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sexta-feira, novembro 21, 2008

A ÉTICA E A MAGISTRATURA

 


Raphael Simões Andrade - Comentários

O Conselho Nacional de Justiça aprovou no dia 26/08/2008 o Código de Ética da Magistratura. A regulamentação, composta de 42 artigos, diz, mais ou menos o óbvio, como qualquer outro código de ética.

 

Segundo o Dicionário Aurélio, ética é “o estudo dos juízos de apreciação que se referem à conduta humana, suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”.

 

Esse conceito, no entanto, se aplica mais apropriadamente à moral como experiência moral vivida, isto é, à distinção entre o bem e o mal, ao passo que a reflexão filosófica sobre essa singular experiência é que define a ética.

 

Por certo que não se tem a intenção de abordar a ética, nessa acepção de uma reflexão filosófica, desde que, além da magnitude do empreendimento, o tema não a comporta, porque o vocábulo “ética” está empregado no sentido de experiência moral vivida no âmbito da magistratura.

 

Mas, para uma boa compreensão dos inúmeros problemas morais que a judicatura suscita, necessário se faz conhecer brevemente o significado da consciência psicológica, da consciência moral e sobre o fundamento da moral, por isso recomendo uma consulta aos diversos trabalhos, sobre o assunto, na internet.

 

Compete ao juiz respeitar a lei, interpretando-a de forma imparcial e honesta, analisando sempre todas as partes que compõem um conflito de interesses, o que garante, assim, o princípio do contraditório. Devendo também o mesmo possuir um alto grau de dever e um evidente senso de justiça.

 

Tem como função primordial a manutenção da harmonia social, já que assume o papel do Estado na resolução dos conflitos. O juiz tem a obrigação de respeitar a lei genérica, podendo adequá-la ao caso concreto pelo princípio da equidade, não se esquivando do princípio maior, que é o da justiça.

 

O magistrado jamais poderá abster-se de julgar um caso, alegando lacuna ou obscuridade da lei, sendo permitido a ele recorrer, nesses casos, à analogia, aos costumes e aos princípios gerais do Direito.

 

Um dos compromissos éticos conferidos ao magistrado é não se deixar corromper pelo poder que lhe é conferido, prezando constantemente pela humildade e deixando de lado todas as suas volições, para que isso não interfira na sua atividade julgadora.

 

Preceitua o artigo 35 da Lei Orgânica de Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79) que cabe ao juiz “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, os dispositivos legais e os atos de ofício”. Podendo-se, então, dizer que somente com estabilidade, equilíbrio psicológico e resguardo ético, terá o magistrado condições de exercer bem suas funções judicantes.

 

O Código de Ética é dividido em capítulos que tratam da independência, imparcialidade, da transparência, da integridade profissional e pessoal, da diligência e da dedicação, da cortesia, da prudência, do sigilo profissional, do conhecimento e da capacitação, da dignidade, da honra e do decoro.

 

O texto lembra que o juiz imparcial “é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

 

Também orienta o juiz a documentar, exceto em caso de sigilo estabelecido em lei, seus atos, ainda que não haja previsão legal. A medida faz parte do rol de iniciativas para dar publicidade ao que é feito no Judiciário. Diz, ainda, que o juiz não deve opinar sobre processos que ainda não foram julgados. A regra vale tanto para ações que correm sob sua responsabilidade quanto a processos que tramitam em outras varas, câmaras ou turmas.

 

O artigo 13 do texto afirma que o juiz “deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza”. Estabelece, ainda, que o juiz deve colaborar com os órgãos de controle que fazem levantamento de sua produtividade. E lembra que conduta fora do tribunal deve servir para que o cidadão tenha confiança em suas decisões.

 

Confira o texto do Código de Ética do Magistratura Nacional:

 


(Publicado no DJ, páginas 1 e 2, do dia 18 de setembro de 2008)

 

CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL

(Aprovado na 68ª Sessão Ordinária do Conselho Nacional de Justiça, do dia 06 de agosto de 2008, nos autos do Processo nº 200820000007337)

 

O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no exercício da competência que lhe atribuíram a Constituição Federal (art. 103-B, § 4º, I e II), a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 60 da LC nº 35/79) e seu Regimento Interno (art. 19, incisos I e II);

 

Considerando que a adoção de Código de Ética da Magistratura é instrumento essencial para os juízes incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral;

 

Considerando que o Código de Ética da Magistratura traduz compromisso institucional com a excelência na prestação do serviço público de distribuir Justiça e, assim, mecanismo para fortalecer a legitimidade do Poder Judiciário;

 

Considerando que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, pois lhe cabe também função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais;

 

Considerando que a Lei veda ao magistrado "procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções" e comete-lhe o dever de "manter conduta irrepreensível na vida pública e particular" (LC nº 35/79, arts. 35, inciso VIII, e 56, inciso II); e

 

Considerando a necessidade de minudenciar os princípios erigidos nas aludidas normas jurídicas;

 

RESOLVE aprovar e editar o presente CÓDIGO DE ÉTICA DA MAGISTRATURA NACIONAL, exortando todos os juízes brasileiros à sua fiel observância.

 

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1º O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Art. 2º Ao magistrado impõe-se primar pelo respeito à Constituição da República e às leis do País, buscando o fortalecimento das instituições e a plena realização dos valores democráticos.

Art. 3º A atividade judicial deve desenvolver-se de modo a garantir e fomentar a dignidade da pessoa humana, objetivando assegurar e promover a solidariedade e a justiça na relação entre as pessoas.

CAPÍTULO II

INDEPENDÊNCIA

Art. 4º Exige-se do magistrado que seja eticamente independente e que não interfira, de qualquer modo, na atuação jurisdicional de outro colega, exceto em respeito às normas legais.

Art. 5º Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Art. 6º É dever do magistrado denunciar qualquer interferência que vise a limitar sua independência.

Art. 7º A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária.

CAPÍTULO III

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:

I - a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;

II - o tratamento diferenciado resultante de lei.

CAPÍTULO IV

TRANSPARÊNCIA

Art. 10. A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei.

Art. 11. O magistrado, obedecido o segredo de justiça, tem o dever de informar ou mandar informar aos interessados acerca dos processos sob sua responsabilidade, de forma útil, compreensível e clara.

Art. 12. Cumpre ao magistrado, na sua relação com os meios de comunicação social, comportar-se de forma prudente e eqüitativa, e cuidar especialmente:

I - para que não sejam prejudicados direitos e interesses legítimos de partes e seus procuradores;

II - de abster-se de emitir opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos, sentenças ou acórdãos, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, doutrinária ou no exercício do magistério.

Art. 13. O magistrado deve evitar comportamentos que impliquem a busca injustificada e desmesurada por reconhecimento social, mormente a autopromoção em publicação de qualquer natureza.

Art. 14. Cumpre ao magistrado ostentar conduta positiva e de colaboração para com os órgãos de controle e de aferição de seu desempenho profissional.

CAPÍTULO V

INTEGRIDADE PESSOAL E PROFISSIONAL

Art. 15. A integridade de conduta do magistrado fora do âmbito estrito da atividade jurisdicional contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Art. 16. O magistrado deve comportar-se na vida privada de modo a dignificar a função, cônscio de que o exercício da atividade jurisdicional impõe restrições e exigências pessoais distintas das acometidas aos cidadãos em geral.

Art. 17. É dever do magistrado recusar benefícios ou vantagens de ente público, de empresa privada ou de pessoa física que possam comprometer sua independência funcional.

