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quarta-feira, setembro 03, 2008

Reconhecida união estável de 17 anos paralela a casamento


Raphael Simões Andrade - Comentários

 

Interessante posicionamento do Magistrado Carlos Fernando Noschang Júnior sobre o reconhecimento de união estável paralelamente a casamento.

 

O caso em litígio mostra que a interpretação da lei só é aplicável quando incide no caso concreto, e que cabe ao interpretador legítimo, ao dar o direito, adaptar a letra morta da norma ao fato, e não aplicar a mera subsunção.

 


 

Reconhecida união estável de 17 anos paralela a casamento

 

Em decisão de hoje (2/9), o Juiz Carlos Fernando Noschang Júnior, da Comarca de Canguçu, declarou a existência de união estável mantida por 17 anos paralelamente ao casamento. Reconheceu que a companheira do falecido, autora da ação, tem direito a 25% dos bens adquiridos nesse período. Ela deverá se habilitar ao inventário que já tramita na Comarca de Pelotas, onde reside a esposa dele. Os pedidos de alimentos e repartição de pensão previdenciária também devem ser deduzidos no inventário.

 

Conforme o magistrado, há comprovação de que o finado nunca se separou da esposa, mas também conviveu, como verdadeiro companheiro, com a autora da ação. “Todos os requisitos necessários ao reconhecimento da união estável se fazem presentes.”

 

Acrescentou que a lei ao vedar o reconhecimento de união estável paralelamente ao casamento, deixou de contemplar situações como a do processo, “vez que a autora não foi sócia do de cujus, tampouco mera amante ou prestadora de serviços, mas sim uma verdadeira companheira.” Na falta de categoria legal para enquadrá-la, acrescentou, “cumpre ao Estado-Juiz a integração da norma jurídica, no sentido de conferir-lhe o status de companheira, adequando a lei à realidade do fato social.”

 

União estável

Conforme o Juiz Carlos Fernando Noschang Júnior, existe farta produção de provas quanto à manutenção da união estável de janeiro de 1989 a março de 2006, quando ocorreu o falecimento do homem. Diante da comprovação documental e testemunhal e o filho em comum, afirmou que o relacionamento foi de fato união estável. “Em que pese a alegação da ré no sentido da movimentada vida amorosa do de cujus, fato confirmado por testemunhas e inclusive por sua viúva, a relação com a autora foi bem além de uma aventura, mas sim constituiu coabitação, assistência mútua e freqüência conjunta aos lugares públicos.”

 

Casamento

Por outro lado, reconheceu que o falecido não se separou de fato da esposa. Prova documental também indica não ter sido rompido o vínculo matrimonial, que perdurou de 1948 a 2006, totalizando 58 anos. Fotografias demonstraram a convivência familiar e marital entre eles, bem como a comemoração de “bodas de ouro” em 1998. “O que afasta a tese da autora no sentido do rompimento do vínculo matrimonial assim que passou a se relacionar com ela, 10 anos antes.”

 

Prova testemunhal confirma a situação. Segundo os depoimentos a convivência com a esposa nunca deixou de existir, apesar das costumeiras ausências decorrentes do modo de vida do homem. Ele se dedicava às lidas campeiras e passava temporadas longe de casa.

 

Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul »

 

Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 2 de setembro de 2008


 

 

quarta-feira, agosto 20, 2008

Ação indenizatória c/c ação de abstenção de prática de ato. Utilização irregular de programas de computador. (Caso Microsoft)


Raphael Simões Andrade - Comentários

Veja a sentença proferida contra o processo promovido pela Microsoft contra a empresa Vidrobox sobre a utilização irregular de programas de computador.

 

Veja como é declarada extinta, sem julgamento do mérito, a pretensão da autora pela falta de emenda na inicial. Observe que a magistrada, seguindo as regras do CPC e da Lei de Software exigiu que a autora declarasse o valor dos softwares, para calcular o valor da ação.

 

Mas, como sabemos que o valor destes softwares além de ser alto, segundo a Lei de Software, a multa pelo uso irregular é da ordem de 3.000 vezes seu valor de comércio. Tal critério, que a primeira vista parece ser uma imposição rigorosa, é, na verdade, um absurdo e uma desproporcionalidade da lei. E é por isso que ela é considerada inócua, ou melhor, que a regra estipulada é um verdadeiro dislate do legislador.

 

Logicamente, para não ter que pagar um valor exorbitante de custas processuais devido ao valor da causa, que é calculado sobre o percentual da indenização pleiteada, a toda poderosa Microsoft acho por bem calcular o valor por seus critérios e fixá-lo em R$ 5.000,00, e é por este motivo que foi solicitada a emenda na exordial. Como é sabido, o pedido de indenização por danos materiais não pode ser genérico, e seu cálculo, no caso em comento, se dá pela multiplicação de 3 mil vezes o valor de cada software em cada um dos computadores que tivessem utilizando-o.

 

Por um cálculo simples, se fosse o sistema operacional Windows XP, no valor de R$ 500,00, e supondo que a empresa o utilizasse em 100 computadores, o valor da causa, só para um dos softwares, seria a bagatela de R$ 150.000.000,00. Tendo que o valor a ser pago para entrar com a petição inicial é baseado em um cálculo cuja porcentagem varia em torno de 0,2% do valor da causa, a Microsoft teria que pagar R$ 300.000,00 aos cofres da justiça para pleitear seus direitos.

 

O mais hilário desta ação é demonstrar como a Lei de Software é um verdadeiro despautério, pois acaba por impedir o Direito Constitucional do Acesso à Justiça, até mesmo para quem tem muito dinheiro.

 

Infelizmente a toda poderosa Microsoft não poderia alegar pobreza na forma da lei.

 


 

Ação indenizatória c/c ação de abstenção de prática de ato. Utilização irregular de programas de computador.

 


Comarca de Porto Alegre
2ª Vara Cível do Foro Regional 4º Distrito
Av. Farrapos, 2750


Processo nº: 001/1.05.0027450-2


Natureza: Indenizatória


Autor: Microsoft Corporation
Réu: Vidrobox Vidros Gerais Ltda


Juiz Prolator: Juíza de Direito - Dra. Bernadete Coutinho Friedrich


Data: 10/10/2007


Vistos.


MICROSOFT CORPORATION, já qualificado na fl. 02, afora AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE PRÁTICA DE ATO, contra VIDROBOX VIDROS GERAIS LTDA, também qualificada na fl. 02.


Afirma haver sido demonstrado, através de laudo pericial acostado aos autos da ação cautelar em apenso, a utilização irregular, por parte da ré, de programas de computador dos quais detêm os respectivos direitos autorais.


Requer seja condenada a ré a deixar de utilizar os referidos softwares de modo irregular, e, dizendo haver suportado danos patrimoniais através da conduta ilícita que imputa à ré, postula seja esta condenada ao pagamento de quantia equivalente ao preço dos programas de computador utilizados irregularmente, bem como em montante equivalente até 3.000 vezes o valor de cada software a título de perdas e danos.


Intimada a autora para emendar a petição inicial a fim de esclarecer o valor unitário do seu programa que serve de parâmetro de seu pedido indenizatório (fl. 41). Contra esta decisão, a autora interpõe agravo de instrumento (fls. 43 a 63), recurso que tem conhecimento negado pela Superior Instância (fls. 106 a 109).


Sobrevém manifestação do réu, requerendo a extinção do feito sem julgamento de mérito em razão da ausência de atendimento à decisão do juízo que determinou a emenda da petição inicial (fls. 111 e 112).


Conclusos os autos.


É o relatório.


Passo a decidir.


A alínea "b", capítulo IV da exordial, expressa e especifica o pedido nos seguintes termos: "condenar a ré a pagar o preço dos programas de computador da autora, na quantidade encontra em uso ilegal ... bem como ... o montante a ser arbitrado equivalente até 3.000 vezes o valor desses programas".


Deste modo, de observar que o pedido inicial vem calcado no preço dos programas de computador de criação intelectual da autora.


Contudo, em momento algum a autora demonstra o valor econômico dos referidos programas de computador, o qual é imprescindível à estipulação do valor da causa, não restando, outrossim, esclarecido os critérios para fixação deste valor em R$ 5.000,00 conforme consignado na petição inicial.


De dizer que o valor da causa expressa a pretensão econômica do pedido, o qual, in casu, demonstra-se facilmente auferível porquanto corresponda simplesmente ao produto resultante da multiplicação do número de softwares supostamente utilizados de modo irregular pela ré e do valor de cada respectivo programa de computador.


Neste sentido, à autora foi determinado proceder à emenda da petição inicial a fim de esclarecer acerca do preço dos seus programas, tendo esta interposto agravo de instrumento contra a referida decisão, recurso o qual teve conhecimento negado pela Superior Instância.


E, a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pela Superior Instância, exarada em 25.09.2003 (fl. 106), a autora detinha o prazo de dez dias para atender à determinação concernente a emenda da petição inicial, tendo, todavia, se quedado silente.


De observar que se demonstra desnecessário, e inclusive impertinente, a renovação da intimação que determinou a emenda da petição porquanto resta óbvio que improvido ou não conhecido o recurso de agravo, a emenda resta obrigatório, no prazo de dez dias a contar do trânsito em julgado da decisão que apreciou o recurso.


Deste modo, em não tendo a autora emendado a petição inicial consoante os termos da decisão de fl. 41, a petição inicial deverá ser julgada extinta, sem julgamento de mérito, forte nos artigos 282, V; 284, parágrafo único e 295, VI, todos do CPC.


Face ao exposto, INDEFIRO A PETIÇÃO INICIAL, em razão da ausência de atendimento da decisão que determinou a emenda da petição inicial na forma do art. 284, do CPC, e, via de conseqüência, JULGO EXTINTO o processo, nos termos do art. 267, VI, do CPC.


As custas restam satisfeitas. Sem sucumbência porque sequer se formou a relação processual.


Intimem-se.


Bernadete Coutinho Friderich,
Juíza de Direito


 

Ação indenizatória c/c ação de abstenção de prática de ato. Utilização irregular de programas de computador.


