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sexta-feira, fevereiro 12, 2010

Notícias STF: Violações a princípios constitucionais permitem que STF analise pedidos de intervenção federal

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No início da década de noventa o Supremo Tribunal Federal concretizou um importante instrumento para a fiscalização e garantia de aplicação dos princípios constitucionais inscritos na, até então recente, Constituição promulgada (CF-1988). Em 13 de março de 1991, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) analisou uma Intervenção Federal solicitada pela Procuradoria Geral da República contra o estado do Mato Grosso depois de um crime que chocou a sociedade brasileira, ocorrido em novembro de 1990, na cidade de Matupá, a 700 quilômetros de Cuiabá. O julgamento ocorreu em 13 de março de 1991.


O procurador-geral da República à época, Aristides Junqueira, pediu a intervenção alegando que não havia, no estado, a mínima condição de se assegurar o mais primordial direito da pessoa humana: o direito à vida. Isso porque as autoridades policiais foram impotentes para manter a segurança de três presos e não conseguiram evitar que eles fossem linchados até a morte por populares.


A Intervenção Federal (IF 114), relatada pelo então presidente ministro Néri da Silveira (aposentado), foi conhecida, por maioria de votos, mas indeferida por unanimidade de votos. Em seu voto, embora tenha reconhecido a gravidade da situação, o ministro Néri da Silveira afirmou que não se tratava de situação concreta que, por si só, poderia configurar causa bastante a decretar-se intervenção federal no estado.


O relator considerou ainda que o governo estadual havia adotado todas as providências para a apuração do crime. O ministro salientou também que não havia necessidade de se determinar a entrada da Polícia Federal no caso, em substituição à Polícia Civil de Mato Grosso


No pedido de intervenção, o então procurador Aristides Junqueira alegou a inobservância pelo estado do Mato Grosso do princípio constitucional previsto no artigo 34, inciso VII, alínea “b”, da Constituição de 1988, que trata dos direitos da pessoa humana. O Plenário do STF acompanhou o voto do ministro Néri da Silveira reconhecendo, por maioria de votos, a legitimidade ativa do PGR para pedir a intervenção, que por isso foi conhecida, mas indeferiu o pedido no mérito.


O crime


Em novembro de 1990, em Matupá (MS), policiais civis e militares conseguiram fazer com que três ladrões depusessem suas armas e saíssem de uma residência onde mantinham crianças e adultos como reféns. Ã família foi liberada após conversações entre eles e o capitão da PM que comandava a operação. Ao deixarem a casa, os ladrões foram colocados num automóvel acompanhados por policias, que, até aí, os protegiam contra dezenas de pessoas que queriam linchar o grupo.


Mas, em seguida, os três presos apareceram em outro local, fora do veículo, acompanhados de policias, já apresentando lesões corporais, sendo um deles chutado por um miliciano. Mais tarde, os três presos apareceram, ainda com vida, jogados no chão, tendo pela frente dezenas de pessoas que gritavam, desejando a morte dos três. Em seguida, foi atirada gasolina sobre os homens e ateado fogo sobre seus corpos. As cenas foram exibidas pela televisão e chocaram o país.


VP/LF


* Acompanhe o dia a dia do STF também pelo Twitter: http://twitter.com/stf_oficial

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Download de documentos sobre o assunto:



Artigo sobre o assunto:

Da ação de intervenção do Estado nos Municípios na Constituição do Estado da Bahia


Elaborado em 11.2006.

Paloma Braga Araújo de Souza

advogada em Salvador (BA), pós-graduanda em Direito do Estado






Da ação de intervenção do Estado nos Municípios na Constituição do Estado da Bahia

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9255



Paloma Braga Araújo de Souza
advogada em Salvador (BA), pós-graduanda em Direito do Estado


INTRODUÇÃO

O presente trabalho cuida do instituto da intervenção pela via de ação jurisdicional, traçando um paralelo entre o procedimento federal e o do Estado da Bahia. Antecedendo essa exposição, são analisados alguns aspectos históricos do instituto. Busca, ainda, identificar quais os princípios constitucionais sensíveis da Constituição baiana, capazes de ensejar a ação interventiva.


1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS

1.1 Da Separação dos Poderes

A idéia de uma tríplice função a ser desempenhada pelo Estado surge pela primeira vez na Grécia clássica, através do pensamento de Aristóteles. O filósofo, na sua obra Política, reconheceu a existência de três esferas distintas de atuação do Estado, quais sejam: administrativa, legislativa e jurisdicional. Tais esferas de atuação ou funções eram, contudo, concentradas em um poder estatal único e soberano.

O pensamento de Aristóteles foi esmiuçado pelo filósofo moderno John Locke em sua obra O Segundo Tratado do Governo Civil de 1690. Para Locke, os homens só se unem em comunidades e submetem-se a um governo a fim de preservar a sua propriedade e, para tanto, desejam, primeiramente, uma lei conhecida, clara e estabelecida; em segundo lugar, um juiz conhecido e imparcial; e, por fim, um poder que dê suporte e execução às sentenças justas [01].

Ainda para Locke, a função legislativa não pode ser exercida senão por um poder supremo e autônomo, ou seja, independente dos outros dois poderes que ele denomina executivo e federativo [02].

Foi, porém, com Montesquieu que a tripartição dos poderes ganhou os contornos que tem hoje, sem alterações substanciais. Cumpre ressaltar, todavia, que a teoria do iluminista não previa, ainda, o exercício das três competências plenamente independente e autônomo.

A teoria de Montesquieu, que enfraquecia o estado absolutista, influenciou as revoluções francesa e americana, sobretudo na elaboração de suas respectivas constituições e no desenvolvimento da doutrina americana dos freios e contrapesos. No Brasil, a tríplice divisão foi prevista desde a Constituição Imperial de 1824.

É importante destacar que, a despeito da nomenclatura Separação de Poderes, o poder soberano é substancialmente uno e indivisível. O que há, em verdade, é a tripartição das funções do Estado. Nesse sentido, em interessante analogia, Kant comparou os poderes do Estado ao dogma católico da Santíssima Trindade, de modo que o Estado é a união dos três poderes em uma única soberania, ou seja, é concomitantemente uno e trino [03].

1.2 Do Federalismo

No esteio da mitigação do absolutismo através da tripartição dos poderes do Estado, surge, nos Estados Unidos da América, o federalismo. O federalismo, embora seja também forma de repartição de poder, não o é mais em razão das funções a serem exercidas pelo Estado, mas pela necessidade de se distribuir o poder de forma equilibrada, com o escopo de preservar a diversidade comum em Estados de grandes extensões territoriais.

Com o federalismo, além de tripartido, o poder estatal é desconcentrado, de modo que, apesar da soberania do Estado Federal, os entes federados gozam de autonomia político-administrativa. Assim, os Estados federalistas apresentam uma repartição horizontal do poder através das competências executiva, legislativa e judiciária e uma repartição vertical do poder através da autonomia e capacidade de autogestão dos entes federados.

No Brasil, o modelo federalista foi adotado desde a primeira constituição republicana datada de 1891, com indubitável "inspiração" no modelo norte-americano de 1787. No entanto, enquanto a federação americana se formou através de um movimento centrípeto, ou seja, através de cessão de parcela do poder dos Estados para a federação, no Brasil, o movimento foi centrífugo ab initio, vale dizer, a descentralização partiu do Estado, antes unitário, para os entes federados. [04]

1.2.1 Da Autonomia dos Entes Federados

A adoção da forma federativa de organização pressupõe cessões recíprocas de poder entre federação e federados. Assim, ao passo que a União reparte constitucionalmente competências, delegando aos entes federados a capacidade de auto-organização, esses entes vinculam-se à soberania do Estado Federal, renunciando à possibilidade de secessão e guardando respeito à Constituição.

A autonomia dos membros da federação consiste, conforme lição de Pedro Lenza, na capacidade de auto-organização, autogoverno, auto-administração e autolegislação. [05] Desse modo, os entes federados podem ser organizados e regidos por normatização própria, eleger seus representantes e exercer suas competências administrativa, legislativa e tributária.


2. A FORMA FEDERATIVA NO BRASIL

Conforme dito anteriormente, o Brasil adotou a forma federalista desde o início da República. Todavia, antes da atual constituição democrática, o federalismo era mais formal que material, haja vista que a sucessão de regimes ditatoriais não permitia, de fato, uma verdadeira descentralização política.

Já a Constituição de 1988 institui logo em seu art. 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, acrescentando no art. 18: todos autônomos, nos termos desta Constituição. Mas, além de elevar os municípios à condição de entes federados, a constituição brasileira alçou, ainda, o sistema federativo ao status de princípio e cláusula pétrea [06].

A despeito das críticas existentes ao modelo federalista pátrio, que no presente trabalho não serão objeto de análise, partir-se-á do pressuposto que os Estados e Municípios brasileiros e o Distrito Federal gozam de autonomia, nos termos supra elencados, ou seja, pela capacidade de autogestão.


3. AUTONOMIA DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS BRASILEIROS

De forma sintética, pode-se afirmar que a autonomia dos Estados e Municípios e do Distrito Federal configura-se, nas palavras de Alexandre de Moraes, "pela tríplice capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração". [07] Desse modo, ainda conforme lições do autor, Estados e Municípios organizam-se respectivamente através de Constituições Estaduais e Leis Orgânicas (o que vale também para o DF), autogovernam-se através da escolha direta dos membros de seus Poderes Executivo e Legislativo locais e auto-administram-se através do exercício de suas competências administrativa, tributária e legislativa, expressamente conferidas pela Constituição federal

Sendo os entes federados autônomos entre si, sua coexistência só se torna possível por meio da repartição das respectivas competências, de acordo com a predominância do interesse (geral, regional ou local). [08] Dessa forma, cada ente é independente na sua esfera de atuação e competência, não estando sujeito às ingerências um do outro.