Art. 18. Ao magistrado é vedado usar para fins privados, sem autorização, os bens públicos ou os meios disponibilizados para o exercício de suas funções.

Art. 19. Cumpre ao magistrado adotar as medidas necessárias para evitar que possa surgir qualquer dúvida razoável sobre a legitimidade de suas receitas e de sua situação econômico-patrimonial.

CAPÍTULO VI

DILIGÊNCIA E DEDICAÇÃO

Art. 20. Cumpre ao magistrado velar para que os atos processuais se celebrem com a máxima pontualidade e para que os processos a seu cargo sejam solucionados em um prazo razoável, reprimindo toda e qualquer iniciativa dilatória ou atentatória à boa-fé processual.

Art. 21. O magistrado não deve assumir encargos ou contrair obrigações que perturbem ou impeçam o cumprimento apropriado de suas funções específicas, ressalvadas as acumulações permitidas constitucionalmente.

§ 1º O magistrado que acumular, de conformidade com a Constituição Federal, o exercício da judicatura com o magistério deve sempre priorizar a atividade judicial, dispensando-lhe efetiva disponibilidade e dedicação.

§ 2º O magistrado, no exercício do magistério, deve observar conduta adequada à sua condição de juiz, tendo em vista que, aos olhos de alunos e da sociedade, o magistério e a magistratura são indissociáveis, e faltas éticas na área do ensino refletirão necessariamente no respeito à função judicial.

CAPÍTULO VII

CORTESIA

Art. 22. O magistrado tem o dever de cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se relacionem com a administração da Justiça.

Parágrafo único. Impõe-se ao magistrado a utilização de linguagem escorreita, polida, respeitosa e compreensível.

Art. 23. A atividade disciplinar, de correição e de fiscalização serão exercidas sem infringência ao devido respeito e consideração pelos correicionados.

CAPÍTULO VIII

PRUDÊNCIA

Art. 24. O magistrado prudente é o que busca adotar comportamentos e decisões que sejam o resultado de juízo justificado racionalmente, após haver meditado e valorado os argumentos e contra-argumentos disponíveis, à luz do Direito aplicável.

Art. 25. Especialmente ao proferir decisões, incumbe ao magistrado atuar de forma cautelosa, atento às conseqüências que pode provocar.

Art. 26. O magistrado deve manter atitude aberta e paciente para receber argumentos ou críticas lançados de forma cortês e respeitosa, podendo confirmar ou retificar posições anteriormente assumidas nos processos em que atua.

CAPÍTULO IX

SIGILO PROFISSIONAL

Art. 27. O magistrado tem o dever de guardar absoluta reserva, na vida pública e privada, sobre dados ou fatos pessoais de que haja tomado conhecimento no exercício de sua atividade.

Art. 28. Aos juízes integrantes de órgãos colegiados impõe-se preservar o sigilo de votos que ainda não hajam sido proferidos e daqueles de cujo teor tomem conhecimento, eventualmente, antes do julgamento.

CAPÍTULO X

conhecimento e capacitação

Art. 29. A exigência de conhecimento e de capacitação permanente dos magistrados tem como fundamento o direito dos jurisdicionados e da sociedade em geral à obtenção de um serviço de qualidade na administração de Justiça.

Art. 30. O magistrado bem formado é o que conhece o Direito vigente e desenvolveu as capacidades técnicas e as atitudes éticas adequadas para aplicá-lo corretamente.

Art. 31. A obrigação de formação contínua dos magistrados estende-se tanto às matérias especificamente jurídicas quanto no que se refere aos conhecimentos e técnicas que possam favorecer o melhor cumprimento das funções judiciais.

Art. 32. O conhecimento e a capacitação dos magistrados adquirem uma intensidade especial no que se relaciona com as matérias, as técnicas e as atitudes que levem à máxima proteção dos direitos humanos e ao desenvolvimento dos valores constitucionais.

Art. 33. O magistrado deve facilitar e promover, na medida do possível, a formação dos outros membros do órgão judicial.

Art. 34. O magistrado deve manter uma atitude de colaboração ativa em todas as atividades que conduzem à formação judicial.

Art. 35. O magistrado deve esforçar-se para contribuir com os seus conhecimentos teóricos e práticos ao melhor desenvolvimento do Direito e à administração da Justiça.

Art. 36. É dever do magistrado atuar no sentido de que a instituição de que faz parte ofereça os meios para que sua formação seja permanente.

CAPÍTULO XI

DIGNIDADE, HONRA E DECORO

Art. 37. Ao magistrado é vedado procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro de suas funções.

Art. 38. O magistrado não deve exercer atividade empresarial, exceto na condição de acionista ou cotista e desde que não exerça o controle ou gerência.

Art. 39. É atentatório à dignidade do cargo qualquer ato ou comportamento do magistrado, no exercício profissional, que implique discriminação injusta ou arbitrária de qualquer pessoa ou instituição.

CAPÍTULO XII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 40. Os preceitos do presente Código complementam os deveres funcionais dos juízes que emanam da Constituição Federal, do Estatuto da Magistratura e das demais disposições legais.

Art. 41. Os Tribunais brasileiros, por ocasião da posse de todo Juiz, entregar-lhe-ão um exemplar do Código de Ética da Magistratura Nacional, para fiel observância durante todo o tempo de exercício da judicatura.

Art. 42. Este Código entra em vigor, em todo o território nacional, na data de sua publicação, cabendo ao Conselho Nacional de Justiça promover-lhe ampla divulgação.

 

Brasília, 26 de agosto de 2008.


 

Código de Ética da Magistratura Nacional no CNJ

 

 

 

quarta-feira, novembro 05, 2008

Jus Navigandi - Doutrina - Prisão de advogado. Sala de Estado Maior, domiciliar ou especial?

 


Prisão de advogado.
Sala de Estado Maior, domiciliar ou especial?

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10156


Sandra Cristina Alves
advogada militante em Cuiabá (MT) e Brasília (DF)


            Os diversos tribunais do País têm debatido a questão do tipo de prisão a que se submete o Advogado no curso processual. O Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil prevê expressamente, no art. 7º, inciso V, o direito subjetivo à prisão em Sala de Estado Maior ou prisão domiciliar. Todavia, a aprovação de novo texto ao artigo 295 do Código de Processo Penal, através da Lei nº 10.258/2001, reacendeu as discussões acerca do tema, cogitando a possibilidade de segregação do advogado em prisão especial.

            Dispõe o artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994) que:

            "Art. 7º São direitos do Advogado:

            V - não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em Sala de Estado Maior, com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e, na sua falta, em prisão domiciliar."

            O primeiro questionamento em relação à previsão do Estatuto se fez através da ADI nº 1127-8, quando a Associação dos Magistrados Brasileiros questionou a constitucionalidade de diversos dispositivos do Estatuto que previam garantias diversas aos advogados. A complexidade do tema exigiu longa tramitação da ação, além de um exercício de interpretação constitucional, desincumbido a contento pelos Ministros que compõem a Corte.

            Na parte que nos interessa, a celeuma foi superada com o julgamento da ADI, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do dispositivo retro, considerando subsistente a norma consubstanciada no inciso V do art. 7º da Lei nº 8.906/94, ressalvando, unicamente, por inconstitucional, a expressão "assim reconhecidas pela OAB" inscrita em tal preceito normativo.

            "06/10/94 TRIBUNAL PLENO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n. 1127-8 DISTRITO FEDERAL REQUERENTE: ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS REQUERIDOS: PRESIDENTE DA REPÚBLICA CONGRESSO NACIONAL

            EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - Lei 8.906/94. Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica. LIMINAR.