 

 

domingo, junho 29, 2008

Pai-de-santo ganha ação contra frigorífico, por trabalhos de "limpeza e descarrego" :: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

Pai-de-santo ganha ação contra frigorífico, por trabalhos de "limpeza e descarrego"

 

SENTENÇA DE CONHECIMENTO
RITO ORDINÁRIO


RECLAMAÇÃO ESCRITA


JUÍZA DO TRABALHO: BIANCA LIBONATI GALÚCIO


PROCESSO Nº 639/2008 206 08 00 1


RECLAMANTE: ANTÔNIO ROMÃO BATISTA
RECLAMADO: OLGA SUELI PRADO SANTANA
DATA/HORA: 17/06/2008 ÀS 13:00 h


1- DO RELATÓRIO

ANTÔNIO ROMÃO BATISTA ajuizou a presente reclamação trabalhista em face de OLGA SUELI PRADO SANTANA, postulando pagamento pelos serviços prestados de umbanda nas instalações de três sedes da empresa Frigorífico Polar, assim como pelos materiais utilizados. As partes compareceram à audiência, no que a reclamada apresentou defesa e juntou documentos.
Foram tomados os depoimentos de ambas as partes e de uma testemunha arrolada pela reclamante.
Infrutíferas a primeira e a segunda propostas de conciliação.
Valor da alçada fixado em R$16.800,00.

É o relatório.

2- DA FUNDAMENTAÇÃO

2.1- DO MÉRITO

2.1.1 - DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Alega o reclamante que, em outubro/2007, foi contratado pela reclamada para prestar serviços de umbanda, os quais tinham a finalidade de limpeza espiritual das instalações do comércio do Frigorífico Polar, por meio de três sessões, realizadas nos Municípios de Macapá, Calçoene e Oiapoque.
Assevera que o valor acertado foi de R$15.000,00 pela mão de obra e mais o valor de R$1.800,00 pelo material utilizado. Assim, requer o reclamante o pagamento pelos serviços contratados.
Em defesa, a reclamada refuta ao afirmar que jamais contratou os serviços do reclamante de "limpeza" e "descarrego" nas instalações da empresa, uma vez que o valor cobrado de R$15.000,00 foi considerado absurdo.
Sustenta que, em razão de vários problemas nos campos pessoal e profissional, procurou o reclamante em seu local de trabalho, em duas oportunidades, pagando o valor de R$150,00, em cada consulta realizada.
Nega o trabalho do reclamante como prestação de serviço, posto que deveria haver um resultado prático, o que não ocorreu.
Ao alegar o reclamante fato constitutivo de seu direito, qual seja, prestação de serviço à reclamada, atraiu para si o ônus de prova, nos termos do art. 818 CLT e art. 333, I, CPC c/c art. 769 CLT.
Primeiramente, cumpre ressaltar que, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para apreciação de toda espécie de relação de trabalho, bastando que o prestador seja pessoa física remunerada em contraprestação pelo serviço prestado.
O art. 114, I, CF é bem claro ao dispor da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, entendida esta em lato sensu, em que se abrange toda espécie de labor humano.
A jurisprudência se manifesta nesse sentido, como demonstrado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, realizada no Tribunal Superior do Trabalho, em novembro/2007. Na ocasião, foi aprovado o Enunciado 64, a saber:
"Havendo prestação de serviços por pessoa física a outrem, seja a que título for, há relação de trabalho incidindo a competência da Justiça do Trabalho para os litígios dela oriundos (CF, art. 114, I), não importando qual o direito material que será utilizado na solução da lide (CLT, CDC, CC etc)."
A prestação de serviços constitui espécie de relação de trabalho, que é realizada de forma autônoma, ou seja, sem a existência de subordinação exercida por parte do contratante. O contratado determina a forma de realização do serviço contratado, sendo que o objeto do contrato se restringe à mera concretização desse serviço.
O art. 594 CC dispõe, claramente, que toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.
O prestador, ao ser contratado, opta ou não pela cláusula de obtenção obrigatória do resultado pretendido, em decorrência dos serviços prestados, sendo esta extraordinária, por haver a necessidade de expresso acordo entre as partes. Todo contrato detém uma finalidade, mas a verificação do resultado pode ocorrer ou não.
No Direito do Consumidor, no qual se visa à proteção deste, hipossuficiente da relação celebrada, serviço é definido como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista, nos termos do art. 3º, §2º da Lei nº 8.078/90.
O diferencial quanto ao tipo de relação existente, se regulada pelo Direito Civil ou pelo Direito do Consumidor, constitui-se na existência de hipossuficiência ou não do contratado.
In casu, restou incontroverso nos autos que o reclamante se utiliza dos serviços de "limpeza espiritual" para obtenção do sustento próprio, sendo realizados em seu local de trabalho, diariamente.
Dessa forma, o trabalho realizado pelo reclamante se revela, de pleno direito, em espécie de relação de trabalho, especificamente, prestação de serviço autônomo. O hipossuficiente não constitui o contratante, como no Direito do Consumidor, e sim o contratado reclamante, cujo sustento é extraído de sua principal atividade de pai de santo.
De outro lado, na inicial, verifica-se que o reclamante se comprometeu à limpeza espiritual das instalações do Frigorífico Polar, não havendo, pois, menção expressa ao sucesso financeiro da empresa da reclamada, como alegado pela defesa. A cláusula especial de resultado, portanto, não se encontra prevista nos serviços supostamente prestados pelo reclamante à reclamada.
Ultrapassadas as questões de direito, passa-se à análise das provas.
Em depoimento, a reclamada declarou:
"que o reclamante fez o orçamento dos trabalhos; que acha que o valor cobrado pelo reclamante foi de R$6.000,00 a R$8.000,00, mas não lembra precisamente; (…) que o reclamante já foi à empresa da reclamada há aproximadamente 10 anos atrás e no ano passado; que o reclamante compareceu várias vezes na empresa para insistir que fosse feito o trabalho; que o reclamante chegou a comparecer na empresa e a se identificar à Sra. Rosângela, secretária do frigorífico (fls. 22-verso)".
Em face dessas declarações, verifica-se o intuito da reclamada em inovar na lide, quanto ao valor cobrado pelo reclamante, vez que incontroverso, na tentativa de camuflar a realidade dos fatos.
Além disso, não é razoável que o reclamante, pai de santo há 22 anos em Macapá, tenha, insistentemente, comparecido à empresa da reclamada, várias vezes, apenas para convencê-la a contratar seus serviços, inclusive, identificando-se à Secretária do Frigorífico.
Nota-se a proximidade da relação do reclamante com a reclamada, a ponto de o primeiro freqüentar, várias vezes, a sede do Frigorífico, não sendo compatível com o fato de apenas haver a reclamada se consultado duas vezes com o demandante.
A testemunha arrolada pelo reclamante, por sua vez, atestou:
"que na primeira quinzena de outubro de 2007, o depoente estava pela noite no local de trabalho do reclamante obtendo orientações, quando a reclamada compareceu no local e conversou com o reclamante sobre a realização de trabalhos; que o depoente ouviu que os trabalhos seriam realizados em três frigoríficos de propriedade da reclamada, localizados em Fazendinha, Calçoene e Oiapoque; (…)"
"o depoente chegou a encontrar várias vezes a reclamada no local de trabalho do reclamante, até o mês de dezembro de 2007; que no final de outubro de 2007 o depoente dirigiu o seu carro e levou o reclamante para a empresa da reclamada localizada na Fazendinha Igarapé da Fortaleza; que quando o depoente e o reclamante chegaram na empresa, a reclamada já se encontrava no local aguardando o reclamante; que isso aconteceu aproximadamente às 21:00h; que o reclamante ia fazer um trabalho na empresa da reclamada; que o depoente aguardou fora da sala do trabalho até o seu final; que chegou a presenciar o início dos trabalhos, quando o reclamante tirava os materiais; que o reclamante utilizava velas, colares, chapéu, defumações e não lembra mais; que o trabalho acabou por volta das 23:00 ou 23:30h (fls. 22-verso e 23)".
Seu depoimento comprova a realização do trabalho do reclamante, destinado à limpeza espiritual da empresa da reclamada, localizada em Macapá, Distrito de Fazendinha, em noite do mês de outubro/2007.
Ademais, confirma o constatado no depoimento da reclamada quanto à proximidade desta com o reclamante, a qual freqüentava, habitualmente, seu local de trabalho, o que é totalmente contrário à tese da defesa.
No que se refere às contradições mencionadas pela reclamada no depoimento da testemunha, atinentes à freqüência de utilização do carro do reclamante, não se evidenciam relevantes a ponto de evidenciar tendenciosidade da prova testemunhal e falta de isenção de ânimo. Resultam, pois, da falibilidade humana em retratar detalhada e perfeitamente os fatos ocorridos há quase 1 ano atrás.
As declarações quanto à utilização do veículo dirigido pela testemunha não se referem à forma de prestação do serviço pelo reclamante à reclamada, não havendo ingerência na procedência ou improcedência dos pedidos formulados na inicial.
Além disso, o fato de o reclamante relatar à testemunha fatos ocorridos com seus clientes não evidencia a existência de amizade íntima, uma vez que ficou claro que a testemunha freqüentava, diariamente, o local de trabalho do demandante, como sua admiradora e não como amigo íntimo.
A própria testemunha informa, em seu depoimento, que levou o reclamante à sede da empresa da reclamada, sem prévio ajuste, mas apenas pelo fato de o reclamante não haver obtido a carona esperada.
Assim, seu depoimento não se revela tendencioso a favorecer o reclamante, por não informar nenhum fato ou atributo a mais na prestação de serviço do demandante à demandada. Constitui, pois, prova idônea do serviço realizado pelo reclamante na empresa da reclamada, sediada em Macapá.
Ressalta-se, ainda, que a reclamada, ao alegar que não houve efeito dos supostos serviços realizados pelo reclamante, inclusive, destacando, em razões finais, que a empresa da reclamada continua em péssimas condições financeiras, com passivo de R$1.500.000,00, admite a possibilidade dos serviços do reclamante terem sido contratados e realizados. Caso contrário, nem ao menos se referia à existência de efeito ou não dos trabalhos do reclamante.
De outro lado, quanto à prestação de serviços nos Municípios de Calçoene e Oiapoque, o reclamante, entretanto, não produziu qualquer prova a evidenciar que, efetivamente, concretizaram-se.
O fato de a testemunha arrolada pelo reclamante ter ouvido conversa da reclamada, na qual solicita a realização de trabalhos nas empresas localizadas em Calçoene e Oiapoque, não prova que foram realizados, uma vez que não presenciou a efetivação de tais serviços.
O mesmo ocorre em relação aos materiais utilizados pelo reclamante. Na exordial, não consta qualquer discriminação dos materiais cobrados pelo demandante, pelo que não há como serem considerados os relatados pela testemunha, em observância aos Princípios do Contraditório e da Estabilidade da Lide, conforme previsto nos art. 5º, LV, CF e art. 264 CPC c/c art. 769 CLT.
Cabia ao reclamante, na reclamatória, a especificação dos materiais utilizados nas sessões, bem como a indicação do seu valor de mercado, com vistas à verificação da procedência do pedido formulado. Não o fazendo, não há como ser concedido e identificado com os narrados pela testemunha arrolada.
Por conseguinte, improcedem os pleitos de pagamento dos serviços realizados nas cidades de Oiapoque e Calçoene, assim como dos materiais utilizados nas sessões do reclamante.
Julga-se procedente, todavia, o pedido de pagamento de prestação do serviço de "limpeza espiritual" da empresa da reclamada, estabelecida na cidade de Macapá, arbitrando-se o valor de R$5.000,00, em consideração ao valor total cobrado de R$15.000,00 pelos trabalhos na sede de três empresas da reclamada.

