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quinta-feira, dezembro 06, 2007

Boletim Jurídico - A pessoa Humana como objeto do negócio jurídico: Uma abordagem crítica ao reality show

Fonte: Boletim Jurídico


A pessoa Humana como objeto do negócio jurídico: Uma abordagem crítica ao reality show

 

Autor:Rodrigo Adorno
Acadêmico do 4ºano do Curso de Direito (Fundação Universidade Federal do Rio Grande - FURG); Ex-bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS); Coordenador do Grupo de Auxílio às Instituições de Abrigagem ao Menor (GAIAM); Pesquisador do Centro de Estudos Psicológicos de Meninos e Meninas de Rua do Rio Grande do Sul (CEP - RUA); Colaborador do projeto de execução penal da Penitenciária de Rio Grande.
E-mail : rodrigo_adorno@riogrande-rs.com.br
Inserido em 19/11/2003
Parte integrante da Edição nº 52

Revista Consulex

RESUMO:

 

Este trabalho tem por objetivo desencadear a reflexão de uma problemática jurídica da sociedade moderna, a saber: a pessoa humana como objeto do negócio jurídico. Neste artigo abordaremos o tema sob o prisma da doutrina civilista e constitucional, aplicadas no contexto social hodierno.

 

SUMÁRIO: 1. Resumo. 2. Introdução 2.1. Objeto do negócio jurídico. 3. Direitos e garantias fundamentais 3.1. Direito à privacidade, à intimidade e à honra. 4. Dignidade da pessoa humana. 5. Autonomia da vontade. 6. Considerações finais. 7. Referências Bibliográficas

 

1. Introdução:

A validade do negócio jurídico requer a presença de um objeto lícito, possível e determinado ou determinável (Art. 104, II, NCC). Assim, percebe-se que o objeto deve ser possível frente ao ordenamento jurídico, pois "[...] é frustro o negócio, em razão de se não poder configurar a relação jurídica, que, na verdade, reclama a existência do elemento objetivo para armar-se e ser impossível (se impossibilidade absoluta) o objeto, o mesmo é que não haver" (PEREIRA, Caio Mário, 1994, p.311).


Portanto, para que um negócio jurídico seja válido, sempre deve ser configurada a perfeita adequação do objeto na relação jurídica; sendo assim, apresenta-se nulo qualquer negócio jurídico em que seu objeto recai sobre bens ou direitos subjetivos inalienáveis, indisponíveis ou irrenunciáveis, dentre estes, os direitos personalíssimos.


Feitas tais considerações, observa-se que todo e qualquer contrato, v.g., aquele aderido pelos participantes do "Big Brother" (programa televisivo, que consiste na permanência de um grupo de pessoas em uma casa, na qual são filmados em todos os locais desta, 24 hs por dia; modelo atualmente muito difundido em diversos países do mundo, conhecido como reality show, em que se dispõe (de forma onerosa) de direitos como a intimidade, privacidade, honra e dignidade, atingiriam, estes negócios, pleno iure de nulidade).


2. Objeto do Negócio Jurídico:

Os objetos dos negócios jurídicos podem ser os fatos (positivos e negativos) ou os bens (coisas e direitos), sendo "[...] a própria coisa ou o próprio interesse sobre os quais recai o negócio" (Id., ibid., p. 161-162).


Como vimos, é necessário o cumprimento de certos requisitos por parte do objeto (art.104, II, CC), pois não se pode converter em objeto aquilo que não é suscetível de objetivação. Ademais, como ministra em seus ensinamentos o douto professor Eduardo Luiz Benites "[...] se os objetos do negócio jurídico são os fatos e os bens, jamais será ou poderá ser a pessoa (...). Igualmente, os denominados direitos personalíssimos ou direitos da personalidade" (2002; p.23).
Desta forma, um negócio que tivesse a pessoa ou seus direitos personalíssimos como objeto, careceria de validade, pois este encontraria uma impossibilidade jurídica absoluta (VENEZA, Silvio de Salvo, 2001, p. 336).

 

3. Direitos e Garantias Fundamentais:

O surgimento da necessidade da integração de direitos e garantias fundamentais pelo constitucionalismo brasileiro deveu-se as desigualdades existentes no país, as quais ocasionavam desrespeitos de tais direitos, através de perseguições políticas e ideológicas, torturas etc (SAMPAIO, Luiz, 1989, p. 5). Com a Democracia instalada no Brasil, este tipo de desrespeito diminuiu a números consideráveis, mas outras formas de violações surgiram, não mais através de armas comandadas por generais, mas pelo poder econômico patrocinado por empresas multinacionais visando a auferir milhões de dólares de lucro.


Não obstante os genéricos e abrangentes dispositivos legais inseridos na história dos ordenamentos jurídicos (Já na Declaração Americana do Estado de Virgínia tínhamos: "[...] todos os homens têm certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem por qualquer acordo privar ou despojar seus pósteros..." (BASTOS, Celso, 1990, p. 155)) das nações "civilizadas" preocupam-se com o desrespeito dos direitos e garantias fundamentais por via da violência arbitrária, inobservando-se, ainda, a arbitrariedade motivada pelo interesse financeiro, capaz de fazer com que alguém queira alienar até o que não é suscetível de alienação, cabendo ao ordenamento conformar tal situação.


Nos ensinamentos de José Afonso da SILVA, os direitos e garantias fundamentais "São direitos intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico-patrimonial. Se a ordem constitucional os confere a todos, deles não se pode desfazer, porque são indisponíveis" ( s.d., p. 163).

 

3.1. Direito à Privacidade, à Intimidade e à Honra:

O direito à privacidade, à intimidade e à honra, segundo PINTO FERREIRA, "[...] inexistia no Direito Constitucional anterior, porém a ampla publicidade, devassando a vida privada e a intimidade das pessoas, bem como desfigurando sua imagem, motivou sua inclusão no texto" (1989 p. 79).


Desta forma, a Constituição Federal trás em seu art. 5º, X, a proteção destes direitos, prevendo, ainda, indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Assim, a indenização é um instrumento para reparar o dano causado pela inobservância destes direitos; todavia, pode a vítima deixar de exigir tal indenização, o que não implica em renúncia ou alienação de seu direito personalíssimo, visto que tal indenização, como vimos, não se trata de uma contraprestação e sim da reparação de um dano, a qual a vítima, em determinada situação, pode considerá-la desnecessária ou ineficaz para sua finalidade e dela dispor.


A relevância da observação destes direitos reside, justamente, em serem eles a base que compõe o direito à dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República.

 

4. Dignidade da Pessoa Humana:

A dignidade da pessoa humana encontra abrigo constitucional em seu art. 1º, III, da Constituição Federal, assim esta se configura como um dos fundamentos no qual a República Federativa do Brasil assenta-se. Destarte, o constituinte visou proporcionar às pessoas uma vida digna, evitando entre outras situações as de "[...] humilhações tão comuns no dia-a-dia de nosso País. Este foi sem dúvida, um acerto do constituinte, pois coloca a pessoa humana como fim último de nossa sociedade e não como simples meio para alcançar certos objetivos, como por exemplo, o econômico" (BASTOS, Celso, 1990, p.148).


Com efeito, quando se viola a dignidade de outrem, não se está apenas violando o direito de uma pessoa, mas se está quebrando um dos pilares nos quais se assenta o ordenamento jurídico do país. Por conseguinte, não pode o sujeito dispor de tal direito, sendo este caracterizado por sua irrenunciabilidade, haja vista que tal efeito atingirá a toda a coletividade.

 

5. Autonomia da Vontade:

Segundo SERPA LOPES, "A vontade é o elemento essencial do factum no negócio jurídico"(1996, p. 428), esta vontade possui autonomia, sendo "[...] a esfera de liberdade da pessoa que lhe é reservada para o exercício dos direitos e a formação das relações jurídicas do seu interesse ou conveniência" (GOMES, Orlando, 1997, p. 265). Contudo, como decorrência natural de uma vida em sociedade, esta autonomia sofre limitações. Assim, "Não há, portanto, um caráter absoluto no poder de autoregramento da vontade, mas apenas um permissivo que o sistema jurídico outorga as pessoas" (MELLO, Marcos Bernardes de, 1999, p. 158).
Pontes de MIRANDA falava, com acerto, sobre o Princípio da Incolumidade das Esferas Jurídicas, chamando a atenção para a "[...] necessidade de respeito às esferas jurídicas alheias; quer dizer, a vontade somente pode ser livremente manifestada enquanto não prejudique interesses que integram esferas jurídicas de outras pessoas, salvo lex especialis" ( Id., ibid., p. 161-162) .


Por conseguinte, embora se discuta a disponibilidade de direitos como os supracitados (mesmo que constitucionalmente pareça não haver o que discutir), mais evidente torna-se a indisponibilidade de direitos de terceiros. Assim, não pode haver um negócio jurídico cujo objeto seja um bem indisponível do seu titular, muito menos de um bem alheio (o programa referido ("Big Brother") além de violar direitos de seus titulares (como a intimidade, honra, privacidade e dignidade), pode vir a atingir diretamente a terceiros, como seus parentes ou pessoas próximas, v.g., o que ocorreu em outro programa "semelhante" ("Casa dos Artistas"), em que uma mulher casada passou a ter relações extraconjugais no programa, vindo a atingir diretamente a honra de seu marido).

 

6. Considerações Finais

Haja vista os dispositivos legais inseridos em nosso ordenamento jurídico que, como vimos, caracteriza certos direitos como inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis - uns por serem inerentes ao indivíduo, outros por serem imprescindíveis para que se mantenha erigido um Estado Social Democrático e de Direito - é mister ao Estado conformar as situações de fato de acordo com o que é preconizado em suas leis.