4. DA INTERVENÇÃO

Embora no Estado federativo, vigore a regra da autonomia dos entes federados, em casos excepcionais, admitir-se-á a intervenção de um ente sobre o outro, situação em que ficará suspensa dita autonomia. No ensinamento do Min. Celso de Mello,

"O instituto da intervenção federal, consagrado por todas as Constituições republicanas, representa um elemento fundamental na própria formulação da doutrina do federalismo, que dele não pode prescindir - inobstante a excepcionalidade de sua aplicação -, para efeito de preservação da intangibilidade do vinculo federativo, da unidade do Estado Federal e da integridade territorial das unidades federadas". [09]

A intervenção poderá ser da União nos Estados (e DF) ou dos Estados nos Municípios – intervenção federal e estadual, respectivamente.

As razões que podem ensejar a intervenção estão expressa e taxativamente previstas no texto constitucional nos artigos 34 e 35. A intervenção poderá ser espontânea ou provocada, configurando-se ora como ato político, ora como ato político-jurídico [10], havendo procedimentos e legitimados distintos, conforme o caso.

Para o desenvolvimento deste trabalho, interessará, dentre as hipóteses justificadoras da intervenção elencadas na Constituição Federal, a ofensa aos princípios constitucionais sensíveis (art. 34, VII), quais sejam: forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direitos da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública, direta e indireta; e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde. Nessas hipóteses, ocorre clara e direta ofensa à Constituição e a intervenção se dará (ou não, conforme será visto) através de procedimento jurisdicional de ação direta de inconstitucionalidade interventiva, cuja legitimidade é exclusiva do Procurador-Geral da República e a competência originária do Supremo Tribunal Federal.

Cumpre ressaltar que o art. 34, VII refere-se à intervenção da União nos Estados-membros. Ao cuidar da intervenção nos Municípios (dos Estados ou da União, no caso de territórios federais), a Constituição não repete expressamente a regra, abrindo espaço ao poder constituinte decorrente, senão vejamos:

"Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando: IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual (...)." (grifo aditado)

Desse modo, para fins de intervenção estadual nos Municípios, cumpre à Constituição Estadual indicar quais são os princípios sensíveis, cuja violação ensejará procedimento jurisdicional interventivo [11].


5. DO PROCEDIMENTO DE INTERVENÇÃO VIA ADIN

Como já dito, a violação dos princípios constitucionais sensíveis pelo Estado-membro, enseja propositura de ADIn interventiva cuja legitimidade é do Procurador-Geral da República e competência do STF. O objetivo dessa ação, contudo, não é a declaração de inconstitucionalidade do ato violador, mas a decretação da intervenção federal pelo Presidente da República. [12]

Assim, julgada procedente a ação interventiva, o STF requisitará ao Presidente da República a decretação da intervenção federal. Todavia, a princípio, o decreto presidencial limitar-se-á a suspender a execução do ato violador impugnado pela ação e, somente na insuficiência da medida para o restabelecimento da normalidade, será decretada a intervenção federal.

Pela via paralela, pode-se vislumbrar o procedimento estadual simétrico, com legitimidade ativa do Procurador-Geral de Justiça, competência do TJ, conforme indicado na CE, e decreto do Governador do Estado, a ser disciplinado em normas de imitação, [13] restando identificar quais são, em cada Estado, os seus princípios constitucionais sensíveis.


6. DA AÇÃO INTERVENTIVA NO ESTADO DA BAHIA

A Constituição do Estado da Bahia e o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado optaram por não inovar ao preverem o procedimento de intervenção nos municípios pela via jurisdicional. Seguindo os moldes da ADIn interventiva federal, cumpre ao Procurador-Geral de Justiça representar ao TJ pela intervenção do Estado no Município.

Tal qual previsto no RISTF, diante da representação do PGJ, o Presidente do Tribunal poderá tomar providências que lhe pareçam adequadas para remover, administrativamente, a causa do pedido. Se frustrada a medida, requisitará informações à autoridade responsável pela inobservância dos princípios constitucionais e colherá o parecer do Procurador-Geral de Justiça, após o que o feito será distribuído no âmbito do Tribunal Pleno.

O julgamento realizar-se-á em sessão pública, sendo facultada a sustentação oral pelo Procurador do órgão interessado na defesa da legitimidade do ato impugnado e pelo representante do Ministério Público. Se o Tribunal concluir pela intervenção, o Presidente comunicará a decisão ao Governador do Estado, para que a concretize.

O decreto do Governador limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade, sendo dispensada a apreciação pela Assembléia Legislativa. Sendo insuficiente a medida, será, então, decretada a intervenção estadual.

Visto que o procedimento estadual é análogo ao federal, resta agora analisar quais sejam os princípios sensíveis à luz da Constituição Estadual.

Diz o art. 65: "O Estado não intervirá nos Municípios, exceto quando: IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação, para assegurar a observância de princípios indicados nesta Constituição (...)"

Ao contrário do que fez a Constituição Federal, a carta estadual não dispôs expressamente quais os princípios que, se violados, podem ensejar a intervenção no município.

Já no art. 2º a Constituição do Estado da Bahia elenca expressamente seus princípios fundamentais, sem prejuízo dos constantes da Constituição Federal. Mesmo um breve exame do referido artigo permite concluir tratar-se de norma semelhante ao art. 34, VII da CF para não dizer mesmo que se trata de norma de reprodução – ainda que não haja repetição ipsis verbis. [14]

Ao enumerar como princípios fundamentais a serem observados pelo Estado, o regime democrático e sistema representativo, a forma republicana e federativa, os direitos e garantias individuais, o sufrágio universal, o voto direto e secreto e eleições periódicas, a separação e livre exercício dos Poderes, a autonomia municipal, a probidade na administração e a prestação de contas da administração pública direta e indireta, resta claro que para o constituinte decorrente baiano são esses os princípios sensíveis, de modo que apenas a violação de um deles poderá ensejar a representação interventiva do PGJ nos termos do art. 65, IV da CE.

Conforme dito anteriormente, a intervenção é medida extrema e excepcional, devendo, portanto, ser pautada em princípios de razoabilidade e proporcionalidade. Desse modo, a aparente lacuna deixada pelo constituinte estadual deve ser restritivamente colmatada. Assim sendo, embora sejam muitos os preceitos constitucionais estaduais que ostentem a condição de princípio, apenas aqueles que possam, por simetria ou paralelismo, ser considerados princípios sensíveis podem justificar a medida interventiva por via de ação. O exame da Constituição baiana à luz da Constituição Federal só permite inferir que são os dispostos em seu art. 2º, e não outros, os seus princípios constitucionais sensíveis.


CONCLUSÃO

Como visto, portanto, a Constituição baiana optou por sua ADIn interventiva nos mesmos moldes da respectiva ação federal, seguindo procedimento semelhante em caso de ofensa aos princípios constitucionais sensíveis. Todavia, dispondo diferentemente sobre tais princípios, deixou a cargo do intérprete identificá-los ao não dispô-los expressamente no artigo 65, que cuida das hipóteses de intervenção. A tarefa do hermeneuta, no entanto, não apresenta maior dificuldade a partir da adoção do critério sistemático que permite identificar já no artigo 2º da carta os seus princípios constitucionais sensíveis.


BIBLIOGRAFIA:

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 1995.

CUNHA JR, Dirley da. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Editora Método, 2006.

LOCKE, John. The Second Treatise Of Civil Government. Disponível em . Acesso em 21/11/2006

MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1974.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2004.

NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 611, 11 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2006.

PESSOA, Robertônio Santos. Controle de constitucionalidade: jurídico-político ou político-jurídico?. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2006.

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da. A separação dos poderes, as concepções mecanicistas e normativas das Constituições e seus métodos interpretativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 495, 14 nov. 2004. Disponível em: . Acesso em: 21 nov. 2006.

SILVEIRA, Paulo Fernando. Freios e Contrapesos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999.


NOTAS

01 The Second Treatise Of Civil Government. Disponível em <http://oregonstate.edu/instruct/phl302/texts/locke/ locke2/2nd-contents.html>. Acesso em 21/11/2006

02 Segundo Paulo Fernando Silveira, na Inglaterra "o judiciário, apesar de faticamente independente, constituía órgão submetido ao rei (King Bench). Por isso, Locke só se referiu aos poderes legislativo e executivo". Freios e Contrapesos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p.75.

03 Conforme citado por Sahid Maluf em Teoria Geral do Estado. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1974, p.221

04 Nesse sentido Paulo Fernando Silveira, Op. Cit, p.62 e Pedro Lenza em Direito Constitucional Esquematizado, p.181.

05 Op. Cit., p.197 e 201

06 Conforme art.60 § 4º: Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado.

07 Direito Constitucional, p.272 e 276.

08 Ibidem, p.290

09 MS 21041 / RO. Julgamento: 12/06/1991, Pleno DJ 13-03-1992 PP-02923

10 Conforme lição de Robertônio Santos Pessoa: "Por outro lado, tem-se admitido que o controle concentrado in abstrato tem assumido um caráter mais político-jurídico, principalmente a partir da consagração das Cortes Constitucionais no pós-guerra. Álvarez Conde, analisando o caso espanhol, refere-se a uma crescente ‘politización de la justicia constitucional, ya que la jurisdición constitucional entre dentro del dominio de lo político’ Para o publicista espanhol ‘se trata de un problema que siempre se há suscitado cuando se habla de la justicia constitucional’." In: Controle de constitucionalidade: jurídico-político ou político-jurídico?. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2006.

11 Nessse sentido, o prof. Dirley da Cunha Jr, Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006, p.232.

12 Ibidem, p.230. Em sentido contrário, Alexandre de Moraes, para quem, a ação interventiva possui dupla finalidade: a declaração da inconstitucionalidade do ato e a decretação da intervenção federal. Op. Cit., p.653.

13 É de se notar que a Constituição Federal, no art. 35, IV faz referência apenas à competência do Tribunal de Justiça, não adentrando os pormenores do procedimento, tampouco a legitimidade ativa.