2.1.2 - DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Requer a reclamada a aplicação da pena de litigância de má-fé ao reclamante.
Entretanto, não se verifica nos autos a incidência de quaisquer das hipóteses do art. 17 CPC c/c art. 769 CLT, não havendo de se restringir o amplo acesso ao Judiciário.
Constitui direito fundamental a Inafastabilidade da Jurisdição, nos termos do art. 5º, XXXV CF, que não pode ter sua observância restringida.
Improcede, pois.

2.1.3 - DA JUSTIÇA GRATUITA

Estabelece o Parágrafo 3° do art. 790 da CLT: "É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.".
Assim, basta uma declaração de hipossuficiência econômica do reclamante, não havendo necessidade de prova. O fato de o reclamante haver informado, em depoimento, que trabalha para Deputados, empresários e políticos, não significa, necessariamente, que receba, certa e freqüentemente, vultosos valores.
Assim, concede-se a justiça gratuita, por estarem preenchidos os requisitos do art. 790, §3º CLT.
2.1.4 - DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA:
São devidos por imposição legal, nos termos da Lei nº 8.177/91.
2.1.5 - DOS ENCARGOS PREVIDENCIÁRIOS E DE IMPOSTO DE RENDA
Deverá o setor de cálculos apurar os valores relativos às contribuições previdenciárias e de imposto de renda incidentes sobre a condenação, observando a legislação previdenciária quanto às parcelas de natureza remuneratórias e indenizatórias, assim como a responsabilidade de cada uma das partes por tais recolhimentos. É remuneratória a parcela de pagamento dos serviços prestados.

C O N C L U S Ã O

ANTE O EXPOSTO, DECIDE A MM. 3ª VARA DO TRABALHO DE MACAPÁ NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA PROPOSTA POR ANTONIO ROMÃO BATISTA EM FACE DE OLGA SUELI PRADO SANTANA: I - JULGAR PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS DA INICIAL PARA CONDENAR A RECLAMADA A PAGAR AO RECLAMANTE, A SEGUINTE PARCELA, NO PRAZO DE 15 DIAS, A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO, SOB PENA DE MULTA DE 10%(1): PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE UMBANDA PRESTADOS NA EMPRESA DA RECLAMADA, LOCALIZADA NA CIDADE DE MACAPÁ R$5.000,00. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TUDO NOS TERMOS E LIMITES DA FUNDAMENTAÇÃO. DEFERE-SE A JUSTIÇA GRATUITA. IMPROCEDEM AS DEMAIS PARCELAS. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. CUSTAS PELA RECLAMADA NO VALOR DE R$100,00, CALCULADAS NO VALOR DA CONDENAÇÃO DE R$5.000,00. NOTIFICAR AS PARTES DA ANTECIPAÇÃO DA SENTENÇA. NADA MAIS.


BIANCA LIBONATI GALÚCIO
JUÍZA FEDERAL DO TRABALHO SUBSTITUTA


Notas:
1 - Art. 832 CLT e art. 475-J CPC c/c art. 769 CLT, em consonância ao Princípio do Caráter Alimentar dos Salários, do valor social do trabalho e primado do trabalho (arts. 1º, IV e art. 193 CF). [Voltar]

:: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

 

sexta-feira, maio 16, 2008

Questão milionária decidida pelo TST tem reflexos em ação por dano moral contra jornal, rádio e jornalista :: Jurid Publicações Eletrônicas ::

 

Questão milionária decidida pelo TST tem reflexos em ação por dano moral contra jornal, rádio e jornalista

 

Comarca de Porto Alegre
10ª Vara Cível do Foro Central
Rua Márcio Veras Vidor (antiga Rua Celeste Gobato), 10
_____________________________


Nº de Ordem:
Processo nº: 001/1.05.0152038-8


Natureza: Ordinária - Outros


Autor: Sociedade de Advogados Trabalhistas Marcos Juliano Borges Azevedo
Marcos Juliano Borges de Azevedo
Eliana Borges de Azevedo
Adroaldo Mesquita da Costa Neto
Joao Francisco Renosto
Celso Hagemann
Paulo de Araujo Costa
Cicero Troglio
Maria Teresa Araujo de Menezes Costa
Fernanda Barata Silva Brasil Mitmann
Cesar Vergara de Almeida Martins Costa
Adriano Sperb Rubin
Ricardo Sanvicente Ilha Moreira
Clarice de Araujo Costa
Rejane Castilho Inacio
Vivian Vieira da Silva
Cristiane Noschang Vieira
Marcelo Antonio Rossi de Rossi
Luciana Santos do Couto
Michele de Andrade Torrano
Elisa Fialho Viana
Fernanda Ballester Kraemer
Marcio Candido Carneiro da Silva
Annita Moser de Souza
Valkiria Sarturi


Réu: Zero Hora Editora Jornalistica S A
Radio Gaucha S/A
Jose Barrionuevo

Juiz Prolator: Juiz de Direito - Dr. Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva

Data: 28/05/2007

Vistos.

1. Sociedade de Advogados Trabalhistas Marcos Juliano Borges de Azevedo, Marcos Juliano Borges de Azevedo, Eliana Borges de Azevedo, Adroaldo Mesquita da Costa Neto, João Francisco Renosto, Celso Hagemann, Paulo de Araújo Costa, Cícero Troglio, Maria Tereza Araújo de Menezes Costa, Fernanda Barata Silva Brasil Mitmann, César Vergara de Almeida Martins Costa, Adriano Sperb Rubin, Ricardo Sanvicente Ilha Moreira, Clarice de Araújo Costa, Rejane Castilho Inácio, Vivian Vieira da Silva, Cristiane Noschang Vieira, Marcelo Antonio Rossi de Rossi, Luciana Santos do Couto, Michele de Andrade Torrano, Elisa Fialho Viana, Fernanda Ballester Kraemer, Márcio Cândido Carneiro da Silva, Annita Moser de Souza e Valkíria Sarturi ajuizaram ação de reparação de danos morais em face de Zero Hora - Editora Jornalística S/A, Rádio Gaúcha S/A e José Barrionuevo. Disse a parte autora que ao longo de 20 anos exerceu a representação judicial da maioria dos funcionários da CEEE que buscavam na Justiça do Trabalho reconhecimento dos direitos não observados durante a relação empregatícia. Os valores discutidos em muitos processos trabalhistas alcançaram e alcançam valores elevados. Todavia, a partir do mês de agosto de 2003, o jornalista José Barrionuevo, mediante inserções no Jornal Zero Hora e manifestações na Rádio Gaúcha, passou a causar constrangimentos aos autores pelo cunho que deu aos fatos, gerando, assim, o dever de reparação moral. Destarte, pugnaram fossem os réus condenados solidariamente ao pagamento de indenização por danos morais, levando em linha de conta os critérios apontados no art. 53 e incisos I e II da Lei de Imprensa. Com a inicial, foram acostados documentos.

Citadas, as co-demandadas Zero Hora Editora Jornalística S/A e Rádio Gaúcha S/A contestaram (fls. 278/318). Argüiram preliminar de ilegitimidade ativa dos advogados integrantes da pessoa jurídica autora. Discorreram acerca da necessidade de aplicação da Lei de Imprensa. No mérito, sustentaram que todas as matérias jornalísticas publicadas pelo Jornal Zero Hora relativas à CEEE limitaram-se a reproduzir, dentro do chamado animus narrandi, os fatos tais como ocorridos. Referiram não ter ocorrido abuso, invocando o interesse público e a liberdade de informação. Finalizaram por requerer a improcedência da ação. Juntaram documentos.
Por seu turno, o demandado José Barrionuevo contestou (fls. 333/44) discorrendo acerca das matérias jornalísticas objeto do pedido indenizatório, bem assim sustentou que, acerca dos honorários advocatícios devidos pela CEEE ao advogado Marcos Juliano, a informação foi prestada pela Procuradoria do Estado que defendia os interesses da estatal. Pugnou, ao final, pela improcedência da ação.

Em réplica (fls. 435/451), mantiveram os autores os argumentos alinhavados na inicial, juntando novos documentos, sobre os quais restou oportunizada manifestação aos demandados.

Em saneador (fls. 514/15), houve indeferimento do pedido de revelia dos demandados e foi declarada a perda da produção de prova oral, bem assim afastada a decadência do direito. Outrossim, rejeitada a preliminar de ilegitimidade ativa.
Interpuseram as co-demandadas Zero Hora e Rádio Gaúcha agravo retido, relativamente à rejeição da preliminar de ilegitimidade ativa (fls. 538/41). A parte demandada interpôs agravo de instrumento, relativamente à declaração de perda da produção de prova testemunhal.

Recurso provido (fls. 988/992).

Colhida a prova oral (fls. 899/940, 978/79, 1.005 e verso, 1.151/177).

Encerrada a fase instrutória , foi substituído o debate oral por razões escritas (fls. 1.489, 1.505 e 1.520).

É o relatório.

2. Decido.

Do agravo retido
Quanto ao agravo retido, mantenho a decisão que afastou a preliminar de ilegitimidade ativa.
Acrescento que os autores postulam ressarcimento por dano que alegam ter sofrido, fruto de matérias jornalísticas que reputam ofensivas. Assim, tanto o pressuposto da violação de direito, como a existência de danos alegadamente sofridos pelos diversos demandantes, constituem matéria de fundo, de forma a reclamar juízo de mérito sob cada aspecto enfocado.
Não há que se barrar a demanda, pois o direito invocado - abstratamente - pertence aos reivindicantes.
Portanto, mantida a decisão, prossigo.