Nos ensinamentos de Darcy AZAMBUJA, "[...] o Estado é uma forma natural da sociedade humana e tem por fim realizar o bem comum dos que o constituem, a autoridade, elemento essencial do Estado, é também natural e necessário nas sociedades humanas"(1985, p.151). Portanto, a necessidade de uma intervenção estatal, seja legislativa ou judiciária, não se confunde com autoritarismo, ao contrário, é indispensável para a existência de um Estado de Direito em que se vela pelo bem comum e pelo respeito de seu ordenamento jurídico, égide de uma sociedade organizada e democrática.


Doravante, espera-se que o Estado assegure a resguarda dos direitos dos seus cidadãos e de sua sociedade, regulando e coibindo violações, observando, especialmente, as arbitrariedades de todas as suas formas, sejam elas políticas, militares, morais, econômicas, raciais, etc., sob pena de tais violações tornarem-se rotineiras e deturparem nosso ordenamento jurídico, configurando-se um retrocesso social-normativo (inadmissível em nosso Texto Constitucional). Destarte, devemos estar atentos, pois as arbitrariedades e os despotismos persistem, só mudaram de táticas e de uniformes!


__________________
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 24.ed. Rio de Janeiro: Globo, 1985.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1990.

BENITES, Eduardo Luiz. Resumo do Capítulo Elementos do Negócio Jurídico. 2002.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. V.1. São Paulo: Saraiva, 1989.

GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

LOPES, Miguel de Serpa. Curso de Direito Civil. V.1. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1996.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: plano da existência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

PEREIRA, C.M. da Silva. Instituições de Direito Civil. 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1994

SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhor. Comentários à Nova constituição Brasileira. São Paulo: Atlas, 1989.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, s.d.

VENEZA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. São Paulo: Atlas, 2001.

 

(texto confeccionado em: 10/2002)



 


terça-feira, outubro 02, 2007

Web Broker, legalmente seguro?

Fonte:


Web Broker, legalmente seguro?

 


O uso de corretoras online, especialmente para investimento em ações, tem crescido nos últimos anos, com cada vez mais pessoas físicas entrando nesse mercado por meio da internet. Uma das pioneiras foi a Ágora, com seu serviço "Vip trade". Além dela, há diversas outras no mercado, inclusive corretoras de bancos.

 

Por esse motivo, desde 1º de julho de 2006 a BM&F (Bolsa Mercantil & de Futuros) deu continuidade ao projeto de fortalecimento desse setor, em duas fases. A primeira visava alcançar o vigor econômico-financeiro das corretoras associadas, a modernização tecnológica de suas bases operacionais, a qualificação profissional de suas mesas de operações e back-office e a introdução de procedimentos e requisitos de compliance.

 

Já a segunda, denominada Programa de Qualificação Operacional (PQO), é constituída pelo aprimoramento de controles internos, identificação de focos de atividade e preparação para futura certificação dos posicionamentos estratégicos escolhidos.

 

Foram criados dois roteiros pela BM&F: um básico e compulsório, e outro específico, que se divide em selos. As certificações de posicionamento de negócios (selos) são: Agro Broker; Carrying Broker; Execution Broker; Retail Broker e Web Broker. Este artigo trata da questão de segurança da informação e seus aspectos legais na proteção do investidor online, no segmento de Web Broker.

 

Os requisitosde segurança estão presentes no roteiro básico da BM&F, portanto são obrigatórios. Apesar de bem intencionados, os pontos abordados no roteirosão muito genéricos e simplistas em face às normas internacionais (ISO/IEC e BS) e auto-regulamentação de mercado (Payment Card Industry - PCI). Logo, do ponto de vista jurídico, se houver algum problema de segurança da informação em uma operação de Web Broker o prestador do serviço poderá ser responsabilizado, principalmente, porque, na grande maioria das empresas analisadas em nossa pesquisa, não há aplicação das boas práticas mínimas de gestão de risco eletrônico.

 

As recomendações constantes como melhores práticas deveriam ser consideradas mandatórias, até mesmo como forma de se ter uma exclusão da responsabilidade civil. Ou seja, quando o fornecedor protege seu ambiente adequadamente, cabe ao usuário do serviço proteger seu lado. Assim reza o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, aonde um prestador de serviço só não será responsabilizado se puder provar culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

 

Não foi observado no roteiro básico nenhuma determinação no sentido de uma auditoria com certa regularidade em segurança da informação, conforme consta no PCI, e ainda no próprio esquema de gestão em segurança da informação (PDCA) -afinal, segurança é um processo de melhoria contínua.

 

Outro ponto importante que não é abordado tanto pelo roteiro básico como pelo específico, são requisitos mínimos para os clientes utilizarem esse tipo de serviço, isto é, deixar claro, de modo objetivo e transparente, quais ferramentas e tecnologias o cliente deve fazer uso para proteção do seu lado, como exemplo, antivírus, firewall, anti-spyware e informações para conscientizarsobre as fraudes existentes.A conscientização também deve ser realizada dentro da própria corretora para evitar possíveis ataques de engenharia social.

 

O disposto no item 21 do Roteiro Básico diz: "A Corretora deve utilizar elevados padrões tecnológicos de segurança de rede, para evitar fraudes internas e invasões e garantir o sigilo de toda informação e comunicação via internet."

 

Apesar da implementação de tecnologias, é sabido por todos que o maior problema de segurança não é apenas a tecnologia e, sim, a falta de normas e procedimento de seguranças devidamente implementados e divulgados dentro da organização e junto a seus colaboradores e clientes. Ira Winkler, um dos maiores especialistas em segurança da informação no mundo, diz em sua obra "Spies Among Us", de forma bastante clara: "Technology is not usually the problem". E continua, afirmando que o grande problema envolvendo segurança da informação é o que ele chama de "vulnerabilidades operacionais".

 

O item 27, que trata da implementação de uma central de atendimento para incidentes, que é um requisito não obrigatório (mas deveria ser), poderia levar em consideração a existência de norma internacional sobre o tema, a ISO/TR 18044, gestão de incidentes de segurança da informação.

 

Outra questão que deve ser abordada é quanto ao desenvolvimento seguro das ferramentas utilizadas principalmente para Web Broker, uma vez que podem conter vulnerabilidades e por conseqüência serem exploradas por indivíduo mal intencionado.

 

Devido a isso, realizamos uma pesquisa com as principais Web Brokers atuantes no mercado brasileiro, no período de 1º a 13 de junho de 2007, no tocante a Segurança da Informação e Boas Práticas de Direito Digital, por meio da interface cliente (usuário).

 

• Das corretoras analisadas,constantes na lista da Bovespa (http://www.bovespa.com.br/home/redirect.asp?end=/Mercado/RendaVariavel/Homebroker/HomeBroker.asp), averiguamos que algumas não utilizam comunicação segura, ou seja, não há criptografia quando o cliente realiza o acesso. Assim, qualquer dado fornecido pelo cliente é possível de ser capturado abertamente na Internet. Nesse sentido, já há ações judiciais que deram ganho de causa a clientes de lojas virtuais que tiveram seus dados expostos na web devido justamente a falta de uso de padrões de criptografia e proteção.

 

• Também constamos uma infração ao Código de Defesa do Consumidor (art. 31) de algumas corretoras no que tange à prestação de informações sobre os produtos oferecidos aos clientes, pois ou estas informações não são claras ou são inexistentes.

 

• Vimos que alguns sites não foram desenvolvidos de forma segura. Por meio apenas da análise do site, foi verificado que haveria a possibilidade de execução ataques de cross site script e de SQL injection[1], deixando claro que as atividades de teste não foram feitas, mas apenas foi vista a presença de vulnerabilidade que permite que o mesmo ocorra. Se isso ocorre com uma Web Broker, pode ser possível até alterar dados de operações realizadas via internet, dentro de um perfil de cliente.

 

• Além disso, a maioria não possui Política de Privacidade ou Termo de Uso de Serviços, nem tampouco Política de Segurança da Informação, que são documentos jurídicos essenciais para garantir aproteção tanto da Web Broker como do cliente, e que também atendem a boa prática de governança corporativa e transparência.

 

A iniciativa da BM&F é válida e bem intencionada, mas pode ser aprimorada para aumentar a blindagem legal das operações das corretoras na internet, especialmente no que tange a segurança da informação e limites de responsabilidade civil. É recomendável a criação de um roteiro básico, obrigatório, mais completo alusivo à segurança da informação e a aplicação de boas práticas legais especialmente no tocante a documentação e informação, para que dessa forma não só torne as corretoras mais fortes como também mais bem protegidas, assim como em relação a seus clientes.

 

Dra. Patricia Peck e Dr. Diego Camargo são advogados especialistas em Direito Digital do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados.
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[1] manipulação de uma instrução SQL usando as variáveis quem compõem os parâmetros recebidos por um script

Info Corporate (14/08/2007 10:38)
Link: http://info.abril.com.br/corporate/noticias/noticia_246885.shtml

Direitos Autorais Reservados
Publicado: Patricia Peck e Diego Camargo

segunda-feira, dezembro 18, 2006

A simulação no novo Código Civil

Fonte:





Marcelo Barbosa Sacramone
advogado em Jundiaí (SP), mestrando em direito comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo





Sumário:1. Introdução. 2. Conceito. 3. Interpretação do negócio jurídico. 4. Relação entre a vontade e a declaração na simulação. 5. Simulação absoluta e simulação relativa. 6. Simulação maliciosa e simulação inocente. 7. Efeitos da simulação no Código Civil de 1916. 8. Efeitos da simulação no Novo Código Civil. 9. Conclusão. 10. Bibliografia.