            AÇÃO DIRETA. Distribuição por prevenção de competência e ilegitimidade ativa da autora. QUESTÕES DE ORDEM. Rejeição.

            MEDIDA LIMINAR. Interpretação conforme e suspensão da eficácia até final decisão dos dispositivos impugnados, nos termos seguintes:

            Art. 1º inciso I - postulações judiciais privativa de Advogado perante os juizados especiais. Inaplicabilidade aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz.

            Art. 7º , §§ 2º e 3º - suspensão da eficácia da expressão "ou desacato" e interpretação de conformidade a não abranger a hipótese de crime de desacato à autoridade judiciária.

            Art. 7º , § 4º - salas especiais para Advogados perante os órgãos judiciários, delegacias de polícia e presídios. Suspensão da expressão "controle" assegurado à 0AB.

            Art. 7º , inciso II - inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do Advogado. Suspensáo da expressão "e acompanhada de representante da OAB" no que diz respeito à busca e apreensão determinada por magistrado.

            Art. 7º , inciso IV - suspensão da expressão "ter a presença de representante da OAB, quando preso em flagrante, por motivo ligado ao exercício da advocacia, para a lavratura do auto respectivo, sob pena de nulidade".

            Art. 7º , inciso V - suspensão da expressão "assim reconhecida pela OAB", no que diz respeito às instalações e comodidades condignas da Sala de Estado Maior, em que deve ser recolhido preso o Advogado, antes de sentença transitada em julgado.

            Art. 20, inciso II - incompatibilidade da advocacia com membros de órgãos do Poder Judiciário. Interpretação de conformidade a afastar da sua abrangência os membros da Justiça Eleitoral e os juizes suplentes não remunerados.

            Art. 50 - requisição de cópias de peças e documentos pelo Presidente do Conselho da OAB e das Subseções. Suspensão da expressão "Tribunal, Magistrado, Cartório e".

            Art. 1º § 2º - contratos constitutivos de pessoas jurídicas. Obrigatoriedadé.de serem visados por Advogado. Falta de pertinência temática. Arguição, nessa parte, não conhecida.

            Art. 2, § 3º - inviolabilidade do Advogado por seus atos e manifestação, no exercício da profissão. Liminar indeferida.

            Art. 7º , inciso IX .- sustentação oral, pelo Advogado da parte, após o voto do relator. Pedido prejudicado tendo em vista a sua supensão na ADIn. 1.105.

            Razoabilidade na concessão da liminar."

            Assim, sagrou-se constitucional a previsão constante no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil acerca do direito subjetivo dos advogados à prisão em Sala de Estado Maior ou prisão domiciliar, até ulterior trânsito em julgado de sentença condenatória.

            Superado o tema da constitucionalidade do direito subjetivo do advogado à prisão em Sala de Estado Maior ou em prisão especial, diante da inexistência da primeira, resta verificar a aplicabilidade do artigo 295 do CPP, após alteração pela Lei nº 10.258 em 11.07.2001, na medida em que prevê que a prisão especial será observada a todos os sujeitos que a ela tenham direito.

            Todavia, cabe ressaltar que a prisão especial desenhada na legislação aponta que a prisão denominada "especial" será o recolhimento em local distinto da prisão comum, ou ainda, uma cela distinta no mesmo estabelecimento. Resta saber o que tem de especial na prisão que coincide com o mesmo estabelecimento prisional que os demais segregados.

            Dispõe o artigo 295 do Código de Processo Penal, com as alterações da Lei nº 10.258, de 11.07.2001:

            "Art. 295.  Serão recolhidos a quartéis ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão antes de condenação definitiva:

            § 1o A prisão especial, prevista neste Código ou em outras leis, consiste exclusivamente no recolhimento em local distinto da prisão comum.

(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

            § 2o Não havendo estabelecimento específico para o preso especial, este será recolhido em cela distinta do mesmo estabelecimento.

(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

            § 3o A cela especial poderá consistir em alojamento coletivo, atendidos os requisitos de salubridade do ambiente, pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequados à existência humana.

(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

            § 4o O preso especial não será transportado juntamente com o preso comum.

(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)

            § 5o Os demais direitos e deveres do preso especial serão os mesmos do preso comum.

(Incluído pela Lei nº 10.258, de 11.7.2001)".

            Uma análise desatenta do dispositivo transcrito pode levar à conclusão de que houve revogação tácita do disposto no artigo 7º, V da Lei nº 8.906/94, na medida em que se refere a prisão especial prevista no CPP e em outras legislações. Todavia, não é esta a melhor interpretação.

            Por certo, o disposto no artigo 295 do CPP não se aplica a todas as previsões de prisão especial. O conflito de normas aqui estabelecido é aparente, sendo resolvido através do critério da especialidade. Ora, o direito subjetivo que socorre o advogado – prerrogativa decorrente da função exercida – é a prisão em Sala de Estado Maior ou em prisão domiciliar.

            Ainda que ambas as legislações façam previsão sobre tema idêntico, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil faz especialização desta, estabelecendo regra e fazendo descrição minuciosa da forma a ser observada em relação à prisão do advogado.

            Por outro lado, também é inadmissível que uma lei de caráter geral tenha o condão de revogar, tacitamente, uma lei com previsões especiais e restritas, como ocorre na hipótese da prerrogativa funcional do advogado.

            Sagrou-se ao advogado mais que o direito a prisão especial. Determinou-se a localidade em que se manterá segregado na pendência de processo criminal. Aqui, não se pode afastar do elo entre prerrogativas profissionais dos advogados e a previsão constitucional de direitos dos cidadãos.

            Ademais, as prerrogativas concedidas aos advogados têm fim maior, qual seja a viabilização da defesa das liberdades públicas dos próprios cidadãos, tudo em conformidade com a ordem constitucional vigente.

            Para pôr fim à celeuma, resta atentar ao posicionamento do Egrégio Supremo Tribunal Federal quanto à matéria. Recentemente, em 09 de agosto próximo passado, o Min. Sepúlveda Pertence, atendeu à Reclamação nº 4535, ajuizada por causídico capixaba, para, não havendo no Estado do Espírito Santo acomodações condizentes com as prerrogativas insertas na legislação de regência, determinar a transferência do advogado para prisão domiciliar.

            EMENTA: I. Reclamação: alegação de afronta à autoridade da decisão plenária da ADIn 1127, 17.05.06, red. p/acórdão Ministro Ricardo Lewandowski: procedência.

            1.Reputa-se declaratória de inconstitucionalidade a decisão que - embora sem o explicitar - afasta a incidência da norma ordinária pertinente à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição.

            2. A decisão reclamada, fundada na inconstitucionalidade do art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, indeferiu a transferência do reclamante – Advogado, preso preventivamente em cela da Polícia Federal, para Sala de Estado Maior e, na falta desta, a concessão de prisão domiciliar.

            3. No ponto, dissentiu do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1127 (17.05.06, red.p/acórdão Ricardo Lewandowski), quando se julgou constitucional o art. 7, V, do Estatuto dos Advogados, na parte em que determina o recolhimento dos Advogados em Sala de Estado Maior e, na sua falta, em prisão domiciliar.

            4. Reclamação julgada procedente para que o reclamante seja recolhido em prisão domiciliar – cujo local deverá ser especificado pelo Juízo reclamado -, salvo eventual transferência para Sala de Estado Maior.

            II

. "Sala de Estado-Maior" (L. 8.906, art. 7º, V): caracterização. Precedente: HC 81.632 (2ª T., 20.08.02, Velloso, RTJ 184/640).