Da liberdade de imprensa

Conquista integrante de todas as ordens jurídicas democráticas, a liberdade de imprensa reflete um dos direitos fundamentais do homem, expresso no art. 19 da Declaração Universal dos Direitos do Homem:
"Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão, direito esse que inclui a liberdade, sem interferências, de ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias, por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".
No direito brasileiro, a liberdade de imprensa é reconhecida no mais alto nível legislativo, erigida que foi à categoria de norma constitucional: artigo 5º, V, IX e X.
Por sua vez, a Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa) regula todas garantias, excludentes, abusos, responsabilidades, direitos e deveres, direta e indiretamente ligados à liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Os princípios informadores dessa legislação estão expressos no texto de seu artigo primeiro:
"É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo, cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer".
Ocorre que a Lei de Imprensa não contém unicamente os tipos penais específicos dos crimes contra a honra. Au contraire, estabelece todos os princípios basilares da atividade jornalística e toda sistematização do processo penal e cível ligado à atividade da imprensa. Desta forma, cria, por exemplo, a responsabilidade sucessiva dos editores, redatores, diretores e proprietários de jornais em caso de anomínia dos textos incriminados.
Por outro lado, dá aos abusos cometidos durante a atividade do jornalista um tratamento diverso, levando, naturalmente, em conta o exercício da profissão e sua finalidade social.
Dentro deste aspecto, a legislação pertinente confere ampla liberdade de manifestação, apenas sujeitando o agente que abuse do direito concedido ao dever de suportar a responsabilização pelos danos injustamente provocados.o, apenas sujeitando o agente que abuse do direito concdido, provocando violaç
Neste sentido, preconiza o § 2º do art. 49 da Lei nº 5.250/67:
"art. 49 - Aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar:
I - os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, II e IV; no art. 18 e de calúnia, difamação e injúrias;
II - (...)
§ 1º - (...)
§ 2º - Se a violação de direito ou o prejuízo ocorre mediante publicação ou transmissão em jornal, periódico ou serviço de radiodifusão, ou de agência noticiosa, responde pela reparação do dano a pessoa natural ou jurídica que explora a pessoa natural ou jurídica que explora o meio de informação ou divulgação (art. 50)".
Não há, pois, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo por razões de relevante interesse público. Um direito atua como limite do outro, um sendo condição de possibilidade do outro.
Para equacionamento dessa relação tensional não é recomendável, como observa GOMES CANOTILHO, "...a adoção da lógica do tudo ou nada. Preferível buscar-se o critério da concordância prática ou da harmonização que consiste, essencialmente, na coordenação dos princípios em conflito para o efeito de obstar a total imolação de um deles..." (1).
A coordenação dos princípios em conflito, a linha de limite desenhada entre a liberdade de expressão e o direito à honra, não é fácil, nem simples. Não pode ser examinada do ponto de vista de valores abstratos, mas, sim, em situações concretas, na medida em que a preponderância há de ser definida pelo interesse público.
Ocorre que a definição do interesse público à informação nem sempre deve ser pautada pela simplória perspectiva da curiosidade social. O interesse público protegido pelos valores constitucionais guarda íntima relação com a informação socialmente relevante (preservando aspectos íntimos da vida de cada um) e veraz. Ninguém seria capaz de defender a liberdade de transmitir informação que desborde da verdade, pois nela ausente interesse público.
No mesmo norte, a crítica deve receber o mesmo tratamento da informação. A evolução social, efetivamente democrática, depende do debate e do exercício de livre opinião. Pertence aos totalitários o monopólio da opinião censurada. Ocorre que a crítica também deve observar pressupostos como a relevância social e veracidade do fatos em que se funda, sob pena de se transformar em mecanismo tão repressor quanto a censura.
A atividade de jornalista atinge - com justiça - patamares sociais jamais alcançados. As colunas de opinião são efetivos e poderosos formadores de opinião. Nesta senda, é necessário exigir que obedeçam à técnica profissional, de forma a evitar situações danosas.
Nesta medida, não se nega direito de crítica em relação, por exemplo, a sentenças judiciais, atividade parlamentar ou mesmo qualquer outra atividade social. O que não se pode aceitar é a crítica lastreada em fatos inexistentes, ou a crítica de cunho meramente ofensivo (neste caso também carente do interesse social).
A rigor, o jornalista de opinião assume obrigação mais ampla, na medida em que, além de investigar profundamente os fatos sobre os quais deve se manifestar, deve observar a prudência e a objetividade em suas ponderações.
Cito voto do Desembargador Odone Sanguiné na Apelação-Cível 70018160184:
"Ora, a Constituição não protege o direito ao insulto que seria, ademais, incompatível com a dignidade da pessoa humana e que nada tem que ver com a crítica, por dura que esta seja, de sua conduta. A emissão de qualificativos formalmente injuriosos em qualquer contexto, desnecessários para o labor informativo ou de formação da opinião que se realize, implica um dano injustificado à dignidade das pessoas ou ao prestígio das instituições , lesionando direitos constitucionalmente protegidos (CREMADES, Javier. Los limites de la libertad de expresión en el ordenamiento jurídico español, La Ley-Actualidad, Madrid, 1995, pp. 183-185; JAVIER ÁLVAREZ GARCÍA, Fransciso. El derecho al honor y las libertades de información, Tirant lo blanch, Valencia, 1999, . 130 e ss)."
Três princípios devem se acomodar, portanto, quando se trata de matéria como a presente: a honra do indivíduo, o interesse público e a liberdade de expressão.
A atividade jornalística é indispensável á manutenção do Estado Democrático de Direito. É a imprensa um canal de reflexão social que possibilita difundir conhecimentos, disseminar cultura e iluminar consciências. Por isso, se registra que "...o advento da sociedade da informação é uma verdadeira revolução cultural." (2) Entretanto, a liberdade de informação jornalística que desbrava limites do princípio da dignidade da pessoa humana, invadindo, sem justificável interesse público, a intimidade e a vida privada, agrava a honra e a imagem de pessoas, merece ser reprovada.
Portanto, fica assentada a ampla liberdade de informação ou crítica (desprovida de cunho eminentemente ofensivo) lastreada em fato social relevante e verdadeiro, sob pena de responsabilização pelos danos decorrentes.

Responsabilidade das empresas que veiculam a informação
A discussão no aspecto já se encontra superada pelo advento da súmula 221 do STJ:
"São civilmente responsáveis pelo ressarcimento do dano, decorrente em publicação da imprensa, tanto o autor do escrito quanto o proprietário do veículo de divulgação".
Há evidente responsabilidade solidária, na medida em que os órgãos que veiculam notícia têm por obrigação aferir o teor da informações que publicam. Tratando-se de atividade empresarial, com retorno financeiro, devem primar pelo controle da qualidade do jornalismo, consistindo em mecanismo de garantia social contra ilícitos e abusos.
A publicação que descura deste dever determina a responsabilidade solidária da empresa, inclusive pela melhor condição financeira de suportar a penalização.
Dos fatos veiculados
Os autos noticiam que, em agosto de 2003, o demandado José Barrionuevo, através do jornal Zero Hora e da Rádio Gaúcha, iniciou uma campanha de difamação dos autores, insuflando a opinião pública com opiniões acerca das demandas trabalhistas, que denominou "indústria das reclamatórias trabalhistas". Tratava-se de comentários sobre demandas judiciais dirigidas contra a Companhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE, cujo resultado determinou pagamento de vultosas indenizações, sugerindo que os autores, para obter a procedência das ações, estariam em conluio com o sindicato da categoria dos eletricitários e com a diretoria da CEEE.
Reproduzo algumas manifestações nos veículos demandados:
"...Inclusive, um provável conluio entre diretores da Estatal, Sindicato e escritórios de advocacia. Não entendo a insensibilidade de alguns advogados inflexíveis, que não querem saber de acordo" (programa Atualidade, 19.08.2003).
"Um escritório que detém quase o monopólio das reclamatórias na indústria (sem chaminés!) de ações trabalhistas mostra-se inflexível a negociações e desde sexta-feira está requerendo judicialmente a penhora de dinheiro nas contas da CEEE..." (encarte do dia 19/08/2003, p. 10)
"... Tem arigó ganhando um milhão e meio nessa indústria trabalhista com grandes escritórios, poderosos escritórios, competentes escritórios de um lado, e uma pálida defesa de outro com ações julgadas à revelia" (Atualidade, 20.08.2003).
"...em Candiota, mais de mil operários terceirizados que asseguraram vínculo empregatício obtiveram (ele e competente escritório de advocacia quase o dobro do valor a que teriam direito..." (encarte do dia 20/08/2003, p. 14).
"...este dinheiro está indo para a indústria das milionárias ações trabalhistas, de origem duvidosa, por isto indústria, por isso nos referimos ao caso como farra das ações trabalhistas.
Como nossas Jorginas, sim, temos nossa Jorgina. Tem gente mamando nos cofres públicos." (chamada Geral, 22.08.2003.
"A maior estatal gaúcha tem um adversário poderoso, mas com os pés de barro. Resta saber quem vai colocar o guizo no gato" (encarte do dia 26/08/2003, p. 10)
"...Ao mesmo tempo, deve ter uma ação forte para conter a farra das ações trabalhistas, porque esta indústria de processos tem um ingrediente Macedo que virá à tona de forma mais objetiva algum dia, não é só a questão legal das ações milionárias, aparentemente fruto de conluios e conchavos..." (Chamada Geral, 08.09.2003).
"O julgamento está marcado para o dia 17 (próxima quarta-feira) na 2ª Turma do Tribunal Regional do trabalho, devendo se constituir na maior ação trabalhista envolvendo apenas honorários de um escritório, de Marcos Juliano Borges de Azevedo, que pretende assegurar R$ 100 milhões em agravo de petição" (...) "Sobre a bagatela de R$ 100 milhões pedido por um único escritório numa única ação, entre milhares contra a CEEE: o advogado não está requerendo em nome dos empregados, que já receberam tudo a que tinham direito,. Busca o que seria, seus direitos. Como é usual entre o advogado e o cliente, é permitido supor que o escritório já tenha sido pago, como ocorre na maioria da ações" (encarte do dia 11/09/2003, p. 12).
"...Ainda sobre a CEEE, veja que ponto chegamos, um advogado, apenas um escritório pretende levar 100 milhões de reais em apenas uma, uma única ação dessas milhares que foram citadas há pouco pelo Roberto Maltic" (Atualidade, 11.09.2003).
"...empresa que é nossa e que combata com rigor os saqueadores que têm atuado, sanguessugas por descuido, por incúria, por conluio de alguns diretores e até do Sindicato..." (Chamada Geral, 12.09.2003).
"A partir do recurso do advogado Marcos Juliano Borges de Azevedo que pretende receber 100 milhões de reais por uma única ação da CEEE das milhares em que representa os servidores públicos na indústria de ações montada em parceria com o Sindicato e, provavelmente, com conluio gente de dentro da CEEE nestes últimos anos" (Atualidade, 17.09.2003).
"Diante da magnitude da ação, o procurador Velair Dirceu Fürst demonstrou sensibilidade ao defender a necessidade de haver uma manifestação do Ministério Público em relação à ação contra a CEEE de um único escritório que pleiteia R$ 100 milhões em honorários advocatícios (..) Quando um advogado chega ao ponto de se sentir no direito - sem ficar ruborizado - de pleitear R$ 100 milhões por uma única ação, algo muito grave aconteceu nas últimas duas décadas Há um ingrediente ético e moral" (encarte do dia 18/09/2003, p. 12).
"O escritório responsável por 85% das ações trabalhistas contra a CEE publicou ontem apedido de uma página em jornal local, com esclarecimentos importante sobre as demandas ajuizadas abordando aspectos que o colunista não questiona. Em nenhum momento toca na tentativa de faturar R$ 100 milhões como honorários advocatícios a partir de uma única ação - entre as muitas que controla conta a CEEE...". (encarte do dia 19/09/2003, p. 12)
"Arthur Barrionuevo Filho, de SP, da Fundação Getúlio Vargas: ' Se a procuradoria estão tão emprenhada em defender o interesse público no caso CEEE, por que ninguém pensou em processar esse escritório por litigância de má-fé?" (encarte do dia 27/09/2003, coluna do leitor, p. 10)
Ao exame do que restou noticiado naquela época, acima parcialmente transcrito, depreende-se o jornalista demandado não exerceu crítica norteada pelo interesse público. Evidencia-se, obviamente, ataque pessoal e frontal contra o escritório que patrocina demandas trabalhistas.
Em primeiro plano, cumpre enfatizar que o requerido empreendeu sucessivas manifestações atribuindo a vitória nas ações trabalhistas a conchavos e conluios.
Por conluio se extrai tratar-se de cumplicidade para prejudicar terceiro, colusão, trama, combinação, ajuste maléfico. Por óbvio, quando tal assertiva é imputada a alguém não se está a elogiar, mas ofender a conduta pessoal e profissional.
Sem o mínimo de cuidado, beirando a leviandade, o jornalista José Barrionuevo imputou nos autores uma relação de conluio com diretores e funcionários da CEEE e membros do Sindicato dos Eletricitários para obter procedência nas reclamatórias trabalhistas ajuizadas em face da CEEE. Ao contrário do que lhe incumbia, jamais teceu qualquer esclarecimento no sentido de apresentar os fatos que embasaram a ofensiva conclusão. Único aspecto que menciona é a existência de revelia. Ora, a prova judicial despreza a existência de revelia, o que é desprezado pela prova judicial. Além disso, a ausência de defesa em um processo não significa, necessariamente, conluio ou conchavo.
As afirmações tecidas pelo jornalista José Barrionuevo não observaram as causas dos problemas financeiros da estatal, o gravíssimo quadro gerencial e a deficiente atuação dos advogados terceirizados contratados pela CEEE para defendê-la. Mas, revelaram um contundente e pessoal ataque desabonatório à conduta profissional dos autores, no sentido de que eles teriam criado uma "indústria" engendrada "em conluio" com dirigentes.
Sublinho o aspecto, pois revela a impropriedade do argumento trazido, qual seja o interesse público.
Poderia ser movido pelo interesse público se revelasse, com dados pertinentes, a causa da péssima gestão da Estatal, o que determinou a insurgência de trabalhadores na Justiça Especializada. Poderia ser movido pelo interesse público se apresentasse crítica pertinente a determinado julgamento, apontando o que teria embasado o que apenas refere como 'aberração jurídica'. Poderia ser movido pelo interesse público se apontasse quem são os envolvidos nos conluios e conchavos, bem como desnudasse em que efetivamente consistiu.
Poderia ser movido pelo interesse público se denunciasse quais os escritórios terceirizados que teriam apresentado defesa deficiente nos processos, ganhando valores vultosos para tal mister (lembre-se da testemunha Magda Brossard Iolovitch que, perguntada acerca dos valores pagos aos escritórios terceirizados para a defesa da CEEE, respondeu, fl. 1172, in verbis: "...sei que um dos escritórios que nós tivemos que infelizmente fazer rescisão unilateral recebia 100 mil reais por mês... Eu lido nesse meio, e ninguém recebe isso fixo, um montante desse por mês").
Mais adiante, esclareceu que "...esse grupo constatou uma desorganização imensa lá dentro. Com os terceirizados, com as teses defendidas pela CEEE (...) o problema da CEEE era problema de dentro, de como é que ela se defendia ou como ela não se defendida. Por que tinha chegado naquele passivo monumental".
Enfim, não se pode conceber a relevância social de criticar ofensivamente escritório de advocacia que defende direitos de terceiros, direitos estes que são judicialmente reconhecidos nas diversas demandas e instâncias.