14 Segundo Pedro Henrique Pedrosa Nogueira, "Quando se fala em normas de reprodução obrigatória, ao nosso ver, cai-se em imprecisão. Analisando-se o nosso sistema jurídico, não é difícil perceber a inexistência na Constituição federal de alguma norma ou princípio que obrigue a inserção de qualquer norma repetida no seio das Constituições estaduais, donde ser inadequada a expressão ‘normas de reprodução obrigatória’, pois não há efetivamente obrigatoriedade na reprodução. O que a nossa Magna Carta estabeleceu, em verdade, foi a necessidade de que haja, nas Constituições estaduais, a observância de alguns princípios constitucionais. Tanto que o art. 25 da CF dispõe: ‘Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição’. Tal ‘observância’ a que faz alusão o art. 25 da CF, contudo, não redunda na obrigatoriedade de reproduzir-se normas idênticas. A esse respeito é precisa a lição de Gabriel Ivo: ‘De pronto concluímos que para observar um princípio constitucional não precisa o constituinte estadual repeti-lo no texto da Constituição do Estado-membro (...)’. Observar e obedecer a um princípio constitucional significa abster-se de emitir regras que com ele sejam incompatíveis ou, de um modo positivo, a emissão de regras que venham a imprimir-lhe eficácia." In Jurisdição constitucional dos Estados-membros quanto às normas repetidas. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 611, 11 mar. 2005. Disponível em: . Acesso em: 28 nov. 2006.



Sobre a autora
Paloma Braga Araújo de Souza

E-mail: Entre em contato

Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1254 (7.12.2006)
Elaborado em 11.2006.

Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
SOUZA, Paloma Braga Araújo de. Da ação de intervenção do Estado nos Municípios na Constituição do Estado da Bahia . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1254, 7 dez. 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 fev. 2010.


quarta-feira, maio 21, 2008

Nova violência contra o direito à privacidade dos cidadãos - Espaço Vital

 

Nova violência contra o direito à privacidade dos cidadãos

Por Darci Norte Rebelo (OAB-RS nº 2.437) e
João Guilherme Ness Braga (OAB-RS nº 29.520) 



Após a revogação da Lei da CPMF, a União, por meio da Receita Federal, editou a Instrução Normativa RFB nº 802 pela qual iniciou um procedimento de regulamentação de legislação anterior acerca da obrigação de instituições financeiras prestarem informações semestrais da movimentação de pessoas físicas e jurídicas com valores mensais superiores a R$ 5.000,00 e R$ 10.000,00 -  respectivamente.


O Conselho Federal da OAB, vendo nessa regulamentação um procedimento geral de quebra de sigilo, ajuizou ação direta de inconstitucionalidade em curso no Supremo Tribunal Federal, processada pelo rito sumário mas sem concessão de liminar. Após o ajuizamento da ação direta, a Receita Federal publicou nova Instrução Normativa RFB de nº 811, complementando a regulamentação anterior.


Nessa nova instrução normativa, a Receita instituiu a Declaração de Informações sobre Movimento Financeiro [DIMOF], estabelecendo que os dados de cada semestre de cada cidadão ou empresas que movimentem valores mensais superiores aos acima referidos, devem ser-lhe  remetidos até o último dia útil do mês de agosto [período janeiro-julho] e os do segundo semestre, até  o último dia útil do mês de fevereiro [período julho-dezembro].


Excepcionalmente, em relação ao primeiro semestre de 2008, a DIMOF poderá ser apresentada até 15 de dezembro de 2008.


Está em curso, portanto, um procedimento institucionalizado de quebra de sigilo bancário abertamente violador do devido processo legal [CF/88, art. 5º, LV] e do art. 5º , inc. X e XII, da Carta,  normas que protegem a intimidade das pessoas e a privacidade dos dados relacionados à vida dos cidadãos. No caso da Advocacia, os montantes mensais da conta-corrente dos advogados  nem sempre revelam a titularidade dos valores em circulação, muitos deles pertencentes a clientes e apenas em trânsito pela conta do profissional. 


Com a DIMOF, a Receita pode instaurar processos investigatórios e auditorias, o que, no caso da Advocacia, poderá gerar problemas  interferentes com o dever de sigilo profissional acerca da origem e destinação de valores, afetando a essência da profissão, sua independência e a confiança que está na base da contratação profissional.


Para o cidadão em geral é mais um procedimento autoritário que invade o seu direito à privacidade no qual  se inserem a proteção aos dados financeiros de sua vida pessoal e profissional. Trata-se de uma devassa geral na vida privada, ofensiva de diversos valores constitucionais, entre eles o da dignidade das pessoas e até mesmo o devido processo legal [CF/88, art.5º, LIV].


A ADI proposta pelo Conselho Federal pode levar vários meses ou até anos para ser julgada, apesar do rito sumário que lhe foi atribuído,  assim como outra, da Associação dos Profissionais Liberais do Brasil, ambas sem liminar.  De outro lado, essas medidas foram ajuizadas antes da edição da Instrução Normativa nº 811 que instituiu a DIMOF através da qual o controle da vida dos cidadãos passará a ser efetivamente concretizada. 


Essas circunstâncias aconselham que, paralelamente à oportuna ação do Conselho Federal, as demais entidades da sociedade civil se movimentem no mesmo sentido da condenação dessa nova violência contra o ´right of  privacy´ dos cidadãos.


(*) E.mail: darci@norterebelo.com.br

Os artigos remetidos para publicação - para fins, apenas, de informação e debate - deverão conter no máximo 2.600 caracteres. A veiculação - sujeita à avaliação do editor - não deve ser considerada uma opinião do Espaço Vital.


Leia também:

14.04.2008

OAB gaúcha anuncia mandado de segurança coletivo preventivo contra quebra de sigilo das contas dos advogados


Espaço Vital

 

 

domingo, maio 11, 2008

Jus Navigandi - Doutrina - A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais

 


A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11199


Nancy Dutra
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Assessora especial do Gabinete da Presidência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina


RESUMO: Este estudo destina-se a analisar o comportamento do Poder Judiciário brasileiro frente à omissão legislativa inconstitucional manifestado por meio do alcance dos provimentos judiciais em relação à efetividade dos direitos constitucionais. A Constituição da República Federativa do Brasil possui dois institutos principais para o tratamento da omissão de lei complementar ou ordinária necessária para a aplicabilidade de preceitos constitucionais: a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º, da Lei Fundamental e o mandado de injunção, disposto em seu art. 5º, LXXI. Os limites impostos pelo constituinte à primeira e o insucesso do segundo enquanto meio de concretização de direitos são constatações que tornam evidente a necessidade de se conceber a questão da omissão legislativa inconstitucional sob enfoque que privilegie a abrangência do princípio da supremacia da Constituição, garantindo-se, como corolário, a efetividade dos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais que ainda hoje são prejudicados pela ausência de lei regulamentadora.

Palavras-chave

: Constituição. Controle de constitucionalidade. Omissão legislativa. Inconstitucionalidade negativa ou por omissão. Normas de eficácia limitada. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Mandado de injunção. Supremo Tribunal Federal. Princípio da supremacia da Constituição.


Abstract

: This study is destined to analyze the Brazilian Judiciary’s behaviour, relating to the unconstitutional legislative omission, expressed by the reach of the judicial decisions related to the effectiveness of the constitutional rights. The Brazilian Constitution (1988) contain two main institutes for the treatment of the omission of complementary and ordinary laws necessary to the applicability of the constitutional rights: the unconstitutionality action for omission, regulated at the article 103, § 2°, of the Federal Constitution and the writ of injunction, regulated at the article 5, LXXI. The limits imposed by the constituents to the unconstitutionality action for omission and the failure of the writ of injunction as form to effect the rights are conclusions that turn evident the necessity of conceiving the question of the unconstitutional legislative omission in a point of view that privileges the principle of the supremacy of the Constitution, what ensures the effectiveness of the rights, liberties and constitutional prerogatives that until nowadays are prejudiced by the absence of regulatory law.

Keywords

: Constitution. Constitutionality control. Legislative omission. Unconstitutionality by omission. Limited efficacy norms. Unconstitutionality action for omission. Writ of injuction. Supreme Federal Court. Principle of separation of Powers. Principle of the supremacy of the Constitution.


INTRODUÇÃO

            A Constituição é formada por um conjunto de normas dotadas de supremacia no ordenamento jurídico e de conteúdo genérico. Por não esgotar as matérias de que trata, a Lei Fundamental só é efetivamente cumprida quando os Poderes constituídos atuam no preenchimento dos espaços a eles deixados. Tal atuação representa um poder-dever constitucionalmente determinado e pode consistir na edição de uma lei ou na realização de qualquer medida necessária à efetiva aplicação e cumprimento da Constituição.

            Na hipótese de o órgão constitucionalmente designado como competente para agir e efetivar a Lei Fundamental não cumprir com o seu poder-dever, ocorre o que se denomina de inércia ou omissão inconstitucional, fenômeno identificado pela falta de aplicação de uma norma constitucional em razão da ausência de atuação dos órgãos dos Poderes constituídos.

            Nosso ordenamento jurídico adotou dois instrumentos para o tratamento do vício da inconstitucionalidade por omissão legislativa, quais sejam, a ação de inconstitucionalidade por omissão, prevista no art. 103, § 2º, da Constituição Federal e o mandado de injunção, disciplinado no art. 5º, LXXI. Enquanto a ação direta de inconstitucionalidade por omissão é controle jurisdicional abstrato, a posteriori e erga omnes, não interferindo na formação dos atos, o mandado de injunção é modo concreto e difuso de combater a omissão, nas hipóteses específicas previstas na Constituição, com sentença de efeitos inter partes.

            A teoria privilegiada para o exame da questão da inconstitucionalidade por omissão legislativa neste artigo é de base predominantemente doutrinária, uma vez que a disciplina jurisprudencial da matéria não atingiu a abrangência defendida por muitos constitucionalistas. Conforme fundamentos principiológicos, a eventual posição interveniente do Judiciário em matéria normativa, no suprimento da omissão legislativa inconstitucional, não deve significar ofensa ao princípio da separação dos poderes, mas ao contrário, observância do princípio da supremacia da Constituição.

            Este estudo realiza, portanto, o cotejo de todos os princípios envolvidos, com base na doutrina e na jurisprudência produzidas no Brasil, de modo a se primar pela supremacia da Constituição para a efetividade de suas normas e garantia da segurança jurídica necessária a um Estado Democrático de Direito.


