comunidade tem papel de relevância, na medida que cobra do Estado a execução correta das leis, porém nada terá sucesso se não houver verbas e recursos públicos, indispensáveis ao sucesso de qualquer programa assistencial.

4.1. A co-responsabilidade do Estado e da Sociedade frente à marginalidade

          A criança, de uma forma geral, é credora de proteção integral em razão de sua condição de pessoa em desenvolvimento e necessita de prioridades, de proteção e socorro, no atendimento dos serviços públicos ou de relevância pública, na preferência da formulação e execução das políticas sociais públicas e destinação privilegiada de recursos.

          Contudo, o que se vê são criança nas ruas, sem condição nenhuma de sobrevivência digna, desenvolvimento, saúde ou educação. Todos os dias presenciamos crianças e adolescentes perambulando pelas ruas, como verdadeiros mendigos e a nossa reação é de medo, na maioria das vezes, desprezo e até mesmo "asco".

          Ressalte-se que o medo que sentimos, não é pelo que essas crianças irão se tornar no futuro(8) não muito distante, mas de sermos lesados em nosso patrimônio, pegarmos alguma doença, etc. Que visão pequena e egoísta!

          De fato, a violência dentre os "pequenos" é muito comum e, é natural que temamos pela nossa integridade física. Entretanto, é absurdamente anormal a nossa condescendência, podia-se dizer até "criminosa", com a situação de inteiro abandono e miséria daqueles, repito, que são responsáveis pelo futuro de nossos filhos e netos.

          O Estado é responsável pela política de bem-estar do menor, porém a sociedade tem que se conscientizar da sua co-responsabilidade, sob pena de malogro na realização dessa política social, que visa a resgatar a infância abandonada.

          A co-responsabilidade da sociedade funda-se em sua própria culpa na "gênese" do abandono e marginalidade da infância, a começar pela falta de escrúpulos na escolha daqueles responsáveis pela feitura das leis de proteção ao menor, passando pela falta de cobrança destes mesmos indivíduos. Sim, porque que nós que somos alfabetizados e, na maioria das vezes, muito bem informados, temos a obrigação de reivindicar os direitos daqueles que não tiveram as mesmas chances que nós. É nosso dever moral contribuir com o mínimo para a construção de uma Nação, no sentido exato da palavra.

          Ressalte-se, ainda que, muitas das vezes que crianças ou adolescentes delinqüem, tem um adulto como orientador e mentor desses "crimes". Dessa forma, criança e adolescentes = autores de delitos, são vítimas (quase sempre) da ação violenta e covarde de adultos , contudo a opinião pública é levada a olhar para essas vítimas como agentes exclusivos de violência.

          A sociedade e o Estado agiriam mais "decentemente" se resolvessem ou, pelo menos, tentassem resolver este problema começando pela sua causa, pois se deveria agir "contra os adultos que corrompem crianças ao invés de continuá-las segregando, atribuindo-lhes a responsabilidade pela violência que as vitimiza".

4.2. A imputabilidade Penal x imputabilidade Estatutária

          O Direito Penal encara o crime como uma violação das normas de comportamento estabelecidas no Código e leis complementares. Tais normas têm o objetivo de conceituar, reprimir e penalizar ações ou omissões anti-sociais.

          A imputabilidade penal, normalmente de todos, não incide em duas hipóteses: em razão (exclusivamente) da idade (menos de dezoito anos) ou por ausência da capacidade de entender o caráter ilícito do fato e determinar-se segundo este entendimento.

          O critério dos 18 anos é de política criminal, nada tem a ver com capacidade ou incapacidade de discernimento, ou seja, "admitir que a imputabilidade (penal-comum) aos 18 anos se baseia na falta de entendimento do caráter ilícito, anti-social ou reprovado dos crimes, implica comparar adolescentes a insanos mentais, o que nada tem de "coerente" (9).

          Observe-se, assim, que a idade é critério adotado para melhor execução de política criminal, pois a criminologia concluiu resultar por demais danoso aos próprios fins de prevenção e repressão da criminalidade, submeter crianças e jovens ao sistema carcerário comum destinado aos adultos, sendo que isto não implica impunidade aos jovens, mas tão-somente que aos adolescentes (12 a 18 anos) não se pode imputar responsabilidade frente à legislação comum, mas pode-se atribuir responsabilidade com base nas normas do Estatuto, respondendo pelos delitos que praticarem e submetendo-se às medidas sócio-educativas (de caráter penal especial), que têm caráter pedagógico apresentando-se como respostas justas e adequadas, de boa política criminal, à prática de crimes por jovens.

