
Corretor de imóvel. Vínculo de emprego.
Tribunal Regional do Trabalho - TRT3ªR.
Processo: 01139-2007-109-03-00-4 RO
Data de Publicação: 13/02/2008
Órgão Julgador: Primeira Turma
Juiz Relator: Juiz Convocado Jose Marlon de Freitas
Juiz Revisor: Juiz Convocado Emerson Jose Alves Lage
RECORRENTE: PATRÍCIA MONTEIRO
RECORRIDA: LAR IMOVEIS LTDA
EMENTA: CORRETOR DE IMÓVEL - VÍNCULO DE EMPREGO. 1) A inserção da autora na atividade-fim da reclamada fragiliza sua tese de trabalho autônomo, vez que autônomo é aquele que trabalha por conta própria, estabelecendo livremente o seu modus operandi, sem qualquer dependência ou mesmo engajamento a serviço de outrem. 2) O fato da reclamante não poder participar do plantão de captação de novos clientes se chegasse após às 09h, no início de sua jornada, já constituía uma penalidade que a forçava a chegar à empresa no horário pré-determinado, sob pena de não auferir parte da sua renda. Frise-se: a captação constitui a parte mais fácil da renda dos corretores, haja vista que o atendimento de um cliente que coloque o seu imóvel para ser negociado na empresa ou que venha a comprar um imóvel já inclui o corretor no rateio da comissão do que for negociado, como captador do imóvel ou do cliente. 3) O trabalho desenvolvido pelos membros da mesma equipe, todos vinculados à mesma empresa, não descaracteriza a pessoalidade da prestação de serviços, configurando mero trabalho em equipe. É o que ocorre quando um corretor atende o um cliente de outro colega - ou seja, a um cliente da imobiliária - quando o corretor-captador está ocupado em outra atividade, que o impede de dar, àquele cliente, naquele momento, a atenção necessária. 4) Constatadas, portanto, a pessoalidade, a habitualidade, a subordinação e a remuneração, fatores reforçados pela ausência do registro da autora no CRECI, caracterizou-se o seu vínculo de emprego com a reclamada, acima de qualquer contrato que tenha sido firmado, em face do contrato realidade.
Vistos etc.
RELATÓRIO
A Exma. Juíza SHEILA MARFA VALÉRIO, da 30ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte - MG, através da r. sentença de f. 88/93, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou improcedente o pedido formulado na presente ação trabalhista.
Recorreu a reclamante, f. 94/113, pugnando pelo reconhecimento do vínculo empregatício com a reclamada, alegando que fazia captação de imóveis, intermediação de vendas, mediante comissão, prestando serviços de forma habitual, subordinada e com pessoalidade. Aduz que não tem inscrição no CRECI e que a reclamada, ao admitir a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de comprovar a inexistência da relação de emprego. Aduz que o fato de ter interrompido o pacto laboral por 25 dias não impede a sua caracterização. Pleiteia o pagamento de indenização por dano moral, alegando que foi severamente humilhada pelo diretor da reclamada, quando de sua dispensa.
Contra-razões pela reclamada, f. 116/124.
Dispensada a manifestação do Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 82 do Regimento Interno deste Tribunal.
É o relatório.
VOTO
JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
JUÍZO DE MÉRITO
VÍNCULO DE EMPREGO
A reclamante pugna pelo reconhecimento do vínculo empregatício com a reclamada, alegando que fazia captação de imóveis, intermediação de vendas, mediante comissão, prestando serviços de forma habitual, subordinada e com pessoalidade. Aduz que não tem inscrição no CRECI e que a reclamada, ao admitir a prestação de serviços, atraiu para si o ônus de comprovar a inexistência da relação de emprego. Aduz que o fato de ter interrompido o pacto laboral por 25 dias não impede a sua caracterização. Pleiteia o pagamento de indenização por dano moral, alegando que foi severamente humilhada pelo diretor da reclamada, quando de sua dispensa.
A reclamada negou a existência de relação de emprego, aduzindo que a autora é sócia de uma sapataria e que prestou serviços como autônoma, na captação e corretagem de imóveis, sem subordinação ou exclusividade. Afirmou que a autora recebia comissões, muitas vezes divididas entre os demais colegas, quando havia trabalho comum ou parceria. Afirma que "nos dias de hoje, o imóvel é cadastrado em várias imobiliárias, porque o proprietário não se interessa em dar exclusividade para nenhuma". Desta forma, a reclamante "dividiu comissões com outros corretores, na demonstração inequívoca da ausência de pessoalidade na prestação de serviços. Assim aconteceu em relação à captação e vendas arealizadas em parceria com Andréia Neiva Otoni" (f. 54). Afirmou que a reclamante não tinha obrigatoriedade de comparecimento, fazendo livremente o seu roteiro, sem sujeição a horário ou ponto, limitando-se a atender possíveis clientes, ora na parte da manhã, ora na parte da tarde, em média 4 horas por dia, em rodízio, atendendo a seus próprios interesses e que jamais sofreu punição por ausência ou atraso.