1 Orientações hermenêuticas para a efetivação judicial de norma constitucional de eficácia limitada

            As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que, nas palavras de José Afonso da Silva, "dependem de outras providências para que possam surtir os efeitos essenciais colimados pelo legislador constituinte" (SILVA, 2003, p. 118). Sua executoriedade plena só é atingida mediante leis integrativas. Dividem-se em dois tipos: as definidoras de princípio institutivo ou organizativo, que estabelecem os delineamentos gerais de determinado órgão, entidade ou instituição, relegando a efetiva criação, estruturação ou formação para a lei complementar ou ordinária; e as definidoras de princípio programático, que consistem em esquemas genéricos ou programas a serem posteriormente desenvolvidos pelos legisladores ordinários.

            As normas constitucionais de princípio institutivo são de aplicabilidade mediata ou indireta, pois são condicionadas à regulamentação de legislação futura. A doutrina clássica norte-americana denomina tais normas, bem como as puramente programáticas, de not self-executing provisions, not self-acting provisions, not self-enforcing provisions, expressões traduzidas como normas não auto-aplicáveis, não auto-executáveis, não-executáveis por si mesmas ou não-bastantes em si.

            Na Constituição Federal, algumas das normas de princípio institutivo deixam maior margem ao poder discricionário do legislador que outras. Enquanto umas já indicam o conteúdo da futura lei integradora, outras deixam ao legislador complementar ou ordinário somente aspectos secundários.

            As normas constitucionais de princípio institutivo, sob o aspecto da obrigatoriedade, podem ser impositivas ou facultativas. Impositivas "são as que determinam ao legislador, em termos peremptórios, a emissão de uma legislação integrativa" (SILVA, 2003, p. 126). As facultativas ou permissivas "não impõem uma obrigação; limitam-se a dar ao legislador ordinário a possibilidade de instituir ou regular a situação nelas delineada" (SILVA, 2003, p. 127). Enquanto as normas impositivas instituem uma obrigatoriedade de o legislador emitir uma lei, complementar ou ordinária, nas condições e forma e para os fins previstos; as normas facultativas atribuem-lhe apenas mera faculdade de disciplinar o assunto, se considerar conveniente, tendo, por isso, discricionariedade completa quanto à iniciativa dessa regulamentação, não podendo sua inércia ser considerada inconstitucional nesse caso. Uma vez tomada a iniciativa, contudo, a regra constitucional é vinculante quanto aos limites, forma e condições que consigna.

            Problema que se ergue de imediato é o de saber qual o valor das normas constitucionais que impõem ao legislador o dever de legislar na forma prevista. Em outras palavras: qual a natureza da obrigação constitucionalmente imposta ao legislador no sentido de emitir normas integrativas? A observação, colhida na prática constitucional, demonstra que aquela obrigatoriedade é de pequena eficácia, visto que, ao menos juridicamente, não se pode constranger o legislador a legislar, nem mesmo naqueles casos em que lhe é prefixado prazo. Se o comando impositivo não for cumprido, a omissão do legislador poderá constituir um comportamento inconstitucional, que agora é sindicável e controlável jurídica e jurisdicionalmente, por força do § 2º do art. 103 da Constituição de 1988 (SILVA, 2003, p. 128-129).

            O art. 103, § 2º, da CF determina que a declaração da inconstitucionalidade por omissão deverá ser informada ao Poder competente para que adote as providências necessárias no sentido de tornar efetiva a norma constitucional questionada. Quanto ao Legislativo, por exemplo, a mera ciência não traz qualquer garantia de resultado, pois, segundo o princípio da discricionariedade do legislador, não há obrigação de legislar nem legitimação para o exercício da pretensão jurídica de adimplemento de tal prestação por parte dos órgãos legislativos. Ainda que determinada no texto da Constituição, não há consenso na doutrina sobre o direito subjetivo à aprovação de qualquer lei. Tendo, contudo, a Constituição de 1988 trazido a possibilidade de reconhecimento jurisdicional da inconstitucionalidade por omissão, a obrigação de legislar assumiu natureza jurídica e moral. Faltou-lhe, todavia, a previsão de sanção específica em caso de inobservância.

            No caso de uma Constituição, surgida depois, referir em suas normas de eficácia limitada leis já existentes, estas leis preexistentes e integrativas não poderão mais ser revogadas pura e simplesmente, pois tal atividade legislativa é inconstitucional e, por isso, sujeita ao controle jurisdicional. A discricionariedade do legislador diante das normas constitucionais de eficácia incompleta refere-se somente à iniciativa da lei integrativa. Uma vez emitida, a questão passa a ser jurídico-constitucional, por ter a lei aderido ao ditame da Lei Maior, não sendo sua revogação mais permitida pelo direito constitucional. O legislador pode, no entanto, modificar a lei, desde que mantenha seus termos em conformidade com o princípio ou esquema que lhe ditou o constituinte. O mesmo é válido em relação às normas preexistentes, que não podem ser revogadas após a edição da norma constitucional correlata.

            Salvo disposição em contrário, as normas de princípio institutivo entram em vigor junto com a Constituição. Somente sua executoriedade é dependente de regulamento. Sobre a eficácia dessas normas constitucionais, consoante o mencionado constitucionalista,

            a)

se são confirmativas de situação jurídica preexistente, esta permanece reconhecida, como era, até que a lei integrativa lhe imponha a alteração prevista; b) se traçam esquemas novos, revogam normas jurídicas preexistentes, instituidoras de situações contrárias ao princípio nelas consubstanciado, e a situação nova só será validamente configurada com a promulgação da lei integrativa; c) se traçam esquema contrário a situações preexistentes, também invalidam as normas agasalhadoras dessas situações, e a nova situação somente poderá começar a ser formada com a promulgação da lei integrativa (SILVA, 2003, p. 132).

            As normas permissivas, as que facultam ao legislador regular determinado assunto mediante lei, não são destituídas de eficácia, visto que limitam a ação do titular da permissão às circunstâncias de sua incidência, o que prova sua imperatividade.

            As normas constitucionais de princípio institutivo são aplicáveis na medida de seus elementos autônomos, permanecendo sua completa aplicabilidade dependente da promulgação de lei integrativa. No que tange à existência de legislação anterior, são aplicáveis imediatamente.

            As normas programáticas são esquemas genéricos ou programas a serem desenvolvidos posteriormente pela atividade dos legisladores ordinários. Objetivam a interferência do Estado na ordem econômico-social, a fim de propiciar a realização do bem comum, através de prestações positivas e da democracia social. Para José Afonso,

            podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhes os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado (SILVA, 2003, p. 138).

            São normas que têm por objeto a disciplina dos interesses econômico-sociais, tais como: realização da justiça social e existência digna; valorização do trabalho; desenvolvimento econômico; repressão ao abuso do poder econômico; assistência social; intervenção do Estado na ordem econômica; amparo à família; estímulo à cultura, à ciência e à tecnologia. Não detêm força suficiente para se desenvolver integralmente, sendo acolhidas, em princípio, como programa a ser realizado pelo Estado, por meio de leis ordinárias ou de outras providências. São normas de eficácia reduzida, não sendo operantes no tocante aos interesses que constituem seu objeto específico e essencial, mas produzem certos efeitos jurídicos.

            A Constituição de 1988, em relação às anteriores, demonstra maior progresso do ponto de vista dos fins sociais do Estado. As normas constitucionais de princípio programático se concentram principalmente nos Títulos VII e VIII, mas aparecem também esparsas dentre as regras de eficácia plena e daquelas de princípio institutivo. As normas programáticas podem ou não indicar a legislação futura para a execução do programa previsto. As que explicitam a legislação vinculam seus programas ao princípio da legalidade, ficando dependentes da atividade do legislador e de sua discricionariedade. As demais vinculam todo o Poder Público, podendo estar relacionadas somente aos Poderes da União como também aos órgãos estaduais e municipais. Há ainda as que impõem a observância de toda a ordem sócio-econômica, devendo os sujeitos públicos e privados agir de acordo com o princípio para não se portarem inconstitucionalmente.

            As normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade deixam de ser programáticas quando a lei é criada, porque esta lhe dá concreção prática, embora não crie as situações jurídicas subjetivas, que encontram seu fundamento na própria norma constitucional que as estabelece.

            Para o ilustrado autor,

            em suma, cada vez mais a doutrina em geral afirma o caráter vinculativo das normas programáticas, o que vale dizer que perdem elas, também cada vez mais, sua característica de programas, a ponto, mesmo, de se procurar nova nomenclatura para defini-las, como, por exemplo, normas que expressam ‘apenas uma finalidade a ser cumprida obrigatoriamente pelo Poder Público, sem, entretanto, apontar os meios a serem adotados para atingi-la, isto é, sem indicar as condutas específicas que satisfariam o bem jurídico consagrado na regra’. [...] o certo é que sua vinculatividade vem sendo mais e mais reconhecida. Significa que o fato de dependerem de providências institucionais para sua realização não quer dizer que não tenham eficácia. Ao contrário, sua imperatividade direta é reconhecida, como imposição constitucional aos órgãos públicos. São, por isso, também aplicáveis nos limites dessa eficácia (SILVA, 2003, p. 155).

            Para todas as normas constitucionais, sejam de eficácia plena, de eficácia contida ou de eficácia limitada, inclusive as programáticas, a lei anterior com elas incompatível deve ser considerada revogada, por inconstitucionalidade.

            Como normas de eficácia limitada, as normas programáticas atingem aplicação plena, relativamente aos interesses essenciais que exprimem os princípios genéricos e esquemáticos, por meio da emissão de uma normatividade futura pelo legislador ordinário, que lhe integra a eficácia ao regular os interesses objeto dos princípios gerais. Muitas, contudo, podem ser aplicadas independentemente de lei, mas por efeito de outras providências, como as que põem um bem jurídico sob a proteção do Estado.

            Tais normas detêm um mínimo de eficácia, regendo até onde possam, por si ou em coordenação com outras normas constitucionais, situações e comportamentos na esfera de alcance do princípio ou esquema que contêm, condicionando especialmente a atividade dos órgãos do Poder Público.