          Reconhece-se, não é de hoje, a falência dos sistemas penitenciários. A pena privativa de liberdade não reeduca, ressocializa ou cumpre qualquer das suas funções de reintegração do preso à sociedade, mas ao contrário, perverte, deforma e corrompe. Dessa forma, encaminhar jovens a tal sistema seria concorrer para o aumento e não diminuição da criminalidade.

          Entretanto, não se conclua que as medidas sócio-educativas são brandas e flexíveis, posto que não configura a verdade. Tais medidas não deixam de ter o caráter sancionatório e retributivo das penas impostas pelo Código Penal. A diferença reside no caráter pedagógico das mesmas e na preocupação verdadeira de recuperação, ressocialização e reintegração do menor delinqüente na sociedade, utilizando-se, para isso, de alternativas outras que não somente a pena de prisão.

          Isto posto, acreditamos na proposta oferecida pelo ECA como tentativa de melhorar a qualidade de vida nossa e, sobretudo desses pequenos cidadãos, que muitas vezes são tão vítimas quanto nós, seja por meio das medidas sucintamente expostas ou por meio de melhor fiscalização das leis, enfim o primeiro passo para uma solução já está dado, o resto depende de nós.


Notas

  1. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 4.

  2. Expressão de Paulo Lúcio Nogueira, op. cit.

  3. A Quem Servimos?, Rogério Schietti Machado Cruz – Promotor de Justiça do MPDFT

  4. CHAVES, Antônio, Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 457.

  5. NOGUEIRA, Paulo Lúcio, op. cit., p. 187.

  6. Observe-se que, para tentar diminuir a criminalidade, em 1990 foi promulgada a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8072/90), sendo que de lá para cá a violência só aumentou. Por quê? Porque não adianta fazer leis severas, aumentar a quantidade de crimes a serem previstos, etc., deve-se investir em prevenção, ou seja, colocar polícia na rua, fiscalizar, dar condições à sociedade para coibir a criminalidade, pois aumentar quantidade de pena não faz o delinqüente parar de delinqüir.

  7. Quem assistiu às manchetes de jornais há poucos dias atrás, pôde constatar o que acontece com crianças desprezadas que se tornam adultos revoltados, tendo em vista o caso do MENOR DE RUA SOBREVIVENTE DA CHACINA DA CANDELÁRIA que seqüestrou e matou uma jovem num ônibus no Rio de Janeiro.

  8. SILVA, Antônio Fernando do Amaral , Mandar jovens de 16 anos para o sistema carcerário vai resolver a questão da violência e criminalidade?, p. 2.


Sobre a autora


Sírley Fabiann Cordeiro de Lima Melo

E-mail: Entre em contato


Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº45 (09.2000)
Elaborado em 08.2000.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente . Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 45, set. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1645>. Acesso em: 12 set. 2008.


 

Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente

 

sexta-feira, maio 23, 2008

MP-PB lança campanha para combater abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes - Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau)

 

Segunda-feira, 19 de Maio de 2008

MP-PB lança campanha para combater abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes

O Ministério Público da Paraíba realizará nesta segunda-feira (20) a 1ª Conferência Regional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Vale do Mamanguape. A Conferência será aberta às 8h30, na Escola Estadual João Fernandes de Lima, na cidade de Capim, com a palestra da professora Maísa Kilma de Lima Gondim.

 

De acordo com a Promotora de Justiça de Mamanguape, Ana Maria de França Coutinho, a proposta é fazer um enfrentamento no combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes nos municípios que formam o Vale do Mamanguape, tendo em vista ser essa região local de grande incidência de casos.

 

Na segunda-feira à tarde será realizada uma caminhada para mobilizar a população e conscientizar da necessidade de se lutar contra o abuso sexual. Na terça-feira, será lançado o Projeto Menina Abusada, com a apresentação da peça, nos municípios de Itapororoca e Mataraca.

 

Por fim, na quarta-feira, será realizado um pedágio na BR que corta o município de Mamanguape. "Nós pretendemos parar todos os caminhoneiros, que é o nosso principal foco, para panfletar e orientar que a prostituição de crianças e adolescentes é crime. Vamos panfletar e utilizar carros de som nesse pedágio", relatou a Promotora de Justiça.