            1. Por Estado-Maior se entende o grupo de oficiais que assessoram o Comandante de uma organização militar (Exército, Marinha, Aeronáutica, Corpo de Bombeiros e Polícia Militar); assim sendo, "sala de Estado-Maior" é o compartimento de qualquer unidade militar que, ainda que potencialmente, possa por eles ser utilizado para exercer suas funções.

            2. A distinção que se deve fazer é que, enquanto uma "cela" tem como finalidade típica o aprisionamento de alguém –e, por isso, de regra contém grades -, uma "sala" apenas ocasionalmente é destinada para esse fim.

            3. De outro lado, deve o local oferecer "instalações e comodidades condignas", ou seja, condições adequadas de higiene e segurança."

            No mesmo sentido, o magnífico voto do Excelentíssimo Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus nº 88.702-3 de São Paulo.

            HABEAS CORPUS 88.702-3 SÃO PAULO

            RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

            PACIENTE(S): EZIO RAHAL MELILLO

            IMPETRANTE(S): ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DE SÃO PAULO  E OUTRO(A/S)

            ADVOGADO(A/S): OTÁVIO AUGUSTO ROSSI VIEIRA E OUTRO(A/S)

            COATOR(A/S)(ES):RELATOR DO HC Nº 47.665 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

            INTERESSADO(A/S): FRANCISCO ALBERTO DE MOURA SILVA 

            ADVOGADO(A/S): MARCO AURÉLIO VICENTE VIEIRA  E OUTRO(A/S)

            EMENTA: ADVOGADO – CONDENAÇÃO PENAL MERAMENTE RECORRÍVEL – PRISÃO CAUTELARRECOLHIMENTO A "SALA DE ESTADO-MAIOR" ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA - PRERROGATIVA PROFISSIONAL ASSEGURADA PELA LEI Nº 8.906/94 (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V) – INEXISTÊNCIA, NO LOCAL DO RECOLHIMENTO PRISIONAL, DE DEPENDÊNCIA QUE SE QUALIFIQUE COMO "SALA DE ESTADO-MAIOR" – HIPÓTESE EM QUE SE ASSEGURA,  AO  ADVOGADO, O RECOLHIMENTO "EM PRISÃO DOMICILIAR" (ESTATUTO DA ADVOCACIA, ART. 7º, V, "IN FINE") – SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 10.258/2001 - INAPLICABILIDADE DESSE NOVO DIPLOMA LEGISLATIVO AOS ADVOGADOS - EXISTÊNCIA, NO CASO, DE ANTINOMIA SOLÚVEL - SUPERAÇÃO DA SITUAÇÃO DE CONFLITO MEDIANTE UTILIZAÇÃO DO CRITÉRIO DA ESPECIALIDADE - PREVALÊNCIA DO ESTATUTO DA ADVOCACIA – CONFIRMAÇÃO DAS MEDIDAS LIMINARES ANTERIORMENTE DEFERIDAS – PEDIDO DE "HABEAS CORPUS" DEFERIDO.

            - O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em norma não derrogada pela Lei  nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), garante, ao Advogado, enquanto não transitar em julgado a sentença penal que o condenou, o direito de "não ser recolhido preso (...), senão em sala de Estado-Maior (...) e, na sua falta, em prisão domiciliar" (art. 7º, inciso V).

            - Trata-se de prerrogativa de índole profissional - qualificável como direito público subjetivo do Advogado regularmente inscrito na OAB - que não pode ser desrespeitada pelo Poder Público e por seus agentes, muito embora cesse com o trânsito em julgado da condenação penal. Doutrina. Jurisprudência.

            Essa prerrogativa profissional, contudo, não poderá ser invocada pelo Advogado, se cancelada a sua inscrição (Lei nº 8.906/94, art. 11) ou, então, se suspenso, preventivamente, o exercício de sua atividade profissional, por órgão disciplinar competente (Lei nº 8.906/94, art. 70, § 3º).

            - A inexistência, na comarca ou nas Seções e Subseções Judiciárias, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado confere-lhe, antes de consumado o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar (RTJ 169/271-274 – RTJ 184/640), não lhe sendo aplicável, considerado o princípio da especialidade, a Lei nº 10.258/2001.

            - Existe, entre o art. 7º, inciso V, do Estatuto da Advocacia (norma anterior especial) e a Lei nº 10.258/2001 (norma posterior geral), que alterou o art. 295 do CPP, situação reveladora de típica antinomia de segundo grau, eminentemente solúvel, porque superável pela aplicação do critério da especialidade ("lex posterior generalis non derogat priori speciali"), cuja incidência, no caso, tem a virtude de preservar a essencial coerência, integridade e unidade sistêmica do ordenamento positivo (RTJ 172/226-227), permitindo, assim, que coexistam, de modo harmonioso, normas em relação de (aparente) conflito. Doutrina. Conseqüente subsistência, na espécie, não obstante o advento da Lei nº 10.258/2001, da norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, ressalvada, unicamente, por inconstitucional (ADI 1.127/DF), a expressão "assim reconhecidas pela OAB" constante de referido preceito normativo.

            - Concessão, no entanto, de ofício, e em maior extensão, da ordem de "habeas corpus", para assegurar, aos pacientes, o direito de aguardar, em liberdade, o julgamento definitivo da causa penal, eis que precariamente motivada a decisão que lhes decretou a prisão cautelar.

ACÓRDÃO

            Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, por entender que não se aplica, aos Advogados, a Lei nº 10.258/2001 (que alterou o art. 295 do CPP), eis que subsistente, quanto a esses profissionais, a prerrogativa fundada na norma inscrita no inciso V do art. 7º do Estatuto da Advocacia, em deferir o pedido de "habeas corpus", tornando definitivas as medidas cautelares anteriormente deferidas, em ordem a garantir, aos ora pacientes (Ézio Rahal Melillo e Francisco Alberto de Moura Silva), em face da comprovada ausência, no local, de "sala de Estado-Maior", o direito ao recolhimento (e permanência) em prisão domiciliar (Lei  nº 8.906/94, art. 7, V, "in fine"), até o trânsito em julgado da sentença condenatória contra eles proferida nos autos do Processo-crime nº 2000.61.08.008761-0 (2ª Vara da Justiça Federal de Bauru/SP), tudo nos termos do voto do Relator. Prosseguindo no julgamento, e examinando proposta formulada pelo eminente Ministro  Cezar Peluso, a Turma, por unanimidade de votos, acolheu-a e concedeu, de ofício, ordem de "habeas corpus" em favor dos ora pacientes, para o fim de lhes garantir, em maior extensão, o direito  de aguardar em liberdade a conclusão do referido Processo-crime nº 2000.61.08.008761-0 (2ª Vara da Justiça Federal de Bauru/SP), até o trânsito em julgado da condenação penal nele proferida, expedindo-se, em conseqüência, alvará de soltura em favor de Ézio Rahal Melillo e Francisco Alberto de Moura Silva, se por al não estiverem presos. Falou, pelo paciente Ézio Rahal Melillo, o Dr. Otávio Augusto Rossi Vieira, pelo paciente Francisco Alberto de Moura Silva, o Dr. Marco Aurélio Vicente Vieira e, pelo Ministério Público Federal, o Dr. Francisco Adalberto Nóbrega. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

            Brasília, 19 de setembro de 2006.

            Com estas considerações, não resta dúvida que foi reconhecido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal, após cognição e discussão quanto à sua constitucionalidade (ADI nº 1127) e quanto à sua não revogação tácita após publicação da Lei nº 10258/2001, o direito subjetivo do advogado à prisão em Sala de Estado Maior durante o trâmite da ação penal, até ulterior condenação com trânsito em julgado, e sua transferência para prisão domiciliar diante da inexistência da primeira.