1.Introdução

O Novo Código Civil logrou unificar a matéria obrigacional no direito brasileiro, o que, longe de constituir uma inovação no direito pátrio, já era tentado sem sucesso desde 1859 com o Esboço de Código Civil de Teixeira de Freitas.

Os princípios que regem o tratamento a ser dispensado às relações comerciais e às relações civis não se apresentam, contudo, de maneira uniforme, o que dificulta a unificação. A prática reiterada de negócios jurídicos de maneira organizada e estável pelo empresário cria em torno desta atividade negocial uma lógica diversa da pautada à realização de um negócio isolado, típico das relações civis.

Dentre esses princípios, a segurança e a previsibilidade alcançam extrema relevância ao desenvolvimento das transações empresariais, em virtude da "habitualidade, continuidade finalística e coordenação sistemática" [01], como características que as revestem. A tutela da aparência do negócio jurídico, assim, emerge como o principal ponto de regulamentação do direito obrigacional pelo Código Civil de 2002, pondo em relevância, desta maneira, duas figuras intrinsecamente ligadas: a interpretação e a simulação dos negócios jurídicos.


2.Conceito

O termo simulação tem origem no latim simulatio, que significa fingimento, artifício [02]. Na definição vernacular, simulação significa ato ou efeito de fingir o que não é; disfarce; fingimento [03].

Juridicamente, pode-se definir simulação como a aparência de um negócio jurídico contrário à realidade, destinado a provocar uma ilusão no público, seja por não existir negócio de fato, seja por existir um negócio diferente daquele que se aparenta [04]

Quanto à sua natureza jurídica, as teorias que procuraram conceituar a simulação podem ser agrupadas em dois grupos principais: a teoria tradicional e a teoria objetiva.

A primeira teoria, cujos postulados são dominantes tanto no Brasil quanto alhures, preconiza uma discordância entre a vontade real e a declaração; as partes convencionariam uma vontade real desejada, mas emitiriam uma declaração não conforme a esta, com o intuito de iludir terceiros.

Nesta acepção se enquadra Beviláqua, para o qual há simulação "quando o ato existe apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar nas relações da vida. É um ato fictício, que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma declaração enganosa da vontade, visando a produzir efeito diverso do ostensivamente indicado" [05].

No mesmo sentido se manifesta Ferrara determinando que "aquilo que é mais característico no negócio simulado é a divergência intencional entre a vontade e a declaração. A vontade interna e a declaração externa estão conscientemente em oposição" [06].

As partes emitem, em suma, de comum acordo, com o intuito de enganar terceiros, uma declaração divergente da vontade real.

A teoria objetiva, sustentada mormente por Kohler, por outro lado, preconiza a existência, no fenômeno simulatório, de duas declarações que se anulam reciprocamente. Para esta teoria, é inconcebível apregoar a divergência entre a vontade real e a declaração.

Segundo esta teoria, não há na simulação qualquer desarmonia entre a ação e a vontade; a suposta divergência aparente decorre da separação de somente uma parte do todo da declaração, parte que é levada a conhecimento de terceiros. Mas esta divergência não existe; o que existe são duas declarações, uma declaração e uma contra-declaração no mesmo negócio jurídico, as quais se anulariam reciprocamente [07].

Para a teoria objetiva, sobre a mesma intenção, duas declarações são emitidas. Uma é destinada a terceiros, criando a aparência de determinado negócio jurídico e determinados efeitos típicos que este geraria; a outra fica na esfera exclusiva de conhecimento dos contratantes, regulando de maneira real os efeitos estabelecidos pelas partes [08].

A despeito das particularidades de cada teoria depreende-se que a o pactuado entre as partes não é o que é manifestado perante terceiros, criando uma aparência de negócio que não se coaduna com a vontade real de produção de efeitos dos sujeitos. A regulação sobre o instituto concentra-se assim em saber, tanto na relação com terceiros quanto entre as partes, qual dos elementos da simulação deve prevalecer, quais sejam a vontade ou a declaração aparente [09].


3.Interpretação do negócio jurídico

A interpretação acerca do fenômeno simulatório, debruçando-se sobre a prevalência da vontade interna ou da declaração exteriorizada, guarda referência com a própria evolução do conceito de negócio jurídico.

Savigny, ao conceituar negócio jurídico, preconiza uma concepção subjetiva em que o negócio jurídico apresenta-se como uma declaração de vontade com o fim imediato de constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica. Sua essência reside na vontade; a declaração apresenta-se como mero meio necessário de exteriorização desta. Nesse sentido, na divergência entre a vontade e a declaração, prevaleceria a vontade [10].

No Brasil, a teoria subjetiva consagrou-se no Código Civil de 1916 que determinava, em seu artigo 85, que "nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem".

Contrapondo-se à corrente subjetivista, a teoria objetiva procura sanar a desconfiança e imprevisibilidade que comprometem a própria fluência das relações, mormente das relações comerciais, em decorrência do direito tutelar um elemento interno ao sujeito, sua vontade, em contraposição ao externalizado no meio social – a declaração.

Sob essa perspectiva, conceitua Betti que o negócio jurídico transparece como o "ato de autonomia privada a que o direito liga o nascimento, a modificação e a extinção das relações jurídicas entre particulares". Para o autor, a vontade "pertence unicamente ao foro interno da consciência individual. Somente na medida em que se torna reconhecível no ambiente social, seja como declaração, seja como comportamento, ela se torna um fato social, suscetível de interpretação e de avaliação pelas partes. Somente declarações ou comportamentos são entidades socialmente reconhecíveis e, portanto, próprias para constituir objeto de interpretação ou instrumento de autonomia privada (...) Objeto de interpretação não pode ser senão um dado objetivo, uma entidade reconhecível precisamente no ambiente social" [11].

Dessa opinião perfilha Azevedo, para quem "a vontade não é elemento do negócio jurídico; o negócio é somente a declaração de vontade" [12]. Para o autor, "a declaração, uma vez feita, se desprende do iter volitivo; adquire autonomia, como a obra se solta de seu autor. É da declaração, e não da vontade, que surgem os efeitos. Tanto é assim que, mesmo quando uma das partes, em um contrato, muda de idéia, persistem os efeitos deste" [13].

O Código Comercial de 1850 consagrava a corrente objetiva em seus artigos 130 e 131. Para o normativo, a interpretação dos contratos e convenções mercantis deveria ser realizada através dos costumes, da boa fé e do "verdadeiro espírito e natureza do contrato".

A boa fé nesse contexto apareceria na sua vertente objetiva, relacionada a padrões de comportamento dos contratantes de uma determinada localidade e de um certo tempo, contrapondo-se à boa fé subjetiva, que recairia sobre os aspectos psicológicos e éticos do indivíduo, algo interior, psíquico do agente. A boa fé objetiva, por outro lado, seria ligada aos usos e costumes, à regra de conduta desenvolvida normalmente pelo homem, o que acaba por permitir a previsibilidade e certeza do comportamento esperado do contratante, garantindo a fluência das transações no mercado.

O Novo Código Civil, unificando o direito obrigacional, consagra, em sua Parte Geral, a boa fé objetiva, conforme a dicção do artigo 113, que determina que "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". A adoção da teoria objetiva do negócio jurídico, no entanto, não pode ser sustentada em virtude da reprodução quase literal do artigo 85 do Código Civil de 1916 no Novo Código. Nesse sentido, o artigo 112 do novo normativo estabelece que "nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem".

Pela dicção do dispositivo, salta aos olhos a prevalência da vontade real à sua manifestação; a declaração torna-se mero instrumento para se buscar a real intenção das partes, a qual estaria naquela consubstanciada. Consagra-se assim a teoria subjetiva, apesar da menção à boa-fé objetiva, voltando-se o intérprete à "manifestação da vontade de cada uma das partes e não naquela comum, correspondente à natureza do negócio" [14].

A adoção da teoria subjetiva na interpretação dos negócios jurídicos, a qual, entretanto, é temperada pela consideração da boa-fé objetiva, não desconsiderando totalmente a declaração manifestada pelas partes em virtude da confiança e previsibilidade a ser gerada no mercado, foi nestes mesmos moldes implantada pelo Novo Código Civil ao tratar da simulação.


4.Relação entre a vontade e a declaração na simulação

Ao analisar o conceito de simulação verificou-se como ponto comum entre as teorias que procuraram definir sua natureza a manifestação de um negócio jurídico a terceiros que não se coaduna com a verdadeira vontade das partes, com a real intenção dos sujeitos de produzirem determinados efeitos entre si.

Como requisito da simulação figura assim um acordo das partes contratantes em declarar para terceiros um negócio jurídico aparente, simulado, cujos efeitos não são desejados pelas partes. Além disso, o propósito do negócio aparente é o de enganar a coletividade, seja não visando a causar nenhum dano, seja objetivando prejuízos a terceiros, ou fugir ao imperativo da lei [15].

Ambas as partes devem manifestar uma não conformidade entre o negócio jurídico aparente e a real vontade de produção de efeitos com o ato. Se o desacordo entre a vontade e o negócio jurídico convencionado for de apenas um dos sujeitos, ou seja, não houver a cooperação na criação do negócio jurídico aparente, o instituto não é o da simulação, mas sim o da reserva mental, como predominantemente sustentado pela doutrina [16].