            O Título II da Constituição contém a declaração dos direitos e garantias fundamentais, incluindo os direitos individuais, coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos. Ainda que o art. 5º, § 1º, estatua que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata", a própria Constituição faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais e coletivos. Em geral, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos, individuais e sociais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata. Algumas normas de direitos sociais, entretanto, mencionam a necessidade de lei integradora, sendo por isso de eficácia limitada e aplicabilidade indireta. Mesmo assim, todas as normas constitucionais são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições oferecerem condições para seu atendimento. O Poder Judiciário, por seu turno, sendo invocado a respeito de qualquer situação concreta garantida na norma, não pode deixar de aplicá-la, devendo conferir ao interessado o direito reclamado em conformidade com as instituições existentes.

            A falta de eficácia é problema que ocasiona maior prejuízo às normas definidoras de direitos sociais, especialmente às programáticas. Para assegurar a eficácia e a aplicabilidade de todas as suas normas de direitos e garantias fundamentais, a Constituição de 1988 conta com alguns instrumentos, sendo eles o mandado de injunção, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a iniciativa popular.

            O mandado de injunção destina-se a tornar todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente. Sua função é fazer valer no interesse do impetrante um direito ou prerrogativa prevista em norma constitucional cujo exercício é inviabilizado pela falta de regulamentação.

            A ação direta de inconstitucionalidade por omissão é utilizada quando da inexistência dos atos legislativos ou executivos previstos para tornar plenamente aplicáveis as normas constitucionais que postulam lei ou providência administrativa ulterior para que os direitos nela previstos se efetivem na prática. A Carta Magna enumera as autoridades, as pessoas e as entidades que podem propor a ação direta visando à declaração da omissão. As conseqüências do seu reconhecimento, contudo, não são muito expressivas, pois apenas é dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para executar o ato faltante em trinta dias. Tratando-se de omissão de lei, a mera ciência ao Poder Legislativo pode ser ineficaz, já que ele não pode ser obrigado a legislar, embora o dever moral de legislar possa impulsioná-lo a atender o julgado.

            É possível ainda o exercício da iniciativa popular para a elaboração de leis ordinárias ou complementares integradoras da eficácia de normas constitucionais. Ela é prevista no art. 61, § 2º, que permite sua realização pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, apresentando cada um destes a manifestação de não menos de três décimos por cento dos seus eleitores. A participação popular não supre a omissão do Poder Legislativo, mas a falta de iniciativa das leis. A iniciativa subscrita por milhares de eleitores traz um peso específico, que tem a finalidade de estimular a atividade dos legisladores.


2 Recepção do Supremo Tribunal Federal às ações suscitadoras da inércia legislativa inconstitucional

            A Constituição Federal de 1988 trouxe à sociedade brasileira a formalização de vários direitos políticos, econômicos e sociais, que formam a base do Estado Democrático de Direito, no qual a atuação dos Poderes constituídos deve ser pautada pela constitucionalidade democrática. Embora a tarefa da realização constitucional caiba não só aos Poderes do Estado, mas a toda a sociedade, a maior parte dessa responsabilidade é conferida aos agentes públicos, que desfrutam de maior poder. Ao Supremo Tribunal Federal, por ser destinado à guarda da Constituição, o Texto Fundamental conferiu a missão de retirar do ordenamento jurídico os atos e normas incompatíveis com a constitucionalidade democrática e de assegurar a efetividade dos direitos formalmente instituídos. Por força constitucional, a atuação do STF deve ser sempre no sentido de cumprir o seu dever de buscar pela efetividade dos direitos fundamentais consagrados e de impedir a violação dos preceitos constitucionais, seja por ação ou omissão.

            O Supremo Tribunal Federal, portanto, deve nortear sua atividade no cumprimento de sua tarefa na realização constitucional, aplicando sempre o princípio da máxima efetividade, que significa atribuir a uma norma o sentido que lhe proporcione maior eficácia. Qualquer atuação do STF que seja contrária à realização da Constituição é violadora de sua maior obrigação institucional, qual seja, a guarda da própria Constituição, que pode ser infringida não só por ação, mas também por omissão.

            Ainda que a Lei Fundamental tenha trazido o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão como meios de combate à inércia legislativa inconstitucional, após mais de 18 anos de vigência da Constituição Cidadã, muitos dos direitos nela previstos ainda não foram implementados por falta de regulamentação.

            O atual quadro que se apresenta em relação à continuidade da falta de integração de muitas normas constitucionais foi delineado não só pela inadvertência das autoridades do Poder Legislativo e do Poder Executivo, às quais a Constituição confere a iniciativa das leis integradoras ainda inexistentes, mas também pela interpretação que o Excelso Pretório desenvolveu a respeito do tema, principalmente nas oportunidades em que casos concretos de impossibilidade de exercício de direitos constitucionais foram levados ao seu conhecimento por meio de ação direta de inconstitucionalidade por omissão e de mandado de injunção.

            Lamentando a falta de resultados práticos mais expressivos pela aplicação dos comentados institutos, José Afonso da Silva afirma:

            Se o Poder Legislativo não responder ao mandamento judicial, incidirá em omissão ainda mais grave. Pelo menos terá de dar alguma satisfação ao Judiciário. É certo que, se não o fizer, praticamente nada se poderá fazer, pois não há como obrigar o legislador a legislar. Por isso é que, no caso de inconstitucionalidade por omissão, propugnáramos por uma decisão judicial normativa, para valer como lei se após certo prazo o legislador não suprisse a omissão. A sentença normativa teria esse efeito. Mas o legislador constituinte não quis dar esse passo à frente (SILVA, 2005, p. 56).

            A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também não colaborou para a ampliação da relevância dos instrumentos jurídicos de combate à omissão legislativa inconstitucional, tratando-os sob aspecto mais teórico que prático. Como ilustração, refere-se o MI n. 361/RJ, cujo relator do acórdão foi o Ministro Sepúlveda Pertence [01]:

            I - MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO: ADMISSIBILIDADE, POR APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 5., LXX, DA CONSTITUIÇÃO; LEGITIMIDADE, NO CASO, ENTIDADE SINDICAL DE PEQUENAS E MEDIAS EMPRESAS, AS QUAIS, NOTORIAMENTE DEPENDENTES DO CRÉDITO BANCÁRIO, TEM INTERESSE COMUM NA EFICÁCIA DO ART. 192, PAR. 3., DA CONSTITUIÇÃO, QUE FIXOU LIMITES AOS JUROS REAIS. II. MORA LEGISLATIVA: EXIGÊNCIA E CARACTERIZAÇÃO: CRITÉRIO DE RAZOABILIDADE. A MORA - QUE E PRESSUPOSTO DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA OMISSÃO LEGISLATIVA -, E DE SER RECONHECIDA, EM CADA CASO, QUANDO, DADO O TEMPO CORRIDO DA PROMULGAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL INVOCADA E O RELEVO DA MATÉRIA, SE DEVA CONSIDERAR SUPERADO O PRAZO RAZOÁVEL PARA A EDIÇÃO DO ATO LEGISLATIVO NECESSÁRIO A EFETIVIDADE DA LEI FUNDAMENTAL; VENCIDO O TEMPO RAZOÁVEL, NEM A INEXISTÊNCIA DE PRAZO CONSTITUCIONAL PARA O ADIMPLEMENTO DO DEVER DE LEGISLAR, NEM A PENDÊNCIA DE PROJETOS DE LEI TENDENTES A CUMPRI-LO PODEM DESCARACTERIZAR A EVIDENCIA DA INCONSTITUCIONALIDADE DA PERSISTENTE OMISSÃO DE LEGISLAR. III. JUROS REAIS (CF, ART.192, PAR. 3.): PASSADOS QUASE CINCO ANOS DA CONSTITUIÇÃO E DADA A INEQUÍVOCA RELEVÂNCIA DA DECISÃO CONSTITUINTE PARALISADA PELA FALTA DA LEI COMPLEMENTAR NECESSÁRIA A SUA EFICÁCIA - CONFORME JÁ ASSENTADO PELO STF (ADIN 4, DJ 25.06.93, SANCHES) -, DECLARA-SE INCONSTITUCIONAL A PERSISTENTE OMISSÃO LEGISLATIVA A RESPEITO, PARA QUE A SUPRA O CONGRESSO NACIONAL. IV. MANDADO DE INJUNÇÃO: NATUREZA MANDAMENTAL (MI 107-QO, M. ALVES, RTJ 133/11): DESCABIMENTO DE FIXAÇÃO DE PRAZO PARA O SUPRIMENTO DA OMISSÃO CONSTITUCIONAL, QUANDO - POR NÃO SER O ESTADO O SUJEITO PASSIVO DO DIREITO CONSTITUCIONAL DE EXERCÍCIO OBSTADO PELA AUSÊNCIA DA NORMA REGULAMENTADORA (V.G, MI 283, PERTENCE, RTJ 135/882) -, NÃO SEJA POSSÍVEL COMINAR CONSEQÜÊNCIAS A SUA CONTINUIDADE APÓS O TERMO FINAL DA DILAÇÃO ASSINADA.

            Conforme o conteúdo da Carta Magna e o ensinamento da doutrina, o mandado de injunção destina-se a tornar todas as normas constitucionais potencialmente aplicáveis diretamente. Sua função é fazer valer no interesse do impetrante um direito ou prerrogativa prevista em norma constitucional cujo exercício em geral é inviabilizado pela falta de regulamentação.

            Em relação aos efeitos do mandado de injunção, as posições doutrinárias dividem-se basicamente em concretista e não-concretista. A posição concretista defende que o Poder Judiciário, ao julgar o mandado de injunção, poderia, através de uma decisão constitutiva, declarar a existência da omissão inconstitucional e ao mesmo tempo implementar o exercício do direito requerido, até a superveniente regulamentação. Essa posição apresenta variantes, como a chamada concretista geral, para a qual a decisão referente ao mandado de injunção teria efeito erga omnes, através de uma normatividade geral; e a concretista individual, quando a decisão produziria efeitos apenas entre as partes, beneficiando somente o autor do mandado de injunção. A posição concretista individual, em sua versão direta, o Poder Judiciário, ao julgar procedente o pedido, deveria implementar a eficácia da norma em questão. Pela posição concretista individual intermediária, o juiz deveria assinalar um prazo para que o Poder Legislativo elaborasse a norma regulamentadora e, esgotado esse prazo, poderia fixar as condições necessárias ao exercício do direito obstado pela omissão inconstitucional. Por sua vez, a posição não concretista vê como finalidade única do mandado de injunção o reconhecimento formal da omissão, dando-se ciência ao órgão omisso.