 

Assessoria de ImprensaMinistério Público - PB(83) 2107.6015

Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau)

 

 

Crianças são abusadas sexualmente até por R$ 0,50 no Estado da Paraíba, segundo pequisadora - Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau)

 

Crianças são abusadas sexualmente até por R$ 0,50 no Estado da Paraíba, segundo pequisadora

 

A Paraíba é o terceiro estado brasileiro em que mais ocorre o abuso sexual contra crianças e adolescentes, existindo cerca de 50 rotas sexuais, apenas nas rodovias federais no Estado. Na região do Vale do Mamanguape, há crianças que são abusadas sexualmente até por R$ 0,50. Esses dados foram apresentados pela professora de Direito Processual Penal Kilma Maisa Lima Gondim durante a 1ª Conferência Regional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Vale do Mamanguape.


A conferência, promovida pelo Ministério Público da Paraíba, ocorreu na manhã desta segunda-feira (19), no Município de Capim. Participaram do evento representantes do MP, Judiciário, Prefeituras, Polícia Militar, além de representantes de 16 Conselhos Tutelares de vários municípios da Região do Vale Mamanguape.


Segundo a Promotora de Justiça da Infância e Juventude de Mamanguape, Ana Maria França, a conferência fez uma abordagem social e jurídica do tema Abuso e Exploração Sexual de Criança e Adolescente, orientando os conselheiros tutelares a fazerem uma fiscalização mais dinâmica e a realizar um atendimento mais efetivo às vitimas. “Também estamos promovendo a segunda Marcha de Combate à Exploração Sexual. Depois da primeira marcha, as pessoas tomaram coragem para denunciar e houve um grande aumento no número de denúncias. Nossa meta é ampliar ainda mais essa margem, através do Disque 100”, declarou.


A Promotora ainda relacionou os fatores que cooperam para o alto índice de abuso sexual na Região do Mamanguape. “Além da pobreza, desesperança, falta de estrutura familiar, analfabetismo, associados à falta de conhecimento e orientação das crianças e adolescentes, devemos também considerar que essa é uma região de passagem de BR, propício para a ocorrência desse tipo de crime. Por isso também faremos, o pedágio, com apresentação teatral em plena BR, para orientação e alerta aos caminhoneiros, transeuntes e demais motoristas”, relatou.


Para a palestrante da conferência, a professora de Direito Processual Penal, com mestrado no tema da exploração sexual da criança e do adolescente na cidade de Guarabira-PB, Kilma Maisa Lima Gondim, esse crime envolve muito mais uma relação de poder do que de sexo. A criança vítima confunde as relações de afeto e passa a enxergar o adulto não como um protetor, mas como um ser que ofende. “Na família, onde elas deveriam ter a maior proteção e confiança é onde ocorre o maior número de casos de exploração”, afirmou Kilma Maísa, acrescentando que, “além de tudo isso, há ainda o mercado sexual para crianças e adolescentes que é muito forte no Brasil, vez que essa exploração é feita em rede: hotéis, motéis, restaurantes, bares, agências de modelo, taxistas”.


Para o Subprocurador-geral de Justiça, José Raimundo de Lima, o Ministério Público tem que fazer essa ação em defesa da criança e do adolescente, porque é própria dele e amplia os laços de fraternidade entre os próprios órgãos que atuam nessa área. “Nós encampamos o projeto Menina Abusada, que foi uma proposta trazida pela Promotora de Justiça, Fabiana Lobo, e estamos desenvolvendo esse trabalho em várias cidades que estão se integrando. Pretendemos levá-lo para toda a Paraíba”, afirmou.

 

Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau)

 

 

terça-feira, maio 06, 2008

Projeto "Depoimento Sem Dano" - Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau)

 

Segunda-feira, 5 de Maio de 2008

Projeto "Depoimento Sem Dano"

 

O projeto Depoimento Sem Dano (DSD) foi implantado na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre (2ª VIJ -- Porto Alegre), em maio de 2003, com o intuito de evitar que a criança ou adolescente vítima de abuso sexual passasse por mais de uma inquirição durante o processo judicial. Introduzindo recursos como câmeras filmadoras e equipamentos de gravação em audiências, o projeto tem como principal objetivo promover a proteção psicológica da criança vítima de violência sexual, evitando seu contato com o acusado e a repetição de interrogatórios. Elogiado por profissionais da área do Direito, o projeto encontra-se em expansão, com vistas a ser aplicado em todo o país.Autor: Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

 

 

Postado por Observatório da Criminologia

 

Observatório da Criminologia (Prof. Lélio Braga Calhau): Projeto "Depoimento Sem Dano"

 

terça-feira, abril 29, 2008

Violência doméstica lidera ranking de agressões contra crianças e adolescentes

 

28/4/2008

Violência doméstica lidera ranking de agressões contra crianças e adolescentes

 

Os pais são os principais agressores contra crianças e adolescentes. A constatação pode ser vista na página da internet que mantém atualizadas as denúncias dos Conselhos Tutelares de todo o país, enviadas ao Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia). São 186.415 registros, de 1999 até hoje.