Da necessidade de combinação das vontades das partes para estabelecer o negócio jurídico simulado, surge a figura do acordo simulatório. É por meio deste que as partes convencionam a criação de uma relação jurídica aparente a terceiros (negócio simulado) e regulam seus reais interesses mediante uma relação jurídica efetiva a produzir efeitos entre si (negócio dissimulado). Nas palavras de Miranda, "as partes não celebram dois negócios distintos – o simulado e o dissimulado – mas um só – o simulado – que encobre também, nas simulações relativas, a relação jurídica dissimulada" [17].

É o acordo simulatório que possibilita o surgimento do negócio simulado, mediante a estipulação pelas partes de um objetivo dissimulado. Acordo simulatório é o meio convencionado pelas partes para obterem aquilo que se dissimulou.

O §1o do artigo 167 do Novo Código Civil, à semelhança do artigo 102 do revogado Código Civil de 1916, estabelece que haverá simulação nos negócios jurídicos quando: "I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados".


5.Simulação absoluta e simulação relativa

O acordo simulatório pode regular que a vontade das partes, ao convencionarem o negócio jurídico aparente, era não produzir com o ato simulado nenhum efeito jurídico, ou produzir efeitos diferente dos efeitos típicos do negócio determinado. Pode-se distinguir a simulação, conforme esses efeitos regulados no acordo simulatório, em simulação absoluta e simulação relativa.

Na simulação absoluta, a declaração aparente de vontade não visa a produzir qualquer efeito jurídico. Através do acordo simulatório, as partes convencionam um negócio jurídico aparente, mas que também não desejam produzir qualquer efeito com esse ato.

As partes procuram transmitir a terceiros uma situação enganosa de que teriam convencionado determinado negócio jurídico (aparente), mas na realidade não quiseram, de comum acordo, produzir qualquer resultado. Há a mera aparência, pois as partes não desejam produzir nenhum efeito jurídico com o negócio que se apresenta a terceiros.

Na simulação relativa, por outro lado, visa-se com o negócio simulado produzir efeitos diferentes dos típicos do negócio. O negócio aparente, na simulação relativa, "não passa de um meio de realização do ato dissimulado, ou realmente querido" [18].

A simulação relativa difere da simulação absoluta pois as partes têm a intenção de gerar efeitos jurídicos, de produzir com o negócio jurídico aparente um resultado. Os efeitos buscados pelas partes, contudo, não são os efeitos normalmente gerados pelo negócio aparente. O resultado buscado é o da relação jurídica dissimulada, a qual fica encoberta pelo negócio jurídico aparente.


6.Simulação maliciosa e simulação inocente

Como anteriormente visto, o outro requisito da simulação é o propósito, através do negócio aparente, de enganar a coletividade. Nesse sentido, pode-se contrapor a simulação maliciosa à simulação inocente, tendo em vista a boa ou má-fé das partes envolvidas.

Na simulação inocente, o intuito de enganar a terceiros não visa a prejudicar qualquer desses ou violar determinação legal. Os simuladores desejam com o negócio jurídico simplesmente ocultar de terceiros a verdadeira natureza do negócio, sem, no entanto, causar dano a interesses de qualquer pessoa.

Na simulação maliciosa, por outro lado, as partes visam prejudicar terceiros ou violar disposição legal. É, portanto, a finalidade do agente que irá determinar a consideração do negócio como malicioso ou inocente. Segundo Pereira, assim, "o mesmo ato ou a mesma declaração de vontade pode constituir simulação inocente ou maliciosa, conforme seja desacompanhada ou revestida de um propósito danoso: um marido que disfarça sob a forma de compra e venda um donativo a um parente, para que não o apoquente a mulher, faz uma simulação inocente, mas o mesmo processo será simulação maliciosa se o propósito é desfalcar o patrimônio conjugal e prejudicá-la" [19].


7.Efeitos da simulação no Código Civil de 1916

A simulação no Código Civil de 1916 era caracterizada como vício social e tida tradicionalmente, de maneira correlata aos vícios de vontade, tais como o erro, o dolo e a coação, como causa de anulabilidade do negócio jurídico, desde que praticada com a intenção de prejudicar terceiros, ou de burlar a lei.

Como pode-se depreender do exposto, os efeitos da simulação variavam conforme a espécie de simulação tratada.

Na simulação absoluta, o negócio jurídico era tido como inexistente pois o intuito das partes era criar uma mera aparência de negócio jurídico, não resultando nenhum efeito jurídico. A caracterização de sua inexistência decorria da interpretação a contrario sensu do artigo 81 do antigo Código, que determinava que "todo o ato lícito, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, se denomina ato jurídico" [20].

Nesse sentido, o negócio jurídico aparente – ato jurídico, na dicção do antigo Código Civil [21] -, como destinado pelas partes a não promover qualquer efeito jurídico entre si, não possui o elemento de fato necessário à sua concepção, qual seja a vontade das partes de se vincularem, sendo considerado como inexistente [22].

O referido se harmoniza à definição de ato inexistente de Gomes, para quem "somente dois requisitos gerais podem ser considerados elementos de fato que, faltando inteiramente, não permitem sua formação. Esses elementos são: a) a vontade; b) o objeto (...) Quando falte, pois, um desses dois elementos, negócio jurídico não se forma. Uma vez que é juridicamente inexistente, desnecessário declarar sua invalidade, visto que não pode produzir qualquer conseqüência jurídica. Não se convalida, não se converte em outro negócio válido, não pode ter eficácia como putativo" [23].

Não poderia um terceiro eventualmente prejudicado por confiar na aparência do negócio absolutamente simulado alegar a existência deste para pleitear direitos, mas simplesmente fundamentar pedido indenizatório no artigo 159, que estabelecia que todo "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano" [24].

Na simulação relativa inocente, as partes estabelecem um negócio jurídico aparente para encobrir uma relação jurídica dissimulada. Esta simulação, apesar de visar enganar a coletividade, como pressuposto da própria figura da simulação, não objetiva causar prejuízo a terceiro ou violar norma legal não sendo portanto causa de anulabilidade do negócio jurídico, que permaneceria válido.

Com relação a esta, dispunha o artigo 103 do Código Civil de 1916 que "a simulação não se considerará defeito em qualquer dos casos do artigo antecedente, quando não houver intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei".

Para Pontes de Miranda a regra adviria do artigo 525 do Esboço de Teixeira de Freitas que determinava que "se a simulação for relativa e também não tiver havido intenção de prejudicar a terceiro, ou de violar disposição de lei, os atos não valerão com o caráter aparente que tiverem, mas com o seu caráter verdadeiro, se como tais pudessem valer". Para o autor, o negócio jurídico aparente é inexistente. O ato simulado é como regra fático, e não jurídico, "somente se puder sobrevir prejuízo a terceiro, ou violação à lei, o sistema jurídico fá-lo entrar no mundo jurídico" [25]

Nesse sentido, na simulação relativa inocente prevaleceria o negócio jurídico dissimulado, verdadeira intenção de realização pelas partes. A essa conclusão se pode chegar pela interpretação a contrario sensu do artigo 104, que veda a alegação de simulação pelas partes somente na simulação maliciosa. "Sendo inocente a simulação relativa, qualquer dos simulantes pode pedir a que se declare a relação jurídica dissimulada, prevalecendo, então, o que foi querido, em vez do que se aparentou querer" [26].

Se houver a intenção de prejudicar terceiros ou de violar disposição de lei, a simulação era considerada defeito social, causa de anulabilidade de todo o negócio jurídico. O artigo 105 do Código Civil de 1916 estabelecia, desta forma, que "poderão demandar a nulidade dos atos simulados os terceiros lesados pela simulação, ou os representantes do poder público, a bem da lei, ou da Fazenda".

Às partes, entretanto, não foi atribuída esta faculdade em decorrência do princípio nemo auditur propriam turpitudinem allegans, pelo qual o direito não protegeria a alegação da própria má-fé. O princípio foi consagrado no artigo 104, que dispunha que "tendo havido intuito de prejudicar a terceiros ou infringir preceito de lei, nada poderão alegar, ou requerer os contraentes em juízo quanto à simulação do ato, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiros".

Desta forma, se os terceiros interessados não demandarem a anulabilidade do ato, às partes não era permitido se desvincularem da obrigação imposta, ainda que acometida como causa de anulabilidade.

Pode-se depreender, do exposto com referência à caracterização da simulação no Código Civil de 1916, que a regulação privilegia a vontade real das partes seja declarando o negócio jurídico na simulação absoluta como inexistente, o prevalecimento do negócio dissimulado na simulação relativa inocente, seja anulando o negócio jurídico aparente na simulação maliciosa, cujo intuito era prejudicar terceiros ou violar disposição de lei.

O negócio jurídico simulado prevalecerá somente na hipótese excepcional de simulação maliciosa em que terceiros interessados ou os representantes do poder público legitimados não demandem sua anulação, sendo esta demanda impossibilitada às partes em decorrência de regra expressa.

Logo, o tratamento dispensado à simulação no Código Civil de 1916 harmoniza-se com a corrente subjetiva já adotada por este normativo ao tratar da interpretação do negócio jurídico.


8.Efeitos da Simulação no Novo Código Civil

O Novo Código Civil não mais trata a simulação maliciosa como defeito do negócio jurídico e sim como causa de nulidade deste. Rompe assim com a tradição do direito pátrio que a considerava como defeito ligado ao interesse particular das partes.

Desta forma, estabelece o artigo 167 do novo normativo que "é nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma".

