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terça-feira, março 28, 2006

OS CONTRATOS VIRTUAIS




Fonte:




Doutrina
Protegido pela Lei nº 9.610, de 19/02/1998 - Lei de Direitos Autorais



Texto confeccionado em 31/01/2002, por Francisco Alexandre Colares Melo Carlos, Bacharelando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Bolsista PIBIC/CNPq e Bolsista de Direito do Banco do Nordeste do Brasil S/A. Editor do site Direito Digital, E-mail: alexandrecolares@direito-digital.com;



DA UTILIZAÇÃO DOS DOCUMENTOS ELETRÔNICOS NA FORMAÇÃO E COMPROVAÇÃO DE RELAÇÕES JURÍDICAS: OS CONTRATOS VIRTUAIS

1.INTRODUÇÃO

Os meios tradicionais de trânsito de informações tornaram-se limitados no atual contexto mundial, por não oferecerem a rapidez exigida para a realização de diversas transações comerciais.

São claros os limites da base material tradicional: armazenamento caro, de conservação limitada, de difícil transmissão e a facilidade na falsificação de assinaturas. "O aporte de recursos eletrônicos tem o condão de expandir essas circunstanciais limitações, tornando o documento mais seguro e confiável quanto a alterações, melhor administrável no sentido de que seu armazenamento e recuperação, bem assim a sua transmissão, é muito mais eficiente e rápida, além de segura.(1)"

O documento eletrônico e a assinatura digital vêm dinamizar e baratear não apenas transações comerciais, como também os serviços burocráticos estatais e relações jurídicas em geral, redimensionando os horizontes do Direto hodierno. De fato, se a comunicação entre duas pessoas distantes uma da outra tornou-se comum neste novo mundo interligado digitalmente, a celebração de contratos virtuais (formação de relações jurídicas) desse modo também já é presente.

"Para o Direito, entretanto, o documento eletrônico ainda é fonte de alguma perplexidade: essencialmente alterável, por natureza, poderia ser comparado ao documento tradicional, lançado em meio corpóreo, como o papel?(2)" São questionamentos como esse que levantaremos para tratar da aplicabilidade de contratos virtuais no Direito Brasileiro.

2.O DOCUMENTO ELETRÔNICO

Em sentido tradicional documento é todo suporte material (elemento material) que contenha informações autênticas (elemento espiritual) com propriedades para a comunicação, que sirvam para consulta, estudo, prova etc. Documento é, portanto, a representação de um fato ou expressão de vontade relevante ao Direito.

Excelente doutrina tem reconhecido o documento apenas pela presença de seu elemento espiritual – a vontade expressa, normalmente, de maneira escrita. Daí a validade jurídica dos chamados contratos verbais, positivada pela desnecessidade de forma especial para as declarações de vontade (art. 129 do CC).

É a partir dessa primeira discussão que percebemos duas correntes jurídicas(3) que discutem a existência e validade do documento eletrônico; a primeira sustenta a sua impossibilidade e a segunda, aceitando essa condição, discute se o documento eletrônico pode ser fonte per si de Direito ou se necessita atender a certos requisitos de segurança e autenticidade.

2.1.SOBRE SUA POSSIB ILIDADE

A idéia da impossibilidade de contratos virtuais já é superada doutrinária e normativamente, pois certa (é) a inexistência de impedimento em nosso ordenamento jurídico de qualquer restrição à utilização destes documentos na celebração de acordos de vontade num processo judicial (Arts. 332 e 383 do CPC), ou mesmo nas diversas relações comercias firmadas na Internet. "(A idéia de que) "Para aceitarmos com tranquilidade a idéia da formalização de um contrato (feito) por meio eletrônico vir a produzir efeitos vinculantes às partes, tal e qual o contrato ´elaborado (feito) em papel´, não há que se mudar a lei: precisamos somente aceitar o novo paradigma que nos cerca"(4).

2.2.SOBRE SUA VALIDADE JURÍDICA

Vê-se que a idéia da validade jurídica dos contratos virtuais espelha-se na doutrina do contrato verbal, portanto na mais clássica teoria do direito contratual.

