Fonte:

Emílio Peluso Neder Meyer
professor de Hermenêutica e Teoria da Argumentação Jurídica na PUC Minas, mestrando em Direito Constitucional pela UFMG
SUMÁRIO: 1 – Introdução. 2 – A teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 2.1 – O direito como sistema em Luhmann. 2.2 – Fechamento operacional e acoplamento estrutural dos sistemas. 2.3 – O Poder Judiciário e sua posição no sistema jurídico. 3 – O direito entre faticidade e validade: uma crítica à opção metodológica pela jurisprudência de valores. 3.1 – Algumas considerações de Jürgen Habermas acerca da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. 3.2 – Jurisprudência de valores: o impacto e a recepção de teoria de Robert Alexy pelo Judiciário. 3.3 – A crítica de Jürgen Habermas a jurisprudência de valores: o código binário do direito e sua validade deontológica. 4. Os problemas de um Judiciário autocrático. 5. Conclusões. Referências Bibliográficas.
1 – Introdução
Em 2002, o Supremo Tribunal Federal conheceu de uma reclamação formulada contra uma decisão do juízo federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal. A decisão do juízo ordinário autorizava a coleta da placenta da extraditanda grávida, a cantora Glória Treviño Ruiz, que se encontrava recolhida em uma carceragem da Polícia Federal. A coleta serviria para a realização de um exame de DNA num inquérito policial que investigava os fatos relacionados à gravidez da cantora, uma vez que esta teve início dentro da carceragem. A cantora acusava funcionários daquele órgão público. No mérito da decisão, o Supremo Tribunal Federal autorizou a realização do exame de DNA, asseverando expressamente, como se pode constatar no Informativo do STF de nº 257, que o Tribunal fazia uma ponderação de valores constitucionais contrapostos: o direito à intimidade e à vida da extraditanda e o direito à honra e à imagem dos servidores e da Polícia Federal como instituição [01].
A adoção da ponderação de valores como opção metodológica para fundamentação de decisões tem sido uma constante no Brasil. A fim de superar o dito positivismo e seus métodos arcaicos de interpretação, o Supremo Tribunal Federal vem, de maneira acrítica, importando uma doutrina alemã que já há muito é alvo de severas objeções. A referida utilização dessa doutrina para a fundamentação de decisões tem sido feita por parte dos juízes ordinários e tribunais inferiores. Comparando direitos a valores, tal doutrina coloca em cheque o próprio conceito de direito, o que nos leva a uma reflexão sobre os limites da atuação do Poder Judiciário no Estado Democrático de Direito. Até que ponto juízes e tribunais se submetem a um direito promulgado pelo legislador? Há realmente uma possibilidade de justificação racional de decisões baseadas numa jurisprudência de valores? O sistema do direito perde sua diferenciação com tais decisões?
O trabalho que se segue não visa dar uma resposta final a todas estas questões. Limitar-me-ei a expor alguns pontos das teorias de Luhmann e Habermas que podem esclarecer a questão, bem como a apresentar os contornos de uma doutrina "deontológica" do direito.
... (Continua)
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