Assim como o Código Civil de 1916, percebe-se que os efeitos do negócio jurídico simulado variam conforme o tipo de simulação em análise.

Na simulação absoluta, considerava a doutrina tratar-se de negócio jurídico inexistente, como já anteriormente apontado. Todavia, a afirmação não mais parece procedente em relação ao Novo Código Civil, que vislumbra no §2o do artigo 167 que são ressalvados "os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado".

Nesse sentido, útil faz-se a análise da distinção feita por Gomes dos atos inexistentes e dos atos nulos. Segundo o autor, "a utilidade da distinção entre inexistência e nulidade está na circunstância de que o negócio mesmo nulo pode, às vezes, produzir algum efeito (...) enquanto o negócio inexistente se apresenta como o nada jurídico, sem aptidão alguma a produzir qualquer efeito jurídico" [27].

Assim, embora as partes não tenham a vontade real de criar efeitos, como elemento de fato necessário a formação do negócio jurídico, como apontado pela doutrina ao analisar o dispositivo frente ao Código Civil de 1916, a celebração de um negócio ainda que meramente aparente poderia criar direitos a terceiros de boa-fé que nesta aparência acreditaram.

O negócio jurídico na simulação absoluta apareceria, portanto, como nulo, embora excepcionalmente possa gerar direitos quanto a terceiros de boa-fé.

Na simulação relativa o negócio jurídico não é causa de nulidade se a simulação for inocente, ou seja, se o negócio aparente não tiver sido realizado para ocultar uma relação jurídica que causaria prejuízos a terceiros ou contrariaria imperativo legal.

Pela dicção do artigo 167 do Novo Código Civil, não se considera a relação jurídica aparente, que as partes quiseram transparecer à coletividade, mas subsistiria a relação jurídica dissimulada desde que esta fosse inocente, ou seja, "válida na substância e na forma".

Sobre esta espécie de simulação, o Código de 2002 acaba por reproduzir as conclusões da análise a respeito do Código de 1916: debruça-se sobre o negócio dissimulado, prevalecendo a vontade real das partes em contraste ao declarado à coletividade, o negócio aparente.

Ao contrário da simulação inocente, a simulação maliciosa implica na nulidade do negócio jurídico, afetando tanto sua relação simulada quanto sua relação dissimulada.

O artigo 168 estabelece que qualquer interessado e o Ministério Público podem alegar a nulidade do negócio jurídico, devendo mesmo o juiz pronunciá-la ex officio, ainda que contra o requerimento das partes. Mas não reproduziu o Novo Código Civil o artigo 104 do Código de 1916 que proibia às partes, em litígio entre si ou contra terceiro, pleitear a nulidade do negócio jurídico quando simulado de maneira maliciosa.

Na opinião de Pereira, ainda que a disposição não tenha sido reproduzida, as partes não poderiam argüir o próprio vício para tornar nulo o negócio porque o direito não protegeria a má-fé do próprio requerente. Para o autor, o argumento seria reforçado ainda pelo §2º do artigo 167, que garante que somente os terceiros de boa-fé terão seus direitos ressalvados em face dos contraentes do negócio jurídico simulado, excluindo da hipótese a proteção dada aos terceiros quando de má-fé. [28].

Compartilha da mesma opinião Monteiro, para quem "os simuladores não têm qualidade para argüir a simulação, em litígio de um contra o outro, ou contra terceiro; só os próprios prejudicados serão partes legítimas para deduzi-la em juízo; mas a lei igualmente confere aos representantes do poder público, a bem da lei, ou da fazenda, legitimação processual para pleitear a decretação da nulidade" [29].

A posição supracitada, no entanto, parece ser afastada pela consideração pelo ordenamento jurídico vigente da simulação não mais como causa de anulabilidade do negócio jurídico, mas sim como causa de nulidade.

Definindo-se a simulação maliciosa como causa de nulidade, o Código Civil de 2002 não mais a regulou com o intuito de proteger os interesses particulares dos sujeitos envolvidos, voltando-se à tutela da própria ordem pública. Determina-se, desta forma, que o negócio jurídico celebrado para simular uma relação que cause prejuízo a terceiros ou que afronte a lei, mesmo que os interessados mantenham-se inertes, não pode subsistir e continuar a gerar efeitos no ordenamento jurídico. Sob este aspecto, mesmo o juiz deve decretá-la quando conhecer do negócio jurídico ou de seus efeitos, ainda que em demanda cujo pedido não verse sobre sua declaração, como rege o artigo 168.

Desta maneira, não caberia retirar dos contratantes o direito de alegar a nulidade do negócio porque, mais que o interesse particular na questão, tutelariam o respeito à ordem pública [30].

Por outro lado, embora a declaração de nulidade do negócio jurídico na simulação maliciosa produza efeitos ex tunc, invalidando-o desde a sua concepção, alguns efeitos do negócio excepcionalmente podem ser preservados.

Com o intuito de proteger a própria fluência das transações no mercado e a confiança imprescindível entre os agentes, a ordem jurídica ressalva os direitos de terceiros de boa-fé que acreditaram e fundamentaram suas ações na aparência do negócio jurídico a eles apresentado. Declara-se a nulidade do negócio simulado maliciosamente, preservando-se, contudo, os efeitos gerados pelo negócio aparente em relação a terceiros que desconheciam a divergência entre a vontade real e a declaração dos contratantes.


9.Conclusão

Apesar das relações empresariais regerem-se por princípios próprios, o Novo Código Civil, ao unificar a matéria obrigacional, manteve na simulação a prevalência da vontade real à sua manifestação, seja declarando a nulidade do negócio maliciosamente simulado, seja a subsistência do negócio jurídico dissimulado na simulação relativa inocente.

A ressalva dos direitos de terceiros de boa-fé que confiaram no negócio jurídico aparente, apesar de gerar um temperamento da teoria adotada, não atenua a insegurança e a imprevisibilidade que seriam causadas pela consideração do subjetivismo em relação à validade das relações contratadas de maneira simulada, o que acabaria por comprometer, se não interpretada de maneira restrita, as próprias transações no mercado.


Notas

01 L. G. P. B. Leães, A Disciplina do Direito de Empresa no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no128, Rio de Janeiro, Malheiros, 2002, pp. 12.

02 A. M. Pauperio, Simulação, in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, pp. 78-79.

03 A B. H. Ferreira, Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, 11a ed., Rio de Janeiro, Gama, termos simulação e simular.

04 F. Ferrara, Della Simulazione dei Negozi Giuridici, 5a ed., Roma, Athenaeum, 1926, p. 36.

05 C. Beviláqua, Teoria Geral do Direito Civil, 2a ed., Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, p. 225.

06 F. Ferrara, op. cit., p. 37.

07 F. Ferrara, op. cit., p. 43.

08 C. P. U. Miranda, Simulação (Direito Civil), in Enciclopédica Saraiva do Direito, São Paulo, Saraiva, 1977, p. 86.

09 T. Ascarelli, O Negócio Indireto, in Problemas das Sociedades Anônimas e Direito Comparado, 1a ed., Campinas, Bookseller, 1999., p. 179.

10 C. P. U. Miranda, Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, São Paulo, RT, 1989., p. 27 ss.

11 E. Betti, Teoria Geral do Negócio Jurídico (trad. Fernando Miranda), t. I, Coimbra, Coimbra Editora, 1969, p. 98.

12 A. J. Azevedo, Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, São Paulo, 1974, p. 96.

13 A. J. Azevedo, op. cit., pp. 99-100.

14 P. Forgioni, A Interpretação dos Negócios Empresariais no Novo Código Civil Brasileiro, in Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, no130, Rio de Janeiro, Malheiros, 2003, p. 32.

15 M. M. Serpa Lopes, Curso de Direito Civil, v. 1, 6a ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1988, p. 402.

16 Neste sentido se manifesta Ferrara, para o qual "o ponto comum dos dois institutos é que em ambos se declara uma coisa que não se deseja com o objetivo de enganar. Mas uma se distingue da outra por causa que a reserva se desenvolver no segredo da mente de um só dos contratantes, enquanto a simulação resulta do acordo de todas as partes" (F. ferrara, op. cit., p. 48).

A reserva mental foi regulada pelo Novo Código Civil no artigo 110, o qual dispõe que "a manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento".

Como pode-se apreender do dispositivo supracitado, a reserva mental constitui verdadeira exceção à regra da prevalência da vontade sobre a declaração nos negócios jurídicos, como apregoada pelo Novo Código Civil.

17 C. P. U. Miranda, op. cit., p. 86.

18 M. M. Serpa Lopes, op. cit., p. 402.

19 C. M. S. Pereira, Instituições de Direito Civil, v. 1, Rio de Janeiro, Forense, 2004, p. 638.

20 C. P. U. Miranda, op. cit., p. 95.

21O conceito de ato jurídico adotado no Código Civil de 1916 era tido de maneira restrita a significar o ato que tem por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, conforme redação do artigo 81. No Novo Código Civil essa denominação é ampliada para compreender toda e qualquer manifestação de vontade, "seja individual ou coletiva, seja dos órgãos jurisdicionais ou do Poder Legislativo, seja das autoridades administrativas ou do particular, constituindo gênero, do qual a declaração de vontade do particular, dirigida no sentido da obtenção de um resultado, seria espécie, denominada de negócio jurídico" (L. G. P. B. Leães, op. cit., p. 11).

22 C. P. U. Miranda , op. cit., p. 95; F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. IV, 4a ed., São Paulo, RT, pp. 376 – 377. A inexistência do negócio jurídico absolutamente simulado era expressa já no Esboço de Teixeira de Freitas, que determinava em seu artigo 524 que "se a simulação for absoluta, sem que tenha havido intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposições da lei, e assim se provar a requerimentos de algum dos contraentes, julgar-se-á que nenhum ato existira".