 

Também constata-se que os números de agressões contra crianças e adolescentes são altos pelo Disque 100, sistema que permite que qualquer um faça denúncias, inclusive anônimas. Em números absolutos, os casos de agressão por negligência ou agressão física e psicológica são 54.889 dos 111.807 registros. Isso representa 67,40% do total. Entre os registros, 242 são denúncias de violência com morte da criança ou do adolescente.

 

Diante do índice, especialistas em questões da infância, consideram que episódios como o da menina Isabella Nardoni, que morreu aos 5 anos, causando comoção por ter causas ainda desconhecidas, são mostras de um país ainda tolerante com a agressão contra crianças e adolescentes.

 

Para o integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel de Castro Alves, os dados revelam que a violência contra a infância é generalizada no Brasil e que há muita tolerância para com ela – o que faz com que as pessoas se sintam menos à vontade para denunciar.

 

“Devemos tratar do caso da menina Isabella e, a partir dele, refletir com toda a sociedade brasileira. Os números mostram que a violência contra a infância e a juventude é generalizada e, muitas vezes, a violência ocorre exatamente nos locais em que elas deveriam receber proteção, que são os lares, escolas e creches”, disse.

 

A coordenadora do Programa de Enfrentamento à Violência Sexual contra a Criança e o Adolescente da Secretaria de Direitos Humanos, Leila Paiva, concorda com o conselheiro do Conanda. Para ela, o que contribui para a manutenção deste quadro é a falta de iniciativa de quem observa a violência, mas não denuncia.

 

“Existe um pensamento no imaginário popular de que não devemos interceder em problemas que ocorrem no âmbito familiar, o que é um equívoco. Mas, ao mesmo tempo, eu penso que o aumento dos registros no Disque 100 é pelo fato dele garantir o anonimato e a distância das pessoas”, analisou a coordenadora.

 

Ariel Alves, do Conanda, retoma a questão do papel da sociedade: “Não é só a família a responsável por garantir os direitos da infância e juventude, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) diz que é um dever de todos: da família, do Estado e de toda a sociedade brasileira.”

 

A média de utilização do Disque 100, desde que foi implantado em 2003 até hoje, é crescente. Começou com 12 relatos por dia, passou para 38 em 2006 e chegou a 69 em 2007. Até março deste ano, foram contabilizados em torno de 93 casos diariamente.

 

Os dois especialistas atribuem o crescimento do número de denúncias à sensibilização de todos da importância em não se calar diante dos casos de agressão a crianças e a adolescentes. Para ambos, não se trata de aumento dos casos de agressão.

 

Alves citou estudo da Universidade de São Paulo sobre o tema: “Uma pesquisa do Laboratório de Estudos da Criança da USP, feito entre 1996 e 2007, diagnosticou a existência de 159.754 casos de violência doméstica. E também concluiu que aproximadamente 10% dos casos de abusos e violência contra crianças e adolescentes são denunciados.”

 

Morillo Carvalho

Agência Brasil

Violência doméstica lidera ranking de agressões contra crianças e adolescentes

 

segunda-feira, dezembro 24, 2007

Boletim Jurídico - A OIT e a Idade mínima de admissão ao emprego: até onde vai a preocupação com o menor?

Fonte: Boletim Jurídico


A OIT e a Idade mínima de admissão ao emprego: até onde vai a preocupação com o menor?

Autor:Francisco Montenegro Neto
Advogado em São Paulo, Graduado pela UFRJ, Pós-Graduado e Mestrando em Direito do Trabalho pela PUC/SP.


Inserido em 13/3/2006
Parte integrante da Edição nº 169


Revista Consulex

A Convenção 138 e a Recomendação 146 sobre idade mínima de admissão ao emprego, apesar de adotadas em 1973 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), somente ingressaram no ordenamento jurídico brasileiro após a edição do Decreto Presidencial nº 4.134, de 15 de fevereiro de 2002.

 

O art. 1o da Convenção 138 incute a idéia de que a norma internacional prioriza o “desenvolvimento físico e mental do adolescente”. Parece assim se nortear, até quando dispõe exceção à regra da idade mínima para admissão no emprego como sendo a da “conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer hipótese, não inferior a quinze anos” (art. 2o, 3o parágrafo). A respeito dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o parágrafo 4o do mesmo art. 2o reza que o “País-membro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de quatorze anos”.