Onde a aberração jurídica?
Guardadas as devidas proporções, é o mesmo que efetivar a mesma crítica a um advogado que absolve cliente contra quem a opinião pública apontava a condenação...
Critica-se, por regra, o autor da decisão, e nunca quem defende o interesse de terceiro, pois esta é a essência da profissão do advogado. Não se pode desconhecer que, tanto quanto o jornalismo, a advocacia representa um dos pilares do Estado Democrático, razão pela qual a própria constituição lhe impõe direitos e deveres específicos. A representação de cliente é técnica, necessária e garantida pelo próprio Estado, inclusive pela Defensoria Pública. Não cabe crítica pelo ajuizamento de demandas, quando são a própria essência da atividade advocatícia. Note-se que há remédio processual adequado para evitar o abuso de direito de pleitear em juízo, mediante imposição de penas pecuniárias previstas, cumprindo ao julgador da causa avaliar tal situação.
Pontifico, ainda, a iniciativa do agendamento dos pagamentos, o que consistiu em evidente benefício da Estatal, na medida em que evitou bloqueios e penhoras, podendo administrar o passivo consolidado. A testemunha Magda Brossard Iolovitch, Diretora do Departamento Jurídico da CEEE (fls. 1.159/174), atestando que o agendamento era necessário e benéfico para a Estatal, refere: "no início de julho, nós, diretoria, diretores da CEEE, o diretor, eu jurídica, o diretor financeiro, o diretor administrativo e mais o representante da Secretaria da Fazenda chamamos o Doutor Marcos Juliano e a Doutora Eliana para uma reunião na CEEE para tentar alongar as dívidas até o final daquele ano, que havia agendado até o final daquele ano" (grifei).
Neste passo, os trabalhadores (e não os seus procuradores, como confunde o jornalista demandado) propiciaram alternativa de pagamento, diferindo créditos. Não se tratava de imposição, mas concessão, e portanto, vinculada aos interesses dos credores. O que não se poderia exigir seria a renúncia de créditos reconhecidos em juízo...
Pois a quebra do ajuste informal, seja por motivos justificados ou não, determinou a necessidade de cumprimento das decisões, com pronto pagamento.
Reitero. Ao contrário de criticar a atuação do escritório (que tratou de cumprir adequadamente os poderes que lhes foram outorgados por seus constituintes), caberia verificar as causas das sucessivas demandas trabalhistas, apontando falhas e criticando as decisões que levaram à nefasta dívida invocada reiteradamente nas manifestações. Caberia crítica à pálida defesa da Estatal, investigando o motivo pelo qual não se produziram contestações mais efetivas. Não se afastaria crítica eventual às decisões judiciais, fundamentada, desde que destituídas de caráter ofensivo...
Portanto, a conclusão evidente é de que houve opção em atribuir ao escritório a responsabilidade pelos débitos extraordinários que a Estatal estava e está enfrentando.
Veja-se, ademais, que não se cuidou de única investida, mas de diversas inserções, orais e escritas, nos mais conhecidos programas de informações deste Estado (Rádio Gaúcha, líder de audiência no Estado, e Zero Hora, o mais importante jornal do sul do País, com 174.200 exemplares de tiragem diária - acontecendoaqui.com.br) sempre com mesmo foco e mesmo tom.
A própria prova colhida judicialmente revela que não houve qualquer tipo de favorecimento em favor dos clientes dos autores. É o que se depreende do depoimento do Juiz do Trabalho, Dr. Celso Karsburg, in verbis:
"O depoente não sabe informar se a deficiência de defesa da CEEE ocorria em processos patrocinados somente por alguns advogados, ressaltando que todas as defesas da CEEE 'deixavam a desejar". (...) Nos processos em que o depoente atuou não constatou alegações forjadas ou falsas (...) não constatou nenhuma forma de ligação entre os advogados da CEEE e os advogados do escritório Marcos Juliano de forma a influenciar na tramitação dos feitos (...) Era do conhecimento dos juizes que a maioria das ações trabalhistas promovidas contra a CEEE era do escritório autor, referindo o depoente que nas ações em que atuou, cerca de oitenta por cento eram patrocinadas pelos autores." (fls. 978/79).
A testemunha Magda Brossard Iolovitch, Procuradora do Estado aposentada, Diretora do Departamento Jurídico da CEEE (fl. 1.171), informou, ao ser inquirida acerca da repercussão dentro da CEEE quanto às acusações de conluio, envolvendo o autor Marcos Juliano e seu escritório e a CEEE, respondeu que dentro da estatal não havia qualquer relação dos indigitados conluios com o escritório/autor e a CEEE. O problema era interno.
No caso, a prova se encarrega de apontar com razoável clareza que o jornalista demandado deu opinião baseada em dados absolutamente deturpados, olvidando a efetiva realidade da história de gestão da CEEE.
Note-se que o próprio Jornal Zero Hora apresentou matérias sobre os problemas enfrentados pela CEEE com cunho eminentemente jornalístico, onde há evidente animus narrandi. Não há ofensas e a tônica da reportagem se pauta pelas efetivas causas da crise enfrentada. A inicial reconhece tal situação.
Diversamente, reside nas intervenções do jornalista José Barrionuevo o cunho absolutamente ofensivo e distorcido do problema, insinuando a responsabilidade dos procuradores dos trabalhadores pelo passivo expressivo com que se depara a estatal.
Mais. Há que se observar as inserções em conjunto, de forma a caracterizar a verdadeira campanha instalada. Não parece adequado tomar individualmente cada publicação, pois é o conjunto delas que torna mais evidente a impropriedade da opinião tecida, gerando convicção pela responsabilização.
Enfim, o fato examinado determina a existência de abuso, provocando danos e gerando, como conseqüência, o dever de reparação.