Sobre a autora


Sandra Cristina Alves

E-mail: Entre em contato


Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1473 (14.7.2007)
Elaborado em 07.2007.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
ALVES, Sandra Cristina. Prisão de advogado. Sala de Estado Maior, domiciliar ou especial?. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1473, 14 jul. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10156>. Acesso em: 05 nov. 2008.


Jus Navigandi - Doutrina - Prisão de advogado. Sala de Estado Maior, domiciliar ou especial?

 

 

Jus Navigandi - Doutrina - A perda da chance e a responsabilização do advogado

 


A perda da chance e a responsabilização do advogado

Texto extraído do Jus Navigandi
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8250


Bibiana Carollo Bortoluzzi
servidora pública federal, bacharelanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria



SUMÁRIO

: Introdução; 1 A atividade do advogado: evolução e natureza jurídica; 1.1 O tratamento do tema no Direito Português; 1.2 Situações geradoras de responsabilidade civil em decorrência da atividade; 2 Situações que geram o dever de indenizar para o advogado; 2.1 Verbas indenizatórias em caso de responsabilização do procurador; 2.2 A indenização pela perda da chance; 2.3 Jurisprudências; Considerações Finais; Referências Bibliográficas

INTRODUÇÃO

            A responsabilidade civil do advogado, em sede de perda da chance, é assunto relativamente novo no ordenamento jurídico brasileiro, encontrando divergências no campo doutrinário e poucos julgados a respeito do tema.

            Este artigo, que pretende explorar o tema, está dividido em duas partes. A primeira delas trata da atividade exercida pelo advogado e do tratamento que lhe é conferido em sede de responsabilidade civil, no âmbito nacional e no Direito Português. Além de as primeiras codificações brasileiras possuírem origem portuguesa, a exemplo das Ordenações Manoelinas e Filipinas, o Código Civil de 2002 baseou-se, em muitos aspectos, no Código Português. Num segundo momento serão tratadas as situações em que o advogado será responsabilizado por sua conduta negligente, devendo indenizar o cliente; bem como do caso específico e atualmente, pouco explorado, de indenização pela perda da chance.

            Para tanto, foram utilizados, além de pesquisa bibliográfica, Internet e julgados dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e do Distrito Federal, a fim de demonstrar os lineamentos teóricos e práticos do tema.


1 A atividade do advogado: evolução e natureza jurídica

            A Suméria é considerada o berço da atividade advocatícia, referindo-se que já no terceiro milênio antes de Cristo tratava-se da defesa de pessoas, direitos, bens e interesses.

            Em relação à advocacia no Brasil, passou a ser reconhecida em 11 de agosto de 1827, quando foram criados os cursos jurídicos em Olinda e São Paulo. No ano de 1843 foi criado o Instituto dos Advogados do Brasil. Por fim, em 18 de novembro de 1930, foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil, pelo art. 17 do Decreto nº 19.408. Em 1988, com a promulgação da Carta Magna brasileira, a advocacia foi considerada função essencial da justiça (art. 133, CF), encontrado regulamentação no Título IV (Da Organização dos Poderes), Capítulo IV de nossa Lei Maior.

            Desta forma, e observando a relevância que foi dispensada ao advogado pelo constituinte de 1988, sua conduta no exercício de sua profissão deve seguir os princípios de eqüidade, justiça e boa-fé, como forma de satisfazer (ou, ao menos, utilizar-se dos meios possíveis para tal) os interesses daqueles que o procurarem.

            Ainda, e respeitando o disposto na Constituição Federal, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) estabelece como atividades exclusivas dos advogados os serviços de consultoria, assessoria, direção jurídica e a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário.

            Logo, e segundo o art. 31, caput, da Lei 8.906/94, "o advogado deve proceder de forma que o torne merecedor de respeito e que contribua para o prestígio da classe e da advocacia"; de forma que deve obedecer às disposições do Código de Ética e Disciplina da classe (art. 33, Lei 8.906/94).

            Vale ressaltar, ainda, que, antes da edição do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil pela Lei 8.906/94, vigente na atualidade, existiu a Lei 4.215, de 27 de abril de 1963, que estabelecia as regras para a prestação de serviços por parte do advogado, considerando infração disciplinar, em seu art. 103, inciso XV, "prejudicar, por culpa grave, interêsse confiado ao seu patrocínio".

            Quanto à natureza jurídica, a prestação de serviços advocatícios possui natureza contratual, uma vez que advém do contrato de mandato firmado entre as partes, em que o mandatário (advogado) se obriga a utilizar todos os meios que possui para alcançar os interesses do mandante (cliente), tanto na tutela judicial quanto extrajudicial dos mesmos.

            Os arts. 653 a 692 do código civil vigente prevêem a figura do Mandato como integrante do Título V da lei civil, a qual trata dos contratos em geral. Rui Stocco (2004, página 479) utiliza-se de citação de Caio Mário da Silva Pereira, para melhor definir o tema:

            "Recebendo a procuração, o advogado tem o dever contratual de acompanhar o processo em todas as suas fases, observando os prazos e cumprindo as imposições do patrocínio, quais sejam: comparecer às audiências, apresentar as provas cabíveis, agir na defesa do cliente, e no cumprimento das legitimas instruções recebidas".

            Vale ressaltar que, via de regra, a obrigação do advogado é uma obrigação de meio, através da qual ele se dispõe a atender os interesses do mandante, utilizando os meios possíveis, mas não se obriga pelo resultado da demanda. Logo, não se pode imputar ao patrono nenhuma responsabilidade pelo insucesso da causa, se restar provado que ele agiu corretamente no patrocínio da mesma.

            Há, contudo, situações em que o procurador obriga-se pelo resultado, como ocorre quando lhe encomendam um parecer, ou quando se obriga pela confecção de um contrato, estatuto ou ato constitutivo. Aqui, quando não atinge o resultado pactuado com o mandante, por erro indesculpável, caracteriza o inadimplemento contratual e nasce a obrigação de reparar se decorrer, desta conduta, prejuízo efetivo para o cliente.

            Ainda, e por se tratar de obrigação contratual, pode o advogado recusar o contrato de mandato, sem necessidade de justificar-se com o pretenso mandante sobre a causa que o fez recusá-lo, uma vez que as obrigações convencionadas têm como princípio basilar a autonomia da vontade. Portanto, uma vez aceito o mandato pelo profissional, deverá ele zelar pelos interesses que lhe foram passados juntamente com o instrumento de procuração.

            A responsabilidade do advogado, em princípio, é somente disciplinar, posto que sujeita às normas e sanções administrativas, de seu órgão de classe. Pode, contudo, vir a ser responsabilizado civil e penalmente, dependendo da gravidade do ato praticado. Durante este estudo, tratar-se-á especificamente da responsabilidade civil do advogado perante seus clientes.

            1.1 O tratamento do tema no direito português

            A Constituição portuguesa, em seu artigo 20º, determina aos Advogados deveres especiais ao serviço do Estado de Direito e dos Cidadãos. No entanto, a experiência demonstrou que nem sempre a interpretação da lei foi coincidente, não apenas no que se refere aos atos que integram a atividade regulamentada de Advogado com exclusão de quaisquer outros, como também no que se refere aos poderes/ deveres da Ordem dos Advogados nesta matéria.

            Desta forma, foi aprovado O Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Dec. lei 84/84, estabelecendo as diretrizes para o exercício da profissão.