 

Pari passu, a Recomendação 146, que sugestiona regramentos visando a consecução dos escopos da Convenção 138, prevê que “Onde não for imediatamente viável definir uma idade mínima para todo emprego na agricultura e em atividades correlatas nas áreas rurais, uma idade mínima deveria ser definida no mínimo para emprego em plantações e em outros empreendimentos agrícolas referidos no Artigo 5º, parágrafo 3º, da Convenção sobre a Idade Mínima, de 1973” (grifo nosso).

 

Por sua vez, o propalado parágrafo 3º do artigo 5o da Convenção 138 determina que “Os dispositivos desta Convenção serão aplicáveis, no mínimo, a: mineração e pedreira; indústria manufatureira; construção; eletricidade, água e gás; serviços sanitários; transporte, armazenamento e comunicações; plantações e outros empreendimentos agrícolas de fins comerciais, excluindo, porém, propriedades familiares e de pequeno porte que produzam para o consumo local e não empreguem regularmente mão-de-obra remunerada” (grifo nosso). 

 

Percebe-se, com destaques nossos, que o trabalho do menor em atividade agrícola comercial tem alguma prevalência sobre o trabalho agrícola não comercial, o que até pareceria óbvio, em primeira análise, visto que o artigo 3o do Decreto 4.134/2002 expressamente exclui da abrangência da norma “as empresas familiares ou de pequeno porte que trabalhem para o mercado local e que não empreguem regularmente trabalhadores assalariados”.

 

Acreditamos – sem deixar de reconhecer a peculiaridade dos empreendimentos familiares de cunho de subsistência – que a Convenção 138 poderia ter estendido sua preocupação em tolher o trabalho do menor, sem limite de idade, em empreendimentos agrícolas também sem fins comerciais.

 

Caso contrário, calha indagar: a ordem jurídica poderia, pois, acobertar meninos e meninas trabalhando de sol a sol, desde que fora do comércio? Ou será que tais cidadãos (menores) – por não trabalharem gerando renda perceptível nos índices econômicos que refletem a performance agrícola de um país signatário, não influenciando, portanto, no contexto concorrencial do comércio internacional – não careceriam de proteção ao “desenvolvimento físico e mental do adolescente” preconizado no artigo 1o da Convenção 138?

 

Mais: como ficariam os menores que trabalham em propriedades travestidas de “familiares”, mas que estão a serviço de mega-empregadores rurais?  E quando o modus operandi dessas propriedades presta-se a servir de fachada para um consórcio de escravocratas?

 

O noticiário jurídico pátrio dá conta da intervenção exitosa do Ministério Público do Trabalho e das Varas itinerantes no Estado do Pará, Maranhão e outros, mas ainda carecemos de maior respaldo e cobertura do legislador. Se não for o interno, que seja o externo (no caso, a OIT).

 

Todavia, se a norma internacional não quis acobertá-los com o manto protetor da restrição da idade mínima com que aquinhoou o menor que trabalha na agricultura voltada para comércio, por que não ao menos propugnar a limitação de atuação dos menores em trabalhos não comerciais, como foi feito em relação aos menores que têm participação em representações artísticas (vide art. 8o da Convenção 138) (1)?.

 

Com precisão cirúrgica, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Gandra Martins da Silva Filho, assevera que “A OIT, quando se empenha na erradicação do trabalho infantil, não o faz exclusivamente por motivos humanitários. Visa, muitas vezes, como objetivo mais concreto e menos ideal, combater a concorrência desleal que se dá o mercado internacional, onde a exploração da mão-de-obra infantil, abundante e barata, permite a países subdesenvolvidos concorrerem com países que têm a seu favor o avanço tecnológico” (2).

 

Parece-nos que países como, principalmente, China, Índia e Brasil (talvez necessariamente nesta ordem, a julgar por suas posições nos últimos rankings de desenvolvimento) (3) incomodam a OMC (Organização Mundial do Comércio) pela potência agrícola de seus territórios continentais, assim também pela pujança comercial de seus mercados abarrotados de mão-de-obra barata.

 

Essas nações deveriam incomodar a OIT – cingindo-se à temática em apreço – apenas pelo trabalho infantil. E que se deixe a política anti-concorrencial para a OMC, mormente porque a OIT mexeria na idade de ingresso no mercado de trabalho de todos os países-membros, sem interferir – no que seria uma necessária contrapartida – nas disparidades estruturais e de capacidade instalada – “economês” à parte – dos parques industriais.