Dos danos
A contestação trazida pelos veículos de comunicação, subscrita por profissional com inegável capacidade e rara inteligência, sustenta que não se justifica a pretensão de indenizar o escritório (pessoa jurídica) e os demais sócios, afirmando que, se houvesse danos, estes teriam sido perpetrados apenas contra o autor Marcos Juliano.
Ouso, todavia, divergir parcialmente.
O exame atento dos fatos narrados gera a convicção de que em momento algum as reportagens geraram crítica à atuação individual de quaisquer pessoas físicas que intentam esta demanda.
Os fatos ofensivos decorrem de inconformismo com a própria atuação da banca de advogados, e não individualmente. As críticas são pela forma com que a sociedade de advogados (pois foi esta a contratada) exerceu a representação judicial nas diversas ações trabalhistas. Afora o próprio sócio principal, que dá nome à sociedade, não há sequer menção pontual aos demais integrantes.
Não vislumbro prejuízo pessoal a cada um dos integrantes, desconsiderado o próprio fato de participarem da sociedade. Com adequada razão, os requeridos apontam que, a vingar a tese dos autores, qualquer dano moral sofrido por pessoa jurídica seguramente teria efeito sobre os sócios, de forma a determinar a indenização de todos. O efeito é, de regra, reflexo, não justificando a ampliação do dever de reparar apenas por tal condição.
Em relação ao sócio principal, o Dr. Marcos Juliano Borges de Azevedo, igualmente não verifico a existência de ofensas irrogadas contra sua pessoa. As críticas, que reconheço como injustas e ofensivas, são direcionadas contra a Sociedade de Advogados Trabalhistas - Marcos Juliano Borges de Azevedo. A tônica da reportagem não ofende a pessoa física, mas a sociedade de advogados.
Neste passo, tenho que o pedido não deva ser acolhido em sua integralidade, na medida em que ausente dano por parte das pessoas físicas que patrocinam esta demanda.
Diversamente, a Sociedade de Advogados Trabalhistas Marcos Juliano Borges de Azevedo se mostra efetivamente atingida. As matérias atribuem a existência de conluios e conchavos com a parte contrária, o que põe em risco a credibilidade do escritório. Convém gizar que a confiança é um dos itens de maior relevância na relação entre advogado e constituinte. Mais, a própria comparação com Jorgina não pode ser dada como natural, mas obviamente provocadora de danos à imagem do escritório.
De qualquer sorte, cuida-se de dano moral in re ipsa, carecendo de prova da extensão dos danos, sendo evidenciados pela própria natureza das ofensas irrogadas (STJ, Resp. 23.575-DF, Min. César Asfor Rocha).
No caso em comento, houve inclusive prova da existência dos danos, consoante se verifica no depoimento das testemunhas Nilceu Antônio da Silva (fls. 919/23) e Pedro Luiz Correa Osório (fls. 927/30).
Quando os requeridos apontam que o escritório não pode ser sujeito de indenização, por consistir em mero local de trabalho, pecam pela concepção apriorística do termo, descurando que os danos são postulados pela sociedade de advogados, o que absolutamente afasta a interpretação conferida.
Há muito já se assentou a possibilidade de pessoa jurídica ser credora de reparação por danos morais.
Leciona APARECIDA I. AMARANTE que "...entre os vários aspectos da honra, distingue-se a
honra profissional. Diz ela respeito a qualidades específicas ao exercício de determinadas profissões, onde há um conjunto de normas que obrigam a determinada conduta, tanto que se fala também em honra de classe. Ao lado do título profissional destaca-se a conduta ética, impondo linha de conduta, traçada pelas leis, cultura, costumes, hábitos da classe de pessoas preparadas para o exercício de certa atividade." (3) É o caso da Sociedade de Advogados autora.
Nas palavras de TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, "... direito à honra é, assim, direito de sustentar o modo pelo qual cada um deseja ser visto pela sociedade. É uma combinação de auto-respeito e respeito dos outros." (4)
O exercício desse direito-poder há de esbarrar no justo, no lícito. Atribuir a alguém de autoria de um fato desabonatório, mesmo que por confusão de informação, ou deslize, prova dano. Não se está falando em dolo sequer eventual, mas de culpa civil, com negligência. Com negligência, "porque descurou o criador de norma de bom procedimento. E, devendo conhecer as técnicas de sua profissão, a responsabilidade envolvida, a ética e seus deveres laborais, a língua pátria, agiu até mesmo com imperícia. O que basta para atrair o direito à indenização pelo dano moral, constitucionalmente albergada." (5)

Do valor a indenizar
Quanto à pretendida indenização tarifada, a jurisprudência do STJ afastou a aplicação da Lei de Imprensa, conforme precedente da Quarta Turma (Agravo Regimental do Agravo de Instrumento nº 427.830-RJ), asseverando que não foi objeto de recepção pela Constituição Federal de 1988. Assim, afasto a pretensão de observância do tarifamento.
Passo, então, à quantificação do dano, examinando a natureza, gravidade, repercussão da ofensa e a posição político-social de ambas as partes, o grau da culpa do responsável, sua situação econômica, condenação anterior fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação, parâmetros inscritos no art. 53, inc. I e II da Lei nº 5.250 e cuja aplicação é de todo cabível, neste aspecto.
Entendo que a conduta atribuída à parte demandada, corroborada pelo depoimento das testemunhas, dando conta houve repercussões concretas, aponta lesão gravíssima. A situação não se põe como nova, eis que as requeridas já foram condenadas em outras oportunidades a indenizar por mau uso da liberdade de expressão, fato de todos conhecido.
Ademais, concorrem para o arbitramento a reiteração de notícias ofensivas, gerando verdadeira campanha desabonatória contra a sociedade de advogados.
Houve efetiva repercussão social, conforme atestado pela prova produzida.
Como dito alhures, a atividade de advogado pressupõe idoneidade moral, na medida em que atribui aos outorgados poderes amplos para defesa em juízo de direitos que, no mais das vezes, são significativos. A reputação, tanto quanto ao jornalista, deve ser intocável.
Postos os aspectos atinentes ao dano produzidos, importa igualmente destacar que a "aferição do valor indenizatório deve pautar-se por critérios que não impliquem enriquecimento do lesado, nem, por outro lado, ser tão ínfimo que se torne irrisório para o ofensor." (RJTJ 182/356).
No arbitramento do dano moral, há de ser levado em conta o grau de reprovabilidade da conduta ilícita, a capacidade do causador do dano e as condições sociais do ofendido, de tal sorte que o compense pelos transtornos sofridos e sirva de punição "pedagógica" ao ofensor.
Tem, pois, caráter educativo e compensatório.
Neste sentido:
"DANO MORAL. VALOR DA INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO. A indenização pelo dano moral não é instrumento de enriquecimento da parte lesada, senão que retribuição pelo malefício causado, não podendo sua fixação superar a barreira do razoável. Também serve como sanção e alerta ao ofensor, para que não seja repetido o ato. Valor de indenização por dano moral que se apresenta irreal ante as circunstâncias do fato. Apelo da ré parcialmente acolhido para reduzir o montante fixado na sentença. Apelo do autor provido.
A compensação pelo sofrimento moral não deve acarretar enriquecimento indevido. Com muita propriedade, asseverou o eminente Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, em outro aresto deste órgão fracionário: Indenização por dano moral não é prêmio, não devendo tornar mais atraente o seu ganho do que a inexistência do fato. (Apelação-cível nº 70000180133, Décima Câmara Cível, TJRS, Relator, Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana).
Os requeridos Zero Hora e Rádio Gaúcha, por integrarem o maior grupo de comunicação do sul do País, ostentam capacidade financeira invejável, de forma que para o arbitramento é necessário levar em consideração tal aspecto, sob pena de desvirtuamento do objetivo pedagógico e preventivo da indenização.
Assim, considerando ditos vetores, bem como a gravidade das imputações impingidas à Sociedade de Advogados Trabalhistas, que teve seu nome desmoralizado diante da comunidade gaúcha, colegas de trabalho e do próprio Judiciário, por diversas publicações, condeno os demandados, solidariamente, a indenizarem a parte autora em cento e cinqüenta mil reais (R$ 150.000,00).

3. Dispositivo.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido deduzido por Sociedade de Advogados Trabalhistas Marcos Juliano Borges de Azevedo, Marcos Juliano Borges de Azevedo, Eliana Borges de Azevedo, Adroaldo Mesquita da Costa Neto, João Francisco Renosto, Celso Hagemann, Paulo de Araújo Costa, Cícero Troglio, Maria Tereza Araújo de Menezes Costa, Fernanda Barata Silva Brasil Mitmann, César Vergara de Almeida Martins Costa, Adriano Sperb Rubin, Ricardo Sanvicente Ilha Moreira, Clarice de Araújo Costa, Rejane Castilho Inácio, Vivian Vieira da Silva, Cristiane Noschang Vieira, Marcelo Antonio Rossi de Rossi, Luciana Santos do Couto, Michele de Andrade Torrano, Elisa Fialho Viana, Fernanda Ballester Kraemer, Márcio Cândido Carneiro da Silva, Annita Moser de Souza e Valkíria Sarturi em face de Zero Hora - Editora Jornalística S/A, Rádio Gaúcha S/A e José Barrionuevo, para:
a) desacolher o pleito indenizatório formulado pelos autores Marcos Juliano Borges de Azevedo, Eliana Borges de Azevedo, Adroaldo Mesquita da Costa Neto, João Francisco Renosto, Celso Hegemann, Paulo de Araújo Costa, Cícero Troglio, Maria Tereza Araújo de Menezes Costa, Fernanda Barata Silva Brasil Mitmann, César Vergara de Almeida Martins Costa, Adriano Sperb Rubin, Ricardo Sanvicente Ilha Moreira, Clarice de Araújo Costa, Rejane Castilho Inácio, Vivian Vieira da Silva, Cristiane Noschang Vieira, Marcelo Antonio Rossi de Rossi, Luciana Santos do Couto, Michele de Andrade Torrano, Elisa Fialho Viana, Fernanda Ballester Kraemer, Márcio Cândido Carneiro da Silva, Annita Moser de Souza e Valkíria Sarturi
b) condenar os demandados, solidariamente, a pagar à Sociedade de Advogados Trabalhistas Marcos Juliano Borges de Azevedo, a título de indenização por danos morais, a quantia de cento e cinqüenta mil reais (R$ 150.000,00), incidente correção monetária pelo IGP-M a contar desta data, acrescidos de juros legais a contar de 19.08.2003 (primeira ofensa irrogada).
Arcarão os demandados com o pagamento de metade das custas judiciais e honorários advocatícios devidos ao patrono da parte autora, que fixo 15% da condenação, considerando o trabalho produzido, o tempo de labor e zelo do profissional, nos termos do artigo 20, § 3º, CPC. Por sua vez, as pessoas físicas que integram o pólo ativo pagarão metade das custas e honorários aos procuradores dos requeridos, os quais, observados os critérios legais, estabeleço em cinco mil reais ao procurador do Jornal e Rádio, e quatro mil reais ao procurador do jornalista José Barrionuevo, a serem corrigidos pelo IGPM a contar desta data.
Autorizo compensação na forma do artigo 21 do CPC.


Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.


Porto Alegre, 28 de maio de 2007.
Luis Antonio Behrensdorf Gomes da Silva
Juiz de Direito em substituição


Notas:
1 - In Direito Constitucional. Ed. Almedina, Coimbra, 1991, p. 196. [Voltar]
2 - FOLEY, John P. e PASTORES, Pierfranco. Ética nas Comunicações Sociais. São Paulo, Ed. Paulinas, 2000, pp. 5/6. [Voltar]
3 - AMARANTE, Aparecida I. op. cit. P. 63. [Voltar]
4 - FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de Dados:o Direito à Privacidade e os Limites á Função Fiscalizadora do Estado. Revista dos Tribunais, 1992, p. 79. [Voltar]
5 - AMARANTE, Aparecida I. op. cit. p. 243. [Voltar]

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quinta-feira, abril 03, 2008

Decisão. Persecução penal. Sigilo. Direito de acesso do advogado, quando constituído. Medida cautelar deferida - Jusvi

 

Decisão. Persecução penal. Sigilo. Direito de acesso do advogado, quando constituído. Medida cautelar deferida

Celso de Mello

 

HC 93767 MC/DF*

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

    EMENTA: PERSECUÇÃO PENAL INSTAURADA EM JUÍZO OU FORA DELE. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO OU PELO RÉU. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL OU ACUSAÇÃO CRIMINAL EM JUÍZO. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA PERSECUÇÃO PENAL (INQUÉRITO POLICIAL OU PROCESSO JUDICIAL). POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

    - A pessoa que sofre persecução penal, em juízo ou fora dele, é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.

    - O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de persecução penal, mesmo que sujeita, em juízo ou fora dele, a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.

DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida liminar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministra de Tribunal Superior da União, que, em sede de processo idêntico ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 99.402/DF), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente.

Presente tal contexto, impende verificar, desde logo, se a situação processual versada nestes autos, justifica, ou não, o afastamento, sempre excepcional, da Súmula 691/STF.

Como se sabe, o Supremo Tribunal Federal, ainda que em caráter extraordinário, tem admitido o afastamento, “hic et nunc”, da Súmula 691/STF, em hipóteses nas quais a decisão questionada divirja da jurisprudência predominante nesta Corte ou, então, veicule situações configuradoras de abuso de poder ou de manifesta ilegalidade (HC 85.185/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 86.634-MC/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO - HC 86.864-MC/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - HC 87.468/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO – HC 89.025-MC-AgR/SP, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA - HC 90.112-MC/PR, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.).

Parece-me que a situação exposta nesta impetração ajusta-se às hipóteses que autorizam a superação do obstáculo representado pela Súmula 691/STF. Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual.

O caso ora em exame põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídico-constitucional, consideradas as graves implicações que o regime de sigilo – necessariamente excepcional – impõe ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, das prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).

O Estatuto da Advocacia - ao dispor sobre o acesso do Advogado investido de mandato aos procedimentos estatais que tramitam em regime de sigilo – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, e em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios formalmente produzidos no âmbito da investigação penal, para que se possibilite a prática de direitos básicos de que também é titular aquele contra quem foi instaurada, pelo Poder Público, determinada persecução criminal.

Nem se diga, por absolutamente inaceitável, considerada a própria declaração constitucional de direitos, que a pessoa sob persecução penal (em juízo ou fora dele) mostrar-se-ia destituída de direitos e garantias. Esta Suprema Corte jamais poderia legitimar tal entendimento, pois a razão de ser do sistema de liberdades públicas vincula-se, em sua vocação protetiva, a amparar o cidadão contra eventuais excessos, abusos ou arbitrariedades emanados do aparelho estatal.

Cabe relembrar, no ponto, por necessário, a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal em torno da matéria pertinente à posição jurídica que o indiciado – e, com maior razão, o próprio réu - ostenta em nosso sistema normativo, e que lhe reconhece direitos e garantias inteiramente oponíveis ao poder do Estado, por parte daquele que sofre a persecução penal:

    INQUÉRITO POLICIAL - UNILATERALIDADE - A SITUAÇÃO JURÍDICA DO INDICIADO.

    - O inquérito policial, que constitui instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado a subsidiar a atuação persecutória do Ministério Público, que é - enquanto ‘dominus litis’ - o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária.

    A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações.

    O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial.”

    (RTJ 168/896-897, Rel. Min. CELSO DE MELLO)

Não custa advertir, como já tive o ensejo de acentuar em decisão proferida no âmbito desta Suprema Corte (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária, pelo Ministério Público ou pelo próprio Poder Judiciário.

A pessoa contra quem se instaurou persecução penal - não importa se em juízo ou fora dele - não se despoja, mesmo que se cuide de simples indiciado, de sua condição de sujeito de determinados direitos e de senhor de garantias indisponíveis, cujo desrespeito só põe em evidência a censurável (e inaceitável) face arbitrária do Estado, a quem não se revela lícito desconhecer que os poderes de que dispõe devem conformar-se, necessariamente, ao que prescreve o ordenamento positivo da República.

Esse entendimento - que reflete a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal construída sob a égide da vigente Constituição - encontra apoio na lição de autores eminentes, que, não desconhecendo que o exercício do poder não autoriza a prática do arbítrio, enfatizam que, mesmo em procedimentos inquisitivos instaurados no plano da investigação policial, há direitos titularizados pelo indiciado, que simplesmente não podem ser ignorados pelo Estado.

Cabe referir, nesse sentido, o magistério de FAUZI HASSAN CHOUKE (“Garantias Constitucionais na Investigação Criminal”, p. 74, item n. 4.2, 1995, RT), de ADA PELLEGRINI GRINOVER (“A Polícia Civil e as Garantias Constitucionais de Liberdade”, “in” “A Polícia à Luz do Direito”, p. 17, 1991, RT), de ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 383, 1993, Saraiva), de ROBERTO MAURÍCIO GENOFRE (“O Indiciado: de Objeto de Investigações a Sujeito de Direitos”, “in” “Justiça e Democracia”, vol. 1/181, item n. 4, 1996, RT), de PAULO FERNANDO SILVEIRA (“Devido Processo Legal - Due Process of Law”, p. 101, 1996, Del Rey), de ROMEU DE ALMEIDA SALLES JUNIOR (“Inquérito Policial e Ação Penal”, p. 60/61, item n. 48, 7ª ed., 1998, Saraiva) e de LUIZ CARLOS ROCHA (“Investigação Policial - Teoria e Prática”, p. 109, item n. 2, 1998, Saraiva), dentre outros.

Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de o indiciado (e com maior razão, o réu em juízo criminal) ser, ele próprio, sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constituído (como sucede no caso) tem direito de acesso aos autos da investigação (ou do processo) penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido - enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República - em perspectiva global e abrangente.

É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo - e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o acusado (e, até mesmo, o mero indiciado), por meio de Advogado por ele constituído, tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (...)” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

Vê-se, pois, que assiste, àquele sob persecução penal do Estado, o direito de acesso aos autos, por intermédio de seu Advogado, que poderá examiná-los, extrair cópias ou tomar apontamentos (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIV), observando-se, quanto a tal prerrogativa, orientação consagrada em decisões proferidas por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 90.232/AM, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - Inq 1.867/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 23.836/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.), mesmo quando a persecução estatal, como no caso, esteja sendo processada em caráter sigiloso, hipótese em que o Advogado do acusado, desde que por este constituído (como sucede na espécie), poderá ter acesso às peças que digam respeito à pessoa do seu cliente e que instrumentalizem prova já produzida nos autos, tal como esta Corte decidiu no julgamento do HC 82.354/PR, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE (RTJ 191/547-548):

    Do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado - interessado primário no procedimento administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado, de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7º, XIV), da qual - ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas - não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade.

    A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma garantia constitucional do indiciado (CF, art. 5º, LXIII), que lhe assegura, quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do advogado, que este não lhe poderá prestar se lhe é sonegado o acesso aos autos do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.

    O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução de diligências em curso (cf. L. 9296, atinente às interceptações telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em conseqüência, a autoridade policial, de meios legítimos para obviar inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório.” (grifei)

Esse mesmo entendimento foi por mim reiterado, quando do julgamento de pleito cautelar que apreciei em decisão assim ementada:

    INQUÉRITO POLICIAL. REGIME DE SIGILO. INOPONIBILIDADE AO ADVOGADO CONSTITUÍDO PELO INDICIADO. DIREITO DE DEFESA. COMPREENSÃO GLOBAL DA FUNÇÃO DEFENSIVA. GARANTIA CONSTITUCIONAL. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DO ADVOGADO (LEI Nº 8.906/94, ART. 7º, INCISOS XIII E XIV). OS ESTATUTOS DO PODER NÃO PODEM PRIVILEGIAR O MISTÉRIO NEM COMPROMETER, PELA UTILIZAÇÃO DO REGIME DE SIGILO, O EXERCÍCIO DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS POR PARTE DAQUELE QUE SOFRE INVESTIGAÇÃO PENAL. CONSEQÜENTE ACESSO AOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS DOCUMENTADOS, PRODUZIDOS E FORMALMENTE INCORPORADOS AOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO PENAL. POSTULADO DA COMUNHÃO OU DA AQUISIÇÃO DA PROVA. PRECEDENTES (STF). DOUTRINA. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

    - O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias plenamente oponíveis ao poder do Estado (RTJ 168/896-897). A unilateralidade da investigação penal não autoriza que se desrespeitem as garantias básicas de que se acha investido, mesmo na fase pré-processual, aquele que sofre, por parte do Estado, atos de persecução criminal.

    - O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional), limitando-se, no entanto, tal prerrogativa jurídica, às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito. Precedentes. Doutrina.”

