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Desmandos de um país que desconhece sua Constituição
Advogado. Membro da Association Internationale de Droit Pénal. Membro Consultor da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP. Coordenador de Direito Penal e Criminologia da Comissão do Jovem Advogado da OAB/SP. Mestrando em Filosofia do Direito – PUC/SP. Especialista em International Criminal Law: Terrorism´s New Wars and ICL´s Responses - Istituto Superiore Internazionale di Scienze Criminali.
Especialista em Direito Penal Econômico Europeu pela Universidade de Coimbra. Pós Graduado em Direito Penal – Teoria dos delitos – Universidade de Salamanca. Pós Graduado em Direito Penal Econômico da Fundação Getúlio Vargas - FGV. Bacharel em direito pela universidade presbiteriana Mackenzie.
O mês de novembro deflagrou uma realidade que se torna diuturnamente mais e mais cotidiana no cenário nacional: o desrespeito à própria Constituição nacional.
A atrocidade demonstrada no Estado do Pará apontou uma série de desmandos ao qual o argumento subseqüente tinha por condão ser ainda pior que o antecedente.
Uma jovem coabitar uma cela com mais vinte homens, por si só, já denota um problema grave de violação aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana, porém o que dizer dos fatos conseguintes?
Cada autoridade tentando se justificar através de uma banalização da situação. Primeiro, com o delegado, ao afirmar que não havia nada de mais em ter uma menina (15 anos) presa, porque, na verdade não se tratava de uma menina, mas sim, de uma mentirosa que alterou seus documentos e que os propalados 15 anos eram na verdade 19.
E, desde quando essa informação justifica a convivência de uma mulher com vinte homens forcosamente?
Ademais, a jovem teve de comprovar que era menor de idade, fato posteriormente confirmado pela própria família. Interessante, o que uma menor de idade faz presa numa delegacia conjuntamente com maiores e capazes?
Seria leviano afirmar que tal conduta é diametralmente oposta ao que prevê o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?
Em continuidade a seqüência de absurdos, a própria governadora do Estado assume ser comum a presença de mulheres em cela de presos, não havendo uma distinção e uma proteção adequada.
Apesar, da própria polícia, demonstrar a possibilidade da existência de celas para propiciar a separação de sexos.
Mas, o show de atrocidades ainda não estava completo: havia o estupro de detentas, mas como assim? Violentar meninas que convivem forçosamente com outros homens? Eles jamais fariam isso a uma mulher...
A cereja que faltava para completar a camada de chantili e o bolo construído pela administração daquele estado se completou com a afirmação do delegado que a menina, na verdade, era portadora de debilidade mental.
Fato desmentido no dia seguinte e que custou o emprego da autoridade “competente”.
Foram tantos os problemas, que se torna difícil acreditar ser possível uma seqüência tão desastrosa dessa dura realidade de ser brasileiro.
Como o cenário não é de nenhum filme de terror de quinta categoria, o que nos resta é apontar os problemas, numa esperança de colaborar pela diminuição do caos.
O inicio desse artigo previa um desrespeito à Constituição e será ele válido? Será que os presos merecem ser tratados como seres humanos? Senão vejamos:
A proteção à mulher presa é flagrante:
“Art. 5°, III, da Constituição Federal. Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
Art. 5°, XLI, da Constituição Federal. A lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.
Art. 5°, XLVIII, da Constituição Federal. Não haverá penas:
- de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
- de caráter perpétuo;
- de trabalhos forçados;
- de banimento;
- cruéis (grifo nosso).
Art. 5°, XLIX, da Constituição Federal. É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.
Art. 6°, da Constituição Federal. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança. A previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma dessa Constituição.
É inconcebível que ainda exista na realidade brasileira cenas como as vivenciadas com esta e outras jovens no mundo prisional. Tais atos, somente podem ser viáveis se o pensamento for o da desumanidade.
Porque, em verdade, o preso não é mais um ser humano, mas sim um paria social e, por assim o ser, merece um tratamento degradante e cruel. A mulher presa merece ter sua carne deflagrada e sua intimidade invadida.
Ora, a que ponto chegamos?
Será que o medo e a insegurança da população são tão grandes assim a ponto de pouco se importarem com os direitos humanos do próximo?
O sistema penitenciário brasileiro ser falido não é nenhuma notícia inédita que mereça a primeira página de qualquer jornal, no entanto, será que o desmazelo social não terá mais fim?
Como pretender seguir num modelo calcado na ressocialização social se o que o Estado propicia é o desenvolvimento do ódio, da vingança, da revolta?
A sociedade paga dia após dia por essas atitudes perpetradas pelos governantes. Uma jovem inocente ser assaltada num farol, um trabalhador perde sua vida num roubo, um seqüestro que perdura por mais de 13 horas etc.
Qual é o sentimento da sociedade frente a tudo isso? ENDURECIMENTO PENAL!
O preso é tratado com um descaso e um desprezo crescente pela população e notícias como as veiculadas sobre essa jovem geram sensações de alivio, porque esses condenados estão pagando pelo mal que causaram.
Esse pensamento segregador e preconceituoso ecoa no imaginário nacional, no entanto, e se esses desmandos fossem praticados fora da prisão contra uma jovem desconhecida, que nunca teve convivência com o universo prisional, seria a mesma sentença?
Dissociar o mundo prisional da realidade nacional é um erro que não podemos cometer. Os problemas existem aqui e são transferidos para lá. Dentro da prisão se potencializam e o resultado, bom este já sabemos.
Mas, será justo o preso e a sociedade pagarem pelos desmazelos do Estado?
Se a resposta for afirmativa, casos como os ocorridos no Pará serão corriqueiros e a sociedade entrará num buraco negro inevitável.
Por outro lado, se o entendimento for contrário, é vital apurar e responsabilizar os culpados naquele Estado. Um erro jamais justifica outro. Sistema falido é uma coisa, desrespeito e desumanidade já é outra completamente diferente.
Nenhum ser humano merece ser tratado dessa forma, inocente ou culpado...
Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:
(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)
GONÇALVES, Antonio Baptista. Desmandos de um país que desconhece sua Constituição. Jus Vigilantibus, Vitória, 13 dez. 2007. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/30418>. Acesso em: 13 dez. 2007.
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