 

O arguto Ministro Gandra Martins arremata: Nesses casos, a chamada cláusula social passa a obrigar toda a comunidade internacional, impondo padrões elevados de remuneração laboral, sem que seja socializado da mesma forma o progresso tecnológico”.

Não se pode negar que no hodierno mundo globalizado, mais do que nunca, o trabalho e o comércio se entrelaçam visceralmente. O comércio gera trabalho (empregando formal ou informalmente); o trabalho alimenta o comércio, porquanto seja o elemento que dignifica a pessoa humana e fornece-lhe, além da higidez física e mental, a remuneração que faz girar a economia.

 

Sem embargo da crítica do Ministro – que, aparentemente ácida, é de realismo pontual – ousamos perfilhar uma posição que prefere acreditar – tomara não ingenuamente – em uma OIT menos economicista e mais alinhada com a linha histórica que conduz seus estudos, os quais impactam, por sua vez, na elaboração das convenções propostas aos Estados Membros.

 

Arnaldo Süssekind, com a autoridade de quem tantas vezes integrou a Comissão de Peritos da OIT que avalia o cumprimento das obrigações decorrentes das normas constantes das convenções ratificadas, nos informa ser “inquestionável que a OIT vem empreendendo ação meritória no sentido de eliminar o indesejável trabalho infantil, com ressonância em instituições públicas e na sociedade civil” (4).

 

De fato, a Convenção 182 e a Recomendação 190/99, “sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil e a ação imediata para sua eliminação”, sobrevieram à Convenção 138 e, também ratificadas (felizmente) pelo Brasil, lançaram sementes que aos poucos vão frutificando por aqui, com a melhoria – ainda que longe da ideal – da redução dos índices negativos de escravidão (gênero) ou condições degradantes de trabalho infantil (espécie) e exploração sexual ligada às redes de prostituição, onde muito ainda há o que se fazer.

 

Com percuciência, Süssekind – a “CLT viva” (5), nos dizeres de Georgenor de Sousa Franco Filho – destaca que a Convenção 182 se aplica “a todos os menores de 8 anos, ainda que sem relação de emprego, mitigando o vácuo deixado pela Convenção 138. 

 

Mas a senha que sinaliza o acerto das ponderações do Ministro Gandra Martins é dada pelo próprio ex-Ministro Süssekind, quando – referindo-se à prioridade estabelecida em 1988 – admite que a cruzada da OIT contra o trabalho do menor ainda “não teve o êxito desejado, porque a globalização da economia, com prevalência das leis do mercado, teve reflexos nas relações de trabalho, principalmente nos países que procuram baixar o ônus social da produção a custo do trabalhador, a fim de melhor participarem da concorrência do comércio mundial. E aumentou o número de menores, inclusive crianças, engajados no mercado de trabalho, muitas vezes em regime de escravidão ou de trabalho forçado”.

 

Decerto que comércio e trabalho não reagem como água e óleo, misturar-se-ão sempre.

 

Mas há ocasiões em que o comércio deve ser tratado estritamente como comércio – mister, aí, que a OIT deixe para a “co-irmã” OMC a atuação inibitória dos abusos nos subsídios agrícolas, etc. – bem como que o trabalho (cogitando-se, aqui, trocar as “ocasiões” por “sempre”) seja regulado com prioridade na dignidade do ser humano, se necessário em detrimento do capital. “A dignidade do ser humano não deve ser o preço pago pelo desenvolvimento econômico”, como apregoado por José Nilton Pandelot (6), atual Presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas).

 

Para instigar a reflexão – única intenção, de fundo, destas linhas – ponderamos que a OIT, pela bravura com que luta contra a exploração do menor, quer em países ricos (7), quer em países pobres, aproveitando sua umbilical ligação à célula mater da ONU, com sua sede em Genebra (também berço do G-7), poderia reforçar seu alinhamento com a premissa da não discriminação que permeia tantos outros tratados existentes, substituindo a Convenção 138 por uma convenção revisora que se alinhe à Convenção 182 e não relegue à desproteção os menores que trabalham no mercado extracommercium.

Demais disso, o Professor Arion Sayão Romita prescreve ser possível que “o inadimplemento de uma obrigação imposta por convenção ratificada constitua motivo de imposição de alguma sanção penal” (8). Em tempos de combate ao trabalho escravo e utilização indiscriminada do trabalho do menor, o elastecimento da norma de direito internacional seria bem vinda, a fim de reforçar os instrumentos internos de coerção aos maus empregadores, tenham ou não fins comerciais evidentes.