A razão está com a reclamante.
Inicialmente, é de se ressaltar que a simples inserção da autora na atividade fim da reclamada fragiliza sua tese de trabalho autônomo, vez que autônomo é aquele que trabalha por conta própria, que é senhor do seu tempo, estabelece o seu modus operandi, sem qualquer dependência ou mesmo engajamento a serviço de outrem.
Por outro lado, não consta nos autos que a reclamante tivesse a sua inscrição no CRECI, como determina a Lei 6.530/1978, em seus artigos 1º, 2º, 3º e art. 20º, II.
Veja-se que o reclamado, em seu depoimento de f. 49, afirmou que "a recda contrata funcionários com CRECI e, quando este não tem, a recda paga sua inscrição junto ao CRECI, sendo descontado tal valor nas comissões; quando a recte foi contratada, acreditava que a mesma tinha CRECI, por ser corretora, mas não pode afirmar se a mesma possui CRECI; a recda possui, aproximadamente, 45 pessoas trabalhando para ela; há corretores autônomos e empregados; estes recebem metade da comissão de mercado; os corretores com CTPS assinada possuem compromisso de horário e cumpre jornada estabelecida; o corretor autônomo não tem compromisso de horário".
Desnecessário afirmar que é da responsabilidade da reclamada checar a inscrição do corretor no CRECI, antes de contratá-lo.
Por outro lado, a prova oral demonstra que a autora tinha horário a cumprir, embora contasse com certa flexibilidade. É o que declara Gláucia Bráulio de Melo Matos, que também trabalhou na reclamada, como corretora, sem carteira assinada, no mesmo período que a autora: "seu horário de trabalho era das 08 às 20 h e, posteriormente, até às 19h; se chegasse após às 09h não pegava plantão; porém se chegasse até às 09h não tinha nenhuma conseqüência; (...) trabalhava de 2ª a 6ª f, e de 3 em 3 semanas de 2ª f a domingo; muitas vezes aconteceu de a depoente não poder comparecer ao serviço, prestando satisfação ao gerente, mas não apresentando quaisquer argumentos; recebia remuneração de acordo com as vendas; se não vendesse nada, não receberia nem mesmo o valor mínimo, nunca recebeu repreensões; trabalhava exclusivamente para a recda, no referido período; não trabalhava em todos os feriados, sendo opcional; o plantão que o funcionário perdia, se chegasse após às 09h, refere-se à captação de clientes; normalmente recebia R$ 2.000,00 por mês, em média; às vezes, a reclte trabalhava após às 18h; a reclte recebia valor aproximado ao da depoente; acha que a depoente já ficou sem receber comissão; a reclte costumava almoçar com a filha; (...) não havia horário específico para o almoço, variando de acordo com o plantão que o funcionário pegasse" (f. 50).
No mesmo diapasão, o depoimento de Salvador Alves dos Santos, que também trabalhou como corretor para a reclamada, sem CTPS assinada, no mesmo período que a autora e que declarou que a sua jornada de trabalho era a mesma da autora, ou seja, "tinha horário para entrara na recda, às 08h; após às 08h30, o corretor não pegaria plantão (captação de clientes); não tinha horário determinado para fazer intervalo; trabalhava de 2ª a 6ª f., e um final de semana , intervalado com 2 finais de semana; recebia apenas se vendesse; trabalhava exclusivamente para a recda; trabalhava em feriados, quando estes coincidiam com a escala do fim de semana; este trabalho era obrigatório; o gerente passava ordens ao depoente, no sentido de não se ausentar do plantão, pois poderia perder clientes; se o funcionário estivesse de plantão, tinha a faculdade de se ausentar, para captação de imóvel; o gerente organizava as equipes de plantão; já chegou a ficar um mês sem receber; havia metas de vendas, mas as vezes não eram cumpridas; se o corretor quisesse ir embora a tarde, ficaria em sua responsabilidade" ( grifei - f. 50/51).
Ressalte-se que a faculdade de se ausentar para captação de imóvel, logicamente, não significa sair da empresa quando o corretor bem entender para atender aos seus próprios interesses, mas sim sair para visitar o imóvel que está sendo oferecido à imobiliária para ser negociado.
Por outro lado, as testemunhas indicadas pela reclamada não conseguem derrocar as declarações acima transcritas, ao afirmar que a reclamante comparecia na reclamada apenas 03 ou 04 vezes por semana e nos finais de semana, a seu bel prazer.