            Ainda, a adesão à União Européia ocorreu posteriormente à entrada em vigor do Estatuto. Nesse sentido deve-se mencionar a circunstância de, desde 1984, se terem desenvolvido novas e por vezes mais sofisticadas formas de "procuradoria ilícita" (praticada por pessoas não habilitadas para o exercício da advocacia), com graves conseqüências para os cidadãos que inadvertidamente se socorram de apoio jurídico junto de quem não está legalmente habilitado a prestá-lo.

            Assim, a prática de atos que violem a regra que estabelece que apenas os licenciados em Direito com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados podem praticar os atos próprios da advocacia presume-se culposa, para efeitos de responsabilidade civil.

            Do disposto infere-se que a legislação portuguesa pune a prática ilícita da advocacia.

            A Ordem dos Advogados tem legitimidade para intentar ações de responsabilidade civil, tendo em vista o ressarcimento de danos decorrentes da lesão dos interesses públicos que lhes cumpre, nos termos do respectivo estatuto, assegurar e defender.

            As indenizações recebidas serão revertidas para um fundo, sendo este destinado à promoção de ações de informação e implementação de mecanismos de prevenção e combate à procuradoria ilícita, gerido em termos a regulamentar em diploma próprio.

            1.2 Situações geradoras de responsabilidade civil em decorrência da atividade

            Há situações em que o simples fato de exercer uma atividade gera o dever de indenizar os prejuízos causados por ela; como ocorre com os empregadores, que respondem objetivamente pelos atos praticados por seus empregados (art. 932, III, CC) e com os empresários individuais, pelos produtos postos em circulação (art. 931, CC). Esta responsabilização objetiva é baseada na Teoria do Risco, pela qual aquele que aufere lucros a partir de atividade alheia deve arcar com os prejuízos.

            Esta responsabilidade civil objetiva é estabelecida no Código Civil, para os empregadores, empresários individuais, empresas, donos de hotéis, estabelecimentos particulares de ensino e pessoas jurídicas de direito público interno.

            Além do Código Civil, a lei 8.078/90 (CDC) estabelece, como regra, a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços.

            Contudo, o legislador brasileiro estabeleceu exceções a essa regra de responsabilidade objetiva para as relações de consumo e de prestação de serviços, baseadas na teoria do risco, para resguardar as atividades prestadas por profissionais liberais.

            O Código Civil, no que tange à responsabilização dos profissionais liberais, dispensa apenas um artigo do título no qual trata da responsabilidade civil. Importante a transcrição do referido artigo (951), que segue:

            "Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho"

.

            Pode-se notar que o códex, neste artigo, tratou apenas da responsabilidade dos médicos, enfermeiros e dentistas, uma vez que trata especificamente de "pacientes", enquanto a matéria a respeito dos demais profissionais liberais foi aceita da forma que estava posta pela Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), restando sem regulamentação na Lei 10.406/02.

            O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), dessa forma, possui dispositivo a respeito da responsabilidade dos profissionais liberais (art. 14, § 4º, Lei 8.078/90), estabelecendo que os mesmos deverão indenizar os danos causados, apenas, quando resultarem de culpa sua, no exercício da profissão. É considerada uma exceção, prevista no CDC, a responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, uma vez que, via de regra, referido estatuto estabelece a responsabilização objetiva dos fornecedores de bens e serviços, frente aos consumidores.

            Ainda, e em relação aos advogados, apenas, o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) traz previsão expressa de responsabilização dos componentes da classe em caso de culpa ou dolo pelo prejuízo causado (art. 32).

            Desta forma, responde o procurador, perante seu cliente, quando atuar de maneira negligente ou com manifesta intenção de prejudicá-lo. Nestes casos, deve indenizar seu constituinte pela má prestação dos serviços acordados.


2 Situações que geram o dever de indenizar para o advogado

            O advogado responde pelos erros de fato que praticar no desempenho da função advocatícia e pelos erros de direito que cometer no exercício de sua profissão, quando praticados com culpa do mesmo.

            Rui Stocco (2004, página 481) destaca que o erro cometido pelo procurador há de ser inescusável e efetivamente lesivo, para que dele resulte dever de indenizar. Entende-se por erro inescusável aquele inadmissível para um profissional bem instruído e cauteloso com seu trabalho.

            O Código de Processo Civil, inclusive, enuncia situações de erro inescusável cometidas pelos profissionais inscritos na OAB. Algumas hipóteses são:

            * art. 45, CPC – pelo fato de não representar seu constituinte nos dez dias subseqüentes à sua renúncia ao mandato judicial, para evitar que o mandante venha a sofrer prejuízos;

            * art. 267, I, CPC – quando o processo se extingue sem julgamento de mérito, por inépcia da petição inicial, desde que comprovada a desídia do advogado no trato da causa;

            * art. 267, II, CPC – quando, por negligência do advogado, o processo fica parado por mais de um ano, dando ensejo à extinção do mesmo, sem julgamento do mérito;

            * art. 267, III, CPC – quando o autor do processo não praticar os atos de sua competência, abandonando o processo por mais de trinta dias, em função de inércia de seu advogado, causando a extinção do processo;

            * art. 295, parágrafo único, I, CPC – indeferimento da petição inicial por falta do pedido ou causa de pedir;

            * art. 295, parágrafo único, II, CPC – inépcia da petição inicial, quando da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão.

            O Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) elenca, ainda, em seu art. 34, uma série de causas de responsabilização do mandatário, como, por exemplo:

            * Violação de sigilo profissional (inciso VII) sem justa causa;

            * Imputar a terceiro, sem autorização de seu constituinte e em nome dele, fato definido como crime (inciso XV);

            * Enriquecimento ilícito, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou por outrem (inciso XX).

            Os incisos do art. 34 da Lei 8.906/94, citados acima, são apenas algumas das maneiras de se responsabilizar civilmente o advogado por sua conduta. Vale ressaltar que o referido artigo possui a previsão de vinte e nove formas de infração disciplinar, por parte do advogado.

            Vistos os casos em que o procurador é chamado a responder pela prestação faltosa de seu serviço, resta estudar as verbas indenizatórias com as quais deverá arcar.

            2.1 Verbas indenizatórias em caso de responsabilização do procurador

            Maria Helena Diniz (2004, página 287) ensina que "o advogado deverá, obviamente, indenizar prontamente o prejuízo que vier a causar por negligência, erro inescusável ou dolo".

            Logo, no que se refere à atuação em juízo do advogado, conforme determinam os doutrinadores consultados, se restar provada sua culpa no insucesso da ação, deverá indenizar seu cliente pelos danos patrimoniais sofridos a título de dano emergente e, ainda, se provado o dano moral, também será compensado.

            Indeniza-se o valor efetivamente gasto pelo mandante com a sucumbência da ação, como é o caso das custas do processo e verba honorária paga ao patrono da parte contrária, estas verbas a título de dano material.

            Em relação ao dano moral, quando restar comprovado erro indesculpável ou culpa do advogado, também deverá ser indenizado, uma vez que está previsto na própria Constituição Federal (art. 5º, V e X).

            Ainda, em relação à atividade extrajudicial exercida pelo profissional do Direito, devidamente inscrito na OAB, deve-se atentar que, neste caso, ele se obriga pelo resultado pactuado. É o que ocorre, por exemplo, quando se compromete a entregar um parecer ou a redigir um contrato. Aqui, se atuar com negligência, imprudência ou imperícia, causando prejuízos ao seu mandante, estará obrigado a reparar efetivamente o que seu cliente perdeu e os valores que poderia receber se o profissional tivesse atuado com a diligência esperada.