 

Impende concluir que, sendo desnecessário falar-se em redirecionamento, basta o seguimento incansável da OIT nas trincheiras de combate ao trabalho do menor nas suas formas escusas, com o aperfeiçoamento revisional da Convenção 138, para que não se faça letra morta do preâmbulo da respectiva convenção que, em sede de consideranda, apregoa “ter chegado o momento de adotar um instrumento geral” (...) com vistas à total abolição do trabalho infantil” (g.n.).

 


Notas e Referências:

1) Artigo 8º - Convenção 138 OIT: “1. A autoridade competente, após consulta às organizações de empregadores e de trabalhadores concernentes, se as houver, poderá, mediante licenças concedidas em casos individuais, permitir exceções para a proibição de emprego ou trabalho provida no Artigo 2º desta Convenção, para finalidades como a participação em representações artísticas. 2. Licenças dessa natureza limitarão o número de horas de duração do emprego ou trabalho e estabelecerão as condições em que é permitido”.

 

2) Martins Filho, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho, Editora Saraiva, 13a edição, São Paulo, 2005, pp. 115-116.

 

3) O Banco Mundial (Fonte: Revista Exame, 9 de junho de 2004, acesso pelo portal http://www. bancomundial.org.br/index.php/ content/view_artigo/1991.html, em 11 de janeiro de 2005) comparou as atuais posições de China, Índia e Brasil, no ranking das maiores economias do mundo com as que poderão ocupar em vinte anos, caso mantidas as atuais taxas de crescimento econômico, com a seguinte conclusão:

O ranking do desenvolvimento

Países                    Posição atual do país                                Posição que o país poderá ocupar

China                     6º                                                              2º

Índia                      11º                                                            4º

Brasil                     13º                                                            13º

 

4) Süssekind, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. LTr, São Paulo, 3a edição, 2000, p. 402.

 

5) Expressão reiteradamente utilizada pelo Magistrado, Professor e Acadêmico Georgenor de Sousa Franco Filho em discurso de posse (03 fev. 2006) como Presidente da ANDT– Academia Nacional do Direito do Trabalho – para o biênio 2006/2007; ocasião na qual pôde se aperceber que todas as homenagens para Arnaldo Lopes Süssekind serão poucas.

 

6) Pandelot, José Nilton. Direitos Humanos e o Trabalho. Anamatra, 9 jan. 2006. Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/opiniao/artigos/ler_artigos.cfm?cod_conteudo=6365&descricao=artigos>. Acesso em: 9 jan. 2006.

 

7) Süssekind (op. cit., p. 401) menciona o relatório da OIT elaborado para a Conferência de 1996, no qual a Repartição Internacional do Trabalho denunciou haver “provas da existência de trabalho infantil em muitos países industrializados, como Itália, Portugal, Reino Unido e Estados Unidos”.

 

8) Romita, Arion Sayão. O Princípio da Proteção em Xeque. LTr, São Paulo, 2003, p. 441.



sexta-feira, dezembro 14, 2007

Desmandos de um país que desconhece sua Constituição - Jus Vigilantibus

Fonte:Jus Vigilantibus — jusvi.com

Desmandos de um país que desconhece sua Constituição

Antonio Baptista Gonçalves

Advogado. Membro da Association Internationale de Droit Pénal. Membro Consultor da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP. Coordenador de Direito Penal e Criminologia da Comissão do Jovem Advogado da OAB/SP. Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP. Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s Responses - Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali.
Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra. Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca. Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Bacharel em direito pela universidade presbiteriana Mackenzie.


Site:www.antoniogoncalves.com


O mês de novembro deflagrou uma realidade que se torna diuturnamente mais e mais cotidiana no cenário nacional: o desrespeito à própria Constituição nacional.

 

A atrocidade demonstrada no Estado do Pará apontou uma série de desmandos ao qual o argumento subseqüente tinha por condão ser ainda pior que o antecedente.

 

Uma jovem coabitar uma cela com mais vinte homens, por si só, já denota um problema grave de violação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, porém o que dizer dos fatos conseguintes?

 

Cada autoridade tentando se justificar através de uma banalização da situação. Primeiro, com o delegado, ao afirmar que não havia nada de mais em ter uma menina (15 anos) presa, porque, na verdade não se tratava de uma menina, mas sim, de uma mentirosa que alterou seus documentos e que os propalados 15 anos eram na verdade 19.

 

E, desde quando essa informação justifica a convivência de uma mulher com vinte homens forcosamente?

 

Ademais, a jovem teve de comprovar que era menor de idade, fato posteriormente confirmado pela própria família. Interessante, o que uma menor de idade faz presa numa delegacia conjuntamente com maiores e capazes?