    (HC 87.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2007)

Os eminentes Advogados ALBERTO ZACHARIAS TORON e ALEXANDRA LEBELSON SZAFIR, em recentíssima obra - que versa, dentre outros temas, aquele ora em análise (“Prerrogativas Profissionais do Advogado”, p. 86, item n. 1, 2006, OAB Editora) -, examinaram, com precisão, a questão suscitada pela injusta recusa, ao Advogado investido de procuração (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XIII), de acesso aos autos de inquérito policial ou de processo penal que tramitem, excepcionalmente, em regime de sigilo, valendo rememorar, a esse propósito, a seguinte passagem:

    No que concerne ao inquérito policial há regra clara no Estatuto do Advogado que assegura o direito aos advogados de, mesmo sem procuração, ter acesso aos autos (art. 7°, inc. XIV) e que não é excepcionada pela disposição constante do § 1° do mesmo artigo que trata dos casos de sigilo. Certo é que o inciso XIV do art. 7° não fala a respeito dos inquéritos marcados pelo sigilo. Todavia, quando o sigilo tenha sido decretado, basta que se exija o instrumento procuratório para se viabilizar a vista dos autos do procedimento investigatório. Sim, porque inquéritos secretos não se compatibilizam com a garantia de o cidadão ter ao seu lado um profissional para assisti-lo, quer para permanecer calado, quer para não se auto-incriminar (CF, art. 5°, LXIII). Portanto, a presença do advogado no inquérito e, sobretudo, no flagrante não é de caráter afetivo ou emocional. Tem caráter profissional, efetivo, e não meramente simbólico. Isso, porém, só ocorrerá se o advogado puder ter acesso aos autos. Advogados cegos, ‘blind lawyers’, poderão, quem sabe, confortar afetivamente seus assistidos, mas, juridicamente, prestar-se-ão, unicamente, a legitimar tudo o que no inquérito se fizer contra o indiciado.” (grifei)

Cumpre referir, ainda, que a colenda Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o HC 88.190/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO, reafirmou o entendimento anteriormente adotado por esta Suprema Corte (HC 86.059-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 87.827/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), em julgamento que restou consubstanciado em acórdão assim ementado:

    ADVOGADO. Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte. Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em curso ou por fazer. Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento investigatório. HC concedido. Inteligência do art. 5°, LXIII, da CF, art. 20 do CPP, art. 7º, XIV, da Lei nº 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei nº 6.368/76. Precedentes. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público, digam respeito ao constituinte.” (grifei)

Cabe assinalar, neste ponto, um outro aspecto relevante do tema ora em análise, considerados os diversos elementos probatórios já produzidos nos autos da persecução penal e, portanto, a estes já formalmente incorporados. Refiro-me ao postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que, concernentes à “informatio delicti”, compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais.

Esse postulado assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre persecução penal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.

É que a prova penal, uma vez regularmente introduzida no procedimento persecutório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de persecução penal por parte do Estado.

Essa compreensão do tema – cabe ressaltar - é revelada por autorizado magistério doutrinário (ADALBERTO JOSÉ Q. T. DE CAMARGO ARANHA, “Da Prova no Processo Penal”, p. 31, item n. 3, 3ª ed., 1994, Saraiva; DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES, “O Princípio da Comunhão da Prova”, “in” Revista Dialética de Direito Processual (RDPP), vol. 31/19-33, 2005; FERNANDO CAPEZ, “Curso de Processo Penal”, p. 259, item n. 17.7, 7ª ed., 2001, Saraiva; MARCELLUS POLASTRI LIMA, “A Prova Penal”, p. 31, item n. 2, 2ª ed., 2003, Lumen Juris, v.g.), valendo referir, por extremamente relevante, a lição expendida por JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA (“O Juiz e a Prova”, “in” Revista de Processo, nº 35, Ano IX, abril/junho de 1984, p. 178/184):

    E basta pensar no seguinte: se a prova for feita, pouco importa a sua origem. (...). A prova do fato não aumenta nem diminui de valor segundo haja sido trazida por aquele a quem cabia o ônus, ou pelo adversário. A isso se chama oprincípio da comunhão da prova’: a prova, depois de feita, é comum, não pertence a quem a faz, pertence ao processo; pouco importa sua fonte, pouco importa sua proveniência. (...).” (grifei)

Cumpre rememorar, ainda, ante a sua inteira pertinência, o magistério de PAULO RANGEL (“Direito Processual Penal”, p. 411/412, item n. 7.5.1, 8ª ed., 2004, Lumen Juris):

    A palavra comunhão vem do latim ‘communione’, que significa ato ou efeito de comungar, participação em comum em crenças, idéias ou interesses. Referindo-se à prova, portanto, quer-se dizer que a mesma, uma vez no processo, pertence a todos os sujeitos processuais (partes e juiz), não obstante ter sido levada apenas por um deles. (...).

    O princípio da comunhão da prova é um consectário lógico dos princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico processual, pois as partes, a fim de estabelecer a verdade histórica nos autos do processo, não abrem mão do meio de prova levado para os autos.

    (...) Por conclusão, os princípios da verdade real e da igualdade das partes na relação jurídico-processual fazem com que as provas carreadas para os autos pertençam a todos os sujeitos processuais, ou seja, dão origem ao princípio da comunhão das provas.” (grifei)

Nem se diga que a existência de co-indiciados (ou de co-réus) poderia obstar o exercício do direito de acesso à prova penal já formalmente introduzida nos autos da persecução estatal. É que, mesmo que haja co-réus (ou co-indiciados), a concessão da presente medida cautelar, ainda assim, garantirá, ao ora paciente (por intermédio dos Advogados por ele constituídos), acesso a toda e qualquer prova, desde que formalmente incorporada aos autos, especialmente porque a tanto o autoriza o postulado da comunhão da prova.

É por tal razão que se impõe assegurar, ao ora paciente, por intermédio dos patronos que constituiu, o acesso a toda informação já produzida e formalmente incorporada aos autos da persecução penal em causa, mesmo porque o conhecimento do acervo probatório pode revestir-se de particular relevo para a própria defesa do paciente em questão.

É fundamental, como salientado, para o efeito referido nesta decisão, que os elementos probatórios já tenham sido formalmente produzidos nos autos da persecução penal.

O que não se revela constitucionalmente lícito, segundo entendo, é impedir que o réu (ou indiciado, quando for o caso) tenha pleno acesso aos dados probatórios, que, já documentados nos autos (porque a estes formalmente incorporados), veiculam informações que possam revelar-se úteis ao conhecimento da verdade real e à condução da defesa da pessoa investigada ou processada pelo Estado, não obstante o regime de sigilo excepcionalmente imposto ao procedimento de persecução penal.

O fascínio do mistério e o culto ao segredo não devem estimular, no âmbito de uma sociedade livre, práticas estatais cuja realização, notadamente na esfera penal, culmine em ofensa aos direitos básicos daquele que é submetido, pelos órgãos e agentes do Poder, a atos de persecução criminal, valendo relembrar, por oportuno, a advertência de JOÃO BARBALHO feita em seus comentários à Constituição Federal de 1891 (“Constituição Federal Brasileira – Comentários”, p. 323/324, edição fac-similar, 1992, Senado Federal):

    O pensamento de facilitar amplamente a defesa dos acusados conforma-se bem com o espírito liberal das disposições constitucionais relativas à liberdade individual, que vamos comentando. A lei não quer a perdição daqueles que a justiça processa; quer só que bem se apure a verdade da acusação e, portanto, todos os meios e expedientes de defesa que não impeçam o descobrimento dela devem ser permitidos aos acusados. A lei os deve facultar com largueza, regularizando-os para não tornar tumultuário o processo.

    Com aplena defesasão incompatíveis, e, portanto, inteiramente inadmissíveis, os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou o depoimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafiançáveis na ausência do acusado ou tendo-se dado a produção das testemunhas de acusação sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denúncia, o juramento do réu, o interrogatório dele sob a coação de qualquer natureza, por perguntas sugestivas ou capciosas, e em geral todo o procedimento que de qualquer maneira embarace a defesa.

    Felizmente, nossa legislação ordinária sobre a matéria realiza o propósito da Constituição, cercando das precisas garantias do exercício desse inauferível direito dos acusados – para ela ‘res sacra reus’ (grifei)

Em conclusão, e tal como decidi no MS 24.725-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Informativo/STF nº 331), cumpre enfatizar, por necessário, que os estatutos do poder, numa República fundada em bases democráticas, não podem privilegiar o mistério.

A Assembléia Nacional Constituinte, em momento de feliz inspiração, repudiou o compromisso do Estado com o mistério e com o sigilo, que fora tão fortemente realçado sob a égide autoritária do regime político anterior (1964-1985), quando no desempenho de sua prática governamental.

Ao dessacralizar o segredo, como proclamou esta Corte Suprema (RTJ 139/712-713, Rel. Min. CELSO DE MELLO), a Assembléia Constituinte restaurou velho dogma republicano e expôs o Estado, em plenitude, ao princípio democrático da publicidade, convertido, em sua expressão concreta, em fator de legitimação das decisões e dos atos governamentais.

É preciso não perder de perspectiva que a Constituição da República não privilegia o sigilo, nem permite que este se transforme em “praxis” governamental, sob pena de grave ofensa ao princípio democrático, pois, consoante adverte NORBERTO BOBBIO, em lição magistral sobre o tema (“O Futuro da Democracia”, 1986, Paz e Terra), não há, nos modelos políticos que consagram a democracia, espaço possível reservado ao mistério.

Tenho por inquestionável, por isso mesmo, que a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduz conseqüência que resulta de um princípio essencial, a que a nova ordem jurídico-constitucional vigente em nosso País não permaneceu indiferente, revestindo-se de excepcionalidade, por isso mesmo, a instauração do regime de sigilo nos procedimentos penais, consideradas, para tanto, razões legítimas de interesse público, cuja verificação, no entanto, não tem o condão de suprimir ou de comprometer a eficácia de direitos e garantias fundamentais que assistem a qualquer pessoa sob investigação ou persecução penal do Estado, independentemente da natureza e da gravidade do delito supostamente praticado.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, até final julgamento da presente ação de “habeas corpus”, o curso do Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4, ora em tramitação perante a 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF, sustando, em conseqüência, a realização do interrogatório judicial do ora paciente, com data já designada para o próximo dia 05/03/2008 (fls. 48), ressalvada a prática de atos processuais de urgência ou, se necessário, a produção antecipada das provas consideradas inadiáveis.

Estendo, ainda, referido provimento cautelar, aos demais litisconsortes penais passivos, que, nessa condição, figuram no mesmo procedimento penal instaurado contra o ora paciente (Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4) perante a 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF.

Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão à eminente Senhora Ministra-Relatora do HC 99.402/DF (STJ), ao E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (HC 2007.00.2.014019-8) e ao MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília/DF (Processo-crime nº 2007.01.1.122602-4).

Publique-se.

Brasília, 12 de fevereiro de 2008.

Ministro CELSO DE MELLO

Relator

* decisão publicada no DJE de 18.2.2008

Assessora responsável pelo Informativo

Anna Daniela de A. M. dos Santos

informativo@stf.gov.br

 

Fonte: Supremo Tribunal Federal »

 

Revista Jus Vigilantibus, Terça-feira, 1º de abril de 2008

 

Jusvi

 

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