23 O. Gomes, Introdução ao Direito Civil, 18a ed., Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 470.

24 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., pp. 383-384.

25 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 394.

26 F. C. Pontes de Miranda, op. cit., p. 400. No mesmo sentido manifesta-se Venosa: "se a simulação for inocente, inexistindo prejuízo ou violação de direito de terceiro, prevalecerá o ato dissimulado, desde que não ilida disposição legal, bem como reúna os elementos necessários para ter vida jurídica" (S. S. Venosa, Direito Civil – Parte Feral, v. 1, 3a ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 481).

Em sentido contrário se manifesta Miranda, pois como partes de um todo nem a relação jurídica simulada, nem a dissimulada seriam consideradas viciadas; o negócio aparente não poderia ser anulado por terceiros, assim como o dissimulado não poderia ser anulado pelas partes (C. P. U. Miranda,op. cit., p. 96).

27 O. Gomes, op. cit., p. 471.

28 C. M. S. Pereira, op. cit., pp. 638-639.

29 W. B. Monteiro, Curso de Direito Civil – Parte Geral, 39a ed., São Paulo, Saraiva, 2003, p. 253.

30 No mesmo sentido Venosa, para quem "não havendo a restrição do art. 104 do Código Antigo, mormente porque se trata de caso de nulidade, os simuladores podem alegar a simulação um contra o outro, ainda porque a nulidade pode ser declarada de ofício. (S. S. Venosa, op. cit., p. 486).

quarta-feira, novembro 29, 2006

O negócio jurídico no novo Código Civil

Fonte:


Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5279



Cassio M. C. Penteado Junior
advogado em São Paulo (SP)




A vigência da nova codificação civil, depois de longa tramitação no Congresso, já demandou em termos doutrinários, particularmente, na divulgação de inúmeros textos opinativos, realçando as modificações mais relevantes no âmbito do direito privado, dentre as quais, modestamente, algumas de nossa lavra.


Nesta oportunidade, examinamos as prescrições do "codex" sobre o negócio jurídico, que, em certa medida, guarda correspondência com a clássica conceituação de ato jurídico no Código de 1916.





I - O ato jurídico e o negócio jurídico



A consolidação de 1916, obra prima de Clóvis Bevilaqua, conceituava o ato jurídico sob uma perspectiva finalística, enunciando no art. 81 que constituía, desde que licito, o meio de se alcançar, imediatamente, a aquisição, resguardo, transferência, modificação ou extinção de direitos para, em seguida, art. 82, determinar os seus requisitos de validade, observada a conhecida tricotomia da capacidade, objeto licito e forma prescrita ou não defesa em lei.


Já agora a codificação vigente prefere a denominação de "negócio jurídico" (art. 104) ao se reportar ao ato jurídico do diploma anterior (1), mas, sem embargo dessa alteração, mantém-se uma "equivalência substancial", no dizer do douto Arruda Alvim, na disciplina do "negócio jurídico" e do "ato jurídico". (2)


No entanto, e o afirma, ainda, Arruda Alvim, a opção do Código pela designação "negócio jurídico", mantendo - em linhas gerais - as estipulações que se encartavam na consolidação de 1916, implicou em se dar uma distinção importante, caracterizando, primeiro, os atos negociais no âmbito civil e no âmbito comercial, e, adiante, os atos não-negociais, estritamente considerados, (cf. art. 185), porém, com a natureza de atos jurídicos, aos quais se aplicam, "no que couber", as normas próprias do negócio jurídico. (3)


Nesse diapasão, o reconhecido Moreira Alves remetendo-se aos pandectistas alemães do século XIX, pontua que já se divisava, então, embora ainda imprecisamente, distinções entre o negócio jurídico e os atos os quais, sobretudo não negociais, se aproximavam por similitude ou se afastavam por dessemelhança dos atos de negócio, mas, de toda sorte, explicitavam a validade de uns e de outros, solvendo perplexidades como as que advinham, no exemplo de Arruda Alvim, de uma compra e venda efetivada por um menor. (4)





II - O objeto do negócio jurídico



Ao cuidar dos requisitos de validade do ato jurídico, o Código anterior prescrevia a capacidade do agente, o conteúdo licito do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. Comparativamente com o Direito Administrativo, na órbita do Direito Público, os requerimentos do ato jurídico ressaltavam a liberdade de estipulação do Direito Privado, pois para a perfectibilidade do ato administrativo se exigirá a competência do agente, o objeto e a forma prescrita em lei. (5)


Ora, a nova codificação não se afasta, nesse particular, do tríptico de validade do negócio jurídico, a teor do art. 104, salvo por enunciar, em relação ao seu objeto, não mais o simples requerimento de sua licitude, na medida em que acrescenta a não contrariedade com a lei (ser licito) as características de ser possível, ser determinado, ou ser determinável. Logo, como segue, não pode constituir conteúdo do negócio jurídico, algo licito, porém, impossível, indeterminado ou que não se possa determinar.


Nesse sentido, como nos parece, a solução engendrada pelo "codex" quanto aos aditamentos em torno do objeto do negócio jurídico, é relevante, ao cuidar de aproxima-lo dos predicados do objeto da obrigação, lato senso, licitude, possibilidade e admissibilidade de determinação. (6) Outra questão sugerida pelo acréscimo trazido pelo novo Código, ao nosso ver, diz com as hipóteses de negociação sobre direitos ou valores futuros, que possam ser determinados. Nesses casos, na jurisprudência, se inadmitia - em geral - sua instituição em garantia, sob a perspectiva da inexistência fática presente. (7)


Ora, eventualmente, essa perspectiva pretoriana, doravante, sofra modificação, desde que o objeto do negócio jurídico, na acepção do novo Código, possa ser determinado, vale dizer, individualizado, ainda que não concretizado. (8)


Outra disposição inédita da codificação complementa o trato dos requisitos de validade do negócio jurídico. É a do art. 106impossibilidade inicial do objeto não invalida o negócio jurídico se for relativa, ou se cessar antes de realizada a condição a que ele estiver subordinado", ou seja, colocando-se em linha com o teor do art. 104, já comentado, o Código traduz que não se invalidará o ato jurídico pela impossibilidade apenas relativa (por exemplo, superável em determinadas circunstâncias ou não absoluta) e, ainda, se tal impossibilidade tiver cessado antes de efetivada condição a que se subordine o negócio. (9)


Vejamos, em seguida, a questão da reserva mental e dos efeitos do silêncio da parte em relação ao negócio jurídico.





III - A reserva mental e a anuência tácita



O novo Código, em matéria do negócio jurídico, traz, ademais dos aspectos já analisados, duas disposições importantes, uma delas, inovadora, e outra que, embora já cogitada, por interpretação sistemática, na codificação anterior, torna-se expressa. A prescrição inédita, estampada no art. 110, cuida da reserva mental e a do art. 111 seguinte trata da hipótese de anuência tácita, ante o silêncio de uma das partes.


A questão da reserva mental é de interesse, dispondo o art. 110 que a declaração volitiva subsistirá "ainda que o autor haja feito reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se o destinatário tinha conhecimento". A evidência, nessa disposição codificada, caminha-se no plano da pura subjetividade, pois que, como a própria denominação normativa indica uma das partes, mentalmente, não queria expressar sua vontade em pactuar o negócio jurídico, tal como, concretamente, expressou.


A doutrina observa sobre a reserva mental a configuração como um "desacordo entre a vontade intima e a vontade declarada" (10), dissenso que somente poderá anular o negócio jurídico se a outra parte o conhecia. Claramente, a dificuldade probatória é evidenciada nessa hipótese, tanto para demonstrar, "in concreto", a reserva, quanto para obviar o conhecimento prévio sobre ela da outra parte.


Como ressalta, ainda em termos da reserva mental, há que se coibir eventuais comportamentos abusivos, conformados na sua alegação "a posteriori" da avença formalizada, caracterizando mero expediente para o descumprimento.


Em seguida, o art. 111 trata dos efeitos do silêncio de uma das partes ante o negócio jurídico, mormente para demarcar a dita anuência tácita, como forma de consentimento. No Código de 1916, o tema era tratado, todavia, sob forma indireta, isto é, como disposto no art. 82, reportando-se aos requisitos de validade do ato jurídico, em relação à exigência de "forma prescrita ou não defesa em lei" e, particularmente, quanto ao art. 129 prevendo que "a validade das declarações de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente exigir" (11). O entendimento da doutrina, também, ponderava pela preponderância da manifestação de vontade não expressa, salientando que o silêncio poderia equivaler ao consentimento, máxime no âmbito do direito privado.


Nessa senda, as remissões aos ensinamentos de Pontes de Miranda e de Hely Lopes Meirelles, este último contrapondo a validade da anuência tácita no direito privado a imperiosidade da manifestação expressa de vontade nos atos do direito público. (12)


No novo Código Civil, entrementes, o legislador preferiu ser mais explícito, no tocante ao silêncio da parte, prevendo que "importa em anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa". Há nessa disposição, nova em relação ao Código anterior, uma interessante junção conceitual que acata a manifestação tácita da vontade, segundo as "circunstâncias" presentes ou segundo os usos e costumes do local em que celebrado o negócio jurídico, e - ademais - filia-se à postura da codificação que substitui, indicando que a anuência tácita não prevalece se for exigida a "declaração de vontade expressa".