 

Seria leviano afirmar que tal conduta é diametralmente oposta ao que prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?

 

Em continuidade a seqüência de absurdos, a própria governadora do Estado assume ser comum a presença de mulheres em cela de presos, não havendo uma distinção e uma proteção adequada.

 

Apesar, da própria polícia, demonstrar a possibilidade da existência de celas para propiciar a separação de sexos.

 

Mas, o show de atrocidades ainda não estava completo: havia o estupro de detentas, mas como assim? Violentar meninas que convivem forçosamente com outros homens? Eles jamais fariam isso a uma mulher...

 

A cereja que faltava para completar a camada de chantili e o bolo construído pela administração daquele estado se completou com a afirmação do delegado que a menina, na verdade, era portadora de debilidade mental.

 

Fato desmentido no dia seguinte e que custou o emprego da autoridade “competente”.

 

Foram tantos os problemas, que se torna difícil acreditar ser possível uma seqüência tão desastrosa dessa dura realidade de ser brasileiro.

 

Como o cenário não é de nenhum filme de terror de quinta categoria, o que nos resta é apontar os problemas, numa esperança de colaborar pela diminuição do caos.

 

O inicio desse artigo previa um desrespeito à Constituição e será ele válido? Será que os presos merecem ser tratados como seres humanos? Senão vejamos:

 

A proteção à mulher presa é flagrante:

“Art. 5°, III, da Constituição Federal. Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

Art. 5°, XLI, da Constituição Federal. A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.

Art. 5°, XLVIII, da Constituição Federal. Não haverá penas:

  1. de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
  2. de caráter perpétuo;
  3. de trabalhos forçados;
  4. de banimento;
  5. cruéis (grifo nosso).

Art. 5°, XLIX, da Constituição Federal. É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.

Art. 6°, da Constituição Federal. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança. A previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição.

 

É inconcebível que ainda exista na realidade brasileira cenas como as vivenciadas com esta e outras jovens no mundo prisional. Tais atos, somente podem ser viáveis se o pensamento for o da desumanidade.

 

Porque, em verdade, o preso não é mais um ser humano, mas sim um paria social e, por assim o ser, merece um tratamento degradante e cruel. A mulher presa merece ter sua carne deflagrada e sua intimidade invadida.

 

Ora, a que ponto chegamos?

 

Será que o medo e a insegurança da população são tão grandes assim a ponto de pouco se importarem com os direitos humanos do próximo?

 

O sistema penitenciário brasileiro ser falido não é nenhuma notícia inédita que mereça a primeira página de qualquer jornal, no entanto, será que o desmazelo social não terá mais fim?

 

Como pretender seguir num modelo calcado na ressocialização social se o que o Estado propicia é o desenvolvimento do ódio, da vingança, da revolta?

 

A sociedade paga dia após dia por essas atitudes perpetradas pelos governantes. Uma jovem inocente ser assaltada num farol, um trabalhador perde sua vida num roubo, um seqüestro que perdura por mais de 13 horas etc.

 

Qual é o sentimento da sociedade frente a tudo isso? ENDURECIMENTO PENAL!

 

O preso é tratado com um descaso e um desprezo crescente pela população e notícias como as veiculadas sobre essa jovem geram sensações de alivio, porque esses condenados estão pagando pelo mal que causaram.

 

Esse pensamento segregador e preconceituoso ecoa no imaginário nacional, no entanto, e se esses desmandos fossem praticados fora da prisão contra uma jovem desconhecida, que nunca teve convivência com o universo prisional, seria a mesma sentença?

 

Dissociar o mundo prisional da realidade nacional é um erro que não podemos cometer. Os problemas existem aqui e são transferidos para lá. Dentro da prisão se potencializam e o resultado, bom este já sabemos.

 

Mas, será justo o preso e a sociedade pagarem pelos desmazelos do Estado?

 

Se a resposta for afirmativa, casos como os ocorridos no Pará serão corriqueiros e a sociedade entrará num buraco negro inevitável.

 

Por outro lado, se o entendimento for contrário, é vital apurar e responsabilizar os culpados naquele Estado. Um erro jamais justifica outro. Sistema falido é uma coisa, desrespeito e desumanidade já é outra completamente diferente.

 

Nenhum ser humano merece ser tratado dessa forma, inocente ou culpado...


Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:

(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)

GONÇALVES, Antonio Baptista. Desmandos de um país que desconhece sua Constituição. Jus Vigilantibus, Vitória, 13 dez. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/30418>. Acesso em: 13 dez. 2007.



Jus Vigilantibus

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