            Outra questão que surge, e com divergências no campo doutrinário, é a responsabilização do patrono da causa pela perda da chance de seu cliente. A teoria da perda da chance, por ensejar controvérsias e, portanto, uma pesquisa mais fundamentada, será tratada a seguir.

            2.2 A indenização pela perda da chance

            Primeiramente, e antes de tratar especificamente da indenização da perda de uma chance pelo advogado, vale proceder à definição e exemplos da referida teoria, para melhor compreensão acerca do tema.

            A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) surgiu na França, a partir da década de 60, e foi criada, primeiramente, com vistas à atividade médica. Foi desenvolvida em função da difícil comprovação dos elementos formadores da responsabilidade do profissional, sendo chamada de "teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência".

            Relativamente recente no Brasil, a perda da chance está ligada à idéia de dano, como forma de aferição do mesmo, para efeitos de ressarcimento. É considerada uma terceira espécie de dano patrimonial, vista como um intermediário entre o conceito de dano emergente e o de lucro cessante.

            O dano patrimonial, para efeitos de indenização, deve ser atual e certo, de forma a facilitar o cálculo dos valores devidos a título de perdas e danos.

            A perda da chance, contudo, é teoria utilizada para calcular a indenização por dano material quando há um dano atual, porém incerto, dito "dano hipotético", o qual necessitará de um juízo de valor para a aferição do quantum devido a título de indenização. O que se analisa é a potencialidade de uma perda, não o que a vítima realmente perdeu (dano emergente) ou efetivamente deixou de ganhar (lucro cessante).

            Há julgados, nos tribunais brasileiros, que concedem a indenização da perda da chance, porém, a título de lucro cessante, o que constitui um equívoco, pois, como demonstrado, ainda que sejam figuras muito próximas, não são de todo iguais.

            Vale ressaltar, ainda, que, quando da indenização patrimonial sob o prisma da perda de oportunidade, o que se deve levar em conta para a fixação do quantum é a chance em si, e não o que a vítima poderia ter recebido; não se pode tencionar cobrir o eventual benefício perdido.

            Quando se fala na indenização de um dano material hipotético, incerto, muitas críticas são feitas pelos doutrinadores, seja em função da fixação do quantum da reparação, ou justamente da incerteza de um dano caracterizado como "patrimonial".

            Sílvio de Salvo Venosa (2003, página 201), contudo, traz exemplo de perda da chance que é, inclusive, indenizada hodiernamente, in verbis:

            "Quando nossos tribunais indenizam a morte do filho menor com pensão para os pais até quando esse atingiria 25 anos de idade, por exemplo, é porque presumem que nessa idade se casaria, constituiria família própria e deixaria a casa paterna, não mais concorrendo para as despesas do lar. Essa modalidade de reparação de dano é aplicação da teoria da perda da chance".

            Quanto à responsabilização do advogado pela perda da chance, considera-se indenizável quando ocorre em função de atividade culposa do advogado.

            É o caso, por exemplo, da perda do prazo para contestar a ação ou para interpor um recurso. Configura-se, aqui, obrigação de meio do defensor, que responderá somente de provada sua imprudência como causa do ocorrido, devendo a parte prová-la, quando proferir sua acusação.

            Pode, contudo, o advogado ser responsabilizado pelo incumprimento de uma obrigação de resultado, quando não entrega um parecer na data pactuada ou não leva ao registro um ato constitutivo, e se obrigou a fazê-lo. Deve a vítima, ainda, provar a culpa de seu patrono, podendo este se eximir ao comprovar, por exemplo, que a parte não forneceu determinados dados, quando se comprometeu a fornecê-los, ficando caracterizada sua culpa exclusiva para a ocorrência do incumprimento por parte do advogado.

            Desta forma, cabe ao interessado a comprovação da desídia do profissional no exercício da atividade pactuada, para que haja dever de reparação pela perda da chance.

            A doutrina, contudo, diverge quanto à possibilidade (ou não) de se indenizar a perda de uma chance, quando se tratar de prestação de serviços advocatícios.

            Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves são favoráveis à indenização, pelo advogado, da perda da chance do cliente. A primeira, inclusive, ao listar os motivos pelos quais pode ser o patrono responsabilizado, estabelece, à página 287 de sua obra, a conduta culposa que vier a resultar na perda de uma chance.

            Rui Stocco (2004, página 490), contudo, mostra-se contrário a esta forma de compensação de danos. O parágrafo a seguir explicita tal idéia:

            "Não há como admitir que outrem substitua o juiz natural da causa para perscrutar o íntimo de sua convicção e fazer um juízo de valor a destempo sobre a ‘possibilidade’ de qual seria a sua decisão, caso a ação fosse julgada e chegasse ao seu termo.

            Ora, admitir a possibilidade de o cliente obter a reparação por perda de uma chance é o mesmo que aceitar ou presumir essa chance de ver a ação julgada conduzirá, obrigatoriamente, a uma decisão a ele favorável".

            Filio-me aos primeiros argumentos referidos, com certas restrições, no que tange à perda de prazo e à não interposição de recurso, por parte do advogado, como ensejadoras de responsabilização pela perda de uma chance.

            Para que o procurador seja responsabilizado, deve haver prova de sua desídia do trato com o cliente e seus interesses.

            Assim, caso o cliente tencione responsabilizar o advogado pela não interposição de um recurso, deve comprovar que o mesmo foi negligente. Necessário lembrar, no que tange aos recursos em âmbito civil, que ele só pode ser interposto se forem pagas as custas processuais, primeiramente. Ainda, quando se trata de Justiça do Trabalho, deve-se proceder ao depósito recursal (que corresponde ao valor determinado, pelo juiz, na sentença, observando-se que, se a condenação ultrapassar R$ 4.401,76, este será o valor do depósito) para que a parte possa recorrer da decisão que julgar errada. Logo, se comprovado, nos casos citados, que o advogado cumpriu com seu dever de informação, expondo tal situação à parte, e esta não efetuou os pagamentos necessários, independentemente de seus motivos, não há que se falar em responsabilização do procurador, uma vez que se caracteriza a culpa exclusiva da vítima, excludente da responsabilidade civil.

            Porém, em a parte demonstrando que a falta fora do advogado (quer por omissão de informações, quer por negligência com a prestação de seu serviço), que demonstrou a ele seu interesse em recorrer da decisão monocrática, disponibilizando dos valores necessários, que o procurador nada fez e, ainda, apresentando julgados que o levem a crer que aquela decisão seria reformada pelo tribunal, há de se responsabilizar o procurador, devendo este indenizar a parte pela perda da chance, sem prejuízo de outras verbas indenizatórias que são comprovadamente devidas.

            Ainda, em relação à crítica apresentada por Rui Stocco, de que o não se pode indenizar o dano referente à perda da chance porque não há como se aferir o quantum que poderia ser fixado pelo juiz natural da causa, a título de reparação, pois sequer há como saber se o processo teria resultado diverso, se a parte tivesse esgotado as chances que possuía. Vale esclarecer, neste momento, que o que se perquire não é a compensação de todos os valores que a parte ganharia se seu advogado houvesse se dedicado à ação, como que se tivesse certeza de que o prejudicado venceria a demanda; pune-se, isto sim, a desídia do advogado no trato com o cliente, ao desrespeitar o mandato que firmaram e as instruções que lhe foram passadas pelo mandante.

            Desta forma, a indenização não se calcula em função do valor da causa, por exemplo, que a parte receberia quando do sucesso de sua demanda; o quantum será fixado em função da perda da chance e da negligência do procurador da parte.