IV - A boa-fé e os negócios jurídicos



Em seguida, cuidamos do previsto no art. 112 e 113 do novo Código.


O art. 112, pela ordem, enuncia-se em linha similar a do art. 85 da Lei Civil anterior, porém, com um sutil diferencial, na medida em que estatui o conhecido preceito segundo o qual nas declarações de vontade se atenderá "mais à sua intenção que ao sentido literal da linguagem". Comparativamente, o art. 112 se expressa de modo diverso, conotando o signo de "consubstanciação" do quanto intentado pelas partes, que prevalecerá "ao sentido literal da linguagem", repetindo o disposto no art. 85. Arruda Alvim, sempre atento, observa dois aspectos de relevo na compreensão do antigo art. 85, um, para realçar que a codificação de 1916 pareceu emprestar - no caso - peso especifico à vontade, aliás, fiel aos princípios ideológicos que a norteavam; e, dois, que, na verdade, essa disposição normativa "nunca foi obedientemente seguida", pois ainda que exaltando o sentido volitivo (dando preponderância à vontade sobre o quanto declarado") a viabilidade pratica da prescrição é quase nenhuma: "se eu declaro uma coisa que, em certa escala, não retrata minha vontade (...) estou traindo a confiança" e - de outra feita - "se declarei mal, por negligência, é certo que é o declarante que assim procedeu que (...) como regra, deverá arcar com as conseqüências de sua conduta e não o declaratário". (13)


Em contrapartida, no art. 112, traduzindo-se proposição similar a do art. 85 do antigo "codex", é de se encarecer que a expressão "consubstanciadas" ao se referir à intenção da parte declarante faz com que a própria declaração manifestada adquira peso específico, isto é, não caberá buscar-se outra "vontade" a não ser aquela que se integra ou se "consubstancia" no quanto expressado no negócio jurídico.


De sua vez, o art. 113 da nova codificação, sem correspondência no Código de 1916 (14), introduz o conceito de boa-fé, aqui vinculado à interpretação das declarações de vontade, expressadas na forma dos negócios jurídicos. Em outras passagens, também, o novo Código voltará ao principio da boa-fé, como é o caso do art. 187 que caracteriza como ato ilícito aquele exercido, excedendo "manifestamente os limites impostos" pela "boa-fé".


Propõe-se, no que tange à boa-fé, tal como declarada no Código de 2002, seja em relação ao negócio jurídico, seja em relação aos contratos (15), que o legislador, fulcrado em legislações alienígenas, em especial a lei civil alemã, tenha - nessas hipóteses - abraçado o sentido objetivo da "bona fides" perfilando-o ao lado do signo subjetivo, este adotado para outras situações, máxime dos direitos de propriedade, na linha que já prescrevia a codificação anterior. Os comentaristas da nova codificação, em geral, exaltam essa distinção associada à expressão da boa-fé, como disposta em relação ao negócio jurídico e, máxime, aos contratos, notando que não se trata de perquirir, no caso concreto, o escopo da vontade declarada ("avaliação anímica do sujeito", como diz Cibele P. Marçal Cruz e Tucci (16)), mas, o enquadramento da declaração no ambiente sóciocultural vigente, verificando se se atendem aos padrões de conduta esperados.


Porém, militam criticas, dentre os doutrinadores pátrios, a respeito da forma, escolhida pelo legislador, para caracterizar a proposição da boa-fé em sentido objetivo. Assim, Antonio Junqueira de Azevedo (17) comenta que a nova codificação ao optar, no que tange à "bona fides", por uma espécie de cláusula aberta, suscetível, assim, ao suprimento jurisdicional para concretiza-la, vai de encontro às tendências contemporâneas da legislação que, em principio, demarcam balizas, ao menos, para conformar o conceito e a aplicabilidade da boa-fé, em sentido objetivo. A seu turno, Miguel Reale, arquiteto principal da nova Lei Civil, responde a essas questões para defender a filosofia adotada, mormente sob o argumento de que é adequado deferir-se ao Poder Judiciário dar concreção aos indicativos legais à vista das circunstancias de cada caso, submetido ao seu crivo. (18)





Defeitos do negócio jurídico


Encerrando o estudo, seguem notas sobre o tema da invalidação dos negócios jurídicos, realçando os aspectos que, inovadores no novo Código, merecem, ao nosso ver, destaque. Inicialmente, no plano da anulabilidade por erro, substancialmente, o novo Código não se afasta da Lei Civil de 1916, salvo por três interessantes adendos: um, que versa a anulação por erro, dito substancial, acrescentando-se a hipótese de ocorrer equivoco de direito, ao lado dos pré-existentes (na lei anterior) erros objetivos sobre a natureza do negócio, seu objeto, ou qualidades essenciais (art. 139, I) e os erros subjetivos, pertinentes à identidade ou à qualidade da pessoa com quem se celebra o negócio (art. 139, II). O erro de direito, diz o novo "codex", pode ser causa da anulabilidade do negócio jurídico, desde que seja o seu "motivo único ou principal" e, ainda, não implique em "recusa à aplicação da lei".


Ademais, no campo do erro, o Código traz ainda duas referencias relevantes, quais sejam a do simples "erro de calculo" que, não conduzindo à anulabilidade, todavia, "autoriza a retificação da declaração de vontade" (art. 143) e, adiante, que - genericamente - o erro pode ser suprido ou sanado quando a pessoa a quem a "manifestação de vontade se dirigir" se ofereça para executa-la segundo a "vontade real" da parte que a manifestou. Nessa linha, o novo Código exalta, principalmente, o predomínio do fator volitivo nas avenças privadas, diversamente daquelas do Direito Público, consolidando, nada obstante o erro ou a ignorância (causas de anulabilidade), o negócio jurídico
travado entre as partes.


Os outros dois pontos de relevo no trato dos defeitos do negócio jurídico, ao nosso sentir, são, pela ordem, a normatização do chamado estado de perigo (art. 156) e a questão da lesão contratual (art. 157) (19).


O estado de perigo se consubstancia, essencialmente, como uma situação fática (no sentido físico ou moral) vivenciada por alguém, ou por pessoa de sua família, que, diante da necessidade de salvar-se "assume obrigação excessivamente onerosa". A reconhecida Teresa Ancona Lopes (20) nota, demarcando os elementos integrantes do estado de perigo, a necessária existência de um real "estado de necessidade", ou seja, a "ameaça de grave dano à própria pessoa ou pessoa de sua família"; e, também, que o pressuposto dessa ameaça constitua o móvel de sua "participação em negócio desvantajoso", estando ciente a outra parte dessa condição.


A resolução do negócio jurídico pela sua anulação é a solução alvitrada pelo novo Código para sanar o defeito do ato jurídico, observando Ancona Lopes, com fundamento na lei italiana, a propósito, a alternativa que se abre, nesses casos, de se "reduzir aquela prestação excessivamente onerosa a uma prestação justa", evitando-se, dessarte, que em certas circunstancias, a mera anulação do negócio jurídico, como disposta na norma civil pátria, implique no enriquecimento sem causa de quem a requer, sob invocação do estado de perigo.


Ao lado do estado de perigo, no art. 157 a nova codificação cogita do instituto da lesão contratual, comentando, ainda, Teresa Ancona Lopes que, dadas as similitudes entre uma e outra situação, eventualmente o Código deveria tê-las reunido em uma única disposição. Com efeito, em ambas as hipóteses, a parte contratante acha-se premida por estado de necessidade, seja físico, moral ou econômico, donde aceita - por isso - obrigação excessivamente gravosa.


Na lesão contratual, a pessoa que contrata - como se declara na hipótese de incidência normativa - o faz sob "premente necessidade" ou por "inexperiência", ou seja, ajusta o negócio valendo-se de uma declaração de vontade enfraquecida ou turbada, e, nessa
medida, se obriga a "prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta". Note-se, por relevante, um claro sentido objetivo nessa disposição codificada, vale dizer, que o contratante deve demonstrar, suficientemente, tanto o vicio de vontade, quanto a desproporcionalidade entre as prestações. Tal cunho de objetividade depreende-se da observação comparativa com estado de perigo, antes tratado, pois em termos da lesão contratual não necessariamente a outra parte no negócio jurídico, a quem aproveita a transação, tem ciência prévia da premente necessidade ou da inexperiência; em outras palavras, no estado de perigo há o chamado "dolo de aproveitamento", pois quem oferece o negócio oneroso sabe, de antemão, a condição especifica de quem contrata, enquanto na lesão contratual, essa ciência antecipada não é requerida e, usualmente, não se apresenta. De outra parte, a lesão contratual, nada obstante, ostente como um de seus elementos conceituais a desproporção entre as prestações do negócio jurídico, tornando uma delas gravosa, não se confunde, porem, com a hipótese de onerosidade excessiva, como tratada pelo novo "codex", art. 478.


Nesse sentido, na lesão contratual - especificamente - a onerosidade de uma das prestações comparada com a que lhe é oposta, no negócio jurídico, deve ser apurada de imediato, sempre que já deve estar presente no próprio momento da sua pactuação; de outra sorte, no caso da onerosidade excessiva, tal agravamento inexiste no instante em que se firma a avença, sobrevindo por força de "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis" supervenientes ao ajuste. Tanto, por isso, o ônus excessivo se reserva, na dicção codificada, só aos "contratos de execução diferida ou continuada" que, assim, admitem a superveniência de eventos agravantes.