Ao contrário, o cidadão que procura as corretoras da cidade visando adquirir um imóvel percebe a extrema dedicação dos corretores ligados às imobiliárias, que não apenas trabalham em jornada estendida, diariamente, incluindo quase todos os finais de semana, como recebem ordens e orientações diretas dos sócios e gerentes das imobiliárias, não apenas quanto à forma de atender aos clientes, mas também quanto aos imóveis a serem visitados. Esta observação do que ordinariamente acontece corrobora os depoimentos prestados por Gláucia e Salvador, quanto ao cumprimento de horário, subordinação, não eventualidade e pessoalidade.
Neste aspecto, cumpre esclarecer que, normalmente, o corretor que está de plantão capta clientes ou imóveis e, em função disto, já terá parte da sua comissão garantida no caso de venda. Os demais corretores poderão também ganhar parte da comissão se auxiliarem na venda do imóvel, ou seja: se o cliente volta para ver o imóvel de sua preferência em determinado momento em que o corretor-captador (aquele que o atendeu inicialmente) está ocupado com outra venda, ele será atendido por um dos corretores que se encontre disponível naquele momento na empresa. Neste caso, efetuada a venda, este segundo corretor receberá uma participação proporcional na comissão auferida.
Veja-se que a hipótese não caracteriza ausência de pessoalidade, mas verdadeiro "trabalho em equipe" dentro de uma mesma empresa. Por óbvio, a reclamante não poderia se fazer substituir por outra pessoa qualquer, que não estivesse ligada à reclamada, até porque isto afrontaria o art. 20, I, II e VI da Lei 6.530/1978, e, não raro, facilitaria a captação de clientes e imóveis inscritos na reclamada por outros corretores e imobiliárias, gerando concorrência desleal com a empresa.
Assim, o simples fato da reclamante não poder participar do plantão de captação de novos clientes se chegasse após às 09h, no início de sua jornada, já constituía uma penalidade que a forçava a chegar à empresa no horário pré-determinado, sob pena de não auferir parte da sua renda. Frise-se: a captação constitui a parte mais fácil da renda dos corretores, haja vista que o atendimento de um cliente que coloque o seu imóvel para ser negociado na empresa ou que venha a comprar um imóvel já inclui o corretor no rateio da comissão do que for negociado, como captador do imóvel ou do cliente. Neste contexto, o documento de f. 71 juntado pela própria reclamada.
Sequer o fato do corretor poder ir embora a tarde auxilia a tese empresária, pois é óbvio que sendo comissionistas puros, se deixassem a empresa com freqüência não receberiam as comissões de vendas no final do mês. Então, como bem ressaltou a testemunha Salvador, "se o corretor quisesse ir embora a tarde, ficaria em sua responsabilidade".
O pagamento comissionado é uma das formas mais antigas de acelerar e incrementar a produção, forçando o empregado a trabalhar ao máximo. Relembre-se que esta prática era adotada nos temos de Taylor e somente foi abolida por Ford, quando da invenção da esteira de produção, eis que esta dava ao trabalho um ritmo próprio, impedindo o "tempo morto" ou "dos movimentos desnecessários" (esperas, tempo para saída do operário da linha de produção, para suas necessidades pessoais, conversas entre colegas, etc). Sem dúvida, o pagamento de comissões é uma antiga forma de dominação, praticada no taylorismo, que volta com toda energia: quebra a solidariedade entre os empregados, força a produção e o sobrelabor.
Dessarte, assiste-se na flexibilização do Direito do Trabalho, a volta da fragmentação do salário-fixo, através da participação de bônus, prêmio, salário produção, gratificação e comissões. Esta política salarial, amplamente aceita pela Jurisprudência, faz com que o empregado participe dos riscos do negócio: se produzir mais, ganha mais. Se não houver lucro, também o seu salário se deteriora.
Desta forma, constatada a pessoalidade, a habitualidade, a subordinação e a remuneração, bem como a ausência do registro da autora no CRECI, caracterizou-se o seu vínculo de emprego com a reclamada, acima de qualquer contrato que tenha sido firmado, em face do contrato realidade.
Nesse passo, dou provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamante, para reconhecendo o seu vínculo de emprego com a reclamada, determinar o retorno dos autos à MM. Vara de origem para o julgamento do restante do mérito, como se entender de direito, ficando prejudicada a análise das demais matérias discutidas no recurso obreiro.
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Primeira Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso do
reclamante; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para, reconhecendo o seu vínculo de emprego com a reclamada, determinar o retorno dos autos à MM. Vara de origem para o julgamento do restante do mérito, como se entender de direito.
Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2008.
JOSÉ MARLON DE FREITAS
RELATOR