            No tocante ao mandado de injunção, a principal orientação do STF, ainda que não unânime, é voltada à posição não concretista, relegando ao instituto apenas a função de comunicar a omissão ao Poder ou órgão que a dá causa, como se fosse o writ uma espécie de ação direta de inconstitucionalidade por omissão com legitimação mais ampla. Essa corrente é a que menos tem efeitos práticos, esvaziando o mandado de injunção de qualquer conseqüência efetiva no sentido de tornar viável o exercício dos direitos, liberdades e prerrogativas constitucionais, que estão obstados ante a falta de norma regulamentadora. Deixou o STF, assim, de buscar pela máxima efetividade constitucional, em dissonância com o seu mais importante dever institucional: o de guardião da Constituição.

            A orientação jurisprudencial do STF acerca do mandado de injunção acentuou os eventuais problemas práticos que poderiam surgir com a posição concretista do mandado de injunção, em detrimento dos resultados que seriam atingidos com o suprimento da omissão inconstitucional no sentido da realização constitucional, a qual está dentre as suas principais funções. Com o passar dos anos, ficou estabelecido no Tribunal um entendimento que desproveu o mandado de injunção de qualquer efeito que pudesse fazer frente à omissão inconstitucional impeditiva do exercício dos direitos fundamentais consagrados.

            Como observa Barroso, "sem nutrir simpatia pela inovação representada pelo mandado de injunção e rejeitando o ônus político de uma competência normativa que não desejava, a Corte esvaziou as potencialidades do novo remédio" (BARROSO, 2006, p. 257). Respaldado em uma visão clássica e rígida do princípio da separação dos Poderes, o STF acabou por promover a equiparação do mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O primeiro precedente surgiu com o julgamento do MI n. 107-3/DF [02], em que ficou consignado:

            MANDADO DE INJUNÇÃO. QUESTÃO DE ORDEM SOBRE SUA AUTO-APLICABILIDADE, OU NÃO. - EM FACE DOS TEXTOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL RELATIVOS AO MANDADO DE INJUNÇÃO, E ELE AÇÃO OUTORGADA AO TITULAR DE DIREITO, GARANTIA OU PRERROGATIVA A QUE ALUDE O ARTIGO 5., LXXI, DOS QUAIS O EXERCÍCIO ESTA INVIABILIZADO PELA FALTA DE NORMA REGULAMENTADORA, E AÇÃO QUE VISA A OBTER DO PODER JUDICIARIO A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DESSA OMISSAO SE ESTIVER CARACTERIZADA A MORA EM REGULAMENTAR POR PARTE DO PODER, ÓRGÃO, ENTIDADE OU AUTORIDADE DE QUE ELA DEPENDA, COM A FINALIDADE DE QUE SE LHE DE CIENCIA DESSA DECLARAÇÃO, PARA QUE ADOTE AS PROVIDENCIAS NECESSARIAS, A SEMELHANCA DO QUE OCORRE COM A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSAO (ARTIGO 103, PAR-2., DA CARTA MAGNA), E DE QUE SE DETERMINE, SE SE TRATAR DE DIREITO CONSTITUCIONAL OPONIVEL CONTRA O ESTADO, A SUSPENSÃO DOS PROCESSOS JUDICIAIS OU ADMINISTRATIVOS DE QUE POSSA ADVIR PARA O IMPETRANTE DANO QUE NÃO OCORRERIA SE NÃO HOUVESSE A OMISSAO INCONSTITUCIONAL. - ASSIM FIXADA A NATUREZA DESSE MANDADO, E ELE, NO ÂMBITO DA COMPETÊNCIA DESTA CORTE - QUE ESTA DEVIDAMENTE DEFINIDA PELO ARTIGO 102, I, ´´Q´´ -, AUTO-EXECUTAVEL, UMA VEZ QUE, PARA SER UTILIZADO, NÃO DEPENDE DE NORMA JURÍDICA QUE O REGULAMENTE, INCLUSIVE QUANTO AO PROCEDIMENTO, APLICAVEL QUE LHE E ANALOGICAMENTE O PROCEDIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA, NO QUE COUBER. QUESTÃO DE ORDEM QUE SE RESOLVE NO SENTIDO DA AUTO-APLICABILIDADE DO MANDADO DE INJUNÇÃO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.

            Dessa forma, de acordo com a interpretação da Excelsa Corte, há dois remédios constitucionais para que seja dada ciência ao órgão omisso do Poder Público e nenhum voltado à solução, em via judicial, da violação do direito constitucional pleiteado.

            Nas discussões dos ministros por ocasião da impetração de mandados de injunção, ao invés de questões jurídicas, muitas vezes o seu desacolhimento foi imposto por força do argumento de uma possível inviabilidade do Tribunal em razão do acúmulo de processos.

            O papel institucional do STF ganhou maior destaque e relevância com a promulgação da Constituição de 1988. Todavia, ao esvaziar um instituto elaborado pela Assembléia Constituinte por causa da preocupação de não se tornarem efetivas as normas constitucionais, o STF agiu em desacordo com o seu papel institucional, o que provoca um considerável prejuízo à sociedade, que não obteve na prática o amparo que a Carta Magna prometia aos seus direitos fundamentais e sociais.

            O posicionamento do STF a respeito da função do mandado de injunção, contudo, não é unânime, tampouco muito firme, haja vista as reticências que os ministros vez por outra registram em seus votos. Ademais, a grande renovação nos quadros do Tribunal recentemente pode contribuir para uma mudança de interpretação da Corte.

            A própria edição da regulamentação própria do instituto, ainda inexistente, pode vir a solucionar muitos dos problemas que atualmente rondam o mandado de injunção, que hoje segue o procedimento do mandado de segurança, conforme expressamente prevê o art. 24, parágrafo único, da Lei n. 8.038/1990.

            O que se observa da história do mandado de injunção é que sua trajetória foi de pouco sucesso, pois embora tenha sido criado para ser um instrumento eficaz na viabilização dos direitos fundamentais, não recebeu muita atenção do legislador, que deixou de criar uma lei específica para a sua regulamentação, nem do Supremo Tribunal Federal, que adotou uma postura excessivamente restritiva no tocante ao conteúdo e alcance da nova ação constitucional. Apesar da posterior atenuação da jurisprudência da Corte, a nova interpretação ainda não foi suficiente para dar-lhe um papel mais relevante no sistema.

            A crítica dos doutrinadores e a discordância dos Tribunais inferiores provocaram alterações no entendimento do STF, que de início rejeitava as potencialidades no novo instituto constitucional. A Corte evoluiu em relação à sua postura original de praticamente equiparar o mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

            Como enuncia Barroso,

            A nova visão do STF começou a se delinear no julgamento de mandado de injunção impetrado com fundamento no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988. Tal dispositivo prevê que cidadãos afetados por atos discricionários do Ministério da Aeronáutica, editados logo após o movimento militar de 1964, fazem jus a uma ‘reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição’ (BARROSO, 2006, p. 258-259).

            Ante a ausência da edição de tal lei no prazo previsto, foi impetrado o MI n. 283-5 [03], sob o fundamento de que o exercício de um direito subjetivo constitucional era obstado pela omissão legislativa. No acórdão, relatado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, a Suprema Corte decidiu que se após o prazo dado para a purgação da mora a lacuna legislativa ainda for observada, o titular do direito poderá obter reparação por perdas e danos. O mesmo julgamento, além de declarar a mora do legislador, registrou também que o mandado de injunção era deferido para:

            a) Fixar o prazo de 60 dias para que se ultimasse o processo legislativo, incluindo a sanção presidencial;

            b) Se ultrapassado esse prazo, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter contra a União, pela via processual adequada, a reparação devida;

            c) Declarar que, após a prolação da sentença condenatória, a criação da lei não prejudica a coisa julgada;

            d) A coisa julgada, por sua vez, não impede o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, no que lhe for mais favorável (BARROSO, 2006, p. 259).

            No MI n. 284-3 [04], mandado de injunção impetrado ulteriormente com base na mesma disposição constitucional – art. 8º, § 3º, do ADCT –, o STF, tendo em vista o escoamento do prazo que concedera no writ anterior, considerou desnecessária nova comunicação ao Congresso Nacional e facultou aos impetrantes ingressarem imediatamente em juízo para obterem a reparação a que faziam jus.

            O Supremo Tribunal Federal, ao firmar tal posição:

            a) Converteu uma norma constitucional de eficácia limitada, porque dependente de norma infraconstitucional integradora, em norma de eficácia plena;

            b) Considerou o mandado de injunção hábil para obter a regulamentação de qualquer direito previsto na Constituição e não apenas dos direitos e garantias fundamentais constantes do seu Título II (BARROSO, 2006, p. 260).