Registre-se, ainda, sobre a lesão contratual, a elaboração doutrinaria que lhe ofereceu Caio Mario da Silva Pereira (21), um dos precursores nesse tema, distinguindo os conceitos de "lesão enorme" e de "lesão enormissima", sendo o primeiro associado a
um defeito objetivo do negócio jurídico, não se assentando, pois, em vicio do consentimento, mas, no próprio conteúdo do ajuste; o segundo conceito, diversamente, demandava a existência do, antes citado, dolo de aproveitamento, isto é, a intenção de uma das partes a dano da outra de estipular prestações contratuais desarrazoadas entre si. (22)


Por ultimo, no trato da lesão contratual, denote-se a previsão constante do § 2º do art. 157 do novo Código, no sentido de que a anulação do negócio jurídico pode ser evitada se "for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito", significando, em seus termos, a idéia matriz de sobrevivência do negócio jurídico entabulado mediante saneamento da desproporcionalidade constatada entre as prestações ajustadas. Comparativamente, a solução do legislador, neste passo, é similar a que se adota para a hipótese de onerosidade superveniente na qual, nada obstante, se cuide de resolução do contrato e não de anulabilidade, admite-se, também, seja evitada mediante a oferta de modificação equitativa nas condições avençadas (art. 479).







Notas



1 A nomenclatura, utilizada pelo Código de 1916, tem clara origem nos preceitos do Código de Napoleão de 1804, como é o caso da denominação "ato jurídico".



2 Ver "A Função Social dos Contratos no novo Código Civil" - Simpósio sobre o novo Código Civil" - Banco ABN AMRO REAL - edição fora do comércio - pág. 77.



3 Alvim (op. cit. pág. 79) dessa dicotomia entre o "negócio jurídico" estrito senso do art. 104 e os atos não negociais do art. 185, tira a interessante ilação de que, nesse sentido, tal distinção passa a albergar situações não contempladas no Código de 1916 e revesti-las, assim, de validade, como é o caso - como exemplifica - de uma compra feita por alguém que não detenha capacidade jurídica para se obrigar, evento que, antes, refugia do disposto no art. 82 do Código de 1916, mas que, agora, pode ser encaixada nos termos do art. 185. Nas palavras do doutrinador a nova lei civil passa a reconhecer - dessarte - as hipóteses de exigência de capacidade (nos atos que demandam a relevância da manifestação da vontade) ou do simples discernimento (nos atos que não apresentem significação econômica ou moral exigidas nos negócios jurídicos).



4 Ver "A Parte Geral do Código Civil" - Revista CEJ (Centro de Estudos Judiciários) nº 9. No artigo, Moreira Alves cita, dentre outros, o jurista alemão Regelsberger o qual, buscando diferençar o negócio jurídico do ato jurídico escreve: "...Eles se dividem, de novo, em duas espécies, conforme se aspira positivamente ao efeito jurídico, ou este ocorre ainda fora da vontade do agente. Os atos da primeira espécie são os negócios jurídicos. Para os outros falta uma enominação reconhecida. Pode-se dar-lhes o nome de atos semelhantes a negócios jurídicos..." (cf. "Pandekten, erster Band", parágrafo 129, página 475).



5 Ver, a propósito, seminal ensaio de Celso A. Bandeira de Mello, "O Conteúdo do Regime Jurídico-Administrativo e seu Valor Metodológico" em RDP 2 - 1967.



6 Assim, em passagem de acórdão do Supremo Tribunal Federal, tratando da liquidez das obrigações: "Consoante magistério do notável civilista Washington de Barros Monteiro, "três predicados há de reunir o objeto da obrigação: possível, lícito e suscetível de estimação econômica". Nas situações em que determinado o objeto da obrigação, temos, em decorrência, uma obrigação líqüida. De outro modo, quando determinável o objeto, como ocorrente nos contratos aleatórios, ilíqüida a obrigação, visto que dependem de prévio apurar, porque imprecisa a própria prestação ou objeto obrigacional" (REsp nº 397.844/SP).

7 "O penhor de direitos só poderá ser admitido quando tais direitos já existirem, já estiverem incorporados ao patrimônio do garante. Mas é inconcebível que se possa estipular a instituição de garantia incidente sobre créditos futuros e incertos (...)" AI nº 665.261-3 - 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo.



8 Nesse particular, sempre se admitiu, por exemplo, nas estipulações em favor de terceiros, a determinação "a posteriori" do beneficiário, como é típico em certos contratos de seguro: "I - As relações jurídicas oriundas de um contrato de seguro não se encerram entre as partes contratantes, podendo atingir terceiro beneficiário, como ocorre com os seguros de vida ou de acidentes pessoais, exemplos clássicos apontados pela doutrina. II - Nas estipulações em favor de terceiro, este pode ser pessoa futura e indeterminada, bastando que seja determinável (...)." (REsp nº 401.718).



9 O conceito de condição no NCC, mantém a redação do art. 114 do Código anterior (art. 121), como sendo "a cláusula que, derivando da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro ou incerto". Moreira Alves (ob. cit.) observa que o novo Código cuida da condição, encargo ou termo em capítulo especifico, enquanto - antes - tais disposições se integravam, equivocadamente, dentre as modalidades dos atos jurídicos.



10 Ver Cunha Gonçalves "Princípios de Direito Civil Luso-Brasileiro" - vol. I - pág. 214.



11 O entendimento jurisprudencial quanto à efetividade da anuência tácita, na vigência do Código anterior, remetia-se aos arts. 82 e 129, como se observa de acórdão do Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: "A realidade jurídica, no entanto, é outra, e leva-nos a conclusão de que a despeito do direito impor a manifestação da vontade objetivamente, existem situações em que ele a admite por presunção apenas, ou seja, em casos como o presente, quando, menos que a manifestação tácita, o silêncio acaba representando a vontade. Não há como se esquecer que tal situação prepondera quando a lei não impuser forma especial para a validade da declaração de vontade (artigo 82), e quando não estabelecer forma especial para a validade da declaração de vontade (artigo 129)". (JTACSP 126/382). Adite-se, no tema, a previsão do art. 1.079 do Código de 1916, observando no tocante aos contratos (negócio jurídico) que "a manifestação de vontade (...) pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa".



12 De Pontes de Miranda, a seguinte lição: "(...) as manifestações tácitas supõem ato que não se haja de considerar suficientemente expressivo. Nas palavras "expressa" e "expressão" há dois sentidos: no primeiro estrito, ou a manifestação de vontade é expressa, ou é tácita, ou pelo silêncio; no sentido largo, a tacitude e o silêncio são também expressões" (cf. "Tratado de Direito Privado" - volume XXXVIII/23 § 4.188, 1). Hely Lopes Meirelles, a seu turno, observou: "No direito privado, o silêncio é normalmente interpretado como concordância da parte silente em relação à pretensão da outra parte" (cf. "Direito Administrativo Brasileiro" - pág. 77).



13 Obra citada - pág. 84.



14 No Código anterior, a interpretação do ato jurídico, conforme o art. 85, somente se remetia à intenção das partes com predominância sobre a literalidade da declaração, como vimos na parte inicial deste tópico, sem menção ao requisito da boa-fé.



15 Ver o art. 422: "Os contratantes são obrigados a guardar (...) os princípios da probidade e da boa-fé".



16 "Teoria geral da boa-fé objetiva" em "Revista do Advogado" - ano XXII, nº 68, pág. 100 e seguintes.



17 "O principio da boa-fé nos contratos" - Revista CEJ - nº 09.



18 Ver "Visão geral do projeto de Código Civil", em especial, trecho em que Reale, reportado a comentários de Pontes de Miranda, ardoroso defensor do positivismo jurídico, diz não acreditar "na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios etico-jurídicos que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa." Moreira Alves (ob. cit. vide Nota 4), a seu turno, coonesta o entendimento de Reale, observando que introduziu-se "na Parte Geral o conceito de boa-fé objetiva como cláusula geral para efeito de interpretação dos negócios jurídicos e na Parte Especial com relação ao direito das obrigações, mais especificamente com os contratos. Nesse particular, o Projeto é dos mais avançados que se conhece, tendo em vista a amplitude dessas cláusulas gerais. Partindo-se do princípio - quase óbvio, mas para o qual pouca gente se atenta - de que essas cláusulas gerais dão flexibilidade àquilo que muitos alegam como críticas às codificações - que seria a sua imobilidade -, e permitem, graças a uma atuação judicial que se torna possível à medida que os tempos se modificam, uma certa flexibilidade na disciplina de determinados institutos."



19 Ver, também, os nossos "A lesão contratual, o cumprimento em parte de negócio jurídico anulável e o novo Código Civil" e "Observações preliminares sobre o novo Código Civil: o instituto da lesão contratual" disponíveis nas Comissões Jurídicas da Associação Brasileira de Bancos - ABBC e FEBRABAN.



20 "O estado de perigo como defeito do negócio jurídico" - Revista do Advogado - ano XXII - nº 68 - pág. 49 e seguintes.



21 "Instituições de Direito Civil".



22 Nas Ordenações do Reino, conjunto de normas legais portuguesas, do período da pré-codificação do Direito Civil brasileiro, já se cogitava da lesão contratual, dividindo-a nas espécies "enorme" e "enormissima" - como lembra o RE nº 82.971 -
RS - vendo-as sob ótica de valor das transações. Assim, a lesão enorme se figurava quando "a parte sofria prejuízo de mais de metade do valor que, por comum estimação, devia receber", restando, pois, presente a presunção de dolo. De outra parte, a lesão enormissima não era definida nas Ordenações, mas, a "opinião dominante, entretanto, era que como tal se qualificasse no negócio em que alguém recebesse um terço do justo valor de sua cousa".





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