Se o elemento espiritual - a vontade das partes - constitui-se a essência do contrato celebrado, não há porque não acatar o documento eletrônico como válido juridicamente. "(...) admitindo-se a existência de contratos verbais, como negar eficácia a contratos celebrados, v. g., via internet?(5)" De certo inegável que a utilização do documento eletrônico já é comum em diversas transações comerciais, relações das que mais sugerem segurança e confiabilidade.

Corretamente ensina Carlos Alexandre Rodrigues que a teoria dos contratos tem por essência o consentimento das partes, sendo "a forma escrita, embora preferida, não obrigatória; a assinatura, embora relevante, não essencial."(6) Assim, o simples pressionar de um botão em uma página web já caracteriza a aceitação de um termo de compromisso ou uma declaração de vontade, pois o documento eletrônico é meio moralmente legítimo (Art. 332 do CPC) e não proibido (Art. 129 do CC) para esses fins.

2.3.SOBRE SUA NECESSIDADE DE SEGURANÇA

Esse panorama poderia nos levar à concluir que o documento eletrônico por si só já equipara-se ao documento escrito, dotada da fé pública tradicional, grafado em coisa tangível e de natureza perecível (oposta, aqui, à natureza etérea do documento eletrônico).

Eis que nos deparamos com uma segunda questão sobre como deve o Direito tratar um contrato que possui validade jurídica mas que não pode garantir segurança jurídica às partes que nele expressam suas vontades, já que o documento eletrônico é essencialmente alterável.

Inegável é que toda relação jurídica veste-se de um caráter garantidor, este proporcional às suas características – não se pede fiador na compra à prazo de algumas peças de roupa; o mesmo não ocorre, entretanto, quando da compra de um imóvel. Vê-se, assim, que as garantias de uma relação jurídica serão, in concretum, tão diferenciadas quanto forem os objetos e partes que a compõem. Porém, se a vontade das partes é contratar sem qualquer garantia adicional, válido permanece o pactuado.

Percebemos, todavia, que a não utilização de qualquer garantia adicional à vontade das partes (como uma assinatura) não se aplica coerentemente na celebração de um contrato num meio naturalmente inseguro e cujas ações são facilmente deléveis e alteráveis pela simples idéia de que toda relação jurídica parte do pressuposto de ser cumprida(7); contudo, essas deficiências não são empecilhos para concretizá-la.

É com desprazer que notamos como o instituto da boa-fé tem perdido credibilidade em nossa sociedade, fato demonstrado pela exigência cada vez maior de formalidades e garantias na celebração de contratos, e que o meio eletrônico favorece ainda mais a má-fé por possibilitar às partes, com razoável facilidade, vícios como a falsidade ideológica.

Encontramo-nos portanto numa dialética entre a teoria e a praxis jurídica - princípios, fatos e costumes. Reflexo disso encontra-se na norma, que reconhece os documentos eletrônicos (Arts. 82, 129 do CC e 332 do CPC, entre outros) e lhes exige requisitos (Arts. 369, 371, 374, 383 do CPC).

3.A ASSINATURA DIGITAL

A eficácia probatória de um documento tradicional baseia-se na condição deste possuir uma base material segura, que não permita alterações ou perda de informações e que permita uma correta imputação subjetiva, ou seja, a presunção de autoria da vontade registrada, difícil de ser reproduzida ou modificável - daí o valor jurídico da assinatura (Arts. 386 e 388 do CPC).

Observa-se, assim, que o documento eletrônico não se prestaria para o fim probatório por não poder constituir-se uma base material segura sem a utilização de qualquer mecanismo de garantia/segurança adicional.

Compartilhando o entendimento da melhor doutrina, entendemos que um contrato virtual com validade probatória pressupõe dois requisitos mínimos: a) a inalterabilidade do meio utilizado e b) a possibilidade de identificação do emitente da(s) vontade(s) registrada(s).