            Embora os julgamentos do STF apresentem ou tenham apresentado por vezes votos divergentes, como já declararam os Min. Néri da Silveira, Carlos Velloso e Marco Aurélio, a tese historicamente prevalecente reputa ao mandado de injunção efeitos semelhantes aos da ação de inconstitucionalidade por omissão, deixando de conceder à parte exeqüibilidade imediata dos comandos constitucionais dependentes de integração:

            MANDADO DE INJUNÇÃO. ARTIGO 8º, § 3º DO ADCT. DIREITO À REPARAÇÃO ECONÔMICA AOS CIDADÃOS ALCANÇADOS PELAS PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. MORA LEGISLATIVA DO CONGRESSO NACIONAL. 1 - Na marcha do delineamento pretoriano do instituto do Mandado de Injunção, assentou este Supremo Tribunal que "a mera superação dos prazos constitucionalmente assinalados é bastante para qualificar, como omissão juridicamente relevante, a inércia estatal, apta a ensejar, como ordinário efeito conseqüencial, o reconhecimento, "hic et nunc", de uma situação de inatividade inconstitucional." (MI 543, voto do Ministro Celso de Mello, in DJ 24.05.2002). Logo, desnecessária a renovação de notificação ao órgão legislativo que, no caso, não apenas incidiu objetivamente na omissão do dever de legislar, passados quase quatorze anos da promulgação da regra que lhe criava tal obrigação, mas que, também, já foi anteriormente cientificado por esta Corte, como resultado da decisão de outros mandados de injunção. 2 - Neste mesmo precedente, acolheu esta Corte proposição do eminente Ministro Nelson Jobim, e assegurou "aos impetrantes o imediato exercício do direito a esta indenização, nos termos do direito comum e assegurado pelo § 3º do art. 8º do ADCT, mediante ação de liquidação, independentemente de sentença de condenação, para a fixação do valor da indenização. 3 - Reconhecimento da mora legislativa do Congresso Nacional em editar a norma prevista no parágrafo 3º do art. 8º do ADCT, assegurando-se, aos impetrantes, o exercício da ação de reparação patrimonial, nos termos do direito comum ou ordinário, sem prejuízo de que se venham, no futuro, a beneficiar de tudo quanto, na lei a ser editada, lhes possa ser mais favorável que o disposto na decisão judicial. O pleito deverá ser veiculado diretamente mediante ação de liquidação, dando-se como certos os fatos constitutivos do direito, limitada, portanto, a atividade judicial à fixação do "quantum" devido. 4 - Mandado de injunção deferido em parte

            Observação

            Votação e resultado: por maioria, vencidos, parcialmente, os Ministros Carlos Velloso, Ilmar Galvão e Marco Aurélio, no que concediam a ordem em maior extensão, acolhido em parte, o pedido formulado na inicial para reconhecer a ocorrência da mora legislativa em editar a norma prevista no § 3º do artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e, em conseqüência, assegurar aos impetrantes o exercício da ação de reparação patrimonial, nos termos do direito comum ou ordinário, sem prejuízo de que se venham, no futuro, a beneficiar de tudo quanto, na lei a se editada, lhes possa ser mais favorável que o disposto na decisão a ser proferida [05].

            Para Marcela Albuquerque Maciel,

            Ao lado da inércia dos poderes constituídos, a acomodação da comunidade jurídica é também um grande empecilho à efetividade do mandado de injunção e, por conseqüência, da realização constitucional. Se não for mantida uma discussão crítica com relação à posição do STF, aí é que ela não será passível de alteração, pois o Tribunal não será nem mesmo instado a se pronunciar sobre o assunto e sobre novos argumentos.

            Se o mandado de injunção puder, um dia, responder de forma eficaz frente à omissão inconstitucional, então estaremos mais perto do que nunca da realização da nossa tão promissora Constituição. E neste dia, então, saberemos o quanto foi importante lutar por ele (MACIEL, 2006, p. 6832).

            O posicionamento da Corte Máxima do Poder Judiciário brasileiro, apesar dos anos de pouca evolução, parece guiar-se a um novo rumo desde a sessão plenária de 7 de junho de 2006, ocasião em que os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau votaram nos MIs 670 e 712 pela aplicação da Lei n. 7.783, de 28 de junho de 1989, à greve dos servidores públicos civis, enquanto o Congresso Nacional não editar a norma regulamentadora do art. 37, VII, da CF. Os julgamentos foram finalizados em 25 de outubro de 2007, tendo o Tribunal, por maioria, conhecido dos mandados de injunção e proposto a solução para a omissão legislativa com a aplicação da referida lei, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator do MI 670), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Estes precedentes demonstram a nova dimensão jurídica dada a esta garantia constitucional, de conteúdo muito mais prático.


3 Fórmulas para o tratamento das omissões legislativas inconstitucionais à luz dos recentes posicionamentos da doutrina nacional

            No Brasil, a inconstitucionalidade por omissão só veio a ser reconhecida expressamente na Constituição de 1988, por influência da Constituição portuguesa. Como anteriormente explanado, a Carta Magna trouxe duas ações constitucionais especiais para o controle da omissão inconstitucional: o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O comportamento omissivo inconstitucional pode estar ligado a atos de natureza normativa ou executiva.

            A inconstitucionalidade por omissão suscita o problema da efetivação e da forma do controle judicial da omissão inconstitucional, pois há os que defendem uma atuação provisória do Judiciário como legislador positivo, suprindo a omissão inconstitucional dos órgãos de direção política do Legislativo e do Executivo, e aqueles que consideram que o juiz pode somente obrigar os órgãos omissos a se pronunciar, sem integrar o comando constitucional por conta própria. Tal polêmica inexiste na inconstitucionalidade por ação, haja vista que a solução para o controle de constitucionalidade das leis e demais atos comissivos do Poder Público envolve tão-somente o exercício de uma competência de cassação pelos Tribunais, que exercem uma atividade legislativa negativa ao invalidar uma lei em decorrência de sua declaração de inconstitucionalidade.

            A maior parte da doutrina é partidária da tese que entende possível uma participação mais ativa do Judiciário na integração das normas constitucionais de eficácia limitada, de modo a garantir a fruição do direito pelo cidadão e fazer valer o princípio da supremacia da Constituição.

            Dirley da Cunha Júnior assevera:

            Defendemos a tese, teórica e cientificamente sustentável, de que o Poder Judiciário não só pode como deve, no exercício da jurisdição constitucional, integrar a ordem jurídica e suprir a omissão – asseveramos, inconstitucional – dos órgãos de direção política, à guisa de um efetivo controle dessa omissão. Não estão em jogo, aqui, as oscilações político-partidárias, mas sim a imperatividade da Constituição e o respeito pela vontade popular, fonte do maior de todos os Poderes: o Poder Constituinte! Ao contrário do que muitos comodamente advogam, os ideais de um Estado Constitucional Democrático de Direito estão a exigir essa firme postura do Judiciário, e não a repeli-la! (CUNHA JÚNIOR, 2004, p. 133).

            Para ele, de nada resolve afirmar que a Constituição deve ser respeitada, que ela vincula os poderes constituídos e que deve ser concebida como uma Constituição normativa plena se não se aceitar que o Judiciário, no exercício da jurisdição constitucional, possa suprir ativamente as omissões do Poder Público, ainda que provisoriamente.

            A Constituição, enquanto Lei Maior de um Estado, deve ser integralmente aplicada para sedimentar os preceitos básicos regentes de todo o ordenamento jurídico. Se ela confere poderes ao Judiciário para garantir sua aplicação, criando, para esse fim, duas ações constitucionais específicas, atribui-lhe, do mesmo modo, a competência para suprir todas as indesejadas omissões do Poder Público, preenchendo a lacuna normativa.

            Pode-se ter em conta que a Constituição Federal deu um grande passo no constitucionalismo contemporâneo ao criar meios de combate contra a inércia indigna dos Poderes constituídos, servindo-se, para esse fim, de um aparato fiscalizatório e de um sistema institucionalizado forte e legitimado.

            A natureza jurídica das imposições constitucionais, a vinculação dos Poderes constituídos e a caracterização do comportamento omissivo dos órgãos do Poder como inconstitucional, com a fixação dos meios jurídicos de seu controle, permitem concluir que no Estado Constitucional Democrático de Direito o Poder Público está obrigado, normativo-constitucionalmente, à adoção de todas as medidas necessárias à concretização das imposições constitucionais. A proteção jurídica não comporta lacunas, o que pressupõe, nos casos de omissão inconstitucional, o reconhecimento de um direito público subjetivo ao cidadão de exigir uma atuação positiva tanto do legislador, através do seu direito à legislação, quanto dos demais Poderes do Estado.

            Por tudo isso, a Constituição brasileira tem dentre suas principais preocupações a efetividade de suas normas, especialmente daquelas que definem os direitos e garantias fundamentais, não admitindo mais que os cidadãos fiquem desamparados enquanto não editadas as normas reguladoras faltantes. Se assim não fosse, a omissão do legislador infraconstitucional seria mais eficaz que a atuação do legislador constituinte, e a inexistência de norma reguladora mais vinculante que a existência de imposições constitucionais.

            No atual momento do constitucionalismo moderno, os autores sustentam a passagem de uma fase em que as normas constitucionais dependiam da interpositio legislatoris para uma fase em que elas se aplicam diretamente nas situações da vida. Além do enunciado do art. 5º, § 1º, da CF, a jurisdição constitucional também deve estar estruturada para assegurar a efetividade das normas constitucionais.

            O sucesso dos meios jurídico-processuais específicos de controle da constitucionalidade da omissão e, conseqüentemente, do próprio controle judicial das omissões inconstitucionais do Poder Público, depende de uma atuação forte do Poder Judiciário. Para isso, faz-se necessária uma reformulação teórica na dinâmica da relação entre os Poderes constituídos, com mudança na concepção clássica do princípio da separação dos Poderes, de modo a priorizar-se a realização constitucional e o respeito à vontade do Poder Constituinte. Nesse contexto, a atuação do Judiciário torna-se mais política, porque, no caso do controle de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade faz dele um legislador negativo, enquanto a ação de inconstitucionalidade por omissão e o mandado de injunção o impelem a portar-se como um legislador ativo. Tal atuação provoca o estreitamento da relação entre os fenômenos jurídico e político.

            Em consonância com a idéia de efetivação dos comandos constitucionais, José Afonso da Silva salienta:

            O mandado de injunção tem, portanto, por finalidade realizar concretamente em favor do impetrante o direito, liberdade ou prerrogativa, sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o seu exercício. Não visa obter a regulamentação prevista na norma constitucional. Não é função do mandado de injunção pedir a expedição da norma regulamentadora, pois ele não é sucedâneo da ação de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º) (SILVA, 2005, p. 450-451).

            Do mesmo modo, destaca Luís Roberto Barroso:

            O objeto da decisão não é uma ordem ou uma recomendação para edição de uma norma. Ao contrário, o órgão jurisdicional substitui o órgão legislativo ou administrativo competentes para criar a regra, formulando ele próprio, para os fins estritos e específicos do litígio que lhe cabe julgar, a norma necessária. A função do mandado de injunção é fazer com que a disposição constitucional seja aplicada em favor do impetrante, ‘independentemente de regulamentação, e exatamente porque não foi regulamentada’ (BARROSO, 2006, p. 248).