            Na busca de julgados a respeito do tema, encontram-se muitos que tratam da responsabilidade civil do advogado e das verbas que o mesmo está obrigado a indenizar. Porém, em sede de perda da chance, poucas são as decisões a respeito da atividade advocatícia.

            2.3 Jurisprudências

            Conforme já referido anteriormente, a aplicação da teoria da perda da chance à responsabilização do advogado é recente e, portanto, difícil de encontrar em sede de doutrina e de jurisprudência. É o que se nota da pesquisa efetuada, uma vez que foram encontrados apenas dois acórdãos referindo esta forma de dano, com realização ao contrato de mandato firmado entre cliente e advogado.

            Assim, e, primeiramente, para melhor ilustrar a responsabilização do patrono civilmente, quando atuar com desídia em suas causas, importante observar as diretrizes traçadas pela construção jurisprudencial brasileira:

            Apelação cível. Responsabilidade civil. Advogado que atua em reclamatória trabalhista. Insucesso na demanda não gera o dever de indenizar. Dano moral não configurado. Recurso improvido.(TJRS. AP. Nº 70004631768. 2ª CC. REL. Des. Ney Wiedemann Neto).

            RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. SENTENÇA DESFAVORÁVEL. OBRIGAÇÃO DE MEIO, NÃO DE RESULTADO. AUSÊNCIA DO CAUSÍDICO À AUDIÊNCIA.

            Para fixar-se a responsabilidade civil do advogado o juiz deve examinar a repercussão da omissão ou ato praticado e sua influência no resultado da demanda. Ainda, deve verificar as possibilidades de êxito do cliente. Confissão ficta aplicada em causa solvida em prova documental, exceto quanto à ocorrência de justa causa para a despedida. Todavia, é sabido que o depoimento pessoal, sem outros elementos, faz prova contra o depoente. Assim, conclui-se que a omissão do advogado não acarretou o decaimento. Não reconhecimento da responsabilidade civil. Recurso provido. (TJRS. AP. Nº 71000513929. 3ª trc-jec. REL. DES. MARIA JOSÉ SCHMITT SANTANNA).

            RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DEFICIENTE. DANOS MORAIS E MATERIAIS. EXIGÊNCIA DE PROVA DE DOLO OU CULPA, ESTA GRAVE E INESCUSÁVEL A JUSTIFICAR RESPONSABILIZAÇÃO. A obrigação do profissional do direito é de meio e não de resultado, dependendo a responsabilidade civil da verificação de culpa (art. 159, do CC de 1916, e art. 14, § 4º, do CDC). Não havendo prova de que o profissional liberal haja obrado com culpa grave, ou errado grosseiramente, não há se falar em responsabilização. Não se tipifica desídia, negligência ou abandono da causa o não uso de todos os recursos ou prazos processuais, quando os pertinentes foram utilizados. Dir-se-á, inclusive, que a insistência, não raras vezes, provocando retardamento do feito, pode até tipificar litigância temerária, quando então sim poderia gerar responsabilização.

            Apelação desprovida. (TJRS. AP. Nº 70008064180. 9ª CC. REL. DES. MARILENE BONZANINI BERNARDI).

            Como se pode notar, a jurisprudência tem analisado cuidadosamente cada caso em concreto, para que não venha a prejudicar o advogado, uma vez que a condenação acaba por denegrir sua imagem como profissional.

            Ainda, e no que tange à perda da chance, importante analisar os dois acórdãos que seguem:

            APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO.

            Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916.

            APELO DESPROVIDO.(TJRS.AP.

Nº 70005473061. 9ª cc. rel. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano).

            apelação cível. civil e processual civil. responsabilidade civil. dano material. perda de uma chance. ajuizamento de demanda trabaLhista DEPOIS DE transcorrido o prazo prescricional. advogado indicado pelo sindicato. culpa in eligendo.

            Tendo o associado perdido a chance de ver sua pretensão apreciada pela Justiça Obreira, em face do transcurso do prazo prescricional para o ajuizamento da ação, decorrente da desídia do profissional indicado pelo sindicato, deve a entidade de classe ser responsabilizada pelos prejuízos originados pela perda da chance experimentada pelo autor. Responde o sindicato por culpa in eligendo. Exegese do art. 1.521, inciso III, do CCB/1916. Ainda que não houvesse obrigatoriedade de aceitação, era dever do sindicato a fiscalização dos serviços prestados pelo advogado indicado. Apresentada a prova de que o profissional estava autorizado a prestar os serviços para o associado, era ônus do sindicato a prova quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II, CPC). Valores buscados na demanda trabalhista, não-impugnados pelo requerido, que devem servir de base para o quantum indenizatório.

            APELO PROVIDO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.(TJRS.AP. Nº 70006227599. 9ª cc. rEL. Des. Adão Sergio do Nascimento Cassiano).

            Em ambas as decisões a negligência do profissional gerou o dever de indenizar, por danos materiais, à título de perda da chance. Contudo, no segundo, não foi ao patrono que incumbiu a obrigação de compensar o dano sofrido pela parte, mas sim do sindicato que o indicou a um de seus membros.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A responsabilidade do advogado advém do mandato. A partir do instrumento de mandato, o mandatário obriga-se a defender os interesses de seu cliente, em juízo e fora dele, bem como a mantê-lo informado sobre o desenvolvimento de sua ação.

            O advogado responde civilmente pelos atos que praticar na defesa dos interesses de seus clientes, se resultarem em dano para os mesmos, quando decorrente de culpa ou dolo no exercício de sua profissão.

            Assim, quando, por desídia sua, o advogado deixar de atender a uma vontade de seu cliente, desde que esta seja juridicamente possível de realizar, não ajuizando uma ação ou deixando de interpor recurso para reformar sentença prejudicial a seu cliente, deverá ser obrigado a indenizar a perda de uma chance, se restar provado que o resultado poderia ter sido diverso, se o procurador tivesse agido com retidão no exercício de seu ofício.

            A indenização, pelo advogado, da perda da chance é tema recente em nossos tribunais, encontrando-se poucas decisões a respeito. Deve-se observar, a partir de então, o rumo que será tomado por nossos tribunais. Das jurisprudências citadas, apenas uma trata da perda de uma chance a ser indenizada pelo advogado, concedendo referida forma de indenização.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            ANDRADE, Paulo Roberto; JUNIOR, Ricardo Zamariola. A teoria da perda de uma chance. Disponível em: <http://www.jornalcardiol.br/2003/mai-jun/paginas/diretoria/juridico/default.asp> Acesso em: 9 nov. 2004

            CORREIA, Jadson Dias. Responsabilidade Civil do Advogado. Disponível em: <http://www.proteus.limeira.com.br/jurinforma/portal.php?cod=4&grupo=notasd&p=4> Acesso em: 27 nov. 2004

            DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7º Volume. Responsabilidade Civil. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2004.

            GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

            MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.

            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Volume III. 10ª edição. São Paulo: Editora Forense, 2001.

            STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil.6ª.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

            VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Responsabilidade Civil.Volume Quatro. 3ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2003.


Sobre a autora


Bibiana Carollo Bortoluzzi

E-mail: Entre em contato


Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº1018 (15.4.2006)
Elaborado em 04.2006.


Informações bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
BORTOLUZZI, Bibiana Carollo. A perda da chance e a responsabilização do advogado . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1018, 15 abr. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8250>. Acesso em: 05 nov. 2008.


Jus Navigandi - Doutrina - A perda da chance e a responsabilização do advogado

 

 

 

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