É exatamente a assinatura digital que se propõe a garantir esses requisitos de eficácia probatória, utilizando-se principalmente da técnica criptográfica assimétrica(8). Creio não carecer retermo-nos muito ao assunto, compreendendo que qualquer modificação feita a um documento eletrônico assinado digitalmente (tanto no conteúdo quanto na assinatura) implicaria na sua nulidade. Restariam, pois, válidos os documentos que pudessem ter seu conteúdo e sua autoria certificados por uma terceira parte confiável (3rd Trusted Party)(9).

Sem essa segurança, um contrato virtual precisará ser valorado em conjunto com outras provas levadas em juízo, podendo facilmente ser descartado pelo julgador se este não o tiver como expressão legítima da vontade das partes. Entendimento esse, inclusive, do Eminente Ministro Ruy Rosado (STJ), ao defender que apenas com a assinatura digital "é possível controlar a autenticidade e a veracidade de informações contidas nas cláusulas do documento eletrônico. Do contrário, haverá sempre a possibilidade do negócio ser desfeito, em função de impugnação da outra parte"(10).

4.MEDIDA PROVISÓRIA 2.200, de 24 de Agosto de 2001.

A recente edição da Medida Provisória 2.200/2, logo em seu artigo 1º(11), apregoa que a ICP-Brasil garantiria a "validade de documentos na forma eletrônica". Como bem têm-se observado, tal dispositivo mostra-se incoerente com a doutrina e demais normas em nosso ordenamento, pois os contratos virtuais já possuem validade jurídica per si.

Não havemos de negar, porém, que o dispositivo tem boa redação ao referir-se a autenticidade e integridade à partir de aplicações que utilizem certificados digitais, como o mecanismo da assinatura digital - norma que representa enorme avanço à efetiva aplicabilidade dos contratos virtuais em nosso ordenamento.

5.CONCLUSÕES

São vários os questionamentos que poderíamos ainda abordar, como a particular validade jurídica do e-mail (que permite exames periciais mais eficazes, a partir dos logs dos servidores de correio eletrônico). Inquestionável, porém, é que o documento eletrônico é perfeitamente aplicável e válido juridicamente no Direito Pátrio, restando-nos observar que apesar de não ser essencial, o uso de mecanismos como a assinatura digital deve ser observado para evitar que as vantagens obtidas com os contratos virtuais (menores custos e maior praticidade e agilidade, entre outras) sejam minadas pela má-fé de alguma das partes, uma vez que não podem garantir por si só sua integridade e autenticidade.

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1-TRUJILLO, Élcio. O Mercosul e a documentação eletrônica. [http://www.advogado.com/zip/mercosul.htm]

2-Marcacini, Augusto Tavares Rosa. O documento eletrônico como meio de prova. [http://www.advogado.com/internet/zip/tavares.htm]

3-CASTRO, Aldemário Araújo. O Documento Eletrônico e a assinatura digital. [http://www.cbeji.com.br/artigos/artaldemario17122001.htm]

4-RODRIGUES, Carlos Alexandre. Da desnecessidade de assinatura para a validade do contrato efetivado via Internet. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 90, n. 784, p. 83-95, fev. 2001.

5-AYGADOUX, René François. Contratos Eletrônicos. [http://www.escritorioonline.adv.br/textos/contratos-eletronicos.htm]

6-RODRIGUES, Carlos Alexandre. Da desnecessidade de assinatura para a validade do contrato efetivado via Internet. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 90, n. 784, p. 83-95, fev. 2001.

7- Ibdem, "... qualquer relação jurídica está sujeita a riscos, daí a existência de sanções; também toda relação jurídica parte do pressuposto que será cumprida, visando a segurança jurídica. Assume relevância especial, portanto, a boa-fé objetiva, antes, durante e após o contrato, das partes que integrem a relação."

8-Há várias outras técnicas de certificação, que utilizam desde simples senhas a biometria (autenticação a partir de caracteres biológicos, como a impressão digital).

9-Há vários outros textos que explicam a criptografia assimétrica e as chamadas entidades certificadoras, como o já citado O Documento Eletrônico e A Assinatura Digital, de Aldemário Araújo Castro.

10-Notícia veiculada no site da Associação dos Notários e Registradores do Brasil – www.anoregbr.org.br – 04 de outubro de 2000.

11-"Art. 1o. Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras."


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