            Jorge Hage propõe:

            Reconhece-se, agora, por exemplo, que, quando o Legislativo deixa vagos ou imprecisos os termos de uma lei (seja por não alcançar um acordo entre seus membros, seja por qualquer outra razão), isso significa estar ele deixando ao Judiciário (ou à Administração, se o caso) a tomada da decisão, a escolha entre as alternativas possíveis, vez que são os juízes aqueles que têm de oferecer soluções concretas aos casos concretos que se hão de apresentar. E isso permanecerá assim até quando o legislador, descontente com os rumos das decisões dos juízes, resolva legislar, imprimindo uma outra orientação ao problema (HAGE, 1999, p. 89).

            Para Mauro Cappelletti,

            A única diferença possível entre jurisdição e legislação não é, portanto, de natureza, mas sobretudo de freqüência ou quantidade, ou seja, de grau, consistindo na maior quantidade e no caráter usualmente mais detalhado e específico das leis ordinárias e dos precedentes judiciários ordinários, em relação às normas constitucionais – usualmente contidas em textos sucintos e formuladas em termos mais vagos – como da mesma forma relativamente às decisões da justiça constitucional. Daí decorre que o legislador se depara com limites substanciais usualmente menos freqüentes e menos precisos que aqueles com os quais, em regra, se depara o juiz: do ponto de vista substancial, ora em exame, a criatividade do legislador pode ser, em suma, quantitativamente mas não qualitativamente diversa da do juiz. E não está dito que a legislação cesse de ser tal simplesmente porque deve se conformar, a sua vez, com vínculos bastante precisos, constitucionais ou de justiça constitucional, não menos claros e detalhados, por sua vez, dos que de modo mais freqüente se impõem aos juízes, não apenas para delimitar negativamente, mas também, em larga medida, para determinar positivamente o conteúdo da própria lei.

            Do ponto de vista substancial, portanto, não é diversa a ‘natureza’ dos dois processos, o legislativo e o jurisdicional. Ambos constituem processos de criação do direito (CAPPELLETTI, 1999, p. 26-27).

            Ao se privilegiar o princípio da supremacia da Constituição na atividade interpretativa do ordenamento jurídico, fortalece-se o Estado, a sociedade e as instituições democráticas. Nesse contexto, o controle judicial das omissões do Poder Público, para estar em consonância com referido princípio, deve voltar-se à operativa erradicação das omissões inconstitucionais acompanhada do conseqüente reconhecimento de um direito fundamental à efetivação da Constituição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ainda que a Lei Fundamental tenha trazido o mandado de injunção e a ação de inconstitucionalidade por omissão como meios de combate à inércia legislativa inconstitucional, após mais de 18 anos de vigência da Constituição Cidadã, muitos dos direitos nela previstos ainda não foram implementados por falta de regulamentação.

            O atual quadro que se apresenta em relação à continuidade da falta de integração de muitas normas constitucionais foi delineado não só pela inadvertência das autoridades do Poder Legislativo e do Poder Executivo, às quais a Constituição confere a iniciativa das leis integradoras ainda inexistentes, mas também pela interpretação mais teórica que prática desenvolvida pelo Excelso Pretório a respeito do tema, principalmente nas oportunidades em que casos concretos de impossibilidade de exercício de direitos constitucionais foram levados ao seu conhecimento por meio de ação direta de inconstitucionalidade por omissão e de mandado de injunção.

            Em doutrina, contudo, notou-se que vários são os constitucionalistas que propugnam um enfoque mais efetivo e proveitoso dos meios jurídicos existentes e tão pouco utilizados. Faz-se premente, dessa forma, uma observância mais cuidadosa da questão para que não se ponha em perigo a supremacia da Constituição e a efetividade de seus direitos em razão de um positivismo pouco arejado e do descontrole das influências políticas.

            No âmbito da dogmática constitucional transformadora, propugnada por muitos constitucionalistas, a própria teoria dos direitos fundamentais serve de amparo ao exercício do controle da omissão legislativa inconstitucional ao permitir a dedução de um direito fundamental à efetivação da Constituição, cuja eficácia há de ser plena e a aplicabilidade imediata.

            Nesse contexto, o Supremo Tribunal Federal, para portar-se de modo compatível com as disposições da Lei Maior, deve nortear sua atividade no cumprimento de sua tarefa na realização constitucional, aplicando sempre o princípio da máxima efetividade, que significa atribuir a uma norma o sentido que lhe proporcione maior eficácia. Qualquer atuação da Corte que seja contrária à realização da Constituição é violadora de sua maior obrigação institucional: a guarda da própria Constituição.


REFERÊNCIAS

            BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 8. ed. atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

            BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 283/DF. Impetrante Alfredo Ribeiro Daudt e Impetrados União Federal e Congresso Nacional. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. 20 de março de 1991. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 284/DF. Impetrante Sérgio Cavallari e outros e Impetrados União Federal e Congresso Nacional. Relator Ministro Celso de Mello. 22 de novembro de 1992. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 361/RJ. Impetrante SIMPEC RJ – Sindicato das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Comércio do Estado do Rio de Janeiro e Impetrado Congresso Nacional. Relator Ministro Sepúlveda Pertence. 8 de abril de 1994. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Injunção n. 562/RS. Impetrantes Avelino Iost e outros e Impetrado Presidente do Congresso Nacional. Relatora Ministra Ellen Gracie. 20 de fevereiro de 2003. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.

            BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Questão de Ordem no Mandado de Injunção n. 107/DF. Requerente José Emídio Teixeira Lima e Requerido Presidente da República. Relator Ministro Moreira Alves. 23 de novembro de 1989. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 20 jan. 2007.

            CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores?. Tradução de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 1999.

            CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público: em busca de uma dogmática constitucional transformadora à luz do direito fundamental à efetivação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2004.

            HAGE, Jorge. Omissão inconstitucional e direito subjetivo: uma apreciação da jurisprudência do STF sobre o mandado de injunção, à luz da doutrina contemporânea. Brasília: Brasília Jurídica, 1999.

            MACIEL, Marcela Albuquerque. O Supremo Tribunal Federal e a omissão inconstitucional: a tarefa realizadora da Constituição e o mandado de injunção. Fórum Administrativo: direito público. Belo Horizonte. Fórum, ano 6, n. 60, p. 6827-6832, fev. 2006.

            SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.

            _________________ . Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.


Notas

            01

MI n. 361/RJ, Tribunal Pleno, Min. Sepúlveda Pertence, DJ 17.06.1994, p. 15.707.

            02

MI-QO n. 107/DF, Tribunal Pleno, Min. Moreira Alves, DJ 21.09.1990, p. 9.782.

            03

Mandado de injunção: mora legislativa na edição da lei necessária ao gozo do direito a reparação econômica contra a União, outorgado pelo art. 8., par. 3., ADCT: deferimento parcial, com estabelecimento de prazo para a purgação da mora e, caso subsista a lacuna, facultando o titular do direito obstado a obter, em juízo, contra a União, sentença liquida de indenização por perdas e danos. 1. O STF admite - não obstante a natureza mandamental do mandado de injunção (MI 107 - QO) - que, no pedido constitutivo ou condenatório, formulado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232). 2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8., par. 3. - "Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica n. S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e n. S-285-GM5 será concedida reparação econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição" - vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a existência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada. 3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercício, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos mandamentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito. 4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de injunção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8., par. 3., ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei reclamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença liquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável (MI n. 283-5/DF, Tribunal Pleno, Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.11.1991, p. 16.355).

            04

MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA JURÍDICA - FUNÇÃO PROCESSUAL - ADCT, ART. 8., PARÁGRAFO 3. (PORTARIAS RESERVADAS DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA) - A QUESTÃO DO SIGILO - MORA INCONSTITUCIONAL DO PODER LEGISLATIVO - EXCLUSÃO DA UNIÃO FEDERAL DA RELAÇÃO PROCESSUAL- ILEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" - "WRIT" DEFERIDO [...]- O caráter essencialmente mandamental da ação injuncional - consoante tem proclamado a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal - impõe que se defina, como passivamente legitimado "ad causam", na relação processual instaurada, o órgão público inadimplente, em situação de inércia inconstitucional, ao qual e imputável a omissão causalmente inviabilizadora do exercício de direito, liberdade e prerrogativa de índole constitucional. No caso, "ex vi" do parágrafo 3. do art. 8. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a inatividade inconstitucional e somente atribuível ao Congresso Nacional, a cuja iniciativa se reservou, com exclusividade, o poder de instaurar o processo legislativo reclamado pela norma constitucional transitória. [...] A Carta Federal, ao proclamar os direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5.), enunciou preceitos básicos, cuja compreensão e essencial a caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível, ou, na lição expressiva de BOBBIO, como "um modelo ideal do governo público em público". - O novo "writ" constitucional, consagrado pelo art. 5., LXXI, da Carta Federal, não se destina a constituir direito novo, nem a ensejar ao Poder Judiciário o anômalo desempenho de funções normativas que lhe são institucionalmente estranhas. O mandado de injunção não e o sucedâneo constitucional das funções político-jurídicas atribuídas aos órgãos estatais inadimplentes. A própria excepcionalidade desse novo instrumento jurídico "impõe" ao Judiciário o dever de estrita observância do princípio constitucional da divisão funcional do poder. - Reconhecido o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional - único destinatário do comando para satisfazer, no caso, a prestação legislativa reclamada - e considerando que, embora previamente cientificado no Mandado de Injunção n. 283, rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, absteve-se de adimplir a obrigação que lhe foi constitucionalmente imposta, torna-se "prescindível nova comunicação a instituição parlamentar, assegurando-se aos impetrantes, "desde logo", a possibilidade de ajuizarem, "imediatamente", nos termos do direito comum ou ordinário, a ação de reparação de natureza econômica instituída em seu favor pelo preceito transitório (MI n. 284-3/DF, Tribunal Pleno, Min. Celso de Mello, DJ 26.06.1992, p. 10.103).

            05

MI n. 562/RS, Tribunal Pleno, Min.ª Ellen Gracie, DJ 20.06.2003, p. 58.


Sobre a autora


Nancy Dutra

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Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1775 (11.5.2008)
Elaborado em 04.2008.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
DUTRA, Nancy. A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1775, 11 maio 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11199>. Acesso em: 11 maio 2008.


Jus Navigandi - Doutrina - A atuação do Poder Judiciário na integração e concretização dos preceitos constitucionais

 

 

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